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Os tambores da guerra

Contudo, o artigo de Ricardo Hausmann – ex-ministro do planejamento da Venezuela entre 1992 e 1993 – publicado no Project Syndicate apresenta um plano: a Assembleia Nacional venezuelana depõe Maduro e pede uma intervenção estrangeira no país. Desse modo, a aprovação do Conselho de Segurança da ONU não seria necessária, o que neutralizaria um veto da Rússia ou da China.


João Vicente de Medeiros Publio Dias
Articulista

Tudo começou com um comentário do presidente norte-americano, Donald Trump. Ele aventou a possibilidade de uma intervenção militar na Venezuela. As reações não foram positivas, mesmo entre opositores do regime de Maduro. Parecia ser mais um arroubo em busca de atenção do presidente americano.
Contudo, o artigo de Ricardo Hausmann – ex-ministro do planejamento da Venezuela entre 1992 e 1993 – publicado no Project Syndicate apresenta um plano: a Assembleia Nacional venezuelana depõe Maduro e pede uma intervenção estrangeira no país. Desse modo, a aprovação do Conselho de Segurança da ONU não seria necessária, o que neutralizaria um veto da Rússia ou da China.
Duas perguntas surgem. Primeiro, Hausmann é uma voz solitária ou esse artigo representa a opinião de mais pessoas, talvez de membros do Legislativo venezuelano? Sendo Hausmann quem é, a segunda possibilidade é a mais provável. A outra pergunta: é uma boa ideia? A resposta é um sonoro “não”. A razão principal é que quem deve decidir sobre o destino dos venezuelanos são os próprios venezuelanos. Por mais que um convite da Assembleia dê uma cobertura de legitimidade à intervenção imaginada por Hausmann, ela seria, com toda a certeza, transformada na memória política latino-americana em mais uma ação imperial e, de brinde, emprestaria um ar de martírio e lenda aos chavistas tirados do poder na marra.
A segunda razão é que uma intervenção estrangeira iria possivelmente piorar a situação. Se Hausmann imagina que será uma operação rápida de troca de regime, ele está redondamente enganado. Ele deveria saber que, desde o governo Chávez, têm sido formadas milícias bolivarianas para servir como guarda pretoriana do regime. Numa hipotética intervenção militar, elas se posicionariam como uma resistência revolucionária, mas na prática formariam domínios de senhores de guerra e fragmentariam a Venezuela. A destruição completa desses grupos iria demandar um esforço de muitos anos com altíssimos custos, tanto em recursos quanto em vidas humanas.
Enquanto isso, Maduro, escondido em algum ponto do país, iria usar as mesmas justificativas de seus opositores e pediria ajuda a seus amigos russos. Vladimir Putin teria um enorme prazer em ter um pretexto para pôr o pé no quintal dos Estados Unidos.
Resumindo: veríamos uma nova Síria surgir na América do Sul. Hausmann sugere que a coalizão para libertar a Venezuela seria formada também por países latino-americanos. O problema é que nenhum país do continente tem estruturas sociais e econômicas para sustentar um conflito armado em outro país por muitos anos. As principais economias da região, Brasil e Argentina, estão saindo de um período de crise. Que efeitos uma guerra teria em nossas economias?
É importante mencionar que a América Latina vem enfrentando um conflito armado desde os anos 1980: o narcotráfico, que resulta em dezenas de milhares de mortes anualmente em todo o continente. Só no Brasil são quase 60 mil por ano, a maioria delas consequência direta ou indireta do tráfico de drogas. Adicione o resto da América Latina e some as três décadas de violência contínua, e teremos a guerra mais sanguinária da humanidade desde a Segunda Guerra Mundial. Contudo, é uma guerra controlada, parte do cenário latino-americano. Uma hipotética guerra na Venezuela faria a situação degringolar e transformaria nossa violência de cada dia em caos social completo, principalmente se considerarmos que parte da elite política do governo Maduro tem laços estreitíssimos com o narcotráfico.
Por enquanto, a proposta de Hausmann é uma ideia lançada no ar, mas, diferentemente dos arroubos de Trump, parece estar sendo levada a sério. Por isso, temos de nos questionar: queremos uma guerra longa e sangrenta que envolva compromissos financeiros, sociais e humanitários com os quais não temos como arcar? Aceitamos o risco de sermos arrastados para o buraco negro que é a Venezuela? Queremos que a América Latina seja novamente o palco dos grandes conflitos entre as grandes potências mundiais e, por consequência, voltemos a ser peões destas?

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