Amapá: uma oportunidade histórica de transformação e justiça ambiental
Estado possui ativos naturais excepcionais que o diferenciam de outras regiões brasileiras: 73,5% do território preservado, 95% de cobertura florestal primária protegida, vasto potencial para energia renovável e litoral estratégico de mais de 600 quilômetros; também já é carbono negativo — meta que o mundo busca alcançar até 2050

Josiel Alcolumbre
Embora o debate sobre a exploração petrolífera na Margem Equatorial se concentre nos riscos ambientais, uma perspectiva estratégica revela uma oportunidade única de reposicionamento do Amapá no cenário nacional e internacional. Em vez de repetir o padrão de dependência dos combustíveis fósseis, o estado pode usar os royalties como alavanca para uma transformação sem precedentes rumo a uma economia verdadeiramente sustentável, aproveitando o fato de que já é um dos territórios que mais contribuem para a sustentabilidade global e merece ser reconhecido e compensado por isso.
O Amapá possui um conjunto de ativos naturais excepcionais que o diferenciam de qualquer outra região brasileira: 73,5% do território preservado, 95% de cobertura florestal primária protegida, vasto potencial para energia renovável e um litoral estratégico de mais de 600 quilômetros. Mais importante: o estado já é carbono negativo — meta que o mundo busca alcançar até 2050.
Com áreas indígenas demarcadas e protegidas e um plano de governança consolidado, o Amapá já fez seu dever de casa ambiental. Enquanto outras regiões ainda discutem como implementar políticas de sustentabilidade, nós as praticamos há décadas, construindo um modelo de desenvolvimento que respeita os limites ecológicos e os direitos das comunidades tradicionais.
Essa condição exemplar nos confere autoridade moral e técnica para propor uma nova abordagem para o aproveitamento dos recursos energéticos da Margem Equatorial. Não se trata de abandonar nossos princípios ambientais, mas de utilizá-los como base para uma estratégia de desenvolvimento que sirva de modelo para o mundo.
A bioeconomia não é apenas uma possibilidade futura para o Amapá. O estado possui experiência acumulada em aproveitamento sustentável da biodiversidade, desde a produção de açaí orgânico certificado até o desenvolvimento de fármacos e cosméticos derivados de plantas amazônicas. Nossa cadeia produtiva do açaí movimenta milhões de reais anualmente, empregando milhares de famílias em práticas sustentáveis que mantêm a floresta em pé.
Temos também pioneirismo em aquicultura sustentável, com projetos de criação de peixes nativos que respeitam os ciclos naturais e geram renda para comunidades ribeirinhas. Nossa experiência em manejo florestal comunitário é reconhecida internacionalmente, com certificações que atestam a qualidade ambiental e social de nossos produtos madeireiros.
Os recursos do petróleo poderiam acelerar e expandir essa base existente, financiando a criação de um ecossistema integrado de economia verde que combine bioeconomia amazônica, com produtos de alto valor da biodiversidade já em produção; economia azul no litoral, aproveitando nosso potencial pesqueiro e marítimo; e um robusto parque de energia limpa, explorando nosso potencial eólico, solar e de biomassa.
Seguindo o modelo norueguês de gestão de recursos petrolíferos, o Amapá poderia estabelecer fundos específicos para pesquisa e desenvolvimento em tecnologias verdes, criando centros de excelência em biotecnologia tropical, hidrogênio verde e aquicultura sustentável.
Essa estratégia transformaria recursos finitos em capacidades permanentes de inovação, aproveitando o conhecimento tradicional das comunidades locais — um patrimônio imaterial de valor incalculável — e a infraestrutura institucional já estabelecida para a gestão territorial sustentável. Nossas universidades e institutos de pesquisa já desenvolvem trabalhos de ponta em biotecnologia amazônica. Com recursos adequados, poderiam tornar-se referências mundiais.
Imagine centros de pesquisa que combinem o conhecimento milenar dos povos da floresta com tecnologia de ponta, desenvolvendo medicamentos, alimentos funcionais e materiais inovadores derivados da biodiversidade amazônica. Visualize laboratórios de hidrogênio verde aproveitando nossa abundante energia solar e hídrica, criando uma indústria limpa que pode abastecer não apenas o Brasil, mas toda a América do Sul.
Estados como o Amapá são sistematicamente prejudicados pelos vieses dos fundos ambientais de doadores internacionais, que privilegiam projetos de recuperação em regiões que devastaram seus biomas. Esses fundos operam com uma lógica perversa que recompensa quem destruiu e agora quer restaurar, ignorando aqueles que sempre preservaram. Por ter mantido 95% de suas florestas primárias intactas, o Amapá frequentemente não se enquadra nos critérios desses fundos, que buscam projetos de ‘impacto’ medido pela recuperação de áreas degradadas.
A exploração responsável da Margem Equatorial, com royalties direcionados para consolidar nossa vocação sustentável, representa uma forma legítima e necessária de compensação pelos serviços ambientais que prestamos ao planeta há décadas. A proposta não é apenas econômica. Representa uma questão de justiça ambiental e geopolítica.
Em uma década, o estado poderia saltar de uma economia periférica para a liderança regional em sustentabilidade, exportando não apenas produtos verdes, mas conhecimento e soluções inovadoras para toda a região Amazônica. Nesse contexto, o aproveitamento das reservas energéticas da Margem Equatorial não representa uma contradição com nossos valores ambientais. Ao contrário. É a oportunidade histórica de financiar e acelerar nossa consolidação como referência mundial em sustentabilidade. Com projeção de arrecadação de royalties na casa das centenas de milhões de reais anuais, teríamos recursos suficientes para investimentos em escala que poderiam transformar radicalmente nossa economia.
Assim, o petróleo da Margem Equatorial deixaria de ser apenas uma commodity extrativa para se tornar o combustível de uma revolução verde amapaense, consolidando nossa posição como o primeiro estado verdadeiramente sustentável do Brasil e modelo de desenvolvimento responsável para o mundo. Esta é nossa oportunidade histórica de liderar pelo exemplo, demonstrando que o futuro da humanidade passa por aprender a viver em harmonia com a natureza — algo que nós, no Amapá, já sabemos fazer.
Josiel Alcolumbre
Presidente do Sebrae Amapá
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