Cidades

Segmentos da cultura e das artes reivindicam prédio da Ordem dos Advogados

Prédio, que abrigou inicialmente o fórum na época do ex-Território, abrigaria uma galeria artes, shows teatrais, biblioteca e pinacoteca. OAB e contra


Durante debate ocorrido na manhã desta quarta-feira, 17, no estúdio central da Rádio DiárioFM, em que o artista plástico Herivelto Maciel reclamava no programa LuizMeloEntrevista por não lhe ter sido concedido direito ao voto na eleição do conselho, que acontece na próxima sexta, as classes cultural e artística lançaram um movimento para que a sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), localizada na orla de Macapá, que inicialmente abrigou o fórum do ex-Território do Amapá, seja repassado para os movimentos culturais e artísticos. Segundo Porfírio Popó, presidente do conselho, o prédio abrigaria uma galeria de artes, com exposições permanentes, espetáculos teatrais, biblioteca e pinacoteca.
“É um prédio história, que remonta os primórdios do ex-Território, e que inclusive teria que ser transformado em patrimônio cultural e histórico do Amapá, por sua importância histórica e até mesmo pelo orgulho que todos os amapaenses têm com relação a ele, que só pode ser comparado à Fortaleza de São José de Macapá; a Ordem dos Advogados não precisa daquele prédio, porque possui duas sedes próprias, muito pomposas por sinal, uma campestre e a central, localizada na Avenida Procópio Rola. Aquele prédio serviria muito melhor à arte e à cultura do que à OAB”, reclamou Popó.

Por telefone, ao vivo, o presidente da OAB, advogado Paulo Campelo admitiu que a questão pode ser debatida, mas lembrou que a Ordem dos Advogados tem preservado o prédio desde que foi repassado à instituição, que tem feito valer a sua função social, inclusive sendo palco de acontecimentos artísticos e culturais abertos à comunidade, como exposições e encontros; ele argumentou, ainda, que a doação do prédio foi feita pelo então governador Gilton Garcia através de Lei, no que foi contestado por Popó: “Discordo do senhor, presidente, porque Lei teria que ser votada no Congresso Nacional, considerando que teria que ser lei federal considerando a nossa condição de território; o que houve foi um decreto assinado pelo então governador, passivo, portanto de questionamento”.

Paulo Campelo (OAB) defendeu a manutenção do prédio com a instituição, mas admitiu dialogar sobre o assunto: “Como todos sabem, o prédio da OAB era o antigo fórum do Território Federal do Amapá, e conseguimos transformá-lo em nossa sede através de uma luta muito árdua, por meio dos nossos então presidentes, cada um em sua época, como Wagner Gomes, Sulamir Monassa, Evaldy Mota e Manoel Brito, por exemplo, entre tantos outros; e nós temos cuidado muito bem do prédio, mantendo toda a sua arquitetura original, além de intensificarmos esforços para que o Iphan reconheça a sua importância histórica transformando-o em patrimônio cultural e histórico”.

Cobrado para que a OAB aceite discutir a devolução do prédio para o governo, e alertando sobre o movimento que se inicia, no sentido de repassá-lo aos movimentos culturais e artísticos, inclusive com a possibilidade de questionamento judicial sobre a validade do decreto de doação à instituição, Paulo Campelo contemporizou: “Eu acho extremamente salutar essa discussão, mas acredito veementemente que se esse prédio estivse na posse de outra instituição não estaria tão bem preservado como está, com a manutenção de sua característica original; quero lembrar que a OAB também é um patrimônio da sociedade brasileira e jamais tem se negado a disponibilizar espaço para a realização de eventos culturais e artísticos, tanto que temos a nossa comissão de desporto, lazer e cultura que tem realizado muitas atividades culturais”.
 
Prédio histórico
O prédio do ‘Fórum dos Leões’, conforme posteriormente passou a ser chamado após a instalação de duas esculturas de leões em cada lado frontal, anos depois, está localizado na frente da cidade, margeando o Rio Amazonas. Sua construção foi iniciada em 1945, pelo então governador Janary Gentil Nunes como parte da estrutura física que compôs os primeiros organismos da administração do Território Federal do Amapá, que foi criado dois anos antes, isto é, em 1943.

Entretanto, conforme explica o historiador Edgar Rodrigues em seu blog ‘Coisas do Amapá’, o prédio só foi inaugurado oficialmente no dia 25 de janeiro de 1953, em imponente solenidade que contiu com a presença do Ministro da Justiça, Francisco Negrão de Lima, como parte das comemorações do 9º ano de criação do território; no mesmo dia também foi inaugurado o prédio da Maternidade Mãe Luzia, localizado na hoje Avenida FAB.

Ainda de acordo com o historiador, o terreno reservado para a edificação do Fórum pertenceu à família do Sr. Julião Tomaz Ramos, o Mestre Julião, grande líder político da comunidade negra de Macapá. “Ele e o Sr. Eufrásio Gaia foram os interlocutores dos moradores do Largo de São João (Praça Barão do Rio Branco) com o governador Janary Nunes, por ocasião das negociações que visavam desapropriar as casas e as plantações existentes na área nobre da cidade de Macapá. Ao contrário do que muita gente comenta, nenhum morador foi sumariamente expulso daquele local e sim indenizado. Remanejados, a maioria do pessoal foi instalar-se no (bairro) Laguinho”.

Os leões do prédio do fórum, ainda segundo Edgar Rodrigues, foram esculpidos pelo lusitano Antônio Pereira da Costa, a partir de uma forma confeccionada pelo Jorge Marceneiro que residia no bairro do Trem, na quadra dos Escoteiros do Mar Marcílio Dias. “Um terceiro leão ainda foi esculpido, mediante encomenda do comerciante Hermano Jucá de Araújo, proprietário da ‘Estância Leão Azul’. Quando este estabelecimento comercial foi fechado, o leão foi doado ao Clube do Remo, de Belém, e se encontra no Estádio Evandro Almeida, devidamente pintado de azul. Hermano Jucá era torcedor ranzinza do Clube de Periçá”, pontua o historiador 
Embora estivesse destinado à Biblioteca e Arquivo Público de Macapá, o prédio foi doado à OAB do Amapá pelo então governador Gilton Garcia em 1993, através de decreto governamental. A Assembleia Legislativa aprovou a doação do imóvel em 1995.
 
Incompetência
Consultados pela reportagem, vários juristas questionam a legalidade da transferência do prédio do antigo fórum para a OAB, sob o argumento de que, tanto o então governador Gilton Garcia como a Assembleia Legislativa do Amapá não possuíam competência para oficializarem a doação, porque o imóvel não é de propriedade do Governo do Estado, mas sim do governo federal, que em nenhum momento ratificou ação essa doação.
 
Inventário
Em 2010 o prefeito Clécio Luís propôs e a Câmara Municipal aprovou a Lei nº 1831, que dispõe sobre o patrimônio histórico, artístico e cultural, material e imaterial do município de Macapá; em seguida o Iphan ofereceu à Fundação Municipal de Cultura (Fumcult), responsável pela execução da Lei, apoio técnico e o estabelecimento de parcerias.
Desde 2009 o Iphan/AP vem realizando o inventário de bens imóveis de valor histórico, nos bairros Central e Trem. Enviado para sua sede em Brasília, o relatório até hoje aguarda análise e encaminhamento de possíveis processos de tombamento, em especial o polígono que compreende a área central onde se originou a Vila de São José de Macapá.
Além do ‘prédio dos leões’, nesse polígono estão inseridos o Cine Territorial, Igreja de São José, Largo dos Inocentes, Praça Veiga Cabral, Praça, Escola Barão do Rio Branco, Escola Antônio Pontes (antiga Escola Industrial e Ginásio de Macapá), Museu Joaquim Caetano (antiga Intendência), e a residência oficial do governador.

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