Entrevista

“Minha vocação sempre foi a literatura, o político veio muito depois”

O ex presidente José Sarney (MDB-AP) fez aniversário durante essa semana – 88 anos – e em meio a homenagens, compromissos oficiais e reuniões familiares, ele falou sobre o Amapá e a gratidão que diz ter com o estado que o acolheu depois de deixar o Palácio do Planalto, ao retomar a carreira política, daquela feita como senador do estado que ele ajudou a criar. Em uma conversa franca sobre essa relação histórica com o país, tendo exercido o protagonismo de conduzir a Nação à redemocratização, Sarney faz revelações de bastidores daquele período, dizendo guardar um capítulo importante exatamente com o Amapá, que por muito pouco não conseguia ter o direito de concorrer à primeira eleição da bancada federal. Esses e outras valiosos registros históricos o Diário do Amapá publica a seguir.


CLEBER BARBOSA
DA REDAÇÃO

Diário do Amapá – Fazer aniversário, a essa altura da vida, Presidente, como é para o senhor?
José Sarney – Uma alegria, uma bênção, não a cada aniversário, mas a cada dia! [risos] Mas tenho muita gratidão a Deus, como homem temente a Deus que sou, pois deu-me uma longa vida, muito intensa, de muitas experiências, de muitas possibilidades.

Diário – Dentre essas possibilidades, a de ser mandatário da Nação, Presidente da República. Isso passava por sua cabeça, era algo que o adolescente José ou o jovem líder estudantil sonhava?
Sarney – De maneira alguma. Eu sempre achei que minha vocação era a literatura. Isso eu planejei, persegui como ideal, tanto que no começo busquei conciliar o fato de gostar de escrever com a necessidade de trabalhar, daí ter começado na imprensa, como jornalista. O político veio muito depois, uma descoberta também, mas que acabou tomando conta, arrastando-me com um forte apelo, uma força muito grande, que é o contato com as pessoas e a possibilidade de fazer algo por elas, mudar as suas vidas, para melhor, claro.

Diário – Muita gente diz que o senhor ocupou todos os cargos políticos, mas há certo exagero, não é mesmo?
Sarney – Sim. Na verdade, dizem que fui de vereador a Presidente, só que o começo mesmo foi como suplente de deputado federal, quando acabei sendo convocado para exercer os mandatos momentaneamente, até que em 1958 fui eleito para a Câmara dos Deputados, que naquele tempo era no Rio de Janeiro. Depois veio a candidatura a governador do Maranhão, seguida de dois mandatos consecutivos de senador, por lá também. Aí veio o movimento pelas eleições diretas, enfim, toda aquela mobilização que culminou com a construção da chapa com Tancredo Neves, como seu vice, seguida da posse como Presidente, infelizmente, devido a seu falecimento.

Diário – E agora, passados tantos anos, Presidente, o que dizer dessa experiência no Planalto?
Sarney – Ah, foi muito difícil, como todos sabem, mas ao mesmo tempo um grande orgulho por termos alcançado coisas que até hoje as pessoas falam, recordam-se. Afinal foram avanços no campo social que lançaram os alicerces para os atuais programas de transferência de renda, de assistência social, de moradia, de direitos e garantias aos trabalhadores, bem como outros avanços de que a gente se orgulha, e só não vamos evidenciar aqui por acharem que estaremos legislando em causa própria… [mais risos]


Diário – Mas não tem problema, vamos lá. A economia, como todo gestor, oscilou até achar um parâmetro de normalidade, não foi?

Sarney – Olha, os livros de história vão um dia contar o que os economistas, cientistas políticos e outros especialistas já admitem. Um dos maiores legados daquele período foi a condução do país rumo à redemocratização. Sempre defendi a democracia, fervorosamente, pois ela possibilitou as grandes vitórias que vieram em seguida, inclusive no campo econômico, pois a abertura iniciada em meu governo é que trouxe o que hoje organismos internacionais diversos aferem, o chamado grau de confiança. Não foi fácil tocar a economia, pois toda mudança de rumo, quebra de paradigma, enfim, é muito difícil, mas quem não se lembra dos fiscais do Sarney? Sim, aquilo mostrou que era sim possível quebrar o que estava posto como regra; o problema é contrariar interesses diversos, mas aquilo deu-me índices de popularidade históricos para um Presidente [da República].

Diário – Fala-se muito do famoso programa do leite, também…
Sarney – Sim. É verdade. Muitas senhoras até hoje lembram disso, dizendo, ao apresentar-me suas netas, que cresceram tomando o leite do Sarney… Você sabe que isso acabou anos depois a relacionar-me com o Amapá, de forma indelével?

Diário – Com o Amapá? Como assim, conte.
Sarney – É que depois de minha saída da Presidência, surgiu o movimento para que eu me candidatasse pelo estado, que acabei ajudando a criar, com a Constituição de 1988. Então havia dúvidas sobre o processo de mudança de domicílio eleitoral para Macapá, tanto que depois isso foi parar na Justiça para regulamentar minha candidatura. Pensei até em desistir, dizendo para Marly [sua esposa], em Macapá: “Olha aqui, eu não preciso passar por isso”, mas até que um dia pela manhã vi na porta de casa uma senhora com alguns cartazes falando do programa do leite, pedindo que eu ficasse, pois era um bom político. Isso me deu novo ânimo, então enfrentamos o processo, tivemos o registro da candidatura deferido e o povo nos deu uma bela vitória nas urnas.

Diário – E depois vieram outras, seguidamente, num total de vinte e quatro anos de mandatos, com índices de popularidade muito bons, mas e por quê nunca disputou uma eleição a governador do Amapá?
Sarney – Pois é, sabe que logo que cheguei ao Amapá foi uma das primeiras perguntas que um jornalista me fez? Eu disse que não, como todos sabem, pois a velha superstição me impedia de fazer de novo o que já fizera, pois fui governador antes, do Maranhão. Mas hoje, respondendo à sua pergunta, considero que pode ter sido um erro, sim, não ter disputado o governo do estado do Amapá.

Diário – Nossa, surpreendente, o que teria feito como governador?
Sarney – Na verdade desde que cheguei ao Amapá o compromisso era o de ajudar o estado a se desenvolver e caminhar com suas próprias pernas. Só que no começo o primeiro problema era a falta de energia. A gente tinha racionamento de energia no Amapá, então a primeira providência foi conseguir luz, então falei com o então ministro das minas e energia, o Antônio Carlos Magalhães, que nos enviou as usinas térmicas que estavam em Camaçari (BA) para acabar com os apagões. Mas minhas ações como senador foram sempre vocacionadas para dotar o Amapá com a infraestrutura necessária para crescer e se tornar aquilo que sempre falei, um dos estados mais prósperos da Amazônia, por sua localização geográfica, sua vocação portuária, sua natureza intocada e sua gente, brasileiros e brasileiras ordeiras e trabalhadores. Foram muitas ações, coisas até hoje muito úteis, como a Área de Livre Comércio, a Universidade, as Escolas Técnicas, portos, aeroporto, hospitais, estradas, como também a energia, sempre a energia, que foi o primeiro e também o último projeto de meus mandatos, pois o Linhão do Tucuruí passaria ao largo, quando lutamos muito para a extensão da linha para a margem direita do Rio Amazonas, uma das maiores obras que a Amazônia já viu.

Diário – Essas obras todas como Legislativo, como seria no Executivo?
Sarney – Não seria diferente, pois sempre disse que fui ao Amapá para servir, não para ser servido. Estive sempre à disposição dos governadores, mesmo aqueles que depois viraram adversários, jamais impossibilitei o diálogo, ao contrário. Tenho muito orgulho dessa passagem importante de minha vida pública e que até hoje não foi interrompido, pois todos os dia, tá vendo? Todos os dias eu falo do Amapá, defendo o Amapá, recebo gente do Amapá e penso no Amapá, um lugar para sempre ligado a mim, por isso minha eterna gratidão pela acolhida que me deu após a Presidência e por tantos amigos que fiz, gente que sempre me dá um sorriso, um abraço e uma palavra de carinho. Tenho muito orgulho de ser também amapaense.

Diário – Obrigado pela entrevista e feliz aniversário novamente Presidente.
Sarney – Muito obrigado!

 

Perfil…

Entrevistado. José de Ribamar Sarney Costa tem 84 anos de idade, é advogado, jornalista e escritor. Começou a vida política ainda estudante do Colégio Liceu, em São Luís (MA), tendo depois chegado a suplente de deputado federal, até vencer uma eleição para a Câmara Federal e depois elegeu-se governador do Maranhão e depois senador. Nos anos 1980 engajou-se na campanha pelas eleições diretas e pouco depois compôs como vice a chapa vitoriosa do Presidente Tancredo Neves, que faleceu antes da posse. Sarney assumiu as rédeas do País e conduziu o período da redemocratização, da Constituinte e da volta das eleições diretas para Presidente. Depois foi eleito senador pelo Amapá, por três andatos consecutivos e em 2014 decidiu não concorrer.


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