Entrevista

“A proteção à saúde do trabalhador vale também para o serviço público”

As relações de trabalho não podem deixar de lado um importante segmento que deve integrar a estrutura orgânica de empresas da iniciativa privada, que é o setor de medicina e segurança do trabalho. A missão é combater as doenças ocupacionais e os acidentes de trabalho. O médico Benones de Carvalho foi sabatinado pelo programa Conexão Brasília, na rádio Diário FM, oportunidade em que deu mais detalhes sobre essa atividade, que possui legislação própria. O especialista faz um alerta a respeito da extensão dessas medidas protetivas, que devem ser observadas também no serviço público, pois ele diz que algumas atividades de servidores públicos estão tanto ou até mais expostas a riscos ocupacionais, seja por insalubridade, seja por risco de morte mesmo. A seguir os principais trechos da entrevista.


Diário do Amapá – Geralmente o primeiro contato de um trabalhador de uma empresa é exatamente com a medicina do trabalho, nos chamados exames pré-admissionais. Isso é regra?
Dr. Benones Carvalho – Exatamente. Existe uma legislação específica no Brasil que determina que todos os funcionários celetistas, ou seja, aqueles regidos pela CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] antes de adentrarem em qualquer empresa eles passem inicialmente por um exame ocupacional onde será avaliado se esses trabalhadores, esses candidatos a determinada vaga, estão aptos para exercer a função dentro daquele local para o qual foram selecionados e o médico do trabalho irá avaliar se aquela função está adequada para ele.

Diário – Essa é a condição?
Dr. Benones – Exatamente, pois quando um trabalhador entra numa empresa deve entrar com uma saúde compatível com a função que ele vai exercer e ao sair também ele deve estar com as mesmas condições de saúde de quando entrou na empresa.

Diário – E no decorrer do período em que esse trabalhador tem vínculo com essa empresa com que periodicidade ele deve retornar ao consultório do médico do trabalho doutor?
Dr. Benones – Veja bem, a legislação estabelece uma determinada periodicidade para os exames ocupacionais serem feitos, ou seja, depois que o indivíduo entra na empresa periodicamente eles tem que ser avaliado pelo médico do trabalho para verificar se ele durante seu labor desenvolveu alguma doença relacionada com aquele trabalho. Isso a gente chama de exame periódico que deve ser feito a cada período de um a dois anos levando em consideração os riscos ocupacionais e a idade do funcionário, como determina a legislação.

Diário – Existem casos de trabalhadores que alegam ter adquirido uma doença ocupacional, mas por outro lado o empregador se defende dizendo que fornece o EPI [Equipamento de Proteção Individual], mas o funcionário se recusa a utilizar. Como se resolve isso doutor?
Dr. Benones – Essa é uma constante briga que existe entre os funcionários e os técnicos de segurança do trabalho. Os EPI’s são obrigatórios por lei em todo local que existe risco ocupacional. Um local onde tem poeira, por exemplo, obrigatoriamente tem que usar máscaras, pois o local é insalubre. Mas antes disso é preciso tomar todas as medidas possíveis para tornar aquele ambiente fique isento de poeira, utilizando de equipamentos de proteção coletiva, que seria usar coifas, aspiradores de ambiente, enfim, mas quando isso não é possível se parte para os equipamentos individuais.

Diário – Que muitos trabalhadores alegam não gostarem de usar.
Dr. Benones – Esses EPI’s na maioria das vezes realmente são muito incômodos, mas o fato de serem incômodos nunca, por motivo algum, pode ser motivo para a não utilização dele por parte do funcionário. A legislação diz, e é bastante explícita neste sentido, que o proprietário, o dono da empresa tem que preservar a saúde daquele funcionário utilizando todos os meios possíveis que existam no mercado para proteger a saúde dele. Em contrapartida, o funcionário tem por obrigação legal utilizar também todos os equipamentos fornecidos pelo empregador, caso contrário esse funcionário pode ser sim punido pela empresa.

Diário – O EPI é o divisor de águas entre a saúde e a doença do trabalhador?
Dr. Benones – Veja bem, só dar o EPI não é suficiente. A legislação obriga que além de você dar o equipamento o patrão deve garantir que seja ensinado ao funcionário sobre como utilizar o EPI, ele deve ser educado em relação a forma correta de usar. E nada melhor do que uma boa informação para que isso ocorra, daí a necessidade de uma boa explicação para esclarecer sobre o que pode acontecer à saúde do trabalhador diante do contato com aquela condição de insalubridade, como doenças pulmonares em caso de excesso de poeira, causando sérias patologias, algumas até irreversíveis.

Diário – Por falar em instrução, pelo que se sabe dependendo do número de funcionários de uma empresa é necessário a contratação de técnicos e até engenheiros do trabalho, como também a formação das chamadas brigadas de incêndio. Isso também faz parte não é doutor?
Dr. Benones – Exatamente. O chamado SESMT, que é o Serviço Especializado em Segurança do Trabalho é uma entidade que foi criada pelo Ministério do Trabalho com o intuito de fazer exatamente isso, promover a saúde ocupacional e prevenir doenças ocupacionais dentro do trabalho. O SESMT é composto por alguns profissionais como médico do trabalho, engenheiro do trabalho, técnico de segurança do trabalho, a enfermeira do trabalho e a técnica de enfermagem do trabalho, que são os cinco componentes do SESMT. Uma empresa vai precisar desse grupo dependendo do número de colaboradores que tem lá, a gente chama de dimensionamento, ou seja, dependendo do número de funcionários, do grau de risco daquela empresa, ela vai ser obrigada por lei a contratar de carteira assinada um destes ou vários destes profissionais da área de segurança do trabalho que vão atuar não só para evitar as doenças ocupacionais como os acidentes de trabalho. As brigadas de incêndio fazem parte de uma outra legislação, relacionada à prevenção e combate a incêndios cujo plano é obrigatório para toda e qualquer empresa. A formação da brigada depende do tamanho e da atividade da empresa.

Diário – Para fechar essa questão do EPI existem funcionários mais acomodados e outros mais questionadores, que vira e mexe sofrem até represálias, assédio moral até, quando se tornam muito reivindicadores, polêmicos até.
Dr. Benones – O assédio moral ocorre todas as vezes em que o indivíduo fica tolhido dentro da empresa de executar a sua função ou quando ele se sente minimizado dentro da empresa exercendo as suas atividades. Existem sim essas pessoas um pouco mais questionadoras, que acabam sendo polêmicas mesmo, daí findarem sendo mal vistas pelos patrões e até pelos superiores hierárquicos dele e isso sim pode vir a causar o chamado assédio moral, que é um crime, inclusive punido por lei.

Diário – Essas regras que se tem nas relações de trabalho nas empresas valem também para o serviço público doutor?
Dr. Benones – A proteção do trabalhador é universal, portanto tem que ser cumprida tanto pela iniciativa privada quanto pelo serviço público, tendo em vista que nós temos servidores públicos que se expõem a riscos ocupacionais tão ou até piores que o setor privado. Então há sim dispositivos legais que priorizam a proteção à saúde destes trabalhadores também do serviço público.

Diário – Macapá está se verticalizando, ou seja, ganhamos prédios cada vez mais altos e para alguns trabalhadores é numa hora dessas revelam medos e até fobia por altura. Da mesma forma estão chegando as empresas de prospecção de petróleo, locação para outros trabalhadores revelarem medo do alto-mar, ou de andar de helicóptero, enfim, como a medicina do trabalho administra essas fragilidades do trabalhador?
Dr. Benones – A gente falou no início de exame pré-admissional, que é quando todas essas características têm que ser levadas em consideração quando você contrata um funcionário. Casos de fobias, medos, são frequentes mesmo então há necessidade de um profissional chamado psicólogo, que irá avaliar se aquela pessoa tem algum tipo de fobia e se aquela fobia é incompatível com aquela atividade que ele vai exercer. É um estudo multiprofissional, que requer uma avaliação especial, não só o físico como também a questão psicológica.

Perfil…
Entrevistado. O paraense Benones Santos de Carvalho tem 49 anos de idade, é casado e pai de duas filhas. Natural de Abaetetuba e formou-se em Medicina pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 1993; especializou-se em Medicina do Trabalho pela Universidade Estadual do Pará (UEPA) em 1996; possui Pós-Graduação em Perícia Médica, pelo Instituto de Pós-Graduação de Goiás (IPOG). Trabalhou por mais de dez anos como Perito do INSS, em Belém até abrir sua própria clínica especializa-da, a MEDSEG, no bairro do Marco na capital paraense. Atuou também no início dos anos 2000 na U&M Mineração, uma empreiteira da MMX Mineração, em Serra do Navio (AP) e, desde 2012, na Clínica Semed, em Macapá. 


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