Pe. Claudio Pighin

Não se esqueçam de deus


Um dia desses uma pessoa me confiou: “Não é fácil fazer uma experiência de Deus na vida hoje, mas é muito fácil fazer uma experiência de vida sem Deus!” Que verdade! Hoje parece que uma opção de vida segura é se preocupar exclusivamente no visível, no que aparece, sem se preocupar com o que vai além disso. O imediatismo material não deixa lugar para transcender a nossa realidade. Poderíamos dizer que é uma pobreza ‘horizontal’. E essa pobreza exalta as limitações humanas e reduz as perspectivas de aspirações infinitas. Para melhor compreendermos isso, eu proponho a leitura do salmo 49, das Sagradas Escrituras:

“Falou o Senhor Deus e convocou toda a terra, desde o levante até o poente.

Do alto de Sião, ideal de beleza, Deus refulgiu: nosso Deus vem vindo e não se calará. Um fogo abrasador o precede; ao seu redor, furiosa tempestade.

Do alto ele convoca os céus e a terra para julgar seu povo: Reuni os meus fiéis, que selaram comigo aliança pelo sacrifício.

E os céus proclamam sua justiça, porque é o próprio Deus quem vai julgar.

Escutai, ó meu povo, que eu vou falar: Israel, vou testemunhar contra ti. Deus, o teu Deus, sou eu.

Não te repreendo pelos teus sacrifícios, pois teus holocaustos estão sempre diante de mim.

Não preciso do novilho do teu estábulo nem dos cabritos de teus apriscos, pois minhas são todas as feras das matas; há milhares de animais nos meus montes.

Conheço todos os pássaros do céu, e tudo o que se move nos campos.

Se tivesse fome, não precisava dizer-te, porque minha é a terra e tudo o que ela contém.

Porventura preciso comer carne de touros, ou beber sangue de cabrito?…

Oferece, antes, a Deus um sacrifício de louvor e cumpre teus votos para com o Altíssimo.

Invoca-me nos dias de tribulação, e eu te livrarei e me darás glória.

Ao pecador, porém, Deus diz: Por que recitas os meus mandamentos, e tens na boca as palavras da minha aliança? Tu que aborreces meus ensinamentos e rejeitas minhas palavras?

Se vês um ladrão, te ajuntas a ele, e com adúlteros te associas.

Dás plena licença à tua boca para o mal e tua língua trama fraudes.

Tu te assentas para falar contra teu irmão, cobres de calúnias o filho de tua própria mãe.

Eis o que fazes, e eu hei de me calar? Pensas que eu sou igual a ti? Não, mas vou te repreender e te lançar em rosto os teus pecados.

Compreendei bem isto, vós que vos esqueceis de Deus: não suceda que eu vos arrebate e não haja quem vos salve.

Honra-me quem oferece um sacrifício de louvor; ao que procede retamente, a este eu mostrarei a salvação de Deus.”

O que o salmo focaliza, em síntese, fazer o culto, uma liturgia sem um compromisso sério na vida cotidiana, encarnada na realidade do dia-dia torna-se uma magia ou uma farsa. Mais ainda, a religião ritual sem a fé autêntica vivida é hipocrisia, falsa. Diz o salmo que o único culto que Deus gosta é o puro louvor que nasce da consciência e da vida das pessoas e se manifestam pelas próprias condutas. Portanto, não somente culto, mas culto e vida honesta e justa. Deus opõe sete tipos de delitos, furto, adultério, língua, boca, julgamentos, calúnia, que a hipocrisia acredita eliminar simplesmente com as ofertas rituais e não com grande compromisso com a justiça.

Assim nós podemos dizer hoje: uma liturgia desencarnada, que não se compromete com uma vida de justiça, não pode louvar a Deus. Sem o sinal vivo da vida, da fidelidade, da justiça a liturgia não é mais expressão de uma salvação superior, mas fica um simples ato cultual, burocrático sagrado, um belo rito teatral. Assim sendo, o autor desse salmo contesta, em um certo sentido, essa alienação religiosa e faz uma veemente declaração em favor da fé enraizada na vida.

Uma fé compromissada e bem concreta, uma fé também que se estende ao social que, porém, é contemplativa. O Santo Padre papa Francisco, em um seu pronunciamento feito pela ocasião dos 50 anos da missa celebrada em língua italiana (07.03.2015), falou a respeito do culto litúrgico: “É um chamamento ao culto autêntico, à correspondência entre liturgia e vida; um apelo que vale para todas as épocas e até mesmo hoje para nós. Aquela correspondência entre liturgia e vida. A liturgia não é uma coisa estranha, lá muito longe, distante, e enquanto se celebra eu penso em muitas outras coisas, ou rezo o Terço. Não, não. Existe uma correspondência entre a celebração litúrgica que depois eu levo na minha vida, e sobre isto deve-se ir ainda mais longe, deve-se fazer ainda um longo caminho”.