Pe. Claudio Pighin

Celebração do Círio (II)


Continuando a nossa reflexão sobre a religiosidade testemunhada pelo nosso Círio de Nazaré, qual é o pensamento da Igreja sobre a piedade popular? O objetivo da Igreja é aquele de evangelizar e não de civilizar. Vários pesquisadores questionaram-se a respeito disso, como no caso do Gallini, (Forme di trasmissione orale e scritta nella religione popolare, em “Ricerche di Storia Sociale e Religiosa”, Nuova Serie, 11, Roma 1977, p. 99), que partindo da constatação que cultura e classe social não coincidem necessariamente e afirma: “É uma constatação que toma em consideração alguns fenômenos que são tão evidentes que não podem ser negados: sobretudo o fato que muitos institutos culturais, por tradição indicados como populares porque frequentados pelas massas simples e operárias, são também fruídos por outras camadas sociais, incluindo a mesma burguesia. Podem ver, por exemplo, a uma festa participam todo tipo de classe social, misturando-se cada classe social. Repensar sobre este fenômeno pode contribuir a levantar mais dúvidas sobre os riscos de um populismo demais fácil e atual. Mas como repensar em termos de classe estas evidencias?”

O Sínodo dos Bispos de 1974 tratou em particular desse tema e assim pronunciou-se: “A evangelização acha já um fundo de religiosidade popular enraizado sobre as naturais aspirações à bondade e à justiça e isso devido, sobretudo, à obra evangelizadora das épocas passadas. Entendemos por religiosidade popular a maneira como o cristianismo encarna-se nas diversas culturas e etnias e é profundamente vivida e manifesta-se ao povo. A religiosidade popular constitui o verdadeiro ponto de partida da evangelização, com os seus bons elementos de fé autentica que precisa ser purificada, interiorizada, amadurecida e vivida cotidianamente”.

Os mesmos papas fazem-se promotores à devoção à Maria e a todas as formas marianas. Continuando S. João Paulo II: “não serão nunca esquecidos os ensinamentos do meu predecessor Paulo VI, que nas suas maravilhosas Exortações Apostólicas ‘Signum Magnum’ e ‘Marialis Cultus’, deixou um monumento da sua devoção e do seu amor a Maria e uma síntese estupenda, completa das motivações bíblicas, teológicas e litúrgicas, que devem guiar o Povo de Deus no incentivo contínuo do culto divino pra aquela que é Mãe de Deus, Mãe nossa, Mãe da Igreja”. Em poucas palavras, parece-nos que esse seja o pensamento do magistério eclesiástico. Bem aventurado Paulo VI na sua Encíclica ¨Evangelii Nuntiandi¨ fala desse tema e apresenta brevemente a relação entre evangelização e sacramentos. Beato Paulo VI afirma também que não deve-se opor um ao outro, como, às vezes, pode acontecer, mas na verdade conduzir os cristãos “a viver os Sacramentos como verdadeiros Sacramentos da fé, e não recebê-los passivamente ou a subi-los”.

Portanto, parece indicativa a conclusão e as diretrizes e também o pensamento da Igreja sobre tal aspecto que o papa Paulo VI deu à sua Exortação Apostólica: “Nos confrontos dessa realidade (religiosidade popular) assim rica e no mesmo tempo assim vulnerável, ele acolheu, com grande sensibilidade, os valores inegáveis e deseja que os chefes responsáveis das comunidades eclesiais superem os ’riscos de anomalia’, tomando uma direção tal que a religiosidade popular possa deixar cada vez mais, para as nossas massas, um verdadeiro encontro com Deus em Jesus Cristo”.

Beato papa Paulo VI: “Nos confrontos dessa realidade (religiosidade popular), assim rica e ao mesmo tempo vulnerável, ele acolheu, com grande sensibilidade, os valores inegáveis e deseja que os chefes responsáveis das comunidades eclesiais superem os ‘riscos de anomalia’, tomando uma direção tal que a religiosidade popular possa deixar cada vez mais, para as nossas massas, um verdadeiro encontro com Deus em Jesus Cristo”.

Para chegar a essa reflexão, Beato Paulo VI indica quatro pontos concisos, os limites da religiosidade popular: 1°. É aberta a penetração de muitas deformações; 2°. É exposta ao perigo das superstições; 3°. Fica muitas vezes ao nível das manifestações culturais; 4°. Pode levar às formações de seitas e colocar em perigo a verdadeira comunidade eclesial.

Da mesma forma, enumera os valores positivos para uma pedagogia de evangelização que são: 1°. Manifestação de uma sede de Deus que somente os simples e os pobres podem conhecer; 2°. Capacidade de generosidade e de sacrifício até ao heroísmo; 3°. Comporta um grande sentido dos atributos de Deus, a paternidade, a providência, a presença; 4°. Alimenta atitudes interiores como a sabedoria, o sentido da cruz na vida cotidiana: o despojamento, a abertura aos outros, a devoção.

Em síntese, qual é a interpretação e avaliação do conceito de religiosidade popular? Assim escreve A. Vauchez: “A religião popular é uma noção mal definida para ser interpretada de várias maneiras e isso comporta a contrastes e também a oposições entre teses dificilmente conciliáveis”. (FA. ISAMBERT, Religion populaire, sociolo¬gie, histoire, et folklore, em “Archives des Sciences Sociales des Reli¬gions, 43/2 (Abril-junho 1977), p. 183”).

É comum ver como, às vezes, cruzam-se e misturam-se os sentidos dos termos na vida das pessoas simples e até de pessoas esclarecidas. A consequência disso é a prática religiosa que se torna mais sincretista.

Por conseguinte, não se perca nenhuma ocasião para esclarecer, purificar e robustecer a fé do povo fiel, mesmo quando de cunho nitidamente popular. O fato de essa fé ocupar lugar proeminente em Nossa Senhora, como, aliás, sucede na totalidade da fé cristã, não exclui, nem sequer ofusca a mediação universal e insubstituível de Cristo, o qual permanece sempre o caminho por excelência para o encontro com Deus, como ensina o Concílio Vaticano II.