Entrevista

Advogados debatem retroabilidade da aplicação da Lei da Ficha Limpa

Em entrevista concedida ao programa Togas&Becas (DiárioFM 90,9) apresentado neste sábado pelos advogados Wagner Gomes e Evaldy Mota, editada para o Diário do Amapá pelo jornalista Ramon Palhares, houve amplo debate com profissionais do direito, entre os quais o presidente da OAB/AP Paulo Campello, sobre vários temas que movimentam o meio jurídico, com destaque para a retroabilidade da aplicação da Lei da Ficha Limpa por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e o entendimento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que defensores públicos não são advogados públicos, devem seguir regime disciplinar próprio, têm sua capacidade postulatória decorrente diretamente da Constituição Federal e por isso não precisam cumprir regras do Estatuto da Advocacia e da OAB.


WAGNER GOMES – O Pleno do STF tomou mais uma decisão polêmica retroagindo a aplicação da Lei da Ficha Limpa. De que forma isso vai impactar a classe política e as eleições no Brasil?

VLADIMIR BELMINO – Por uma votação apertada de 6 a 5, capitaneada pelo ministro Luiz Fux e voto divergente do ministro Ricardo Lewandowski, o STF fichas decidiu que quem incidiu em algum dos crimes previsto na Lei nº 135 de 2010, que foram agrupados na Lei Complementar nº 6490, que é a Lei das Inelegibilidades, sob a alegação de que não é pena, mas sim uma questão administrativa, se esses atos ocorreram antes do início de sua vigência também serão alcançados pela Lei. Com isso o STF diz que é muito mais importante acatar a opinião pública do que a segurança jurídica. Eu achei o argumento do ministro Fux acho muito frágil, como o de que não pode ser modulado em razão da isonomia porque alguns casos já foram julgados anteriormente. Retroagir é totalmente inconstitucional. Eu não assisti ao julgamento, mas no meu ver a decisão, que é de Repercussão Geral se restringe apenas à compra de compra de voto, nessa já foi sacramentado. Mas não quer dizer que nos outros crimes previstos também se aplica, como abuso de poder político e econômico, mas eu aposto que o STF vai aplicar para retroagir em todas as alíneas e o problema é do juiz que vai aplicar ou não, mas há indicativo de que vai retroagir em todas as hipóteses previstas na Lei da Ficha Limpa.

 

FÁBIO GARCIA – Concordo com o doutor Vladimir, eu acho que o STF vem muito feroz com essa decisão, que é de Repercussão Geral. Além do mais, na captação ilícita de sufrágio que é compra de votos, a inelegibilidade é contabilizada a partir da eleição a qual aquele candidato concorreu. Então vejamos, se retroage a 2010, a ultima eleição que pode ser aplicada já estava sob vigência, porque, por exemplo, se o político foi. candidato em 2002 e por ventura foi condenado por compra de votos, como no caso eu acho do Capiberibe, que ouvi uma discussão ontem no rádio… Eu não morava aqui, mas me parece que ele foi condenado por compra de votos em 2002; aí, em 2010 então ele já tinha cumprindo os 8 anos. Então eu penso que para a hipótese de captação ilícita de votos mesmo que o Ministério Público se arvore não vai obter êxito. Agora os casos de abuso de poder e de crimes cometidos que acarretem esse tipo de inelegibilidade eu acredito que pode se buscar sim. Diferente do meu entendimento, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) dá os 8 anos a partir do fato gerador que é a condenação pelo colegiado no transito em julgado e após o cumprimento pena de mais 8 anos, às vezes pode ser até mais eu cheguei a julgar um caso quando eu era juiz e fui convencido eu cheguei a julgar um caso e fui convencido junto com desembargador Agostino Silvério sobre o registro da candidatura do Fran Júniorr que ele teria sido condenado não recordo bem a época e começou a pagar a pena, depois cumpriu pena e já tinha passado mais de 20 anos e ele tinha que cumprir mais 8 anos após julgamento do colegiado.

 

WAGNER GOMES – A aplicação da inelegibilidade já é feita automaticamente após o julgamento em 2ª instância?

VLADIMIR BELMINO – Eu defendo uma linha muito especifica na interpretação da Lei da Ficha Limpa. Na realidade houve a previsão da inelegibilidade no 2º julgamento, porque o órgão colegiado quer dizer o 2º julgamento, Se o julgamento originário foi ainda a 1ª instancia, ele só estaria inelegível no TSE, então pra mim só a 1ª decisão de colegiado não dá inelegibilidade. Quanto ao início do prazo de cumprimento o doutor Fabio está certo, é a partir da eleição, mas houve interpretação de que é no final da eleição como no caso de 2010, vai até 2018 nesse caso. Por exemplo, outra situação, o condenado por improbidade administrativa, primeiro cumpre a pena toda, tem os direitos políticos suspensos e se não pagou a multa continua em aberto e depois é que vai começar a cumprir os 8 anos de inelegibilidade. E a Lei da Ficha Limpa teve essa interpretação no STF.

 

HELDER AFONSO – Muitas decisões do STF nos causam estranheza e espécie. Existe um movimento a partir da Operação Lava Jato e da Lei da Ficha Limpa querendo moralizar o forçando a barra através da criação de dispositivos legais?

 

VLADIMIR BELMINO – Sem sombra de dúvidas! Temos ai um estado democrático jurídico, não é mais de direito. A justiça está interferindo no legislativo, interferindo diretamente na escolha dos candidatos, na diplomação e na posse. Muitas vezes, aliás, na quase totalidade das vezes não é por interesse dela não, é que ela é motivada e tem que tem que dar uma decisão, é o principio da motivação. O juiz não vai agir decidindo sem motivação, e muitas vezes se dá por iniciativa de candidatos. Não há mais respeito ao que vem das urnas.

 

FÁBIO GARCIA – Falta um pouco o Judiciário conhecer a realidade dos candidatos principalmente no Amapá, onde há uma carência muito grande de informação. O nosso Tribunal Regional Eleitoral tem acertado muito nos últimos anos, principalmente essa ultima composição, realizando cursos de treinamento, passando conhecimentos para candidatos e lideres partidários. Na minha vivência lá eu pude verificar e entender intenção do legislador a partir do jurista na corte eleitoral, porque só o jurista pode trazer essa sensibilidade para a corte. Eu pude discutir questões que não foram discutidas, como prestação de contas, por exemplo. É muito importante a participação de advogados nas Cortes.

 

EVALDY MOTA – Aqui no AP temos alguma quadro que pode sofrer conseqüência dessa decisão do STF?

VLADIMIR – Todos os que foram apenados pela Lei da Ficha Limpa em qualquer crime sofrerão impugnações. Especificamente temos caso do senador João Capiberibe e de sua esposa, a deputada Janete Capiberibe. Certamente o MP não se furtará de propor impugnação.

 

EVALDY MOTA – O fato gerador numa eleição em 2012, como o doutor Vladimir falou, o raciocínio regular manda que inelegibilidade ocorra a partir daquele fato gerador, mas o Tribunal entendeu que é, acho que o povo pensou que é a partir do fato gerador. Mas depois se inventa que é depois da condenação, a pessoa é condenada, cumpre a pena e depois permanece inelegível. Ora, me perdoem os ministros do Supremo, mas é um caráter de pena sim, não é questão administrativa, é pena. Que me perdoe o ministro Fux com toda a sua sapiência, mas no meu entendimento é pena.

 

WAGNER GOMES – Outra decisão também muito polêmica e que atinge diretamente a advocacia é a decisão da 5ª Turma do STJ de que defensores públicos não são advogados públicos, devem seguir regime disciplinar próprio, têm sua capacidade postulatória decorrente diretamente da Constituição Federal e por isso não precisam cumprir regras do Estatuto da Advocacia e da OAB. Como os senhores avaliam essa decisão?

EVALDY MOTA – É bom ressaltar que as defensorias públicas exigem o recebimento de honorários de sucumbência, que é privativo de advogado; não quer pagar a OAB, não quer ser advogado, mas quer receber honorários. Inclusive quando eu era Advogado da União a Defensoria da União entrava com execução desses honorária, eu recorria e mandava para Brasília, para o STF decidir.

 

VLADIMIR BELMINO – Eu acho que quem teve a ideia de entrar com essa medida de exclusão dos quadros da OAB estava sob efeito psicotrópico na cabeça, porque não é possível que não se pense conseqüências que vão acarretar a todo, como, por exemplo, o defensor público vai tirar o jus postulante de onde? Da terra? Acho que eles pensaram exclusivamente em não pagar anuidade e esqueceram todo o resto.

 

PAULO CAMPELO – Trata-se de uma decisão polêmica, mas a discussão é antiga. Existem posicionamentos favoráveis e contrários no STJ; na verdade essa é mais uma decisão acerca desse tema da obrigatoriedade de os defensores públicos permanecerem inscritos. No entanto há um movimento no Conselho Federal da OAB que quem deve decidir é o STF e ponto final, mas de fato já existe tendência entre presidentes de seccionais, inclusive a minha que, havendo prevalência dessa decisão que os defensores sejam excluídos dos quadros da OAB, que essa exclusão traga conseqüência a todos os direitos e deveres dos defensores, porque não adianta querer as bênçãos do Deus e não querer o Deus.

 

EVALDY MOTA – O que atingiria diretamente as prerrogativas inerentes aos advogados…

 

PAULO CAMPELO – Exatamente. Obviamente que, vinculado à OAB eu tenho que atender e cumprir obrigações dela decorrente. Não se pode ficar sob o manto das prerrogativas se houver essa exclusão. Essa divisão da relação entre defensores e advogados vem sendo articulada, inclusive com os defensores criando associações capazes de representá-los juridicamente. Tem ganhado força dentro do Conselho Federal e entre os presidentes seccionais, que seja posição da OAB que esse distanciamento deve trazer como consequencia não só a desobrigações como também os benefícios, entre eles a proteção e a garantia das prerrogativas. Há também o posicionamento de que se o defensor não é obrigado a estar na OAB, também não poderá concorrer às vagas que são destinadas à OAB no quinto constitucional em todos os tribunais regionais e superiores.

 

WAGNER GOMES – O senhor já tratou desse assunto com o presidente da OAB?

PAULO CAMPELO – O presidente Claudio Lamachia telefonou para mim ontem (sexta-feira), como também os demais presidentes seccionais para saber o posicionamento de cada um e me disse que o Conselho Federal vai ingressar nesse processo que tramita no STJ, porque sequer o Conselho Federal da OAB foi citado ou chamado ao feito nesse processo. Querem dar Repercussão Geral em num processo de iniciativa da associação defensores públicos do Ceará, querem dar amplitude sem que a maior entidade do Brasil tenha sido sequer cientificada. Esse argumento certamente o Conselho Federal vai argüir como um dos seus fundamentos, pois enseja a nulidade do, porque o Conselho Federal teria que ter sido chamado desde o sua origem para também participar da relação processual.

 

HELDER AFONSO – Temos aqui Amapá diversos defensores público e tem um concurso em andamento. Isso é tiro no pé. Estão querendo sair dos quadros da OAB dos quadros sem ter prerrogativas e outros direitos, inclusive a não existência de hierarquia e subordinação prevista no artigo 6º do Estatuto da Advocacia, entre advogados, membros Ministério Público e juízes. Na realidade é um movimento mais para não recolher anuidade do que qualquer outra coisa. Se eles pensaram efetivamente na exclusão para não pagar anuidade é um tiro no pé.

 

WAGNER GOMES – Doutor Evaldy, como o senhor já foi presidente seccional OAB do Amapá, como o senhor vê essa situação?

EVALDY MOTA – Eu vejo duas situações distintas: a matéria processual, porque se trata de ação manejada pela defensoria publica estadual, não se trata de uma lei do Ceará, mas uma lei federal. A defensoria não pode discutir direito do nosso Estatuto sem que seja chamada a entidade que nos representa. As seccionais, por exemplo, são restritas aos estados. Para revogar uma lei federal obrigatoriamente teria que ser chamado à lide o Conselho Federal. Em minha opinião o Supremo vai anular o processo. Já na questão de mérito o meu pensamento é o mesmo do doutor Paulo Campello, isto é, existe a máxima de todo direito corresponde a uma obrigação, então quem não paga a OAB, não é vinculado à instituição, terá que ficar desprovido das prerrogativas. E na hora que esses defensores, voluntariamente excluídos dos quadros da OAB tiverem suas prerrogativas ofendidas, quem vai garantir esses direitos?

 

FÁBIO GARCIA – Eu tenho certeza que a grande maioria dos defensores discorda, porque essa decisão é contra a lei. O Código de Processo Civil em seu Capítulo II, artigo 102, diz que a parte será representada em juízo por advogado inscrito na OAB. Se não tiver inscrição na OAB, o defensor publico perde a capacidade postulatória. É licito a parte postular em causa própria quando tiver habilitação legal, se não tiver inscrito na OAB ele não pode postular, e nesse caso a parte fica sem profissional habilitado. Tem um aspecto que alguns defensores se baseiam que é o Ministério Público, mas o MP defende o Estado e o defensor público defende o cidadão, que é ato privativo de advogado.

 

PAULO CAMPELO – Quero esclarecer que essa decisão não está em vigência e todos os que se inscreveram terão que obter a certificação de aprovação no Exame de Ordem, isso não tem que ser providenciado porque quem não obter essa certificação pode ficar sem requisito para a posse.


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