Entrevista

“Se a gente não cuidar da nossa água doce um dia isso tudo vai acabar”

Há exatos quatro anos, o ambientalista e aquicultor Emanuel Brito já alertava para os riscos que os rios e igarapés do Amapá vinham sofrendo e agora, diante do drama no Rio Araguari, ele dá sus versão para o problema. Depois de uma vida dedicada a defender a aquicultura no Amapá, o que gerou incompreensões e até desconfiança, o falante empreendedor mostrou que estava certo, pois o que ele e outros abnegados produtores queriam era uma chance de mostrar que produzir pescado em cativeiro poderia tornar-se algo viável para fazer frente a carência de alimentos e à ameaça de que a enorme reserva pesqueira do Amapá possa acabar. De tanto lutar conquistou o direito de dirigir a política para a aquicultura do estado, sendo o primeiro coordenador da pasta na nova Agência de Desenvolvimento do Amapá, que está sendo implantada.


Diário do Amapá – O que é a aquicultura propriamente dita e a diferença para a piscicultura?
Emanuel Brito – Na realidade o projeto de lei e depois a lei que foi sancionada para regulamentar a aqüicultura no município de Macapá nós tivemos um cuidado muito grande, pois fomos o mentor junto com o doutor Geraldo Bernardino, de São Paulo e que depois foi secretário de Aquicultura e Pesca de Manaus, no sentido de que se tivéssemos regulamentado como atividade de piscicultura e lá na frente você quisesse fazer um projeto de criação de camarão não teríamos uma lei pra isso.
Diário – Ficaria amarrado apenas na questão da criação de peixe?
Emanuel – Isso, daí nós termos tido esse cuidado de que ela fosse regulamentada como lei da aquicultura, pois ela envolve toda criação de espécie aquática, então com essa lei você pode trabalhar a criação de peixe, de tracajá, de jacaré, de ostra, enfim, de todos os organismos aquáticos.E agora em agosto a Assembleia Legislativa vai votar a lei estadual da aquicultura, outro momento histórico.

Diário – Porque investir na criação de pescado em cativeiro é ecologicamente correto?
Emanuel – Porque de onde se tira e não se repõe um dia acaba. Nós já temos dados concretos, inclusive do nosso Rio Amazonas mesmo, e se você tiver oportunidade de viajar por ele vai ver em algumas áreas dele vai ver a falência. Eu me lembro que em 1998 a convite da Pastoral da Terra, nós visitamos algumas propriedades localizadas no meio do Rio Amazonas e desde aquela época nós chamamos a atenção das autoridades do Estado, porque Rio Açaituba, Rio Provedor, rios que têm capacidade de navegação de navios de grande porte estavam ameaçados.

Diário – E os moradores desta região, como sentiam estes sinais?
Emanuel – Você via os ribeirinhos tirando o açaí colocavam em cima de um trapiche e esperavam a lancha pegar este açaí para depois ser vendido no porto de Santana e uma parte do dinheiro apurado era para comprar peixe seco no paneiro [peneiro] para levar ao morador que vive no meio do Rio Amazonas. Quer dizer, desde aquela época a gente pediu ajuda. É preciso que urgentemente o Governo do Estado e a Prefeitura possam trabalhar junto ao Governo Federal para que a gente possa fazer um trabalho de repovoamento dos nossos rios, lagos e igarapés que já dão claros sinais de falência.

Diário – E sobre o Araguari, o que de fato estaria ocorrendo com ele?
Emanuel – São vários fatores, mas no geral sabe-se que a água doce perdeu a força para enfrentar a água do mar, pelo assoreamento do leito do rio, então que seja dragado! Defendo uma investigação isenta e técnica sobre a origem e as causas do problema.

Diário – Isso é preocupante, pois o peixe além de valor econômico é a base da cadeia alimentar do ribeirinho não é?
Emanuel – Nós temos uma riqueza de peixes muito grande na Costa do Amapá, só que essa riqueza não é repassada para a população. Eu fazia um questionamento que em uma determinada época nós fomos comprar dourada em grande quantidade para um evento e este peixe estava sendo vendido, para ser comercializado a preço de atacado, a R$ 7 o quilo naquela época. Na semana seguinte nós viajamos a Belém e a mesma dourada que vai da Costa do Amapá para nossa cidade é a mesma que vai para o Pará, que tinha no Ver-o-peso o mesmo peixe a R$ 5 para ser comercializado.

Diário – Como isso pode ser explicado?
Emanuel – Tem alguma coisa errada nessa história, claro. Porque a viagem de barco de Belém para a Costa do Amapá é o dobro de uma viagem que um barco daqui faz para pescar na Costa. Ou seja, o peixe que é capturado aqui em nossa Costa é vendido muito mais caro do que no Estado do Pará. E não temos mais essa riqueza toda não!

Diário – Como assim? A nossa fama está ameaçada?
Emanuel – Se você for conversar com o pescador vai ouvir ele dizer que até algum tempo atrás esse peixe chegava aqui batendo, como se diz, para dizer que chegava vivo aqui no porto. Hoje ele já chega congelado porque a distância está se tornando muito mais longa, a viagem está cada vez mais distante. Até mesmo a riqueza de camarão já foi mapeada pela Embrapa num trabalho de pesquisa que mostrou não termos mais essa riqueza toda não.

Diário – E a causa para isso, também foi identificada?
Emanuel – É aquilo que eu disse anteriormente, se você só tira e não tem um trabalho para a preservação, vai chegar uma hora que vai acabar.

Diário – Daí o senhor ser um defensor fervoroso da aquicultura ser difundida no Amapá?
Emanuel – Não é só no Amapá. A aquicultura hoje é a saída, não existe outra perspectiva. Ela é a nossa alternativa, é o investimento do século 21 para que nós possamos ter alimento. Hoje nós temos uma população de 7 bilhões de pessoas na face da Terra e de onde você vai tirar tanto alimento para essa quantidade de pessoas se você não fizer um investimento sério voltado para o setor de alimentação?

Diário – E o preço do peixe criado em cativeiro é possível que se pratique preços melhores do que do chamado mercado tradicional?
Emanuel – A perspectiva é essa, pois até hoje a aquicultura no Estado era uma atividade isolada e as pessoas sabem da nossa luta, há muitos anos. Nós não podemos ignorar o grande potencial de água doce que nós temos no Amapá e não participamos com 0,1% da produção nacional de pescado. Você vê o Estado do Paraná, que estagnou. Chegaram num limite de 16 mil toneladas de peixe em cativeiro porque não têm mais áreas para crescer, um Estado que trabalha com peixe seis meses só durante o ano, porque vem o frio, vem a geada, vem o inverno e, mais recentemente, o problema da falta de água.

Diário – Aqui a situação seria bem diferente não é mesmo?
Emanuel – Aqui o clima favorece sim, independente de inverno ou de verão, dá para você produzir o ano inteiro.

Diário – Dados da ONU dão conta de que 500 milhões de pessoas estão envolvidas diretamente ou indiretamente com os chamados frutos do mar, mas aponta como gargalos para o setor a inovação e tecnologia. Essa lei aprovada aqui tem essa preocupação também?
Emanuel – Se nós não tivéssemos aprovado e sancionado essa lei eu era uma das pessoas que estaria pronta para sair do Estado, porque a burocracia atrapalha muito. É muito difícil você conseguir uma licença para produzir alimento. Eu sempre questiono que se exigia tanto do piscicultor para que ele escavasse um viveiro e tirasse dali sua fonte de alimentação e de renda, era tanta documentação exigida, só que existe danos mais sérios dentro do Estado que o poder público ainda não atentou.

Diário – Dê um exemplo?
Emanuel – Criação de búfalo. Se você tem um búfalo e uma área de 100 hectares ele solto destrói 100 hectares seus, 100 do vizinho e lá na frente mais 100. Ele destrói nascentes, mananciais, berçários, destrói tudo. E o cidadão para criar búfalo no Estado não precisa de licença ambiental, ele simplesmente compra, solta e a natureza toma conta.

Diário – Só para comparar, essa mesma área abriga como um projeto de piscicultura?
Emanuel – Em 100 hectares, você define 5, 10 hectares para você trabalhar com peixe e preserva 90% da sua área e tem 10 hectares para trabalhar sua vida inteira.

Diário – Para fechar, o senhor não tem nada contra a carne de búfalo não?
Emanuel – De jeito nenhum. Eu conheço na Ilha do Marajó algumas fazendas que o produtor prepara pasto para o búfalo, que é criado em sistema de confinamento, diferente da maioria das criações de búfalo que a gente tem aqui no estado. Nós não temos nada contra produtores de búfalo, apenas citei este caso para fazer uma comparação.

Perfil…
/Entrevistado. O amapaense Emanuel da Silva Brito, nasceu em Macapá, tem 52 anos de idade, é casado e pai de seis filhos. É técnico em Piscicultura e também um militante desta atividade econômica, além de um empreendedor do negócio. Atuou decisivamente para a implantação e o incremento da produção de peixe em cativeiro no Estado, tanto que criou em 1998 o Instituto de Aquicultura do Amapá. Em 2012 assumiu o cargo de Coordenador Municipal de Aquicultura em Macapá, tendo depois atuado para a aprovação da Lei 1.876/2011 que regulamenta as atividades de aqüicultura no Município de Macapá. Este ano ele acaba de ser convidado para assumir a pasta da coordenação da aquicultura na nova Agência de Desenvolvimento do Amapá.


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