Entrevista

“Um mundo globalizado é inevitável, então a paz mundial também é inevitável”

O que era para ser apenas a história de mais um drama de refugiados de guerra, acabou se transformando numa história de empreendedorismo, um “case” como dizem os especialistas em mercado para definir casos de sucesso. Valendo-se do fato de haver estudado inglês na infância, a iraniana Shahla Lotfi decidiu sair pelo mundo, deixando para trás sua pátria em um conflito até hoje não resolvido, o que levou a uma dura separação de familiares e amigos. Rodou pela Austrália, Nova Zelândia até chegar à América do Sul, em missões voluntárias a partir da religião que professa, a “Fé Bahai”, que prega exatamente a tolerância e a diversidade. No Amapá desde 1991, ela vem formando jovens e adultos em suas escolas de idiomas, uma lição que repassa de geração em geração.


CLEBER BARBOSA
DA REDAÇÃO

Diário do Amapá – A senhora tem toda uma história como educadora em cursos de idiomas, então já fica difícil identificar esse sotaque, que vem exatamente de onde professora?
Shahla Lofti – Bem, devo pedir desculpas pelos meus erros de português, mas tenho uma amiga iraniana como eu que fala assim, que se eu perder esse sotaque perco o meu charme… [risos] Mas eu nasci no Irã, sou de uma família bahai, uma família muçulmana, e nós professamos uma religião que prega a unidade da diversidade, trabalhamos muito em prol do social, o bem-estar da humanidade. Então quando eu terminei meu ensino médio ainda lá no Irã, com meus dezoito anos, fui para a Índia fazer um trabalho voluntário, a ideia era voltar para o meu país, continuar meus estudos e tudo, mas foi exatamente num período que corriam rumores de uma revolução islâmica, então as famílias que não professavam o islamismo acabaram sendo perseguidas, então minha família achou por bem não voltar para o Irã. Continuei com meu trabalho voluntário para ver o que iria acontecer depois.

Diário – E o que veio em seguida?
Shahla – Bem, para surpresa nossa e com o conhecimento que todo mundo teve, as coisas só pioraram depois, aconteceu a revolução e o meu retorno para o Irã, para a Pérsia ficou impossível, daí decidi ir morar na Austrália, Nova Zelândia, depois América do Sul e especificamente aqui no Brasil.

Diário – Direto para o Amapá professora?
Shahla – Na verdade ainda teve o Amazonas primeiro, em Manaus. Teve um tempo que eu tive um barco, viajava pelos rios, sempre com esse mesmo trabalho religioso. Mas depois eu tive que trabalhar também, pois a família não teve mais como dar suporte para mim devido a problemas de perseguição.

Diário – E foi trabalhar exatamente com o que professora?
Shahla – Pois é, eu pensava sobre isso mesmo, então decidi aproveitar meus conhecimentos de inglês e entrei no ramo de escolas de idiomas.

Diário – Isso aconteceu em que época, nos anos da década de 1980?
Shahla – Não, mais para trás… [mais risos] Bem antes, não tenho o menor dificuldade de falar a minha idade… Eu saí em 1974 do Irã. Cheguei aqui no Brasil exatamente em 1977, então agora em abril de 2017 fiz quarenta anos de Brasil, então eu amo esse país de paixão, o Norte do Brasil então eu gosto muito, tanto que toda a minha trajetória foi na região amazônica e desde 1991 eu estou aqui no Amapá com as escolas de idiomas que eu tenho aqui.

Diário – A gente ouvindo a sus história, fazendo recortes de algumas palavras como diversidade, tolerância, responsabilidade social, voluntariado e a própria iniciativa de estudar idiomas, coisas contemporâneas hoje, além de uma necessidade para o mercado de trabalho. Parabéns, foi uma visionária!
Shahla – Verdade, obrigada. Na realidade eu tive o privilégio de nascer numa família que me preparou para o mundo, através da fé bahai, é uma característica da minha religião que nós sejamos preparados na unidade e da diversidade, não olhamos credo ou religião, raça, classe de ninguém, nós somos educados desde criança para uma visão ecumênica, de todas as crenças e trabalhamos para o bem-estar da humanidade.

Diário – E aqui em Macapá, a senhora congrega na sua religião, como funciona?
Shahla – Sim, nós temos uma comunidade, com muitas atividades sociais, no Brasil Novo, no Jardim Felicidade, trabalhando com crianças, com jovens, e eu como empresária da área de educação acabo me envolvendo bastante nessas atividades. No Brasil, inclusive no final do ano houve uma sessão solene no Congresso Nacional em comemoração aos 200 anos da fundadora da Fé Bahai, na qual foi bastante concorrida, bastante divulgada e muito bem recebida, num ambiente até hostil, político e você chegar lá, todos os meus correligionários quando começaram a falar de unidade na diversidade, de eliminação de preconceitos, de trabalhar para o bem-estar, de construção de comunidades, enfim, mas fomos muito bem recebidos.

Diário – E nesses anos todos aqui no Brasil, um país tão miscigenado, tão plural, a senhora deve ter reencontrado aqui compatriotas seus que são islâmicos também?
Shahla – Sim, sim, a gente não tem dificuldade em conviver com ninguém, temos muita facilidade, até porque não somos contra ou a favor de ninguém, mas de um convívio saudável, com respeito mútuo e multicultural, temos muita facilidade de convívio, não temos problema nenhum neste sentido.

Diário – É interessante para nós a senhora topar falar desse tema tão sensível, mas ao mesmo tempo muito atual, pois as pessoas a cada dia observam e se sensibilizam com o drama dos refugiados de guerra pelo mundo, mas a senhora veio professar a sua fé e também empreender, com tantos jovens que já passaram por suas salas de aula, que bom que deu certo não é?
Shahla – Verdade. Na realidade eu sempre falo que eu tenho muita sorte, talvez por essa vontade que vem dentro de mim de servir ao próximo, eu trabalho com uma área que me dá muita satisfação, então a gente tem que fazer a diferença na vida das pessoas, e essa diferença vale para o lado profissional, construção do caráter, construção do conhecimento, isso é algo que realmente dá muita satisfação, não é só o retorno financeiro ou econômico, mas o retorno de gratidão, satisfação pessoal de olhar aquela família, ver até muitas vezes de origem muito humilde, mas com aquela visão de preparar o filho para o mundo através do aprendizado de vários idiomas, isso realmente dá muita satisfação.

Diário – Bem, e a senhora movida por desafios aceitou mais um recentemente, assumindo a franquia da tradicionalíssima escola Yázigi, uma das primeiras franquias do mundo não é?
Shahla – Realmente essa franquia começou aqui no Brasil, é uma das primeiras do mundo, iniciando um modelo de franquias a partir da instalação do Yázigi, com a ABF, a Associação Brasileira de Franchising, então realmente existe uma tradição que a marca carrega e aqui no estado também tem a sua tradição, mas ocorreram alguns percalços que levou a ser interrompido por um período, mas para minha grata satisfação recebi o convite do grupo Pearson, detentor da marca aqui no Brasil, um grupo educacional que é um dos maiores do mundo, originalmente britânico, mas ele atua em vários países, na área de educação desde a infantil até a universitária, mas aqui no Brasil se concentraram muito na área de idiomas. Então esse convite nos deixou bastante satisfeitos e abraçamos esse desafio mesmo de oferecer mais esse serviço para os nossas crianças, jovens e adultos aqui no Amapá.

Diário – Obrigado pela entrevista.
Shahla – Obrigado pela oportunidade e como mensagem digo que ensinar idiomas não é só se comunicar, mas aproximar as pessoas, aproximar culturas, porque o mundo hoje não é só o Brasil, um determinado país ou um continente, mas nós não vamos ter fronteiras, logo logo vamos ter esse mundo globalizado isso é inevitável, mas a paz mundial também é inevitável.

 

Perfil…

Entrevistado. Shahla Lotfi nasceu no Azerbaijão, norte do Irã, tem 63 anos de idade, e é mãe de duas filhas que nasceram no Amapá. Desde a adolescência abraçou causas humanitárias, uma característica de sua religião, chamada Fé Bahai, indo fazer trabalho voluntário na Índia, em 1974. Pouco depois, diante da iminência de uma revolução em seu país, partiu para o mundo, valendo-se do domínio da língua inglesa para morar na Austrália, Nova Zelândia e depois a América do Sul. Chegou ao Brasil em 1977, para morar em Manaus (AM) e em 1991 mudou-se para o Amapá, fundando uma escola de idiomas chamada Skill. Desde o final do ano passado assumiu também a franquia do curso de idiomas Yázigi, num arrojado projeto educacional.


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