Entrevista

“O maior obstáculo contra a corrupção são os corruptos”

Em meio à pandemia do novo Coronavírus, a Justiça Eleitoral tem a missão de fiscalizar uma campanha cujo mote é evitar a entrada dos chamados fichas sujas, cuja legislação está fazendo 10 anos de sua aprovação no país.


Edição: CLEBER BARBOSA
Com: FELIPE PONTES/AG. BRASIL

 

Diário do Amapá – A Lei Complementar nº 135, mais conhecida como Lei da Ficha Limpa, completou 10 anos, considerada um avanço na elaboração, por mobilização popular, e em seu conteúdo. Que balanço o senhor faz dessa Lei?

Luís Roberto Barroso – Acho que foi uma lei extremamente importante para a vida política brasileira por muitas razões. Primeiro ponto que merece ser destacado é que ela foi resultado de um projeto de lei de iniciativa popular que contou com mais de 1,5 milhão de assinaturas. Houve mobilização da sociedade para que fosse editada uma lei, prevista na Constituição, cujo propósito era proteger a probidade administrativa e a moralidade para exercício do mandato – considerando a vida pregressa dos candidatos. Basicamente, a lei tem um conteúdo: ela torna inelegível, ou seja, não podem se candidatar para cargo eletivo, por oito anos, aquelas pessoas que tenham sido condenadas por crimes graves que a lei enumera, os que tenham tido as contas rejeitadas, ou que tenham sido condenadas por abuso de poder político e poder econômico, sempre por órgão colegiado – portanto, sempre com direito a pelo menos um recurso.

 

Diário – E quanto a mobilização da sociedade?

Luís Barroso – Foi um esforço da sociedade brasileira, chancelado pelo Poder Legislativo e sancionado pelo presidente da República, para atender uma imensa demanda por integridade na vida pública. Esta lei, inserida em um contexto maior, de reação da sociedade brasileira contra práticas inaceitáveis, é um marco relevante na vida pública brasileira. Ela simboliza a superação de um tempo em que era socialmente aceita a apropriação privada do Estado e, sobretudo, a naturalização do desvio do dinheiro público.

 

Diário – O senhor sabe quantas candidaturas foram impedidas e quantos políticos diplomados ou já em exercício no cargo perderam mandato por serem fichas sujas?

Luís Barroso – Eu não teria esse dado e menos ainda de cabeça, até porque boa parte dos registros de candidatura não são feitos no Tribunal Superior Eleitoral, mas sim nos tribunais regionais eleitorais. Eu posso assegurar que foram muitas centenas, se não alguns milhares. Temos duas situações. Temos os casos das candidaturas que não são registradas, assim se impede que alguém que não tinha bons antecedentes para fins eleitorais sequer fosse candidato. Nesse caso, há muitos milhares. E temos muitas centenas de decisões de candidatos que chegaram a participar de eleições, muitos concorreram com liminar obtida na Justiça e depois foram julgados inidôneos e tiveram o registro cassado. Um caso emblemático, decidido pelo TSE, diz respeito a novas eleições [para governador] no estado do Amazonas, em que houve a cassação da chapa e a realização de novas eleições.

 

Diário – Como o senhor enxerga algumas manobras para fugir da Lei da Ficha Limpa? Por exemplo, com lançamento de candidaturas laranjas?

Luís Barroso – A questão de candidaturas laranjas não se coloca propriamente em relação à Lei da Ficha Limpa. Ela tem se colocado, e há muitas decisões do TSE nessa linha, em relação à obrigatoriedade de 30% de candidaturas femininas. Há muitas situações em que nomes de mulheres são incluídas na chapa, mas não para disputar verdadeiramente, apenas para cumprir tabela ou para inglês ver, e essas próprias mulheres terminam fazendo campanha para outros candidatos, inclusive repassando as verbas do fundo eleitoral e partidário a que teriam direito. O Tribunal Superior Eleitoral tem reagido com veemência a essa prática, manifestada em mulheres que têm votos irrisórios ou zero votos nas suas campanhas – muitas delas tendo recebido verbas para fazer a sua própria campanha. Nós recentemente, num caso equivalente no Piauí, entendemos que se a chapa tiver candidaturas laranjas se derruba toda a chapa. Se derruba a chapa inteira. Foi uma reação contundente do TSE para essa prática, que eu espero tenha desestimulado de vez, porque as consequências são graves.

 

Diário – E sobre fichas sujas que não podem concorrer mas controlam partidos e fundo eleitoral?

Luís Barroso – Eu gosto de dizer que o combate à corrupção tem alguns obstáculos. Um deles são os corruptos propriamente ditos. Temos os que não querem ser punidos e os que não querem ficar honestos nem daqui para frente. Tem gente que precisaria reaprender a viver sem ser com o dinheiro dos outros, inclusive gente que já cumpriu pena. Isso tem mais a ver com o estado civilizatório do país do que com a Lei da Ficha Limpa.

 

Perfil

Luís Barroso – Nasceu em Vassouras (RJ), no dia 11 de março de 1958, filho de Roberto Bernardes Barroso e Judith Luna Soriano Barroso.
É o novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE.

Formação e vida acadêmica

– Foi à cidade do Rio de Janeiro em 1963 e aos 15 anos foi fazer intercâmbio nos Estados Unidos.
– Fez vestibular para direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Administração e Economia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).
– Durante dois anos e meio cursou as duas universidades. Depois trancou o curso na PUC e ficou só na UERJ, onde atuou no movimento estudantil, ajudou a criar o Centro Acadêmico, participou da fundação de um jornal chamado Andaime.
– Formou-se bacharel em direito no ano de 1980. No final de 1981, começou a dar aulas na universidade na cadeira de direito constitucional.

 

Chegada ao STF

– Em 23 de maio de 2013, Luís Roberto foi indicado pela presidente da República, Dilma Rousseff, para ocupar a vaga deixada pelo ministro Carlos Ayres Britto no Supremo Tribunal Federal (STF), que estava vaga havia mais de seis meses. O nome de Barroso era cotado para o Supremo desde a gestão Fernando Henrique Cardoso. No governo de Luís Inácio Lula da Silva foi preterido em favor de José Antônio Dias Toffoli.


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