Entrevista

“Não vamos desistir dos nossos sonhos de buscar legalizar a atividade garimpeira”

Nos últimos tempos tem sido marcado por mais uma crise no setor mineral do Amapá. O dirigente da maior cooperativa garimpeira, ou pelo menos aquela de abrangência estadual, foi ao rádio falar sobre como a classe garimpeira está vendo a enorme repercussão daquilo que a Polícia Federal e diversos órgãos de controle questionam da Coogal, a Cooperativa Garimpeira do Lourenço. Chico Nogueira foi ao programa Conexão Brasília, na Diário FM, responder a questionamentos do jornalista Cleber Barbosa e falou abertamente sobre as principais mazelas que afligem a categoria. Numa entrevista propositiva, ele também fala como toda essa crise pode ajudar a passar a limpo a atividade garimpeira no Brasil e com isso organizar de uma vez por todas o setor. Os principais trechos o Diário do Amapá publica a seguir.


CLEBER BARBOSA
DA REDAÇÃO

Diário do Amapá – O acontecimento negativo foi sem dúvida a operação da Polícia Federal e diversos outros órgãos no Garimpo do Lourenço, com uma série de irregularidades e até crimes sendo denunciados. O que ficou desse episódio presidente?
Chico Nogueira – Olha, só para esclarecer, a Cooperativa Extrativista Mineral do Estado do Amapá, a Coemap, que eu presido, embora seja até bastante antiga no estado, com mais de vinte anos, ela não é a mesma cooperativa do Lourenço. Lá é a Coogal. Então eu vejo com muita preocupação essa questão de lá, porque a gente tem muitos amigos lá, são pais de família que dependem daquela cooperativa, dependem da legalidade, mas a gente não pode de maneira nenhuma deixar de reconhecer que é necessário que as autoridades realmente tomem conta quando a coisa perde o rumo. Nós estamos bastante tranquilos com relação à Coemap porque nós temos essa preocupação, inclusive nós temos trabalhado com a possibilidade da criação de uma federação para que a gente possa fazer um chamamento para os presidente de cooperativas e suas diretorias para juntamente com a OCB a gente possa orientar esses companheiros e dizer a eles que a cooperativa não é um patrimônio pessoal.

Diário – E parece ter sido exatamente esse o problema por lá.
Chico – Pois é, as cooperativas são um patrimônio do cooperado, uma propriedade do estado, daquelas pessoas que realmente querem o bem do segmento e quer fazer a coisa certa. A gente sabe que em qualquer segmento, no mineral não é diferente, no empresarial por exemplo, acontecem boas e más gestões. Acontecem realmente os assédios e tem pessoas que não conseguem se conter a eles e às vezes se envolvem com coisas que realmente prejudicam o segmento e todos os companheiros a ele ligados.
Diário – Pois é, foi uma repercussão extremamente negativa para o setor não é?
Chico – Sim, isso me entristece bastante, fiquei muito abatido com tudo isso pois ali no Lourenço temos mais de 6,5 mil famílias que dependem daquela atividade, dependem daquela cooperativa e que certamente estão muito decepcionadas com o que estava acontecendo.

Diário – Bem, são vários recortes que podemos fazer a respeito de tudo o que já foi denunciado, mas uma coisa positiva é o anúncio feito pelos coordenadores da operação de que teremos uma presença permanente da fiscalização, pois se a situação chegou aonde chegou foi exatamente pela ausência do estado brasileiro, não é?
Chico – Perfeitamente. O que mais deixa a gente triste é que o estado não tem só o papel de organizar, de legalizar, mas também de acompanhar, fiscalizar, monitorar as ações as ações; o homem de bem nunca vai ter medo da polícia, especialmente a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, o do Trabalho ou de qualquer outro segmento de fiscalização. O homem de bem tem que ter uma boa convivência com as autoridades, de qualquer poder. Principalmente no Lourenço, que fica numa área de fronteira e precisava ter sido tradado com um certo carinho. Toda gestão, de empresa ou não, precisa ser conduzido por pessoas que tenham compromisso, compromisso com aquilo que assumem, com o povo. Então o Lourenço eu creio que realmente precisava ser passado a limpo, pois muita coisa a gente sabe que não estava andando corretamente. Eu não faço parte daquela diretoria, como já disse, e fico triste com a condição que está sendo imposta aos nossos companheiros, garimpeiros que estão passando por esse situação talvez por falta de orientação ou por excesso de vaidade, mas que se permitiram chegar a esse ponto.

Diário – Os alvos parecem ter sido os dirigentes da cooperativa e quem negociava com eles.
Chico – Não é só a diretoria, só as pessoas que foram envolvidas na operação, sendo investigadas, não são apenas essas pessoas que estão sofrendo, mas sim toda uma comunidade. Daí porque nós estamos legalizando realmente nossas atividades, é uma luta constante, que todos têm acompanhado, em busca de legalizar e fazer a coisa certa. O estado tem que ir para dentro, tem que ser mais participativo no sentido de conduzir esse processo em busca da legalidade e monitorar as ações de quem está à frente dessa responsabilidade para que essas coisas não voltem a acontecer. Nós não vamos de maneira nenhuma desistir dos nossos sonhos de buscar legalizar o nosso segmento, do nosso povo. Porque o trabalhador do segmento mineral é um trabalhador como qualquer outro, que está realmente correndo riscos por estar na administração, seja de uma empresa, seja de uma cooperativa, à mercê de pessoas boas ou de pessoas que às vezes por não ser orientada ou não ter o cuidado em fazer uma boa gerencia ou uma boa administração, terminam assim. Se você não tem a devida competência ou o conhecimento para fazer, que contrate alguém que saiba, o estatuto das cooperativas permite isso; é possível contratar uma empresa de gestão para conduzir esse processo, fazer os pagamentos e fazer com que as pessoas possam ter segurança em negociar com eles e fazer com que os próprios órgãos fiscalizadores encontrem a coisa certa.

Diário – Segundo as informações da PF os garimpeiros estão sendo colocados na condição de vítimas, usados por uma organização maior, uma orquestração que envolve crimes graves, como lavagem e dinheiro e até tráfico de pessoas.
Chico – As informações que nos chegam são aquelas repassadas à imprensa, como de que o nosso companheiro Antônio Souza Pinto, presidente da Coogal, que foi preso, assim como um vereador do município, um ou dois empresários presos, são essas informações que nos chegam pelos meios de comunicação. Na verdade eu não ando no Lourenço tem um bom tempo, mas estou acompanhando e me entristece ver que nossos companheiros garimpeiros são realmente vítimas, não só da gestão em si da cooperativa, mas de todo um sistema pois o estado tem que se fazer presente, ao lado, e não se transformar só num carrasco para punir. Tem que estar lá dentro para orientar. E o Lourenço é diferenciado, como disse, por ser uma região de fronteira, então ele é vigiado não só por nós, pois é uma área sensível. Por ser uma área de fronteira envolve todos os poderes do estado e da União, tem a ver com a guarda da nossa segurança nacional inclusive.

Diário – O que ficou da manifestação dos coordenadores da operação, de que os ilícitos serão investigados, os responsáveis punidos e que será feita um grande debate para regulamentar a atividade garimpeira não só no Amapá, mas no país inteiro.
Chico – Que bom que seja assim, pois dá para trabalhar direito, organizar o setor. Dá para fazer a coisa certa, pois o modelo de cooperativa é uma ferramenta para produzir efeito positivo, é para trabalho social, cooperativa não é para ganhar dinheiro; quem quer ganhar dinheiro fácil tem que ir pro lado empresarial, não pode conduzir. Eu sempre digo que dois setores públicos não podem ser conduzidos por pessoas com vocação financeira, vontade de ficar ricas: o político e o líder de classe. Então quem tem vocação para servir, tem no seu coração a vontade de liderar pessoas, você não pode voltar-se para esses dois segmentos; o político é um servidor, tem que entrar na política buscando servir, exercer o seu papel e viver do seu salário; assim também são os presidentes de cooperativas e sindicatos de qualquer segmento, conduzir o processo legítimo e dar garantias e legitimidade para prover a segurança para que os trabalhadores possam fazer o seu trabalho e ser remunerados corretamente e não fazer a condução com o olhar voltado para especuladores ou facilitar a vida de quem busca o dinheiro fácil, você tem que ter esse cuidado senão acaba se enrolando junto, pois o assédio é muito grande.

Perfil…

Entrevistado. O maranhense Francisco Nogueira da Silva tem 55 anos de idade, é casado e pai de oito filhos, sendo seis biológicos e dois adotivos; nasceu em Pindaré Mirim (MA) e iniciou a carreira de garimpeiro no famoso Garimpo da Serra Pelada (PA), mas percorreu diversas outras áreas garimpeiras, como na região de Marabá e Cachoeira do Piriá, no Pará; veio para o Amapá em 1986, trabalhando em garimpos como do Cupixi, Cassiporé, na Renca, no Capivara e no Lourenço. Iniciou inclusive o curso de Bacharelado em Direito, pelo Centro de Ensino Superior do Amapá (CEAP), mas ainda não concluiu o curso. Em maio deste ano, assumiu a presidência da Cooperativa Extrativista Mineral do Estado do Amapá (COEMAP) junto com nova diretoria.


Deixe seu comentário


Publicidade