Entrevista

“Na verdade a União nunca quis fazer essa transposição dos servidores”

De uns anos para cá, desde a edição de uma Emenda Constitucional que prevê vantagens e garantias a servidores públicos que foram contratados por estados recém transformados de Território Federal para Unidades Federadas autônomas, que um mundo de dúvidas pairam sobre as cabeças de homens e mulheres do Amapá. Para responder a essas e muitas outras dúvidas, a Assembleia Legislativa do Estado, com a mobilização de vários sindicatos de classe, trouxe a Macapá o procurador do estado de Rondônia, Luciano Alves de Souza Neto, para falar da experiência vivenciada lá, cinco anos antes do Amapá. Ele esteve ontem no rádio, falando ao programa Conexão Brasília, da Diário FM. Os principais trechos da entrevista concedida ao jornalista Cleber Barbosa, o Diário do Amapá publica a seguie. 


Diário do Amapá – Os servidores do Amapá dizem que o senhor pode ensinar a acelerar o processo de transposição para os quadros da União. Em Rondônia foi uma boa experiência?
Luciano Neto – Primeiro queria dizer que não vim para ensinar não… [risos] Vim aqui para trocar ideias, experiências, só isso. Como também elogiar o presidente Elias e o Leite [do Simpol] pela iniciativa [de fazer a audiência pública], pois estivemos ontem [sexta] lá na Assembleia Legislativa com a deputada Roseli Matos e me parece que as coisas saíram muito bem e devem andar com outro ritmo a partir de agora.

Diário – Estas situações dos servidores dos ex-Territórios Federais passarem para os quadros da União começou por Rondônia?
Luciano – Sim começou por lá.

Diário – Mas antes teve o caso do estado da Guanabara, quando o Rio de Janeiro foi a capital do país, não é?
Luciano – É, passou, mas a muito tempo atrás. Mas o que aconteceu com Rondônia veio com a Emenda Constitucional 60, que é anterior a de Amapá e Roraima, pois é de 2009, enquanto a Emenda Constitucional 79 é de 2014, por isso nós começamos antes essa transposição. Mas foram muitos percalços também, especialmente porque no começo, é bom deixar claro isso, a União também nunca quis fazer essa transposição dos servidores.

Diário – Ela literalmente empurrou com a barriga esse processo?
Luciano – Ah, sem dúvida. Na verdade essa foi uma decisão que foi imposta pelo próprio Parlamento, afinal já havia essa obrigatoriedade, uma vez que a própria Constituição já previa que os Territórios deveriam ser sustentados por um tempo pela própria União, pois transformar os Territórios em Estados para andar com suas próprias pernas não é algo fácil. Isso ocorreu aqui, todos lembram, foi necessário formar a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Justiça, enfim, pois nos Territórios Federais só havia um Poder, que era o Executivo e tinha um governador nomeado pelo presidente da República e a Justiça toda pertencia a Brasília, assim como o Ministério Público. Então de uma hora para outra você vira estado, tem que dar um amparo, né?

Diário – E o processo de vocês, servidores de Rondônia, como foi?
Luciano – Nós tivemos que nos adaptar também, porque não é fácil, são documentos e mais documentos. E outra coisa, o mais difícil é levar a realidade do Norte lá para os gabinetes em Brasília, onde é outra realidade. Aqui no Amapá, assim como em Rondônia, nós tivemos vários pioneiros que vieram de longe para cá juntamente com os brasileiros que nasceram aqui, juntos desbravaram isso aqui em tempos difíceis. O que passou-se na Amazônia ninguém imagina. Se hoje se fala em Amazônia as pessoas citam as dificuldades, imagina isso a trinta, quarenta anos atrás. Então lá em Rondônia as dificuldades eram tantas que encontramos contratos preenchidos a lápis… [mais risos] Então o nosso trabalho inicial foi levar à Brasília essa realidade.

Diário – Quando essa possibilidade de passar para a União surgiu e até hoje muitos servidores ainda têm dúvidas sobre as vantagens dessa mudança. O que dizer a eles?
Luciano – O que acontece é que lá em Rondônia houve uma grande divulgação por parte do Governo do Estado, que abraçou isso como uma salvação, isso há tempos atrás, quando já se vislumbrava essa possibilidade. A transposição, além de favorecer o servidor, favorece em muito as contas do estado. Mas lá também houve muitas dificuldades no começo, mas posso dizer do alto da experiência de trinta anos no serviço público, que a pior coisa é o ciúmes de homem… É ciúmes das pessoas crescerem, pois acontece muito no serviço público de as pessoas que não têm direito acharem que podem atrapalhar aqueles que têm direito.

Diário – As dúvidas maiores são em relação as vantagens monetárias. É melhor mesmo?
Luciano – Pois é, lá em Rondônia nós fizemos uma comissão formada por servidores e técnicos de apoio à transposição, na verdade apoio ao servidor, orientando, mostrando como que era, qual é o salário, enfim, com isso trouxemos o servidor, que ficou muito interessado, enfim, uma boa participação que me parece aqui também vai ocorrer, depois da iniciativa na sexta-feira da deputada Roseli Matos de trazer os sindicatos, que são entidades extremamente importantes nesse processo pelo contato que tem com os servidores, os governos não têm. Então o trabalho conjunto entre estados e sindicatos é muito importante.

Diário – Sobre o diálogo na Assembleia Legislativa, foi uma oportunidade de esclarecer dúvidas, não é?
Luciano – As dúvidas maiores que eu ouvi lá diziam respeito se isso envolve todos os Poderes, e digo que sim, mesmo com a União interpretando que envolve apenas o Executivo. A própria Emenda Constitucional fala em “estado” e desde os bancos escolares nós aprendemos que o estado é formado por três poderes, não tem como ser diferente. Então envolve os poderes, eles têm direito e como buscar esse direito? Através de medidas judiciais. Isso vale para todos, o Poder Judiciário, o Poder Legislativo e as instituições como Tribunal de Contas e Ministério Público do Estado. Lá em Rondônia os sindicatos dessas instituições já ajuizaram ações e já temos algumas decisões favoráveis em nível de primeiro grau.

Diário – E os servidores aposentados, procurador, também são alcançados pela Emenda Constitucional?
Luciano – Sim, da mesma forma, eles também tem direito. É fácil explicar. Se você foi contratado entre 1988 a 1993 e por alguma circunstância você teve que se aposentar em 2010, por exemplo, ora, você preenche os requisitos e a aposentadoria é um evento que não tem como atrapalhar isso. E os pensionistas da mesma forma.

Diário – Obrigado pela entrevista.
Luciano – Eu agradeço pela oportunidade, estou à disposição. Fiquei apaixonado aqui pelo Amapá, em especial pela cidade de Macapá, uma bela de uma cidade, tanto que estou correndo lá pela orla desde que cheguei… Sem contar o peixe daqui que é maravilhoso!

 

Perfil…
Entrevistado. O advogado Luciano Alves de Souza Neto tem 56 anos de idade, é natural de Presidente Prudente (SP). Formado em Direito pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), na cidade de São Paulo (SP), em 1984; possui pós-graduação em Direito Público pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais); ingressou por concurso público na carreira de Procurador do Estado de Rondônia, onde é o decano da instituição, já tendo exercido algumas vezes alternadamente o cargo de procurador geral adjunto (1990/1991 e 2007/2010) como também de procurador-geral (1994/1995 e 1998/2000). Atualmente é diretor do Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado (PGE) e coordenador da Comissão de Transposição dos Servidores para os Quadros da União.


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