Cidades

Tambores e vozes do Marabaixo emudecem com morte de dona Natalina

Uma das pioneiras e mais cultuadas personagens da cultura amapaense faleceu na última sexta-feira aos 87 anos de idade. Marabaxeiros prometem eternizar sua memória.


Faleceu na última sexta-feira (08) uma das mais cultuadas personagens da cultura amapaense: Maria Natalina da Silva Costa, a dona Natalina, faleceu aos 87 anos e deixou o Amapá de luto, emudecendo os tambores do Marabaixo, que sua mãe, dona Gertrunes Saturnino foi uma das pioneiras durante a instalação do ex-território. Dona Natalina foi homenageada na manhã desta segunda-feira no programa LuizMeloEntrevista (DiárioFM 90,9).

Contemporânea de dona Natalina, a mestra Nayra do Marabaixo, que inclusive é autora e intérprete de uma música de Marabaixo que homenageia o programa, lamentou a morte da marabaixeira: “Ela sempre foi uma referência muito forte e foi uma das fundadoras do Marabaixo no Amapá. A perda dela é muito triste, mas a permanente alegria dela não acabará nunca, porque o legado que ela deixa é muito grande. Ela sempre foi muito festejada e durante toda a vida foi homenageada, e o que é mais importante, ainda em vida, como mais recentemente, quando o Joãozinho Gomes e o Val Milhomem fizeram uma música muito bonita pra ela, denominada ‘Mão de Couro’, que foi gravada pelo Grupo Senzalas e faz muito sucesso. Todos se encantam com os espetáculos que ela dava nas apresentações de Marabaixo, quando ela dançava com um garrafão de gengibirra (bebida típica feita com água, açúcar refinado, gengibre picado, fermento de pão granulado e, dependendo do gosto, cachaça) na cabeça, fazendo todo aquele breque sem nunca deixar o garrafão cair”.

Por mensagem a jornalista Mariléia Maciel também reverenciou dona Natalina: “Era lindo vê-la dançando ao som dos tambores… Eram os momentos em que a memória antiga vinha à tona e ela dançava lucidamente com cadência e rodava a saia mesmo com o pensamento distante”.

Pioneirismo

Maria Natalina Silva Costa nasceu em Macapá em 27 de fevereiro de 1932, quando sua família morava na área central da cidade. Posteriormente o governo do recém-criado Território Federal do Amapá desapropriou todas as casas da frente da cidade e as famílias se instalaram em dois novos bairros: o da Favela, para onde foi a família de dona Gertrudes Saturnino, mãe de dona Natalina, e o Laguinho, onde passou a morar Julião Ramos, pai de Tia Biló, todos ícones da cultura amapaense.

Nessa casa, localizada na Avenida Presidente Vargas, onde viveu até a sua morte nos anos 1970, dona Gertrudes implantou o Marabaixo, ficando suas raízes no antigo bairro da Favela (hoje Centro de Macapá) com a realização de festas memoráveis dentro do Ciclo do Marabaixo, que ocorre até os dias atuais, cada vez com mais intensidade e grande participação popular. A partir da morte de sua mãe, dona Natalina assumiu o seu legado, passando a realizar as festas tradicionais, juntamente com várias outras pioneiras, entre as quais a mestre Nayra do Marabaixo.

Conforme explicam os então acadêmicos do curso de Licenciatura em Educação Física pela Universidade Vale do Acaraú, de Macapá (AP) Aline da Silva Leal, Marcelo Gomes González e Tatiana Mendes da Silva em artigo acadêmico publicado em 2012, o Marabaixo foi uma das culturas trazidas pelos negros africanos, “uma dança que se assemelha ao arrastar dos pés presos pelas correntes da escravidão. No canto cadenciado aparecem os lamentos do cotidiano e saudades da África”.

O vocábulo Marabaixo, tem origem no binômio ‘mar+abaixo’, que segundo os autores, assemelha-se ao movimento dos navios negreiros vindos para o Brasil. A festa do Marabaixo, homenageia a Santíssima Trindade e o Divino Espírito Santo, através de ladainhas e missas representando o lado religioso. Ainda de acordo com o artigo, a dança e o canto do Marabaixo “constituem o lado profano da festividade, “carregada de tristeza ou de alegria, expressando melodiosamente os sentimentos de suas vivências”.

O “Ladrão do Marabaixo” é o canto improvisado e rimado composto pelo cantador e é assim denominado em referência à tradição de um cantador ‘furar a fila’ da apresentação de outro. Em Macapá o Ciclo do Marabaixo, que faz parte do calendário oficial de festividades do Amapá é comemorado todos os anos por vários grupos organizados, cujo ritual tem início no Domingo de Páscoa na Igreja de São Benedito, no bairro do Laguinho, que foi construída pelos próprios negros na década de 1960-1970.


Deixe seu comentário


Publicidade