Nilson Montoril

Alice Gorda, Rainha Moma do Amapá


o Setentrião do Brasil viveu uma rainha: a maravilhosa Alice Guedes de Azevedo. Seu reino era o império da alegria, da pândega e da roseta. O tributo devido por seus súditos correspondia a um simples sorriso. Sem ter apego a bens materiais, a rainha Alice não tinha fortuna, nem cetro de brilhantes ou coroa de ouro. Em reconhecimento ao amor que ela nutria pelo carnaval, a soberana vontade do povo lhe deu um trono e o direito de ofuscar, por um breve período de tempo, o brilho dos poderosos. Se o seu reino tivesse um primeiro ministro, ele seria o FALCONIERE, o “Cavaleiro do Samba” que assegurou sua sagração como Rainha Moma. Seu fiel escudeiro, O Rei Momo SACACA, preferia chamá-la de Madrinha e jamais pretendeu ser mais importante que ela. Nem o passista campeador “SUCURIJU” se encheu de vaidades ao substituir o Rei Sacaca quando este foi guindado à esfera celeste para alegrar a corte dos Querubins.

O quarteto aqui mencionado despontou para a folia carnavalesca no bairro moreno da cidade, onde surgiu triunfante a “Ordem dos Foliões da Orgia e do Samba”, eternizada entre nos como Boêmios do Laguinho. Foi neste reduto onde impera a cor do ébano que a Alice Gorda começou sua jornada carnavalesca na Província dos Tucujú. Cativante e conciliadora, a Rainha Alice Gorda estendeu sua simpatia pelos Cantões Maracatu, Piratão, Piratinha, Cegonhas, Embaixada, Felicidade, Solidariedade, Unidos do Buritizal, Império do Povo, Quilombo dos Palmares, Unidos do Amapá e pelos Condados Reunidos da Liba, da Abloca e da Banda.

Antes de vestir os trajes reais, Alice tinha predileção pela fantasia de ARLEQUIM, evidenciando o vermelho e o branco. Por gostar do branco e do vermelho apaixonou-se pela Escola Acadêmicos do Salgueiro, do Rio de Janeiro. Foi por influência desta entidade carnavalesca carioca que a Escola de Samba Boêmios do Laguinho também se vestiu de alvi-rubro. Com este traje secular brincou descontraidamente enquanto o excesso de peso ainda não havia prejudicado sua mobilidade. Sempre foi apaixonado pelas festas populares que fazem a riqueza folclórica do nosso país. Entretanto, o carnaval, foi o maior encantamento de sua vida. Se não dava para caminhar, a Alice se conformava em ficar sobre o capô do motor de um caminhão ou na carroçaria de uma camionete. Nem tudo foram flores na caminhada de Alice Gorda. Por ter aceitado uma homenagem de Piratas da Batucada, que contou e cantou sua vida na Avenida FAB, ela foi acusada de ter cometido o crime de lesa pátria e traído Boêmios do Laguinho. Triste e decepcionada com a atitude de pessoas que apenas apareciam na associação no período do carnaval, ela bateu em retirada. Em 1967, consciente de que poderia ter dissabores, Alice aceitou ser “testa de ferro” de um bloco de sujos que congregava integrantes do Bloco do Amapá Clube e carnavalescos partidários políticos do Coronel Janary Gentil Nunes, eleito deputado federal em 1966. Se o Amujacy Alencar, o Savino Souza, o Jarbas Gato ou qualquer outro cidadão que participou da campanha do ex-governador tivesse despontado como coordenador do bloco, certamente a Prefeitura Municipal de Macapá não teria aceitado a inscrição requerida para participar da programação oficial. Naquele ano, uma “orquestra” foi colocada na carroçaria de um caminhão para animar os brincantes.

O Veiculo fez o mesmo percurso ainda cumprido pela Banda e só começou a tocar a marcha “A Banda”, composta pelo Chico Buarque, com maior ímpeto quando atingiu a Avenida FAB. Imediatamente, os coordenadores do carnaval mandaram os soldados da Guarda Territorial montar uma barreira no esquina da Avenida FAB com a Rua Eliezer Levy para impedir que o bloco passasse em frente ao palanque oficial. Quem usou o termo “Banda” foram as autoridades e não os brincantes ou a imprensa. Alice foi acusada de ter sido conivente com os “bagunceiros e desrespeitadores da ordem”. Jornais de Macapá e de Belém não a pouparam. Braba como ela só, Alice subiu nas tamancas e enfrentou o imbróglio com muita altivez. A maioria dos que a meteu no “foguete sem rabo” se acovardou e sumiu do mapa.

No decorrer dos 45 anos em que viveu em Macapá, Alice Gorda promoveu e ajudou a promover as pândegas e as pantomimas carnavalescas. Como o firmamento precisava de uma estrela de primeira grandeza, Alice mudou de endereço, deixando seus súditos conscientes de que apenas a fraternidade é capaz de fazer o carnaval existir. Assim, neste carnaval de 2019, mesmo que as entidades carnavalescas não desfilarem no Sambódromo, as atenções de seus integrantes devem estar voltadas para o céu, onde Alice a tudo observa, com um largo sorriso estampado no rosto. mesmo lamentando que o rufar dos tambores não ecoem na Latitude Zero do globo. O maravilhoso Reino da Alegria de Alice Gorda sempre estará em festa para perpetuar a sua memória. O Estado Amapá foi o único que possuiu uma Rainha Moma.