Entrevista

“Greenpeace virou uma facção esquerdista, antiglobalização e anticapitalismo”

Esta semana o Amapá virou notícia mundial por conta de uma postagem da Organização Não Governamental Greenpeace na Internet, em que os ativistas “comemoravam” a retirada da multinacional australiana BHP de um projeto de pesquisa de petróleo na Foz do Rio Amazonas. Desde o anúncio da existência de corais raros debaixo d’água, movimentos pró e contra a exploração de petróleo se digladiam. Mas também aumentam as críticas contra a atuação da ONG Greenpeace pelo mundo. E gente que conhece a instituição por dentro, como o pesquisador Patrick Moore, que se desencantou e acabou virando um dos maiores críticos à atuação deles. Nesta entrevista, ele dá sua versão sobre o Greenpeace e ratifica posicionamento crítico a respeito de quem barra o desenvolvimento em nome de defender a natureza.


Camila Artoni (Galileu)
Edição CLEBER BARBOSA

Diário do Amapá – Em 1971, o sr. ajudou a fundar o Greenpeace. Quando deixou o grupo, quais eram suas principais queixas?
Patrick Moore – Saí porque queria trabalhar em soluções para os problemas ambientais. Eu tinha ouvido o termo “desenvolvimento sustentável” em uma reunião de ativistas em Nairóbi [capital do Quênia] em 1982. O Greenpeace era contra quase todas as ações, mas percebi que elas tratavam de encontrar novas tecnologias e, ao mesmo tempo, reduzir os nossos impactos ambientais negativos. Ainda há 6 bilhões de pessoas que carecem de comida, energia e matéria-prima todos os dias e o desenvolvimento sustentável supre continuamente essas necessidades, talvez dando até mais para aqueles que vivem na miséria. Isso não pode ser feito pelo simples confronto. Requer consenso e trabalho conjunto com todos os setores, inclusive o privado e governos. Por exemplo, eu queria que os diretores do Greenpeace – e eu era um deles – adotassem uma política positiva a respeito da aqüicultura [criação de animais e plantas aquáticas] como maneira de sair da pura exploração marítima para a administração dos recursos do mar. Eles não concordaram e ainda hoje se opõem a muitas dessas operações. Ao passo que o Greenpeace tornou-se uma facção esquerdista, antiglobalização e anticapitalismo, eu passei a me interessar pela descoberta de soluções que pudessem efetivamente ajudar as pessoas.

Diário – O senhor diria que as atividades atuais do Greenpeace ainda são válidas de alguma forma?
Moore – No momento o Greenpeace tem uma pauta que não ajuda em muita coisa. No campo da mudança climática, eles prevêem um desastre ambiental, em que eu não acredito. É verdade que o clima está aquecendo, e tem estado desde a Pequena Idade do Gelo, há 500 anos. Era mais quente no período medieval, 1.000 anos atrás, do que hoje. Mesmo que sejamos parte da causa do aquecimento, muitos dos impactos serão positivos, especialmente em países mais frios como a Rússia, o Canadá e muitas nações européias. Mas talvez o ponto mais importante seja a necessidade de uma redução de 80% no consumo de combustíveis fósseis para estabilizar os níveis de CO2 na atmosfera. Seria a destruição da civilização como a conhecemos. Assim, é muito menos custoso nos adaptarmos ao aquecimento do que tentar preveni-lo. O Greenpeace não oferece nenhuma solução, só mantém a briga sem nenhum resultado positivo. Concordo que precisamos desenvolver mais energias renováveis, mas eles também são contra represas e uso de árvores como lenha, e 95% de toda a energia renovável disponível no mundo hoje vem dessas fontes, água e madeira.

Diário – Então o senhor defende o desmatamento?
Moore – É importante termos, digamos, 15% das árvores em parques e reservas. Mas grande parte das florestas poderia ser administrada para a produção de madeira. É fato que em países em que o consumo de madeira é alto há mais florestas, porque as pessoas plantam árvores para produzir mais madeira. É em países mais pobres, onde menos madeira é usada, que as florestas estão desaparecendo. Perceba que à medida que a China e a Índia enriquecem e precisam de mais madeira, suas florestas começam a se expandir. Mesmo uma monocultura de árvores é melhor para a biodiversidade e para a vida selvagem do que uma lavoura anual.

Diário – O fato de ser cientista ajudou o senhor a construir seus pontos de vista?
Moore –  A ciência é essencial para entender o ambiente. Como cientista eu sei que correlação não implica causalidade: o fato de os níveis de CO2 estarem crescendo e o clima estar esquentando não prova que o CO2 está causando o aquecimento. Também é importante ter consistência lógica nas posições. Muitos ativistas dizem que querem proteger todas as florestas e voltar à agricultura orgânica, sem fertilizantes químicos, pesticidas ou OGMs (organismos geneticamente modificados); se formos a uma fazenda orgânica, porém, veremos que é necessário três vezes mais terra para cultivar comida, o que significa que será preciso cortar muito mais da floresta remanescente. Um dos exemplos mais claros dessa irracionalidade está na postura do Greenpeace no campo da engenharia genética. O grupo juntou-se aos fanáticos que têm uma posição de “tolerância zero” contra os transgênicos, o que é ridículo, porque não há nenhuma evidência real de qualquer mal causado pelos OGMs, mas diversos benefícios palpáveis ao ambiente, à saúde e ao bem-estar humanos. A soja transgênica cultivada no Brasil ajuda a reduzir a erosão do solo e não requer pesticidas tão fortes. Assim, gera comunidades mais ricas, que podem sustentar uma vida melhor. Outro exemplo é o arroz dourado [projeto de grão enriquecido], que poderia salvar mais de 500.000 crianças de deficiência visual devido à falta de vitamina A. A posição do Greenpeace contra os OGMs é anticientífica, antitecnológica e desumana.

Diário – O que podemos esperar do movimento ambientalista no futuro?
Moore – Com sorte os extremistas serão marginalizados conforme as pessoas perceberem que eles não estão dizendo a verdade sobre muitos assuntos. Aí, talvez, um ambientalismo mais baseado na ciência irá emergir. As energias geotérmica e eólica, o conhecimento do que cada espécie precisa para sobreviver e o estudo do ciclo de vida de moluscos são exemplos de como a ciência e a tecnologia são importantes para a conservação da natureza. Mas pode ser que entremos em uma “Idade das Trevas” intelectual com todas as superstições e histórias assustadoras e sem evidência afetando as crenças populares. Espero que não, pois isso seria ruim para as pessoas e para o ambiente. Acho que somos inteligentes e criativos o suficiente para resolver nossos problemas ambientais e ter um planeta mais saudável e mais verde.

 

Perfil…

Entrevistado. No fim dos anos 60 Patrick Moore, 57, era um jovem estudante de Ph.D. na Universidade de Colúmbia Britânica, no Canadá. Vinha estudando ecologia e outras ciências naturais e tinha tomado conhecimento das preocupações a respeito do meio ambiente. Com a Guerra do Vietnã e a corrida armamentista, radicalizou-se, como ele mesmo define. Os Estados Unidos começavam a testar bombas de hidrogênio no Alasca e Moore juntou-se a um pequeno grupo que se reunia em Vancouver para planejar protesto contra os experimentos. A iniciativa pôs fim aos testes nucleares e firmou a existência da ONG Greenpeace.


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