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Consciência Negra: cronologia, avanços, recuos e perspectivas em tempos de barbárie

O dia 20 de novembro tornou-se a data mais importante para a negritude brasileira por ser o marco simbólico da resistência contra o racismo.


 

Maria Cristina do Rosário Almeida
Parlamentar estadual

 

Em 1971, em pleno auge da ditadura militar, durante o governo do general Emilio Médici, o pior entre todos daquele malfadado regime, o Movimento Palmares criado em 20 de julho de 1971 em Porto Alegre (RS), através do engajamento pioneiro de jovens como Antônio Carlos Cortes, Ilmo da Silva, Vilmar Nunes, Oliveira Silveira (o principal líder) e outros colaboradores, propôs a mudança na estratégia de luta do movimento negro contra o racismo, a partir da substituição do dia 13 de maio – dia a Abolição da Escravidão através da Lei Áurea -, pelo dia 20 de dezembro como a data magna da negritude brasileira.

 

O dia 20 de novembro tornou-se a data mais importante para a negritude brasileira por ser o marco simbólico da resistência contra o racismo, a discriminação e a desigualdade que até hoje reprime o povo negro e o condena à exclusão e à secular negação do direito à cidadania plena. Foi em 20 de novembro de 1695 que morreu Zumbi, líder maior do Quilombo de Palmares, incontestavelmente o maior núcleo de resistência à escravidão do Brasil colonial. Tal significação extrapola e muito qualquer significado que possa ser atribuído à data em que a princesa Isabel assinou a Lei Áurea.

 

O Movimento Palmares foi um divisor de águas na luta contra o Racismo. A partir do seu surgimento, o movimento ganhou uma feição mais consistente, aguerrida e, acima de tudo mais politizada e organizada. O movimento ressignificou a luta contra o racismo e deu maior autenticidade à busca por igualdade, liberdade e democracia. O surgimento de outros movimentos e propostas sob sua influência foi o maior impacto por ele causado.

 

Em 18 de junho de 1978, foi criado em São Paulo o Movimento Negro Unificado (MNU), que somou forças em intercâmbio com o Movimento Palmares (que deixaria de existir nesse ano) e chamou para si a responsabilidade pela institucionalização do dia  20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra e de Zumbi dos Palmares, dando ao movimento a  abrangência nacional necessária à época.

 

Com o fim do regime militar e o início da Nova República, a Constituição Federal promulgada em 1988, em seu artigo 5º, inciso 42, definiu o racismo como crime inafiançável e imprescritível. Tamanha conquista certamente não seria alcançada sem as lutas empreendidas a partir da emergência do Movimento Palmares e seu pioneirismo, e que nesse sentido, foi o divisor de águas na luta dos negros e negras contra o racismo, a discriminação, o preconceito e a desigualdade.

 

Com a sinalização dada pela Carta Magna, gradativamente o Dia da Consciência Negra e o reconhecimento e louvor a Zumbi dos Palmares foi ganhando força em nível legislativo e institucional ao mesmo tempo em que se enraizava, em maior ou menor intensidade, no universo sociocultural de todo o país, apesar dos contratempos e todo tipo de dificuldades e obstáculos que se antepuseram e atropelaram essa trajetória.

 

Em 2003, o sistema de ensino em todo o país acrescentou ao calendário escolar o Dia da Consciência Negra. Nesse mesmo ano, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei 10.639 de autoria da deputada federal Esther Grossi (PT-RS), alterou a LDB nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, estabelecendo a inclusão de conteúdos da Cultura Afro-brasileira na rede de ensino em todo o país. Em 10 de março de 2008 a Lei nº 11.645 de 10 de março desse ano incluiu nesse mesmo contexto os conteúdos da cultura indígena. Não poderia haver casamento mais oportuno e simbólico na busca pela cidadania de negros e indígenas.

 

Em 2011, a então presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.519 que oficializou o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, mas não como feriado nacional. Nesse sentido, a Lei nº 482/2017 de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP), e que declara o dia 20 de novembro como feriado nacional por ser o dia da Consciência Negra e de Zumbi dos Palmares, segue à espera de sua aprovação pela Câmara dos Deputados depois de passar pelo crivo do Senado e trazer em seu bojo o clamor dos segmentos Progressistas e não racistas da sociedade brasileira e de outros países.

 

No Amapá, o pioneirismo de um valoroso grupo de negras e negros à frente da fundação da União dos Negros do Amapá (UNA), criada em 25 de novembro de 1986, e do Centro de Cultura Negra do Amapá (CCNA), inaugurado em 5 de setembro de 1998, reorientou e rearticulou o enfrentamento ao racismo e a luta pelos direitos dos afrodescendentes em nível local, abrindo espaços para novas frentes de combate através da fundação de outros   núcleos de resistência e de outras iniciativas de igual relevância.

 

Um desses núcleos é, sem dúvida, a Academia Amapaense de Batuque e Marabaixo (AABM), criada em 23 de janeiro de 2018, com vistas ao resgate e preservação da memória, tradição e cultura dos povos tradicionais e quilombolas, e a promoção de ações para a valorização do Batuque e do Marabaixo, principais e mais genuínas entre as manifestações culturais de matriz africana e sincrética no Amapá.

 

Como militante engajada desde a adolescência no movimento negro, tomei parte na fundação do Instituto de Mulheres Negras do Estado do Amapá (Imena) e, no campo da gestão pública, à frente de órgãos como o INCRA – sendo a primeira mulher a assumir a superintendência desse órgão no âmbito local -, pude contribuir com ações e esforços para a conquista de direitos pelas populações negras através da certificação de áreas quilombolas como Conceição do Macacoari e Mel da Pedreira.

 

No curso de quatro mandatos consecutivos como parlamentar, sendo um como vereadora e três como deputada estadual, pude contribuir de forma efetiva no âmbito das manifestações culturais como o Marabaixo, o Batuque, as religiões de matriz africana e a religiosidade de um modo geral, o Carnaval e outras manifestações e eventos, através de proposituras que resultaram em leis que garantem a execução de políticas públicas para a melhoria concreta da qualidade de vida dos segmentos afrodescendentes espalhados por todo o Amapá.

 

Através do nosso mandato, obtivemos a aprovação pela Assembleia Legislativa do Amapá, da Lei nº 2.076 de 18 de julho de 2016 que dispõe acerca do reconhecimento do Encontro dos Tambores como Patrimônio Cultural e Imaterial do estado do Amapá e sua inclusão no Calendário Oficial de Eventos Culturais do estado; e, da Lei nº 2.251 de 24 de novembro de 2021 que denomina Raimunda de Nazaré da Silva Ramos o Centro de Cultura Negra do Amapá (CCNA), como homenagem e reconhecimento a uma das maiores líderes do movimento negro amapaense.

 

Com o advento da pandemia da covid-19, nossos esforços foram redobrados no enfrentamento da crise na Saúde pública ao mesmo tempo em que permanecemos firmes na trincheira contra a violência doméstica e o feminicídio, a fome e a pobreza, e por maiores conquistas no âmbito da Educação, Cultura, Segurança, Emprego, Habitação e outras áreas de abrangência política, econômica e sociocultural com o eixo de nossas atenções voltadas para as comunidades negras.

 

Após dois anos de restrições impostas pela pandemia, voltamos a celebrar e festejar de forma presencial a Semana da Consciência Negra no Amapá e o Encontro dos Tambores, na expectativa de que a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva consagrada em 30 de outubro deste ano, possa resgatar o nosso país das trevas e da barbárie e recolocá-lo no caminho da civilidade, da  tolerância, dos afetos e da boa comunhão de sentimentos e intenções para o bem comum. O enfrentamento eficaz do racismo depende fundamentalmente do êxito da política social que será desenvolvida pelo novo governo a partir de 1º de janeiro de 2023.

 

Festejar a Consciência Negra e reverenciar Zumbi dos Palmares como maior ícone da resistência à escravidão e da luta pela liberdade do povo negro, é uma atitude da qual não podemos nos eximir. É antes de tudo um imperativo que devemos cumprir. Não podemos, porém, abrir mão da necessária reflexão sobre as estratégias de enfrentamento a esse crime hediondo que é o racismo, verdadeiro câncer incrustado âmago da sociedade brasileira. O combate ao racismo é algo transcendente ao caráter de uma causa social. É uma bandeira de engajamento pela garantia da nossa própria existência e das gerações futuras.

 

Acreditamos ser esse o verdadeiro significado da Consciência Negra e que faz da luta pela liberdade e igualdade o maior legado que herdamos da nossa ancestralidade e que por laços de consaguinidade e pelo exemplo de vida, iremos legar à nossa descendência. As gerações futuras merecem um país e um mundo sem o racismo. Devemos por amor fazer isso por elas.

 

Viva a Consciência Negra! Viva Zumbi dos Palmares!

 

Salve o Povo Negro!

 


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