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Dia do Índio

Desde os idos de sua criação – e já somam 70 anos –, essa data comemorativa tem reunido uma série de avanços. Contudo, o atraso e o desrespeito às diferenças culturais – em especial por instituições e agentes públicos


Alexandre Parreira Guimarães – Procurador da República
Articulista

Desde 1943, celebra-se, anualmente, em todo 19 de abril, o Dia do Índio. Entre festividades e exaltações aos primeiros habitantes destas terras, a data transcende o dia marcado pela comemoração: traz, em si, o desígnio de enfatizar o compromisso do Estado brasileiro em garantir aos povos indígenas o gozo pleno dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação.

Desde os idos de sua criação – e já somam 70 anos –, essa data comemorativa tem reunido uma série de avanços. Contudo, o atraso e o desrespeito às diferenças culturais – em especial por instituições e agentes públicos – ainda ressoam danosamente, destoando do arcabouço de defesa e proteção de direitos até aqui construído.

Diante disso, como forma de impedir o retrocesso e garantir a contínua proteção dessas comunidades, assegurando a pluralidade do Estado brasileiro nas perspectivas étnica e cultural, é que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece como função institucional do Ministério Público Federal a defesa judicial e extrajudicial dos direitos e interesses das populações indígenas. Por isso, para o MPF, todo dia é dia de índio.

No âmbito das atribuições da Procuradoria da República no Amapá, muitas frentes de atuação têm sido desenvolvidas em prol das diversas etnias indígenas. Porém, a principal delas ainda envolve a saúde e a educação. Em março deste ano, a propósito, este procurador da República, responsável pela defesa dos povos indígenas e comunidades tradicionais no Amapá, esteve, a convite, na Terra Indígena Wajãpi, para participar da Assembleia Geral do Apina – Conselho das Aldeias Wajãpi. As reivindicações lá ouvidas refletiram, em sua maioria, o quadro de abandono de diversas políticas públicas, destacando-se aquelas relativas à saúde e à educação.

Como se sabe, os direitos fundamentais correspondem a deveres estatais. E quando os destinatários são as populações indígenas, algumas especificidades devem ser abraçadas, como, a exemplo, a necessidade de se planejar e administrar serviços públicos em cooperação com os povos interessados, levando em conta as suas condições econômicas, geográficas, sociais e culturais, conforme comanda a Convenção n. 169, da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

É justamente neste ponto que a desídia estatal se qualifica negativamente: além de o Estado não fornecer, de modo geral, um serviço público adequado, as particularidades indígenas não têm sido consideradas na formulação e execução dessas políticas públicas, da maneira como reza o ordenamento jurídico. Um exemplo de violação dos direitos dessas comunidades tradicionais é a insistência dos órgãos estatais em adotar uma política de centralização da oferta de serviços públicos para povos indígenas, ignorando, indevidamente, uma característica cultural que é manifestamente contrária à aglomeração em determinadas localidades.

Apesar das dificuldades, há conquistas a se comemorar. No Amapá, está sendo realizada a primeira consulta prévia ao povo Wajãpi, conduzida pelas regras definidas no Protocolo de Consulta e Consentimento desenvolvido pelo próprio grupo indígena, em 2014. Trata-se de um fato inédito no Brasil, que, ao concretizar a garantia de consulta livre, prévia e informada, prevista na Convenção n. 169 da OIT, abre as portas para um necessário diálogo intercultural, marcado pela participação dos povos indígenas nas decisões sobre os projetos e/ou as medidas governamentais capazes de afetar suas vidas e seus direitos.

A propósito, de mãos dadas com os protagonistas dessa construção pluralista, o MPF tem atuado para garantir que esse importante direito seja efetivado, mas, sobretudo, para que sua materialização tenha por alicerce a boa-fé e o respeito àqueles que, antes de nós, já habitavam a Terra Brasilis.

Nesse contexto, não há dúvidas de que a concretização da participação dos indígenas nas decisões que os afetam representa um marco na defesa dos direitos desses povos originários. Contudo, a histórica resistência social na aceitação das diferenças e no reconhecimento do outro chama a atenção para uma luta que, há muito iniciada, revigora-se a cada 19 de abril: uma data que, para além do folclorismo, posiciona as reivindicações, renova as esperanças e abriga as conquistas daqueles que estão no passado, no presente e no futuro da História do Brasil.


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