Pe. Claudio Pighin

Deus nos fala


Evangelho de Marcos 4,35-41

O milagre é uma potência que nos deixa até assustados. Ele revela que Jesus é o Messias, porém não tem a capacidade de revelar completamente a sua identidade, isto é, a sua grande doação por nós até à cruz. De fato, é a cruz que nos mostra, sem dúvida nenhuma, quem Ele é. Às vezes, preocupo-me vendo certos comportamentos de cristãos que identificam a própria fé, exclusivamente, centrada na busca de milagres. Dito isso, vamos tentar entender o que significa ‘passemos para o outro lado’.

Em primeiro lugar, é ir à terra pagã, isto quer dizer que o Reino de Deus, pregado por Jesus, é pra todos. Nesse sentido, contraria também os discípulos, verdadeiros israelitas porque eram apostadores do reino de Israel que deveria dominar os povos. No entanto, Jesus veio para pregar o Reino de Deus que não se limita a Israel. Um Deus de todos. Frente a essa resistência dos discípulos em fazer de Jesus exclusividade deles, de Israel, surgiu de repente uma grande tempestade. Interessante notar que tudo isso afetou somente os discípulos e Jesus dormia tranquilamente. Imaginem com uma maresia daquele tamanho não tinha acordado o Mestre.

É evidente que tudo isso é uma interpretação de que Ele estava tranquilo na sua fiel missão e os discípulos duvidaram por essa abertura de Jesus aos pagãos. Assim sendo, é a incredulidade deles que provoca tudo isso. E diante de uma ameaça como essa eles acordam logo o Mestre, pedindo ajuda. O desespero leva-os a invocar o Mestre, se abrir pra Ele, reconhecer que estavam perdidos. Pronto, Jesus se impõe às aguas agitadas que ameaçam. É Ele que domina até a natureza, porque lhe pertence. Ele é o verdadeiro Deus que os discípulos ainda não entenderam enquanto cochichavam entre si ‘quem é este’.

Com essa intervenção de Deus, Jesus revela que ir ao encontro dos pagãos é a vontade de Deus Pai. É manifestar que o amor de Deus é para todos e não somente para um povo ou poucas pessoas escolhidas. O Mestre os repreende porque não têm fé. Aquele mínimo de fé para levar a testemunhar o quanto Deus ama todo mundo. Desse jeito, mostram que ainda não conhecem o Mestre, embora reconheçam que é diferente das outras lideranças. É caminhando com Ele até o fim que conseguirão conhece-Lo melhor. Essa trajetória dos discípulos é também a nossa trajetória: não podemos ser cristãos de um dia para outro, necessitamos de um percurso para construirmos a nossa vivência cristã. Não podemos pensar que podemos viver a nossa fé cristã somente com aqueles que compartilham a nossa comunidade. Precisamos ir ao encontro de todo mundo e sobretudo dos mais esquecidos e afastados das nossas igrejas.

O papa Francisco nos alerta sobre isso: “Existem cristãos que vivem uma relação fechada e egoísta com Jesus e não ouvem o grito dos outros. Vivem numa atitude mundana ou rigorista que afasta as pessoas de Jesus.” E mais: “São cristãos de nome, cristãos de salão, cristãos das recepções, mas a sua vida interior não é cristã, é mundana. Uma pessoa que se diz cristã e vive como um mundano, afasta aqueles que pedem ajuda a Jesus.” Ainda diz o santo padre: “Depois, há os rigoristas, aqueles que Jesus repreende, que colocam tantos fardos nas costas das pessoas. Em vez de responderem ao grito que pede salvação afastam as pessoas.”