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O problema não é a floresta, mas o abandono do povo da Amazônia

Promotor Moisés Rivaldo – Promotor de Justiça inativo e Mestre em direito ambiental e políticas públicas


Há dias assistimos ao debate mundial sobre as queimadas na Amazônia. Discutem os destinos da Amazônia, falam da devastação da floresta, do aumento das queimadas, das suas riquezas, “pulmão do mundo”, mas em nenhum momento falam no Povo que habita a Amazônia.
Não falam da miséria em que vivem as populações tradicionais da região, do ribeirinho, do caboclo e do índio. Não falam da falta de saúde, da falta da educação, da falta de emprego e da pobreza deste Povo. Entendo que o aumento da devastação é proporcional ao crescimento da miséria.
Todo mundo dá palpite; falam do que fazer e do que não fazer. Gisele Bündchen, vários atores globais, o presidente francês Macron, as primeiras ministras alemã e norueguesa, Angela Merkel e Erna Solberg, os primeiros ministros inglês e canadense, Boris Johnson e Justin Trudeau, o ator Leonardo DiCaprio e tantos outros, falam em defesa da floresta amazônica, mas aqui nunca pisaram e em nada contribuem efetivamente para diminuir as mazelas de seu Povo. Não conhecem a realidade da Amazônia.
De boas intenções o inferno está cheio e não enche barriga. É muito fácil falar da Amazônia no ar condicionado em um apartamento de cobertura à beira mar em Copacabana ou na Barra da Tijuca, no Rio, do Jardim Paulista, de uma mansão em Beverly Hills em Los Angeles, da avenida Champs Elysees, em Paris, da Baviera na Alemanha ou da Kensington Palace Gardens em Londres. E é justamente o que eles fazem.
Quero ver essa turma tomar picada de muriçoca, falar daqui, do interior da Amazônia, lá do Cupixi, do Bailique, lá do Delta do Matapi, do Sucuriju, da Vila Brasil, do Anauerapucu, pra ficar só no Amapá. Enfim, conhecer e falar do mais longínquo vilarejo da Amazônia Legal, onde reside um Povo tradicional passando das menores às maiores necessidades.
Vivendo num jirau, com seu filho no fundo de uma rede com malária, tremendo de febre e sem um remédio para tomar. Brasileiros jogados à própria sorte, sem nenhuma assistência e às vezes engolidos pelas queimadas e exalados pela fumaça que hoje tanto assusta a comunidade europeia, coincidentemente após a assinatura do acordo econômico com o Mercosul.
Será que esses povos estão mesmo preocupados com a Amazônia? Não vi nenhum deles falar em defesa ou com a população amazônica e amazônida, aliás sequer nos ouvem. Tratam-nos como imbecis, como tutelados, como um zero à esquerda, como se não soubéssemos o que é bom pra nós ou para o mundo. Como se não soubéssemos o que é certo ou errado.
Pior, como se aqui só tivessem bandidos destruidores da floresta. Por outro lado, nossos órgãos, nossos políticos e governantes, acuados pela grande mídia mundial, baixam a cabeça e vestem a carapuça como se as nações estrangeiras e ONGs estão com a razão de sermos os maiores destruidores do ecossistema amazônico.
Como se a Amazônia é a salvação do meio ambiente mundial e o povo amazônico e amazônidas os responsáveis por eles terem destruído seus ecossistemas.
Nações que fingem não ver as devastadoras ações das grandes mineradoras inglesas, alemãs, norueguesas, canadenses, das petrolíferas francesas e inglesas, que mapeiam, exploram e degradam a floresta, os rios, igarapés e a costa marítima da Amazônia Legal.
O dia em que essas nações começarem a falar, a discutir e conversar com os povos amazônicos e amazônidas sobre os nossos problemas, ajudarem na busca de soluções para a fome, a desnutrição, a falta de saúde, do desemprego e da insegurança que aqui se vive e a pagarem pela preservação ambiental, aí sim vou começar a acreditar que elas estão preocupados com a Floresta Amazônica.
O que não podemos é continuar a pagar a preservação do meio ambiente com a fome, com a falta de saúde, com a falta de educação, desemprego, insegurança, sem desenvolvimento, enfim, pagar a preservação com o sangue do Povo amazônico e amazônida. Ainda não entenderam que o problema não é a Floresta Amazônica, mas o abandono que se encontra o seu Povo.


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