Entrevista

“Não dá para perder tempo com picuinhas, com desavenças políticas”

Sarney foi o personagem da semana no Amapá, por toda a mobilização da classe política local em torno de uma das mais respeitadas biografias da República. Ex deputado, ex senador e ex presidente do país, ele demonstra que não precisa de mandato para colocar seu prestígio a serviço do Brasil e do estado que o acolheu depois que deixou o cargo mais importante da Nação. Foram 24 anos consecutivos de representatividade no Congresso Nacional. Sarney passou três intensos dias de agenda oficial no estado, para testemunhar a consolidação de projetos concebidos ainda como senador do Amapá, como pontes, aeroportos, portos, energia. Ele recebeu o Diário do Amapá para avaliar essa nova fase de sua vida, ocasião em que voltou a pregar a paz entre a classe política local, além do indefectível otimismo em relação ao estado.


Diário do Amapá – Então, presidente, como foi essa volta ao Amapá depois de um bom período em que ficou só em Brasília?
José Sarney – Pois é, eu havia dito que um dos motivos para deixar de concorrer à reeleição era também para cuidar mais de minha esposa Marly, que estava realmente precisando de minha atenção. Não sou médico, como todos sabem, mas o fato é que houve muito progresso no tratamento dela que deixou a cadeira de rodas e hoje está caminhando, graças a Deus. Ela até bateu perna no comércio de Macapá estes dias… [risos] Mas voltar aqui é sempre uma oportunidade para matar as saudades. O Amapá é uma saudade que não passa!

Diário – E na sua chegada o que se viu foi uma grande mobilização da classe política local no aeroporto, como foi para o senhor receber essa manifestação?
Sarney – São essas coisas que nos dão a certeza de que acertamos muito mais do que erramos nesta missão de representar o Amapá no Senado. Desde que aqui cheguei, sempre recebi o carinho dos amapaenses e dos inúmeros brasileiros, como eu, que para cá vieram com o propósito de trabalhar, ajudar o estado. Foram anos maravilhosos, intensos, mesmo, de muito trabalho e dedicação às coisas do Amapá, fato que aliás ainda continuamos fazendo mesmo sem mandato de senador.

Diário – Como assim, presidente?
Sarney – Sim, pois tive que abrir um escritório lá em Brasília para receber melhor as inúmeras pessoas que continuam a nos procurar, sejam políticos, lideranças, representantes de categorias de servidores públicos e autoridades como o governador do estado, os prefeitos, enfim, as mesmas pessoas que sempre estavam conosco, lá no Senado, levando algum tipo de demanda daqui pra ser resolvida lá.

Diário – E como o senhor consegue resolver essas coisas?
Sarney – Olha, hoje eu não tenho o mandato, o voto, o discurso, mas tem uma coisa que vale muito na vida pública, que é o prestígio, o respeito, pelos anos que dediquei à política e também pela postura que sempre adotei de retidão e hombridade. Além do mais, todo pedido que faço em nome do povo amapaense é no sentido de reparar os muitos anos em que os governos poderiam dedicar mais atenção a estados do Norte, para a região amazônica como um todo. Tenho um bom relacionamento com a presidente Dilma, e sempre que a situação exige, recorro a ela ou a algum de seus ministros para tratarmos de algum projeto de interesse do estado.

Diário – Foi assim com essa questão da obra do aeroporto de Macapá, que teve os trabalhos retomados num evento que contou com sua presença?
Sarney – Sim, exatamente. Eu sempre defendi as obras de infra-estrutura, como portos, aeroportos, hidrelétricas, pontes, que são obras difíceis de se conseguir. Dão muito trabalho, mas quando ficam prontas projetam o estado para o futuro. Com o aeroporto, também foi assim. Tive a felicidade de receber do então presidente Lula a informação de que essa seria a primeira obra liberada por seu governo em 2004. Depois, infelizmente, uma das empresas do consórcio responsável pela construção teve problemas, acabou quebrando e prejudicando outra até que o Tribunal de Contas da União interveio e a obra acabou paralisada. Mas, como se vê, falta pouca coisa para se entregar o novo aeroporto, que terá uma capacidade anual na ordem de 5 milhões de passageiros, ou seja, atenderá à necessidade do estado para os próximos 20 anos.

Diário – O senhor sempre está olhando para o futuro, não é?
Sarney – Sim. Gosto muito de uma frase de Winston Churchill, que ao responder sobre a diferença de um estadista para um demagogo, disse que este decide pensando nas próximas eleições, enquanto aquele decide pensando nas próximas gerações. Sempre persegui esse ideal, ou seja, de olhar para o futuro e projetá-lo através de obras que preparem a sociedade para as demandas que virão. Desde que para cá me mudei, sempre procurei ser útil, olhando para as necessidades do momento e pensando em soluções mais à frente, para quando a população aumentasse. Aqui o primeiro problema era a energia elétrica, pois os motores eram desligados à certa hora da noite. Havia racionamento. Então consegui os motores maiores, que vieram de Camaçari, na Bahia. Depois pensei em um grande projeto econômico, quando então conseguimos trazer os incentivos da Área de Livre Comércio para Macapá e Santana, uma conquista importante e que vem garantindo a sobrevivência do estado, até hoje. E foi sempre assim, planejando, pensando soluções.

Diário – O comércio é a maior vocação, o senhor diria?
Sarney – Sempre foi, mas não queríamos parar por aí, por isso continuamos os esforços no setor elétrico, aumentando a capacidade de produção da usina Coaracy Nunes e depois de um estudo sobre o potencial hidrelétrico do Araguari, conseguimos outras usinas, como a de Ferreira Gomes e a de Caldeirão, além da de Santo Antônio, no rio Jari. Aí veio a interligação com o Sistema Elétrico Nacional, por meio do Linhão do Tucuruí, o que está possibilitando que o Amapá hoje possa até exportar energia. Mais que isso, essa autossuficiência em energia possibilita agora o incremento da indústria, que terá cenários favoráveis com a implantação da Zona Franca Verde e também da Zona de Processamento de Exportação, outros projetos que desenvolvemos, enquanto senador, com a ajuda das autoridades de Brasília e também de nossos colegas de bancada federal que sempre estiveram ao nosso lado.

Diário – Muito interessante o senhor dividir os louros dessas vitórias com seus ex colegas congressistas.
Sarney – Ah, não poderia ser diferente. Sou pelo diálogo, pela conciliação. O Amapá é um estado pequeno, que tem tudo para crescer e se tornar um dos mais importantes da nossa região, então não dá pra perder tempo com picuinhas, com desavenças políticas. O povo não tem nada a ver com a briga dos políticos. Precisamos deixar a política partidária para a época das eleições e unir esforços em prol do desenvolvimento do estado, garantindo a governabilidade e buscando alternativas econômicas.

Diário – Além do aeroporto, que teve as obras destravadas, como o senhor está sentindo o Amapá nestes tempos difíceis na economia e na política do país?
Sarney – Fiquei muito feliz com o convite do governador Waldez para estar aqui nestes dias, no lançamento de obras importantes que tiveram minha modesta contribuição, como do próprio aeroporto, a ponte, estradas e implantação de equipamentos urbanísticos como na pequena e histórica Mazagão. As nossas estradas terão sua pavimentação concluída em breve, e a notícia de que o impasse sobre a ponte do rio Jari também está sendo resolvido, possibilita a quebra de barreiras históricas, como o isolamento do restante do país e do próprio continente, pois também estamos resolvendo os últimos entraves na fronteira da Guiana Francesa para entregar a ponte binacional.

Diário – Obrigado pela entrevista, presidente.
Sarney – Eu que agradeço e dirijo especial mensagem aos amapaenses no sentido de continuarem confiantes no futuro deste estado, de gente ordeira e trabalhadeira, pelo qual tenho profundo agradecimento pela forma com que fui acolhido e para onde continuarei dedicando especial atenção, sempre.

Perfil…
Entrevistado. José de Ribamar Sarney Costa tem 85 anos, é advogado, jornalista e escritor. Começou a vida política ainda estudante do Colégio Liceu, em São Luís (MA), tendo depois chegado a suplente de deputado federal, até vencer uma eleição para a Câmara Federal e depois se elegeu governador do Maranhão e após senador. Nos anos 1980 se engajou na campanha pelas eleições diretas e pouco depois compôs como vice a chapa vitoriosa deTancredo Neves, que faleceu antes da posse. Sarney assumiu as rédeas do país e conduziu o período da redemocratização, da Constituinte e da volta das eleições diretas para Presidente. Depois foi eleito senador pelo Amapá por três mandatos, constituindo-se um dos mais importantes políticos da história do estado.


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