Pe. Claudio Pighin

Nós vos louvamos, senhor!


A grandeza da humanidade está na sua transcendência, na sua capacidade de ir além da sua percepção. É esta capacidade que dá razão para valorizar os outros e não pensar somente em si. Na medida em que temos uma consciência das nossas limitações humanas, das nossas precariedades, talvez tenhamos mais capacidade de sentirmos mais fraternos e mais humildes. O Salmo 74 das Sagradas Escrituras nos ajuda nesse sentido:

“Nós vos louvamos, Senhor, nós vos louvamos; glorificamos vosso nome e anunciamos vossas maravilhas. No tempo que fixei, julgarei o justo juízo. Vacile, embora, a terra com todos os seus habitantes, fui eu quem deu firmeza às suas colunas. Digo aos arrogantes: Não sejais insolentes; aos ímpios: Não levanteis vossa fronte, Não ergais contra o Altíssimo a vossa cabeça, deixai de falar a Deus com tanta insolência. Não é do Oriente, nem do Ocidente, nem do deserto, nem das montanhas que vem a salvação. Mas Deus é o juiz; a um ele abate, a outro exalta. Há na mão do Senhor uma taça de vinho espumante e aromático. Dela dá de beber. E até as fezes hão de esgotá-la; hão de sorvê-la os ímpios todos da terra. Eu, porém, exultarei para sempre, salmodiarei ao Deus de Jacó. Abaterei todas as potências dos ímpios, enquanto o poder dos justos será exaltado”.

Esse Salmo foca a questão do juízo universal de Deus. Começa com a resposta divina perante a intercessão do fiel, do justo, e logo em seguida tem o comentário (7-9). Qual é esse oráculo? É o Juízo de Deus. Com isso, quer relembrar ao ímpio que a sua constante arrogância está desafiando Deus. O ímpio se acha dono de tudo e de todos. E os versículos de 3 a 6 mostram a intervenção de Deus que julga os arrogantes e os ímpios, porque se acham poderosos. No entanto, é Ele o Senhor da justiça e da moral. É Ele o Criador e revela todo o seu poder sacudindo a terra, cuja estrutura é dominada por Ele.

Aqui fala que a terra é fundada sobre as colunas, porque é segundo a cosmologia oriental daquele tempo. Naturalmente, hoje, devido todo o conhecimento cientifico alcançado, sabemos a verdade sobre a terra e o cosmo. De qualquer forma, o Deus, que tudo criou, levanta a sua voz contra os ímpios que, na ousadia deles, O desafiam. A verdadeira justiça vem do único juiz, que é Deus, e não na busca de modelos e pessoas humanas. O verdadeiro juiz, Deus, pode realmente exaltar ou rebaixar segundo direito e verdade. Ele sabe discernir perfeitamente o poder dos ímpios que são hipnotizados pela avidez do dinheiro e pelo ser servidos nos seus tronos.

Assim sendo, esse Deus, conforme o salmista, não é indiferente à história da humanidade, mas acompanha o drama dela e, sobretudo, sabe fazer justiça perante os arrogantes e poderosos deste mundo. Nesse sentido, o fiel desse Salmo invoca a Deus para que faça justiça e liberte os justos. Os fiéis confiam exclusivamente na justiça de Deus, porque na dos homens não a encontram. E o Papa Francisco nos esclarece mais ainda essa presença de Deus, em um discurso pronunciado na “Jornada Mundial da Juventude” do dia 28.07.2016: “… «Onde está Deus?» Onde está Deus, se no mundo existe o mal, se há pessoas famintas, sedentas, sem abrigo, deslocadas, refugiadas? Onde está Deus, quando morrem pessoas inocentes por causa da violência, do terrorismo, das guerras? Onde está Deus, quando doenças cruéis rompem laços de vida e de afeto? Ou quando as crianças são exploradas, humilhadas e sofrem – elas também – por causa de graves patologias? Onde está Deus, quando vemos a inquietação dos duvidosos e dos aflitos na alma? Há perguntas para as quais não existem respostas humanas. Podemos apenas olhar para Jesus e perguntar-lhe. E a sua resposta é esta: «Deus está neles», Jesus está neles, sofre neles, profundamente identificado com cada um. Está tão unido a eles, que quase formam «um só corpo». (…) Foi o próprio Jesus que escolheu identificar-se com estes nossos irmãos e irmãs provados pelo sofrimento e a angústia, aceitando percorrer o caminho doloroso para o calvário. Ao morrer na cruz, entrega-se nas mãos do Pai e leva consigo e em si mesmo, com amor de doação, as chagas físicas, morais e espirituais da humanidade inteira. Abraçando o madeiro da cruz, Jesus abraça a nudez e a fome, a sede e a solidão, a dor e a morte dos homens e mulheres de todos os tempos.(…) Somos chamados a servir Jesus crucificado em cada pessoa marginalizada, a tocar a sua carne bendita em quem é excluído, tem fome, tem sede, está nu, preso, doente, desempregado, é perseguido, refugiado, migrante. Naquela carne bendita, encontramos o nosso Deus; naquela carne bendita, tocamos o Senhor.(…) O Caminho da Cruz é o caminho da vida e do estilo de Deus, que Jesus nos leva a percorrer mesmo através das sendas duma sociedade por vezes dividida, injusta e corrupta”.