Nilson Montoril

Rodovia Mazagão Velho-Mazagão Novo


Em 1949, um grupo de homens destemidos, residentes em Mazagão Velho, decidiu desencadear uma empreitada homérica, que a maioria de seus conterrâneos considerou coisa de louco. A figura proeminente da turma era Washington Elias dos Santos, jovem que integrou o contingente de soldados da Amazônia na campanha que a Força Expedicionária Brasileira realizou na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. A partir de agosto daquele ano, quando a estiagem começava a marcar sua presença, os valentes mazaganenses passaram a reunir para tratar da abertura do pico da estrada que ligaria o burgo onde nasceram à cidade de Mazaganópolis, então sede do município de Mazagão.

Os que ouviam falar de tal propósito giravam o dedo indicador ao lado direito da cabeça, insinuando que os desbravadores deveriam estar doidos. Como é que alguém, em sã consciência, aparecia com uma novidade tão absurda? Se o governo do Território Federal do Amapá ainda não havia tomado a iniciativa para realizar a obra era porque a floresta, as áreas alagadas, os rios e igarapés se apresentavam como obstáculos difíceis de ser vencidos. Outro grande problema sempre era lembrado, a malária. Naquele tempo, a doença imperava no interior e causava muitos estragos na saúde dos que precisavam penetrar nas matas em busca de alimentação e para coletar produtos com boa aceitação no comércio. Além de Washington Elias dos Santos, popularmente conhecido como “Vavá”, os intrépidos Osmundo Barreto e Laudelino Maia Barreto, o Lódio, afirmavam que o pico da estrada poderia ser feito sem riscos eminentes. O povo ouvia os comentários e apoiava a pretensão, afinal de contas, estava cansado de empreender viagens desgastantes entre Mazagão Velho e Mazagão Novo usando pequenas canoas rotuladas como “montarias”, “cascos”, ”batelões” e “reboques”. Deslocamentos em embarcações motorizadas era coisa rara naquele tempo. Na vila de Mazagão Velho apenas duas pessoas possuíam motores de popa.

O comerciante Inácio Santos, pai do “Vavá” tinha um Archimedes de 12 HP. O capitão da Guarda Nacional Wolfgang Fonseca, ex-vereador nos idos do Conselho de Intendência Municipal, quando o Pará mantinha jurisdição na região, valia-se de um Johnson de 25 HP, mais veloz que o Archimedes e menos possante. Transitar numa ubá propulsionada por um motor de popa era privilégio de poucos. A gasolina não era cara e só podia ser comprada em lata com 20 litros e tambores com 200 litros. A granel só os comerciantes podiam vender. Os reboques adaptados com vela ajudavam bastante, mas apenas quando havia vento. Canoas e barcos movidos a vela quase sempre andavam abarrotados de madeira, sementes oleaginosas e mercadorias decorrentes de fretes. A propulsão das montarias, cascos e batelões provinha do remo. Por esta razão, os pobres viajantes programavam seus deslocamentos na “reponta da maré”. Remar contra amare só por necessidade. Para sair da vila de Mazagão Velho, descer o rio Mutuacá até sua foz e depois enveredar à esquerda no sentido de Mazagão levava, se os remadores caprichassem no serviço, cerca de 8 a 10 horas. Munidos de machados, terçados, serras, serrotes, machadinhas, cordas e rancho, os desbravadores iniciaram o trabalho voluntário seguindo o “rumo da venta”.

O trecho menos complicado foi o compreendido entre Mazagão Velho e a vila do Ajudante, banhada pelo rio de igual denominação. Progressivamente o grupo foi avançando até despontar em Mazagão. Cumprida a nobre missão, os devotados mateiros aguardaram que o governo assumisse o compromisso de mandar tratores e caçambas. Não foi fácil colocar as máquinas em operação. Apenas um trator e uma caçamba foram transportados, por via fluvial para Mazagão. A caçamba saiu de Macapá com o motor funcionando, acelerado para não “morrer”. Noite e dia ela foi mantida em tais condições até que uma bateria chegasse de Belém, Também tinha problema no motor de arranque, por isso ela ficava parada num declive. Se o motor “apagasse”, o motorista soltava o freio de mão e fazia o “tranco”.Pior seria se ela precisasse de manivela.