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O médico que ficou perdido

Oton Alencar – Membro da Academia Evangélica de Letras e Artes do Brasil


Joanópolis era uma pacata vila perdida no braço direito do rio confluente do Nhamundá. A vila ficava distante da cidade do mesmo nome a 50 km.
Na metade do século passado, os caboclos que habitavam àquelas distantes paragens, viviam ali ao deus dará. Não havia escola, posto médico ou qualquer outra assistência do poder público.
Para as doenças mais prevalentes usavam guiados pelo senso comum, os produtos da floresta. Para dor de barriga, usava-se chá da semente de cumaru. Quando alguém se cortava, colocavam polpa de biribá. Se alguém tinha febre, usava-se chá de fedegoso. Para as lombrigas dos meninos, dava-se óleo de mamona ou “Tiro Seguro”. Nas dores reumáticas, dava-se ao enfermo chá das folhas de chapéu de couro e óleo de pracaxi, para escrutidão, leite de seringa amornado, passado em cima do inchaço. Era esse o tratamento que a sabedoria popular havia ensinado àquelas pessoas desvalidas.
Moravam ali o seu Tonoca e a dona Fiorentina. O casal já em idade avançada perdeu os filhos para o mundo.
Dois morreram ainda criança de doenças não diagnosticadas. Duas outras filhas na fase adolescente foram levadas por aventureiros, que sempre aparecem nesses lugares. O rapaz mais velho foi para capital em busca de novos horizontes. O certo é que o casal de idoso vivia numa tapera coberta de palha e paredes do mesmo material.
Um dia apareceu um médico naquela maldita cidade, onde a miséria imperava.
Seu Tonoca vestiu a única peça de roupa que possuía. Uma camisa branca de “murim” e uma calça de mescla que havia ganhado, há cinco anos. Dona Fiorentina vestiu um vestido de opala. Presente de uma antiga patroa para quem prestou alguns serviços domésticos.
O difícil foi encontrar um lugar condigno, para o médico atender os seus pacientes. Depois de muito procurar, resolveu mesmo atender numa pequena residência, onde existia a única quitanda daquele lugar.
O casal nominado chegou antes de o Sol nascer. Assim foram os primeiros a serem atendidos.
O primeiro paciente chamado foi o seu Tonoca.
O Médico foi logo falando: – Aí seu Tonoca! O que é que você tem?
Seu Tonoca responde: – Se eu soubesse não estava aqui doutor.
– Eu lhe pergunto o que dói, o que você sente?
– Ah meu filho! Pra início de conversa eu peguei um cobreiro no braço e uma “curubinha” entre os dedos. Não posso arear as panelas da minha velha. Sinto uma dor na “pente” quando vou à retrete. Quando eu vou à sentina fazer as minhas precisões as sujidades saem da cor de ucrum. Quando eu era “gitinho” a mamãe dizia que eu tinha espinhela caída, sofri de tosse de guariba, que não deixava ninguém dormir na minha ilharga. Já fui “porrudo” e gapuiei muito. Hoje não posso trabalhar. As pessoas dizem que estou com “pavulage”, a minha pele está assim “tuira”, é porque falta sustança. Eu como muito macaco sabrecado. Eu sei doutor que eu não estou falando pra um “tolerão.” É a primeira vez que vejo um doutor.
– Já usei quixabeira para afinar o sangue, óleo de pequí para o pulmão, já rezei a benzenção para o cobreiro, que é assim. O que é isso Tonoca? – Cobreiro Senhor – Como que se corta? – Água da fonte, raminho do monte assim mesmo e corto/ Se for de aranha há de secar/ Se for de caranguejo há de secar / se for de briba há de secar. Repeti três vezes, em gesto de cruz várias vezes usando ramos verdes, em noite de lua cheia e não fiquei curado.
O médico interveio. – Pare seu Tonoca! Não entendi nada que o senhor falou. Você não vai falar mais nada.
Assim o médico procurou fazer o diagnóstico, levantando as pálpebras do seu Tonoca para diagnosticar a anemia. Auscultou o pulmão, com o ouvido na sua costa, e mandou que ele falasse “33” várias vezes. E com exames bi-manuais, fazendo pressão em vários lugares do corpo do seu Tonoca, tirou algumas conclusões e prescreveu a medicação indicada.


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