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Lula Jerônimo: um cantador autêntico que o nordeste nos deu

Luiz Jerônimo de Almeida nasceu em 1946,  e escolheu a vida de cantador do sertão, daqueles que andavam com a viola no ombro, chapéu na cabeça e cigarro na mão.


Marileia Maciel
Jornalista

 

A última vez em que estivemos juntos foi no dia 9 de março deste ano, no aniversário do Thomé Azevedo, um dos amigos por quem nutro grande amizade e apreço. Nessa noite, Lula Jerônimo chegou em casa com o novo instrumento que substituía seu companheiro violão: a muleta, que dava sustentação ao seu corpo, já debilitado pelas surpresas da idade. Trouxe também seu costumeiro jeito ranzinza e engraçado de ser, marca registrada desse recifense que escolheu o Amapá para viver, ainda no ano de 1987, época auge da produção musical regional, quando grandes artistas despontavam, dos festivais da canção, dos barzinhos em que os palcos eram experimentos para jovens iniciantes na música, que não sabiam ao certo onde “aquilo ia dar”.

 

Luiz Jerônimo de Almeida nasceu em 1946,  e escolheu a vida de cantador do sertão, daqueles que andavam com a viola no ombro, chapéu na cabeça e cigarro na mão. Chegou aqui enaltecendo sua terra em canto e prosa, e logo ganhou a simpatia de amigos cantadores, boêmios e da juventude que lutava por um mundo melhor, pela democracia e por um país livre, sem censura. Se entrosou perfeitamente com a cultura amapaense, e na noite era estrela, e fez dos shows no Balaio, Bar do Jura, em Fazendinha, o tradicionalíssimo Lennon, espaços de cantorias e bate-papo, de embriaguez e paixões. Bar Celeiro, O Juara, Vou Vivendo, Maresia, Rola-Papo, e tantos outros, tiveram o Lula como artista principal, e com certeza ele foi a inspiração para muitos jovens na época, e ganhou elogios de ninguém menos que Carlos Lyra, que andava na época aqui pelo meio do mundo.

 

O cenário que mais lembro de Lula fazendo arte aqui está emoldurado em minha memória como um passado luxuoso  e criativo, que nunca mais teremos. Época das noites de glamour no Novotel Macapá, das terças-feiras de música do Projeto Botequim, da Expofeira, com seu inevitável  e até saudoso cheiro de boi e poeira na garganta, dos bares lotados de Fazendinha no Macapá Verão, quando o camarão era apenas um tira-gosto pescado ali mesmo, tempo dos projetos Pororoca, Canto de Casa, Brasil 500, Mesa de Bar, Fortificando a Arte, Aniversário da Cidade da Confraria Tucuju, Urucum. Tempo em que os artistas exerciam um fascínio global na juventude, universitários que vinham nas férias, na classe baixa e média, que pariu no mundo talentosos cantores e compositores. Tempo em que pra subir em um palco não precisava de edital e nem de tanta disputa, bastava talento, e um bom repertório.

 

Esse foi o tempo em que Lula Jerônimo (escrito com J, senão levava ralho) era visto com mais frequência que personagens de herói das histórias. E como ele gostava de contar belas histórias e “encarnar” com quem estava na mesa, causos passados, causos atuais, causos que eram pra ser esquecidos, e outros que ninguém mais lembrava. Com o Lula veio o Bruno, seu filho, fiel escudeiro e parceiro, viviam se zangando um com o outro, mas o amor estava acima de tudo, e  ainda está. Aqui casou a Dina e com ela fez um filho amapaense, Felipe, deixando impressa para sempre sua passagem em terras tucujus.

 

Lula morreu macapaense. Em fevereiro deste ano, depois de passar um período difícil em uma cama de hospital, mas se recuperar com força e fé, ganhou o título de Cidadão de Macapá, cidade que o acolheu com carinho e respeito de avô, não pela idade, mas pelos cabelos brancos, por ter atravessado gerações cantando e tocando com artistas que conheceu moleque, e que hoje já chegam nos 30 anos. Respeito por ele não se curvar aos que não o enxergavam como artista e nem respeitavam sua arte, respeito por sua sinceridade que chegava a incomodar os que gostavam de bajulação, por sua revolta com a troca de favores, pela desvalorização de artistas.

 

Este é o Lula de quem nos despedimos neste setembro. Autêntico, artista, generoso, parceiro, e que terminou sua passagem por aqui como uma pessoa estimada e amada.

 

Voa, cantador!


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