Nota 10

Boêmios do Laguinho mostrará a influência africana na cultura do Amapá e valorizará mestres negros da cultura popular  

A agremiação pertence ao Grupo Especial e desfila no dia 21 de fevereiro, às 4h20.


Desde os anos 50, tempos dos mestres Bené, Cabecinha, Falconey, Matapi, Joaquim Ramos, a Nação Negra, nascida em berço Laguinense, mostra seu orgulho das tradições, história e origens na avenida, seja na FAB ou Ivaldo Veras, e este amor próprio é motivo de enredo e exaltação, presenciadas ainda hoje por dois de seus fundadores, Francisco Lino e Mestre Biluca. Neste carnaval, na passarela improvisada na Rua Victa Mota, a Universidade de Samba Boêmios do Laguinho desenvolve o enredo “Belezas africanas: dádivas que a Mãe África mandou”, mais uma vez valorizando as heranças ancestrais.

O enredo percorre um caminho histórico que inicia no período da colonização portuguesa, quando os primeiros negros escravos chegaram no Amapá, e o processo de expansão territorial e cultural tornou o bairro Laguinho e quilombo do Curiaú reservas das tradições culturais, religiosas, manifestadas por meio do Marabaixo e batuque, que carregam em suas raízes o catolicismo e cultos de matriz africanas.

O desfile de Boêmios do Laguinho valoriza os elementos que compõem este legado, como o folclore, artesanato, dança, culinária, linguajar, literatura, rituais, musicalidade, poesia, até o andar, ginga e gestos, e promete encher a passarela de costumes, fé, toque de tambor e outras tradições enraizadas.

Nação Negra na pista

O desfile que canta e dança a herança africana será dividido em quatro setores. O primeiro formado pela comissão de frente, 1º casal de mestre-sala e porta-bandeira, rainha da bateria, bateria Pororoca e o carro abre-alas, que mostra a chegada da Força Humana, Fé e Acervo Cultural do Continente Africano. O segundo pela Gastronomia e Religiosidade, que traz o segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira, que enaltece o poder do dendê na gastronomia africana e sua influência na culinária brasileira; três alas que representam a fé nos cultos afros; a feijoada, como comida inventada por negros; a gengibirra, bebida tradicional do Marabaixo; e a ala das baianas, que tem importância fundamental nos rituais de cultos afros.

Terceiro setor é formado pela Arte e Cultura, que apresenta o 3° casal de mestre-sala e porta-bandeira retratando a influência musical africana na cultura do Amapá, duas alas que falam da herança no modo de vestir e homenageia personalidades negras do Amapá, e dois destaques de chão. O último setor, Festa do Tambor, desfila com cinco alas em que o instrumento musical é exaltado do início ao fim, e destaca Encontro dos Tambores, Tambores de Terreiro, a “laguinidade”, em que o Batuque é o ponto forte, a coreografada Axé do Tambor, e a Raízes do Laguinho, que faz o congraçamento entre etnias. Um destaque de chão e uma alegoria compõem este setor.

O enredo “Belezas Africanas: dádivas que a Mãe África mandou” é o mesmo que seria apresentado em 2016 e estava aguardando este momento. O samba original é cantado pelo herói laguinense, Macunaíma, falecido no mesmo ano. As homenagens aos imortais negros do Amapá também foram preservadas, e na quinta ala da escola, setor quatro, o público assistirá uma simbólica referência à Mãe Luzia, Tias Gertrudes, Fé, Vilsa, Vadoca Geralda, Mestres Bolão, Sacaca, e ainda Psiu, Ilan, Bode e outros tradicionais. O roteiro sofreu modificação em razão do falecimento de Tia Chiquinha, em 2015. Ela, que seria destaque central do carro Festa do Tambor, será substituída por um familiar, e representada na comissão de frente.

Trabalho e paixão

O desfile, que promete surpreender, homenagear, valorizar e emocionar, a partir do momento que Boêmios do Laguinho passar pelo portão de acesso à pista, está ganhando vida por obra de trabalhadores e colaboradores, e a escola investiu em profissionais e mão de obra qualificada, da casa e de fora. No barracão, as alegorias estão em fase de finalização, e movimentou 25 pessoas.

No ateliê central, 35 pessoas empregam seu talento e criatividade na produção das fantasias, operando máquinas de costuras e pistolas de cola, pedrarias e brilhos nos últimos retoques. Duas veteranas cumprem a missão de confeccionar as roupas dos casais de mestre-sala e porta-bandeira, bateria, comissão de frente e destaques.

Paula Tavares e Socorro de Paula, desde 2009, ficam em uma espécie de reclusão profissional, para que o desfile saia melhor que no projeto, e sem imprevistos como roupas descosturadas ou rasgadas e pedras soltas. “Trabalho para Boêmios, torço e saio na escola, sou da harmonia do primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, uma grande responsabilidade. Tenho três filhos, e neste período, meu marido assume a casa, ele entende meu trabalho, nos conhecemos no barracão, então, não enfrentamos problemas por isso”, disse Paula.

“Nestes anos sem desfile das escolas de samba, sentimos muita falta, porque é um complemento financeiro para nossas famílias, e agora que voltou, meu marido não reclama, pelo contrário, me dá força. Não saio na escola porque minha saúde não permite, mas torço muito, porque é nosso trabalho que está em julgamento”, considera Socorro.

Para o desfile de Boêmios do Laguinho, foram repassados R$ 170 mil em investimentos do cofre público e emendas parlamentares, e a escola injetou mais R$ 180 mil de recursos próprios e de patrocinadores. O presidente é José Gemaque, a rainha da bateria é Nega Vânia.


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