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A Hora dos Mágicos

Oscar Wilde tem um poema — Balada do Cárcere de Reading — com uns versos que queimam: “Todos os homens matam aquilo que amam. Os valentes com a espada, os covardes com um beijo.” O cotidiano dos tempos atuais tem o prazer de destruir ilusões. Há um gosto meio endemoniado de acabar com elas. Papai […]


Oscar Wilde tem um poema — Balada do Cárcere de Reading — com uns versos que queimam: “Todos os homens matam aquilo que amam. Os valentes com a espada, os covardes com um beijo.”
O cotidiano dos tempos atuais tem o prazer de destruir ilusões. Há um gosto meio endemoniado de acabar com elas. Papai Noel é vítima constante desses ataques. É claro que ele existe, as crianças precisam acreditar nele, é necessário que sua lenda continue, com seu trenó, longas barbas brancas e neve. Uma vez fiquei revoltado ao ler num jornal a dúvida de que “se Papai Noel existe, é um velho muito safado que vive a enganar as crianças”. Coitado, logo ele?!
E a “cegonha”? Ela que vinha trazendo no bico, enrolados em um pano branco de linho, os bebês. Como era pura essa ave. Os meninos e as meninas de hoje, com aula de educação sexual desde os 2 anos, mataram a cegonha.
Como tenho saudades das assombrações da minha infância em Pinheiro: a manguda, o cabeça-de-cuia, a curacanga. Elas faziam e fazem parte de minha vida.
O rei Momo não morreu porque existe. O gosto atual é matar ilusões e sonhos. O rei do Carnaval é um tributo, peculiar do Brasil, à realeza. Somos um país monárquico que gosta de reis e rainhas. É rainha do rádio, rainha das baterias, rei Pelé, rei Roberto Carlos, rainha da beleza, rainha da soja, da laranja e da maçã.
Agora há fobia contra os mágicos. Desvendar os seus truques, como se não bastassem naves, sondas e Hubbles desnudando o mistério da Lua, das estrelas, das galáxias?
Como é excitante um coelho sair da cartola de um homem de casaca, num tablado de um circo de cavalinhos e trapézios! O mágico é uma figura tão definitiva que o fraque só sobreviveu graças a ele. Contou-me Otto Lara Rezende que quando Juscelino visitou Paris levava na comitiva o Autran Dourado, que tinha de ir a uma solenidade a rigor, mas não tinha traje. Foram ao Mercado das Pulgas comprar um. Quando disseram ao vendedor “queremos um fraque”, ele perguntou: “O senhor é mágico?” Os fraques desapareceram, os mágicos não.
Depois surgiu a mania de explicar que a mulher que os mágicos cortam ao meio, que levita no palco, fica presa e se solta não é cortada de verdade, é apenas fruto de uma armação feita para enganar o público? Isso não se faz. A mágica existe, ela é uma das coisas que ainda permitem que se comprem ilusões, a que têm acesso os ricos e os pobres.
Foi com satisfação que li a revelação de que o responsável pela tentativa de desmoralização da mágica era um mágico fracassado, inventando essas explicações para fingir que sabia de mágica e não sabia. Não ocorre o que ele dizia. O ilusionismo existe e só os mágicos sabem o mistério de tirar pombos da cartola e lenços da mão.
Não podemos matar o que amamos, nem com espada nem com beijo.
Não nos resta nem a ilusão da economia. Esta ainda nos oferecia coelhos, fitas, fitinhas e lenços coloridos escondidos, dentro de uma cartola do FMI. Acabou o que era doce.
Quero de novo repetir como é atual o que li num muro da Cidade do México: “Nada de fatos, queremos promessas.”


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