Nilson Montoril

Intrigantes misuras de Macapá


Os fascinantes causos relativos a assombrações, que são contados pelo mundo à fora, também andaram tirando o sossego de muita gente por estas bandas. Cresci ouvindo histórias sobre cabeça de fogo, almas penadas, mulher que virava onça, homem que se transformava em porco e cavalo. Por volta do ano de 1951, quando comecei a freqüentar o “Oratório São Luiz”, organizado pelos Padres do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras-PIME, para atrair as crianças e catequizá-las, sempre evitava entrar no “Quintal dos Padres” através do portão lateral situado no Largo dos Inocentes. Ao lado do portão funcionava uma oficina e serraria, instalada em uma casa rústica, coberta de palhas de ubussu. Sobre o madeirame das tesouras que sustentavam a coberta da velha construção ficavam dois caixões cobertos de pano preto e isto me dava medo. Quando havia alguém trabalhando eu passava tranquilo. No intervalo do almoço e à noite, nem pensar.

Os antigos moradores do Largo do Formigueiro (Inocentes) diziam que os dois caixões eram do tempo dos padres da Congregação da Sagrada Família, instituição religiosa composta por belgas e alemães, a mesma à qual pertenceu o Padre Júlio Maria de Lombaerd. Estes religiosos atuaram em Macapá ente 1911 e 1948. Até 1944, ano da instalação do Governo do Território Federal do Amapá, a situação econômica da maioria da população macapaense era bem precária. Quando morria alguém carente de recursos, o cadáver era velado sobre a Eça, envolto em mortalha. Para ser conduzido ao sepulcro, no Cemitério Nossa Senhora da Conceição, o corpo era colocado em um dos caixões de indigentes. Ao chegar ao cemitério procedia-se a remoção do extinto diretamente para a cova, mas fora do caixão, que retornava para a velha oficina da então Paróquia de São José. Eu não era o único medroso dentre os moleques do Oratório São Luiz. Á noite, para assistir filmes no Salão Paroquial Pio XII, dentro do quintal dos padres, os moleques passavam pela oficina, um colado no outro.

O Padre Vitório Galianni dizia: “Má que cosa boba. O defunto não está aí, ficou no cemitério”. A meninada acreditava nos relatos dos mais antigos. Outra história dizia respeito a um motorista da Garagem Territorial, cidadão negro azeitona, que teria o poder sobrenatural de se transformar em porco ou cavalo. Bastava alguém ver um dos animais vagando pelas ruas ou áreas descampadas, depois das 18 horas para afirmar: ”Valei-me Jesus Cristo, olha o Jagunço ali”. Era mais frequente vermos cavalos, éguas e burros vagando no campinho da Matriz e na frente do antigo Fórum de Macapá. Não se via porcos em áreas descampadas e de terra firma.

E apenas um doido optaria por ser um porco, tendo em vista a carência alimentar do povo. Conhecia bem o Jagunço e jamais acreditei em metamorfoses tão esdrúxulas. É um absurdo partir de pessoas esclarecidas a crença de que bôto vira homem.Por que a bôta não vira mulher? Se o boto engravidasse as mocinhas incautas do interior a bota ficaria prenhe transando com os caboclos e índios. Mas, vá tentar convencer pessoas simplórias que as lendas não correspondem à verdade. Conheci um sujeito metido a corajoso, que aceitou o emprego de vigilante do Lóide Aéreo Nacional, empresa que operou em Macapá antes da Viação Aérea São Paulo-VASP. O avião DC-3 do Loide chegava a Macapá, diariamente, por volta das 17h30min. Pernoitava, e deixava a cidade ao amanhecer do dia seguinte. O aeroporto já havia sido transferido, do centro da cidade, para o local onde se encontra. Metido a corajoso, o Figueira colocava sua cadeira embaixo da aeronave e, de lanterna em punho, jogava o facho no rumo de onde provinha algum barulho. Quando ventava muito e chovia era um drama. Por esta razão o Figueira ficava trancado dento do avião, sem luz. O balançar do aparelho, sob efeito do vento fazia o vigia dormir. Uma noite, o vigilante ouviu um psiu vindo da cabine. Ao ligar a lanterna, o Figueira viu a mão de um aviador chamando-o. O medo foi tão grande, que ele apagou. De manhã, o comandante comentou sobre um acidente ocorrido na noite anterior, em que morreu um amigo seu, em piloto do Lóide.