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Entre “ladrões” e cantigas, o Marabaixo se afirma no dobrar dos tambores, nas vozes da sua gente guerreira, na pluralidade e universalidade

O dia 16 de junho é consagrado ao Marabaixo, Patrimônio Cultural e Imaterial do Brasil e maior e mais autêntica manifestação cultural do Amapá.


Cristina Almeida
Deputada Estadual/PSB-AP

 

O Marabaixo é transcendente a esses aspectos e singular por ser genuinamente amapaense, nascido em meio às estratégias e formas de resistência negra à escravidão colonial e por possuir rituais e liturgias peculiares no cerne de virtude sincrética; e é plural porque não se resume somente à atmosfera da negritude ou ao circuito de reivindicações do movimento negro, atinge outros setores da sociedade e adentra espaços, alcançando um status e significados que antes lhe foram sonegados, no contexto das variadas formas de preconceito e segregação que vicejaram e ainda vicejam, apesar dos inegáveis avanços no combate ao racismo.

 

O aspecto mais sedutor do Marabaixo é justamente sua mobilidade e trânsito entre as diferentes estruturas e compartimentos da sociedade. No âmbito da política, algumas leis favoráveis aos valores da cultura negra e ao enfrentamento ao racismo têm sido aprovadas nas câmaras legislativas municipais, estaduais e federais, como a política de cotas raciais, por exemplo, que embora não elimine as práticas racistas, possibilitam a negros e negras a inserção nos níveis de ensino e no mercado trabalho; na Economia, o processo produtivo tem no Marabaixo uma matéria-prima com múltiplas possibilidades para a fabricação, comercialização e consumo de mercadorias e serviços; na Educação, seus conteúdos se inserem no ensino e na aprendizagem em todos as etapas do processo letivo; e, nas diversas formas de artes, literatura, música, dança, pintura, escultura, artesanato, gastronomia (iguarias típicas e gengibirra) e na religiosidade, o Marabaixo pontua com excelência e desenvoltura.

 

Ainda existe um longo e áspero caminho a ser seguido, devido, entre outros fatores, à renitência de alguns setores da sociedade, que negam a diversidade cultural e o sincretismo religioso de manifestações como o Marabaixo, o Batuque e das religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda.

 

A resistência a esses grupos se dá de variadas formas, mas é no plano político que ela pode obter ganhos mais significativos, a partir, evidentemente, dos movimentos organizados e conscientes, cuja pauta de reivindicações atinja os setores políticos progressistas, com bandeiras de luta sintonizadas com os anseios das camadas populares e suas manifestações culturais. Nesse sentido, o movimento negro assume um caráter político como porta-voz de sua gente.

 

Um exemplo bastante ilustrativo desse contexto se materializa por meio do Marco Regulatório do Marabaixo, que o nosso mandato tem pautado em parceria com o Ministério Público do Amapá (MP/AP), na pessoa do promotor de Justiça do Meio Ambiente Marcelo Moreira. Essa união de esforços é uma atitude pioneira nas relações entre o poder judiciário e a comunidade marabaixeira do Amapá, para mitigar os conflitos resultantes dos eventos alusivos ao Ciclo do Marabaixo e que acabam por conflitar os interesses dos grupos de Marabaixo e moradores das adjacências dos locais onde são realizadas as festas do referido ciclo.

 

Outro exemplo da intolerância foi a polêmica suscitada pela aprovação, por proposição do nosso mandato, da “gengibirra” (bebida típica das festas de Marabaixo) como Patrimônio Cultural e Imaterial do Amapá. As reações contrárias demonstraram o quanto as tradições do povo negro ainda são refutadas pelas elites conservadoras.

 

O reconhecimento do Marabaixo como Patrimônio Cultural e Imaterial do Brasil, em 2018, por decisão unânime do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), tem uma dimensão histórica importantíssima, mas ainda é, infelizmente, apenas um vértice de um esforço maior e que precisa se fortalecer politicamente na mesma proporção da riquíssima diversidade cultural de um país de proporções continentais como o Brasil.

 

É no âmago dessa pluralidade que a afirmação do Marabaixo será consagrada, com a reunião de setores políticos, institucionais, socioculturais e religiosos dispostos a discutir todas as possibilidades para que o Marabaixo se consolide com a maior expressão popular do Amapá e DNA da sua identidade cultural.


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