Wellington Silva

Fronteiras Sangrentas, um roteiro cinematográfico


 

Não é a primeira vez e nem será a última, que prazerosamente escrevo sobre a antológica obra de Silvio Meira, Fronteiras Sangrentas, um roteiro cinematográfico fantástico que deve ser lido por todos os nossos representantes eleitos, e amapaenses, no geral.

E como a Rede Globo de televisão anda “catando” temáticas históricas interessantes do Brasil, penso se não seria um momento ideal apresentar tão fantástica obra?

Publicada em 1.975, com o apoio do Conselho Estadual de Cultura do Pará, composta e impressa na Editora Gráfica Luna Ltda. Fronteiras Sangrentas segue interessante roteiro histórico baseado em documentos, jornais da época, enfim, fatos relevantes sobre a histórica questão do Contestado, desde o começo do começo, quando os irmãos Germano e Firmino, após longas caminhadas, selva adentro, descobrem ouro, na região do Calçoene.  Germano, o mais persistente e intuitivo, dá um grande grito, que ecoa na mata:

– Ouro! Firmino! Ouro!

Estava concretizada a esperança dos dois irmãos, principalmente a de Germano, que nunca esquecera das palavras de seu pai, em vida, ele que até em sonhos sempre lhe revelara o caminho:

– Meu filho, depois de passares por sete cachoeiras, penetra na mata na direção oeste. Encontrarás ouro no primeiro igarapé, ainda a oeste.

Dia seguinte, olhando aqui e acolá, chegaram a outro pequeno igarapé.

– Vê Firmino – diz Germano – quanto ouro se encontra neste rio!

E Firmino responde:

– Já conseguimos bateias de quase 150 gramas cada uma!

Quem poderia explicar os segredos de um sonho premonitório?

Findava o ano de 1.893. Os anos de 1.894 e 1.895 seriam de grandes surpresas para a região. Após a rica descoberta dos irmãos Germano e Firmino, que de lá bastante extraíram o metal precioso, a notícia rapidamente se espalha no norte e nordeste do Brasil e na Guiana. Em 1.895, mais de mil pessoas habitam o curso do rio Calçoene. Aventureiros vindos de Caiena, Guiana Francesa, tais como Clement Tamba, e diversos brasileiros oriundos das regiões norte e nordeste, passam a disputar metro a metro a rica região aurífera. Começava a ficar cada vez mais patente o desrespeito dos franceses para com o Tratado de Utrecht, de 11 de abril de 1.713. A cláusula oitava diz textualmente que “a navegação do rio Amazonas, assim como de seus afluentes, pertencerá a Portugal, e o rio Oiapoque, ou Vicente Pinson, servirá de limite entre às duas colônias. Os franceses insistiam em interpretações equivocadas sobre seus limites, com certeza, com a clara intenção de expansão e dominação territorial de terras brasileiras. A motivação principal: a ambição pelas reservas de ouro!

No dia 26 de dezembro de 1.894, em grande Assembleia Geral, revolucionários brasileiros organizam uma revolta e depõe o representante do governo francês na região do Contestado, Eugéne Voissien. Chefiavam o movimento Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho, Manoel Antônio Gonçalves Tocantins e Desidério Antônio Coelho. Discute-se. Debate-se. Desidério desiste da liderança do movimento e entre entusiásticas aclamações dos presentes é aprovada a organização do governo do chamado Triunvirato, constituído por Cabralzinho, Desidério Antônio Coelho e Cônego Domingos Maltez. Foram indicados como triúnvinos suplentes João Lopes Pereira, Manoel Joaquim Ferreira e Raimundo Antônio Gomes.

Trajano, um brasileiro eupátrida, representante de Charvein, delegado do governo francês em Caiena, é preso pelos triúnvinos na Vila do Amapá. Imediatamente, Charvein determina o envio de legionários mercenários, fortemente armados, para prender Cabralzinho. Inesperadamente, a corveta Bengali aporta em solo brasileiro, e dela salta o capitão Lunier, para dar voz de prisão a Cabralzinho, isso no dia 15 de maio de 1.895. Cabralzinho reage ao inimigo e o mata, tendo o mesmo destino um tenente e um sargento. A resistência brasileira consegue deter o invasor até o esgotamento da munição. A grande superioridade numérica bem como a capacidade bélica dos franceses é bem maior. Etiènne, porta-bandeira francês, embora ferido no rosto, irado, ordena que toquem fogo nas casas, saqueiem o comércio e matem a todos. Brasileiros, mulheres, velhos e crianças são mortos sem piedade. Logo, a notícia chega em Belém e é amplamente divulgada em detalhes, no jornal Diário de Notícias, através de seu diretor, Felipe José de Lima, veículo de comunicação do Partido Republicano Democrata. No informativo consta o nome e idade de cada vítima e a forma brutal como fora assassinada.

A histórica questão do Contestado (regiões do Amapá e Calçoene) só fora definitivamente resolvida, em 1.900, com o Laudo de Berna, na Suíça, sendo Barão do Rio Branco o grande protagonista a realizar brilhante defesa em favor do Brasil. Sua tese teve como base principal a cartografia, um mapa francês em que se registra o direito do Brasil à margem esquerda do rio Amazonas, o Tratado de Utrecht, de 11 de abril de 1.713, e principalmente, a antológica obra L’Oyapoc et L’Amazone (1.891), do grande pesquisador e geógrafo brasileiro, Joaquim Caetano da Silva.