A língua portuguesa “projeta uma certa forma de estar no mundo”
Em entrevista a embaixadora Florbela Paraíba destacou a importância da língua portuguesa como veículo de comunicação, cultura, conhecimento e aproximação entre povos. Ela mencionou a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Cplp, as diásporas espalhadas pelo mundo assim como alundos do idioma.

Por Sara de Melo Rocha*
Por que é importante celebrar o Dia Mundial da Língua Portuguesa?
Florbela Paraíba – É uma celebração e um motivo para fazermos uma reflexão sobre a nossa língua e o papel que a nossa língua tem no mundo. O Dia Mundial da Língua Portuguesa, foi proclamado pela Unesco em 2019, mas já antes havia no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Cplp, o Dia da Língua Portuguesa e das Culturas da Cplp e isso foi iniciado por volta de 2008. É uma marca e uma oportunidade de criar aqui um espaço para nós pensarmos qual é a nossa estratégia em relação à nossa própria língua, de que forma ela é relevante no mundo e quais são os novos caminhos que devemos trilhar, a partir da língua e da promoção da nossa cultura contemporânea no mundo inteiro.
Que trabalho desenvolve o Instituto Camões e quantos são pelo mundo?
Florbela Paraíba – Temos cerca de 83 centros de língua portuguesa em todo o mundo. São instituições que estão dentro das universidades, algumas das mais prestigiadas do mundo, por todos os continentes.
Temos protocolos de docência, ou seja, acordos com essas universidades, que neste momento se estimam em cerca de 325 destes protocolos, que permitem que haja professores contratados por essas universidades para ensinarem o português. E depois temos também, todas as associações e escolas comunitárias que também oferecem o português, e ainda, e muito importante, as escolas portuguesas no estrangeiro.
Que tipo de imagem projeta a língua portuguesa a nível mundial?
Florbela Paraíba – Eu acho que as línguas transformam-nos sempre e nós somos moldados e transformados por elas. Uma língua, além de ser um instrumento de comunicação, é um instrumento de projeção de valores e de uma visão que é muito própria de uma cultura e a língua portuguesa projeta culturas, não só a cultura portuguesa, mas a cultura do Brasil, dos outros estados de Angola, de Moçambique, de Cabo Verde, de São Tomé e Príncipe, da Guiné-Bissau, de Timor-Leste, da própria Cplp, o que nós conseguimos ser em comum, que tem também a Guiné-Equatorial como Estado-membro.
Como olha para o percurso da íngua portuguesa enquanto idioma internacional?
Florbela Paraíba – Nós vemos o português aqui no Camões – Instituto da Cooperação e da Língua como uma língua pluricêntrica, pluricontinental, multicultural e, portanto, com muitos polos de onde é feita uma evolução. E essa diversidade do português é, em si mesma, a sua riqueza e muitas vezes o motivo pelo qual ela consegue congregar tanto interesse da parte de públicos tão variados.
O português é uma língua que é falada não só por nós, cidadãos dos estados que têm a língua portuguesa como língua oficial, mas também como língua de herança, portanto, filhos das nossas diásporas, das nossas comunidades, como também como língua segunda, como língua estrangeira. É estratégico que o português seja cada vez mais uma língua integrada nos sistemas de ensino de outros países, como língua opcional, como nós em Portugal aprendemos o francês ou o espanhol ou o inglês.
Como é que o Camões olha e contribui para uma eventual campanha de tornar o português língua oficial das Nações Unidas?
Florbela Paraíba – Essa é uma pretensão assumida desde logo pelo governo português e é também uma pretensão que tem sido muito trabalhada no âmbito da Cpl e com outros parceiros. Nós temos aqui uma cooperação que pretendemos sempre reforçar com o Instituto Internacional de Língua Portuguesa, que está sediado em Cabo Verde e que pertence a este universo da Cplp, também com congéneres, por exemplo, no Brasil, com o Instituto Guimarães Rosa. Portanto este é um trabalho conjunto de todos aqueles que têm, cuja pátria ou mátria é a língua portuguesa. É um objetivo comum.
Como é que a língua portuguesa se tem adaptado às novas plataformas de inteligência artificial e como se pode proteger a sua essência?
Florbela Paraíba – Qualquer revolução civilizacional, e parece-me que estamos praticamente a falar a esse nível, não pode nem deve nunca esquecer as pessoas e o papel que elas têm. Não vejo como é que a inteligência artificial vai substituir o ser humano. Eu acho que é preciso nós construirmos e retirarmos da tecnologia aquilo que nos pode ajudar, minimizando os efeitos potencialmente menos positivos que ela possa ter sobre a nossa sociedade.
Para isso é preciso informação, é preciso as pessoas estarem muito informadas e nós sabemos exatamente o que é que queremos, que produto vamos colocar lá, a informação que nós vamos colocar nos sistemas, os dados que vamos introduzir para que depois o resultado seja o resultado que nós queremos, editado por nós, pelas nossas próprias éticas, pelos nossos valores e não o resultado de escolhas feitas por outros.
Perfil
Florbela Paraíba – Presidente do Instituto Camões
Rede de ensino do português
O Instituto Camões tem vindo a consolidar uma rede global de ensino da língua, com 63 cátedras e 86 centros de língua portuguesa em diversos países. A entidade tem mais de 300 protocolos de cooperação e múltiplas parcerias com escolas comunitárias e instituições locais.
“É toda esta rede que promove não só o ensino da língua portuguesa, como a projeção da cultura de matriz portuguesa em todo o mundo”, afirmou a partir da sede do instituto em Lisboa.
Língua como identidade
Florbela Paraíba sublinha ainda o papel da língua como expressão de identidade e valores, sendo mais do que um código de comunicação. “Uma língua é um instrumento de projeção de valores e de uma visão que é muito própria de uma cultura.”
500 milhões de falantes até 2100
A presidente do Instituto Camões reforça que o português já tem hoje estatuto de língua oficial em várias organizações internacionais, como a União Africana e o Mercosul e sublinha o potencial de crescimento. “Estamos a apontar para um potencial de 500 milhões de falantes até ao final deste século.”
A língua portuguesa, afirma Florbela Paraíba, continua a afirmar-se como uma ponte para o entendimento, a cooperação e a diversidade: “Muito mais importante do que dizermos que temos uma língua rica e promotora da paz, é que os outros a reconheçam assim.”
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