Entrevista

“Mineração não é feita com geólogos e engenheiros, hoje, mas com advogados”

Há exatos quatros nos, ele foi ao rádio dizer que não era hora do Amapá entrar no mercado do petróleo, pois acreditava que o estado não estava preparado, não tinha estrutura física ou humana. Mas o tempo passou e a história pode mostrar que o geólogo e advogado Antônio Feijão poderia estar certo, afinal o Amapá vive a apreensão de ver a logística para atender essa demanda se instalar no vizinho estado do Pará. Feijão, que é ex deputado federal, avalia o setor mineral como um todo, do minério de ferro ao ouro, passando por óleo e gás natural que as pesquisas apontam ter no subsolo amapaense. Foi ontem durante entrevista ao jornalista Cleber Barbosa, no programa Conexão Brasília, pela rádio Diário FM. Os principais trechos da entrevista o jornal Diário do Amapá publica a seguir.


POR CLEBER BARBOSA
DA REDAÇÃO

Diário do Amapá – O senhor tem uma vasta experiência profissional como geólogo, como político e agora como foi comemorar pela primeira vez o dia do advogado?
Antônio Feijão – Muito gostoso, aos sessenta anos a gente compartilhar uma nova profissão e também ter o prazer de estar numa turma de mestrandos da Universidade Federal. Lá tem um centro de excelência, que é o Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, programa que tem repercussão local, nacional e internacional e que é capitaneado por dois doutores, que com mais outros dezesseis ao lado deles, que são os doutores Jadson Porto e o doutor [Alberto] Tostes, que são dois estudiosos, um mais na escala regional e o outro, o professor Tostes, uma referência nacional e internacional em cidades.

Diário – Mas a geologia, que foi a sua primeira formação, o senhor não largou, não é? A gente tem notícia de que continua prestando consultoria nessa área, correto?
Feijão – Não, de jeito nenhum. Inclusive quando eu cheguei a exercer aqui o cargo de diretor do DNPM [Departamento Nacional da Produção Mineral) os empresários não chegavam com geólogos e engenheiros de mina, eles chegavam só com advogados. Então hoje mineração não é tocada com geólogos e engenheiros de mina, você só toca mineração com advogados, porque ou tem problema com meio ambiente ou tem problema jurídico, seja no DNPM ou no Ministério Público, quando não é um problema urbano ou político dentro da cidade.

Diário – Então depois da judicialização da política temos também a judicialização da mineração, por assim dizer?
Feijão – É, a mineração é um consórcio de intervenção muito forte sobre o espaço. Um exemplo é a venda de uma passagem de avião, um serviço que será prestado na atmosfera; quando você dá uma concessão para exploração de manganês no Amapá em 1953 ele está ali todo dia tirando um pedaço da história geológica da floresta e do solo, então aquilo é uma relação muito vista, muito olhada, muito observada, diferente por exemplo de uma pessoa que tem um transatlântico, ou de uma pessoa que põe tira o petróleo e manda a gasolina para uma refinaria, então a mineração é uma atividade locada, é uma atividade fixa, por isso tem uma intervenção muito forte no município, social, ambiental e econômica, e muito forte no estado. Ela transborda a questão local e muito forte internacionalmente.

Diário – Na exportação, claro.
Feijão – Sim, a China compra ferro o Amapá reativa a ferrovia. Se a China não compra ferro, diminui o preço, ela usa seus estoques, aí nós fechamos nossas minas e não reativamos nossa ferrovia, há toda uma relação.

Diário – A maior cooperativa garimpeira do estado acaba de se renovar, elegendo uma nova diretoria, que fala em um recomeço para o setor, mais organizados e buscando a legalidade. Como o senhor observa esse setor?
Feijão – Os garimpeiros resistem há dez mil anos. O novo presidente, Chico Nogueira, conhece desde o início esse compasso pós Constituição [Federal]. Os garimpeiros receberam na Carta Magna do Brasil um presente de grego, pois no artigo 174, nos parágrafos 3º e 4º, ela diz que o estado favorecerá a atividade garimpeira levando em conta a proteção do meio ambiente, portanto o primeiro item tomou à frente do cidadão, e depois a promoção social e econômica dos garimpeiros. Aí os garimpeiros saíram tudo comemorando já, faltava só sacar o último saque, como se fosse uma partida de vôlei, aí veio o ‘tie-break’, que foi o parágrafo 4º. Os militares, pressionados pelo Sebastião Curió, que era da cooperativa de Serra Pelada, engata este parágrafo, e isso eu assisti, eu combati isso.

Diário – O senhor foi contemporâneo, foi constituinte?
Feijão – Não, eu era do movimento sindical. Nós éramos de uma entidade nacional chamada Usagal, a União dos Sindicatos Garimpeiros da Amazônia Legal.

Diário – E o que colocaram nesse bendito parágrafo 4º?
Feijão – Textuais: “As cooperativas de garimpeiros de que trata o parágrafo anterior terão prioridade nas áreas onde estejam atuando e naquelas que são referentes a criação de reservas garimpeiras”, ora isso é uma coisa que não se tem mais no Brasil, que são as reservas garimpeiras, ou seja, é como alguém que decide comprar uma placa de táxi e agora vai colocar num carro para trabalhar na praça. Vai ficar sabendo que terá nove sócios, que são os impostos que equivalem a dividir o seu esforço, o seu trabalho e o seu patrimônio com 11 pessoas. Então isso tudo para dizer que ser garimpeiro é a única profissão abarcada pela Constituição em que o direito do trabalho, o direito do resultado do trabalho tem que ser dividido cooperativamente para ter prioridade. Isto é uma insanidade!

Diário – Numa outra entrevista sua aqui ao programa, em 2012, o senhor dizia que não era hora do Brasil explorar o petróleo que se avalia ter no Amapá. De lá para cá muita coisa aconteceu nesse sentido e os poços estão na iminência de ser perfurados e a gente parece não estar reparado para isso. O senhor se preocupava com o que à época?
Feijão – A abordagem que foi feita inicialmente foi para trazer à sociedade o debate. E aí a gente tem que dar a mão à palmatória para a astúcia do promotor Moisés Rivaldo, que tem esse mérito juntamente com o senador Randolfe, de terem explodido – como aquela bomba de efeito moral que a PM utiliza para afastar a multidão – para o Amapá observar e discutir o que estava acontecendo, que era uma licitação de uns blocos de área que chamavam apenas de Foz do Amazonas, mas que tinha coisa acontecendo lá no Oiapoque a pouco mais de 70 quilômetros de fronteira com a Guiana Francesa, então esse foi o primeiro impacto. O que aconteceu depois é que o Amapá ninguém nem sabia onde iriam furar o poço e já tinha vereador fazendo lei para destinar royalties e prefeito dizendo que iria aplicar em tal setor da economia, o dos investimentos sociais.

Diário – Depois também se falava em preparar mão de obra local para as futuras demandas.
Feijão – Pois é, essa foi a segunda discussão, de achar que nós íamos ter aqui uma segunda Macaé, um centro de tecnologia, um centro de refino, enfim, não tem como. Como você vai transportar petróleo hoje se os navios para esse transporte têm que ter acima de 90, 150, 270, 320 mil toneladas, mas o Amapá só permite adentrar para navegação interior navios Panamax, com no máximo 54 mil toneladas.

Diário – Que é o que a Barra Norte do Rio Amazonas permite, não é?
Feijão – Sim e depois nós não temos plataforma para receber isso. Tem uma pequena faixa na cidade de Amapá, porque quando os ambientalistas criaram o Cabo Orange, criaram Maracá Jipioca e a Reserva Biológica do Piratuba, praticamente deram a relação do mar com o Amapá para a lei, portanto o Amapá embora seja um estado com quase 600 quilômetros de costa oceânica atlântica é um estado sem território marinho, ou seja, não tem os sem-teto, sem-terra, somos os sem-mar.

Perfil…
Entrevistado. Antônio da Justa Feijão tem 60 anos de idade, é natural de Sobral, no Ceará, mas radicou-se no Amapá após consolidar-se como um dos mais conceituados geólogos em atuação no mercado local. Tornou-se popular e foi eleito deputado federal em 1994 (mandato de 1995 a 1999) sendo reeleito em 1998 (mandato de 1999 a 2003); depois mesmo tendo sido o sétimo mais votado em 2008, ficou na condição de suplente, tendo assumindo a titularidade entre 2009 e 2010, em substituição ao deputado Davi Alcolumbre (DE), que virou secretário municipal em Macapá. Também teve passagens como secretário de Estado do Meio Ambiente e diretor-presidente do Imap. Em 2012 assumiu a Superintendência do DNPM no Amapá. Atualmente é consultor e advogado.


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