Nilson Montoril

Histórico sobre a região do rio Cassiporé

Segundo Robert Harcourt, a região situada entre o rio Araguary (Arrawary) e o rio Cassiporé (Cassiporough), era comandada pelo cacique Anacaiuri, maioral dos Yaos, índios da etnia caraíba. Para o geógrafo Keimes (1656), a jurisdição de Anacaiuri se estendia desde o Amazonas até o Essequibo. Por volta de 1666, os Yaos tinham aí uma habitação bela e cultivada, onde viviam cerca quarenta indivíduos.

Pelo Tratado firmado entre Portugal e França, em 1700, a região compreendida entre os rios Araguary e Vivente Pinzon (Oiapoque), passou a ser considerada neutra ou contestada. O litígio seria resolvido através de arbitramento internacional confiado à Confederação Helvética (Suíça).

A França alegava que o Rio Vicente Pinzão era, ora o Araguary, ora o Cassiporé, ora o Amazonas. O Laudo de Berna foi exarado dia 1º de Dezembro de 1900, sustentando a tese brasileira de que o Vicente Pinzon ou Pinzão é o mesmo que os índios denominavam Oiapoque (casa de Oiapim). Cassiporé é um rio que se localiza no Estado do Amapá.

Tem cerca de 320 km de extensão, dos quais 80 são navegáveis. Na foz, a costa é baixa, não se avistando do largo, por detrás do mangal. Nesse rio a pororoca faz-se sentir. Deságua no Oceano Atlântico. Seu principal afluente é o Araporé, pela margem esquerda. Também é o nome de um cabo que é o extremo Nordeste do pontal leste da barra do rio do mesmo nome.

No fim do século XVI e durante o século XVII, o território contestado, entre a margem esquerda do rio Araguary e a margem direita do rio Oiapoque era conhecido como “Província do Aracari”, compreendendo três senhorias: Arawary (Araguary), Maycary (Mayacaré) e Cocshbery (cassiporé). Essa última se estendia até os confins da Província.

Em 1900, o contestado tinha dois centros populosos diferentes pela natureza de seus habitantes e pelo gênero da indústria e comércio: o Amapá e o Calçoene.Calçoene restringia-se ao rio deste nome, ao lado esquerdo da cachoeira Firmino, com população esparsa por regiões do Cassiporé, Tapiry, Jane e Tajinhy. O núcleo populacional ali existente era mais conhecido como vila Firmino.

Na vila do Espírito Santo do rio Amapá Pequeno ou simplesmente Amapá, viviam cerca de 4.000 pessoas, quase que exclusivamente brasileiros ocupadas com a pesca, criação de gado, extração da borracha e fabrico da farinha.

Em Calçoene a atividade principal era a extração de ouro. A população era formada por crioulos franceses e ingleses, com poucos brasileiros. Depois da incorporação do contestado ao Pará, a região foi denominada “Território do Aricari”, com limites entre o Araguary e Oiapoque compreendendo 2 circunscrições administrativas. A segunda circunscrição foi denominada Cassiporé, que se estendia do Mayacaré ao Oiapoque, tendo o povoado de Calçoene como sede.

A ocupação expressiva da região começou na fase posterior a Independência do Brasil, com migrações para Amapá, Calçoene, Cunani, Cassiporé, Uaçá, Arucauá e Curipi.Em 1894, a vila de Calçoene tinha cerca de 6.000 habitantes. Em 1895, a vila de Amapá era habitada por 600 brasileiros. Em Cunani moravam 284 brasileiros, em Cassiporé 120, em Uaçá 80, em Curipi 70 e em Urucará 80, todos são índios.

O rio Cassiporé, a partir de 1945, passou a ser o limite entre os municípios de Amapá (margem direita) e Oiapoque (margem esquerda). O fenômeno da pororoca é observado com mais intensidade no verão. VILA VELHA – situada à margem esquerda do rio Cassiporé é um povoado encaixado na Área de Proteção Ambiental de Vila Velha, fora do Parque Nacional do Cabo Orange e faz parte do Município de Oiapoque.

Há muito tempo explorou-se ouro no alto rio Cassiporé. O Último censo demográfico realizado em agosto de 1957, indicou haver em Vila Velha cerca de 250 almas. A Festa religiosa de maior vulto ocorre dia 19 de março, em louvor a São José, o padroeiro da Vila.

Xerife destituído, até o sol raiar

No Natal de 1957, sem esperar receber presente de Papai Noel tive uma imensa surpresa. Ao passar a mão direita sob minha rede, deparei com um embrulho retangular, mas sem a altura que me levasse a pensar em um carro. Se fosse uma bola de futebol o embrulho seria redondo.
Além de o volume ter formato comprido, nada fazia barulho quando eu o sacudi. O relógio da sala de casa havia soado cinco badaladas. Ciente que ainda era madrugada coloquei o embrulho sobre o peito e tentei dormir.Quem disse que eu consegui realizar esta proeza.
Nossa casa tinha apenas dois quartos e eu dormia no segundo cômodo, juntamente com minhas quatro irmãs. Mesmo tendo minha rede atada rente a porta e perto do interruptor, eu não poderia ligar a luz, porque seria admoestado por elas. A angústia foi tomando conta de mim e me obrigou a sair do quarto apalpando a parede em direção à porta que demandava para o corredor, elo de ligação entre a sala e a cozinha.
Esqueci até que tinha medo de escuro e das possíveis almas penadas que eu encontraria pelo caminho. Minha mãe tinha falecido em julho de 1955, motivando uma tristeza imensa no seio da família. No Natal deste ano fatídico as comemorações natalinas passaram longe de casa e nenhum presente nos foi dado. Papai precisou ausentar-se para cuidar dos seus empreendimentos comerciais sediados na região das ilhas do Pará, deixando-nos aos cuidados da mazaganense Hortência Furtado, que era sua madrinha de águas bentas. Assim que cheguei à cozinha acendi a luz e rapidamente desembrulhei o presente. A imagem captada pelos meus olhos me transportou para o velho oeste norte americano. Dentro da caixa havia todos os apetrechos próprios de um xerife: cinturão, coldre, revólver colt 45 e um rolo de espoletas. Para poder usar a estrela de xerife, precisei vestir a camiseta do uniforme de educação física do Grupo Escolar Barão do Rio Branco.
Devidamente identificado como homem da lei, coloquei o cinturão com o coldre, abri o revolver e adaptei o rolo de espoletas no local apropriado. Para dar mais realce ao destemido justiceiro usei o meu chapéu de escoteiro. A empolgação era tanta, que nem reparei se o dia já havia raiado. Num piscar de olhos o tiroteio começou. Duplo som era ouvido. O das espoletas e o que eu fazia com a boca, inclusive o ricochete das balas batendo nas pedras. Minha alegria durou pouco.
A mesma alma caridosa que me deu o presente se apossou dele com um ultimato: “Mano, ainda é madrugada, Só vou devolver tua arma se tu dormires mais um pouco”. Enfezado e indignado, deitei no assoalho da sala e adormeci. Por volta das oito horas fui despertado e voltei a personificar o Hopalong Cassidy, um dos heróis do cinema americano. Antes do meio dia a munição tinha acabado.
Na manhã do dia 26 de dezembro eu fui ao Armazém Macapá e a outras lojas do nosso humilde comércio. Nenhuma casa que vendia presentes possuía rolos de espoletas. O jeito foi reviver o tempo em que eu usava revólveres de madeira.
Nos filmes que assisti no Cine Teatro Territorial e no Barracão Pio XII, as balas dos mocinhos nunca acabavam. Por isso julguei que o meu trabuco era de facínora. O que mais atirava era o Allan “Rock” Lane, mais conhecido como Rock Lane. O Roy Rogers e o Gene Autri cantavam mais do que atiravam.No meu tempo de criança os presentes mais vistosos eram caros. Os caros podiam ser de pinho, lata ou mica. Ainda não existia o plástico.
O dono de um brinquedo feito de mica precisava ter muito cuidado. O material era frágil e quebrava com facilidade. Alguns garotos malvados sentiam prazer em chutar ou pisar um brinquedo de mica. Um caminhão de madeira acabava sendo um ótimo presente. Marceneiros e carpinteiros fabricavam rodas ou ripas da carroceria, caso elas quebrassem. A maioria dos revólveres de brinquedo, vendidos no nosso comércio era de ferro fundido As cores variavam, mas prevaleciam as tonalidades prata e preta.

Era Natal

Foi no Natal passado. Os sinos da Matriz badalavam o seu blim-blim-blom anunciando que o Natal chegava. As miríades de estrelas brigavam com nuvens ameaçadoras de chuvas lá no céu, enquanto a rainha noite lá nas alturas, uma vez ou outra mostrava o seu rosto timidamente.
Havia chovido na cidade toda a tarde e por todo o início da noite. Assim tínhamos uma noite fria para os hábitos climáticos da cidade.
O dia tinha sido agitado, o centro comercial fervilhava, as vitrines eram convidativas ao consumo, como um espelho mágico que atraía os passeantes. Naquela tarde não vi o Sol poente esconder-se no horizonte e tão pouco vi a Vênus despontar no céu com o seu vesperal encanto.
Muitos comemoravam o Natal, mas não aquilatavam o verdadeiro valor daquela data. Nunca imaginariam que um dia há muitos anos, sobre os montes silentes, os rebanhos dormiam e os pastores vigiavam.
O sinal foi dado por uma grande estrela que fulgurou na imensidão do espaço sideral. Como um viajor, são os pastores familiares aos astros.
A abóbada celeste como um imenso candelabro é a ampulheta por onde se esvai a poeira das constelações aos olhos dos que atravessam as noites sobre a Terra ou sobre as águas em vigília. Os pastores mapeiam com os seus olhos todos os recantos cintilantes da abóbada celeste. As ovelhas adormecem sob a quietude silenciosa do vale seguras no velar dos não dormitantes que centram os ouvidos aos mínimos ruídos.
Naquela vigília, surge no céu uma grande estrela.
Débeis emoções, indizível sensação de calma e gozo de viver, parecia tornar-se como uma pena seus rudes corpos queimados pelo vento oriental e afeitos as duras fadigas da vida pastoril. Um canto se fez ouvir. Sons melodiosos perpassavam no ar transparente, pareciam teias de sons diáfanos de imponderabilidade mais imponderável do que a brisa mais tênue.
As vozes que promanavam do céu proclamavam: “GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS E PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE”.
Estando os pastores ainda perplexos, uma voz ecoou: “tranquilizai-vos. Trago-vos notícias de grande alegria, que será também para todo o povo. Porque na cidade de Davi nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor. Natal é Deus encarnado e habitando entre nós”.
A Ceia de Natal com certeza seria fausta.
Dirigia o meu carro por uma das ruas, enquanto o sino da catedral ainda batia. Foi quando os meus olhos fitaram uma criança sem camisa, descalça, vestida de uma longa bermuda.
Parei no primeiro estacionamento. Passei observar aquela criança que na noite de Natal quando faustas ceias seriam feitas, desde o mais humilde até o mais rico. Mas aquela criança perambulava descalça naquela noite fria. Olhava vitrines, os latões de lixos, talvez querendo mitigar a fome do seu Natal, nos repastos sobejantes caídos da mesa do almoço daquela véspera de Natal.
Continuei acompanhando aquela criança, ninguém lhe dava atenção.
De repente, tirou algo do lixo e comeu. Não sei se foi uma maça podre ou uma fruta de natal sobejada.
Vi por um momento naquela criança a teofania do Filho de Deus naquela noite de Belém, quando os residentes diziam para José: “não há lugar”.
Aquela criança perdeu-se na escuridão da noite. E assim ela se foi.

O primeiro presépio da Igreja de São José

Ocorreu na noite de 22 de junho de 1948, na Igreja de São José a despedida dos Padres Antônio Schulte e João Lentnerz, integrantes da Congregação da Sagrada Família. Eles deixariam a cidade de Macapá no dia posterior com destino a Belém. Antes de partirem, os sacerdotes sacramentinos dirigiram ao povo palavras comovedoras, agradecendo a acolhida e a colaboração que a comunidade católica lhes prestou.

Dia 23, às 11 horas, o Padre Antônio Schulte é levado pelos sacerdotes italianos recém chegados a Macapá, pelo capitão Janary Gentil Nunes, governador do Território Federal do Amapá, membros de sua equipe de governo e pelo povo ao Trapiche Municipal Major Eliezer Levy, onde a lancha Amapá o aguardava.

O Padre João Lentnerz ainda realizou uma desobriga pela região das Ilhas do Pará antes de afastar-se definitivamente de Macapá. Desde o dia 29 de maio de 1948, já estavam na cidade os sacerdotes italianos Aristides Piróvano e Arcângelo Cerqua. Eles vieram acompanhando o Bispo de Santarém, D.Anselmo Pietrula e ficaram hospedados na residência governamental.

Foram os dois primeiros padres do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras-PIME, a pisarem em solo macapaense. O PIME iria substituir a Congregação da Sagrada Família. No dia 30 de maio Aristides Piróvano foi declarado Superior Apostólico e Arcângelo Cerqua assumiu o cargo de vigário da Paróquia de São José.

Os sacramentinos permaneceram em Macapá até o dia 23 de junho. Os padres italianos foram chegando aos poucos. No dia 10 de junho, a bordo de um avião da Força Aérea Brasileira, chegam a Macapá os Padres Ângelo Bubani e Vitório Galliani. À noite, na hora da benção do Santíssimo Sacramento, o Padre Vitório tocou pela primeira vez seu harmonium e tentou convencer os fiéis a cantar.

As mulheres até que se manifestaram, mas os homens pareciam estar mudos. Na época em que o Padre Júlio Maria Lombaerd atuou em Macapá, uma banda de música formada por meninos, intitulada Filarmônica São José, se apresentava na igreja em momentos festivos. Porém, não havia o mágico harmonium que os macapaense chamavam de sanfona, Aliás, o Padre Vitório Galliani não gostava que seu belo instrumento fosso rotulado como sanfona ou acordeom. Dia 25 de junho de 1948, o rebocador Araguary, que integrava a frota do governo do Amapá aportava no Trapiche Eliezer Levy, proveniente de Belém, trazendo a bordo mais cinco sacerdotes do PIME: Lino Simonelli, Mário Limonta, Luiz Viganó, Jorge Basile e Carlos Bassanini.

O Padre Mário Limonta já encontrou na Casa Paroquial parte do material que utilizaria para ampliar e reformar o citado imóvel, instalando novos banheiros, sanitários e dormitórios. Ele não era engenheiro, mas conhecia muito bem o oficio de construtor. Com bastante rapidez, ajudado por operários locais, Mário Limonta avançou bastante na reforma da Casa dos Padres e assentou as pias de água benta na igreja. Dia 17 de julho, em avião da FAB, chegou o Irmão Francesco Mazzolene, um homem de avantajada compleição física que ficaria conhecido em Macapá como Caterpillar.

Os trabalhos de restauração da Igreja de São José foram iniciados no dia 11 de outubro. A 4 de novembro o aspecto geral da igreja era bem diferente a as ações dos operários chefiados pelo Padre Mário Limonta se concentravam no batistério. No dia 10 de novembro, depois de trabalhar até altas horas da noite, os trabalhadores aprontaram a sala de reuniões e concluíram a pintura da fachada do templo. Os arremates da pintura couberam ao Padre Mário Limonta.

Quem vê a pintura do altar principal e dos altares laterais julga que eles são feitos de mármore, mas não são. A frente da casa de orações exigiu maior criatividade. Alguns elementos novos foram introduzidos no frontispício. Para poder executar seu trabalho, o Padre Mário Limonta precisou sentar em uma espécie de balanço que era sustentado pelo gigantesco Irmão Francisco. A cena atraiu dezenas de curiosos para frente da igreja. Postado sempre em um ponto superior, Francisco Mazzolene controlava com as mãos as cordas do balanço que permitiam ao pintor subir ou descer de nível. Dia 1º de dezembro foi a vez de a sacristia apresentar nova caiação e reorganização.

O número de sacerdotes do PIME, que era de nove passou para onze com a chegada dos Padres Simão Corridore e Ângelo Negri. Pouco depois, a 18 de dezembro, desembarcam no velho aeroporto da Panair do Brasil os Padres Antônio Cocco e Pedro Locati, elevando para treze o número de sacerdotes, mais o Irmão Mazzolene. Com o advento do Natal, Padre Mário Limonta volta a mostrar sua versatilidade construindo um presépio no interior da igreja de São José. Tudo é muito simples, mas encanta quem o vê. Na noite de 24 de dezembro foi celebrada a missa da meia note e a igreja ficou lotada.

No decorrer do ato litúrgico foram entregues as fitas de aspirantes a 13 candidatos à Congregação Mariana, cuja organização foi iniciada no dia 24 de outubro pelo servidor público e católico praticante Klepper Navegante Motta. Ao final da missa deu-se a descoberta do presépio compreendendo as mesmas figuras expostas por São Francisco de Assis em 1223: Menino Jesus, Virgem Maria, São José, manjedoura, burro, boi, ovelhas, anjos, estrela, pastores e os três Reis Magos. No Brasil, a primeira encenação foi mostrada aos índios, em 1552.

O Burro do Pitaica

O comerciante Manuel Eudóxio Pereira, conhecido na cidade de Macapá pela alcunha de Pitaica, foi um dos mais ilustres filhos de Macapá. Amigo de todos procurava ajudar os mais necessitados, notadamente os que apreciavam a “marvada pinga”, Católico fervoroso, podia ser encontrado com facilidade na Igreja de São José durante os cultos católicos. Era forte, decidido, daí o apelido de Pitaica, nome de uma árvore encontrada no campo, na terra-firme e na várzea. Possuía um burro deverasmente enfezado, que puxava uma carroça destinada aos serviços da “Casa Popular”(Armazém do Povo), de sua propriedade.

Mesmo atrelado à carroça, o burro dava trabalho.

Em razão de ser endemoniado, o burro passava a maior parte do tempo preso a uma corda, num terreno vago que existiu na esquina da Travessa Floriano Peixoto com a Rua São José, local onde funcionou o Banco da Lavoura de Minas Gerais e hoje abriga uma loja. O cenário das peripécias do burro do Pitaica é a Macapá do final da década de 1930 e inicio da década de 1950. Naquele tempo, era coisa comum os quadrúpedes viverem soltos nas ruas, principalmente depois das 18 horas. Na periferia da pequena cidade muitos moradores mantinham atividades agrícolas e pecuárias.

Cavalos, éguas, burro e mulas trabalhavam durante o dia, puxando carroças e transportando cargas e até gente. Valiam-se da noite para pastar, beber água e praticar “o aquele”. O burro do Pitaica adorava pastar no campo de futebol que existia na Praça Capitão Augusto Assis de Vasconcelos, onde reinava absoluto entre as éguas e mulas mais velhas que já não interessavam aos mais novos. O diabo é que o burro do Pitaica era demasiadamente avexado, partidário do “vamos que vamos”.

Ele só vivia de orelha em pé e voltadas para trás, sinal evidente de que estava a fim de transar. Nem sequer cortejava as pretendidas. Como o burro era muito violento, as fêmeas o rejeitavam com coices e mordidas, coisa que ele retribuía com maestria. Parece que o burro era fã da máxima “ou dá, ou desce”. O pior é que não eram só as orelhas que o burro levantava.

A genitália do bicho era de tal forma desconforme, que dava a impressão dele ter nascido com cinco pernas. Com relativa frequência, os donos dos animais maltratados iam ter com o Pitaica pedindo que ele mandasse o burro para a região rio Pedreira, caso contrário a vida do bicho iria correr grande risco. Reclamar na Polícia era perda de tempo, haja vista que o senhor Manuel Eudóxio Pereira tinha muita influência na cidade, sendo vizinho da Delegacia Central. A solução do Pitaica consistia em prender o burro. Em contrapartida, os donos das vitimas do burro deveriam encontrar outro local para que elas pastassem em paz. Quando o burro encontrava uma fêmea assanhada como ele, o “love you” era da moléstia.

Houve um caso muito interessante protagonizado pelo burro ao montar, na marra, em uma eguinha prestes a debutar no exercício da luxúria. O dono da eguinha exigiu indenização, alegando que o burro havia emprenhado sua cria. O queixoso alegou que a maneira violenta como o estupro foi praticado causou o remonte de cinco costelas da infeliz criatura. Pitaica lhe passou uma descompostura, dizendo que o burro é um animal estéril e não tem como gerar filhos. Na prática, a eguinha gostou tanto do desempenho do burro, que ia direto ao local de seu cativeiro todas as vezes que fugia da casa do dono.

Outro fato diz respeito a uma exigência que algumas beatas fizeram ao Pitaica através do Padre Felipe Blanck, vigário da Matriz de São José. Elas costumavam assistir a missa das 6 horas da manhã, diariamente, e não suportavam ver o burro todo excitado, olhando as fêmeas que pastavam no campo de futebol. Consta que elas colocavam as mãos sobre os olhos, mas o povo comentava que os dedos sempre ficavam afastados.

A injúria foi de tal monta que uma das beatas sugeriu que o Pitaica mandasse fazer um calção de mescla reforçado para esconder as vergonhas do animal. O prianismo do burro ficou tão famoso, que passou a ser referência, sempre que alguém, cheio de frescurite, queria dar uma de gostosão: “o que falta pra ti é o burro do Pitaica”

A Estrada de Ferro que enferrujou

No inicio das atividades da Indústria e Comércio de Minérios S.A.- ICOMI, em Serra do Navio, o Rio Amapari era a via fluvial usada por quem, partindo de Porto Platon, pretendia alcançar aquela região onde estavam as jazidas de manganês. Antes da chegada da mineradora, faiscadores de ouro e pequenos comerciantes usavam a citada rota.

O registro da existência do minério de manganês tinha sido realizado pelo geólogo Josalfredo Borges, em 1934. Em 1946, quando os trabalhos de instalação do governo do Território Federal do Amapá, do qual era o governador, o capitão Janary Gentil Nunes conclamou os cidadãos que atuavam em áreas de exploração mineral, a fornecer ao executivo, amostras de pedras com características de minerais. Um dos frequentes usuários do rio Amapari, Mário Cruz, dono de uma ubá impulsionada por motor de popa archimedes de 12 HP, que mantinha em sua casa, na cidade de Belém, algumas pedras escuras, as quais ele imaginava serem ferro, transportou-as para Macapá e as apresentou à Divisão de Produção e Pesquisa.

O geólogo alemão Frits Louis Archerman, que prestava serviços ao governo territorial, logo identificou como manganês. Outras amostras confirmaram a existência de ferro, tantalita, estanho. Mediante concessão do governo brasileiro, a ICOMI deu inicio a implantação de uma soberba infra-estrutura operacional para extrair e vender o manganês. A logística da empresa também foi magistral no tratamento de seus funcionários. Tudo que a ICOMI precisou levar para Serra do Navio saia do Porto de Santana, por via rodoviária até Porto Platon. Na sequência da viagem ocorria com o uso de pequenas embarcações, que também traziam amostras de minérios. Posteriormente, a empresa usou uma balsa de ferro e nela transportou as primeiras toneladas de manganês, da vila Santa Terezinha para Porto Platon. Em caçambas, o minério foi transferido para a área onde surgiria o píer e o cais da companhia, em Santana. Isso continuou acontecendo até entrar em operação a Estrada de Ferro do Amapá.

A construção foi iniciada em janeiro de 1954 e inaugurada em 5/1/1957. “Para a construção de suas instalações no Amapá, a ICOMI obteve um crédito no Eximbank, de Washington, de US4 67.500.000,00(sessenta e sete milhões e quinhentos mil dólares), a juros de 4-1/2%(quatro e meio por cento), para financiamento das importações de materiais e pagamento das despesas de construção no Brasil. Deste total,posto à disposição da empresa, foram dispendidos apenas, em números redondos, 55 milhões de dólares”.

A extensão da linha principal é de 193,594 km, acrescido de 12,832 km das linhas correspondentes aos pátios de manobras e desvios, perfazendo o total de 206,426 km. Cada quilômetros tem 1.765 dormentes. Em toda a extensão da linha há cerca de 368.679 dormentes. Na fase mais operosa da ICOMI, deslizaram sobre os trilhos da Estrada de Ferro do Amapá nove locomotivas: três GM Diesel Elétricas, modelo 1200 SW , uma modelo 1500 SW e quatro GE C 30-7. A empresa dispunha de 80 vagões para transporte de minérios com capacidade de 70 toneladas cada. Em 1997, a ICOMI encerrou suas atividades com a exploração de manganês.

Em 1998, retirou-se do Amapá. Os bens que ela deixou, na forma do contrato de concessão que lhe foi feito pelo Governo Federal, eles passaram a pertencer ao Governo do Estado do Amapá. Foi quando a desdita se abateu sobre a ferrovia. A gestão estadual não conseguiu manter as composições operando com a mesma competência revelada pela ICOMI. Surgiram três empresas, que também se revelaram tremendos fiascos: MMX(2006), Anglo American (2008) e a Zanim (2013). Esta última ainda foi contemplada da concessão da Estrada de Ferro, mas não deu conta do recado. Segundo registros disponíveis nas redes sociais dão conta de que, no dia 15 de dezembro de 2014, o trem de carga circulou pela última vez, entre Serra do Navio e o Porto de Santana. No ano posterior foi a vez do trem puxando vagões com passageiros. A partir de então, toda a estrutura existente nos 206,426 quilômetros vem sendo saqueada.

Em 2017, através de um relatório, a SETRAP afirma, que as áreas de segurança perto dos trilhos estão sendo invadida. As ocorrências foram registradas na Polícia, mas nada de prático poderá acontecer sem a intervenção judicial. Muita coisa já foi surrupiada e levada para fora do Estado.

Catequese nas terras da Amazônia

No inicio da colonização do Brasil, Portugal não devotou tanta atenção aos índios. Havia a crença de que eles eram desprovidos de alma, não valendo a pena instruí-los na forma da doutrina católica. Além do mais, os gentios tinham sua própria religião, viviam despreocupadamente, caçavam e pescavam para assegurar a alimentação dos comunitários. Quando se acostumavam a conviver com os portugueses, assimilavam rapidamente o modo de agir dos colonizadores. E3ntretanto, a convivência relativamente amistosa não tardou a se transformar em conflito. Foi assim, em todo o Brasil litorâneo, logo após a chegada dos brancos.

Na região Norte, notadamente nas terras do Grão Pará, os primeiros religiosos a desembarcar na primitiva Belém foram os padres franciscanos da Província de Santo Antônio de Lisboa, fato ocorrido no dia 11 de novembro de 1617. Vieram com o propósito de converter os índios ao catolicismo e constituir pequenos núcleos nos arredores da vila de Santa Maria de Belém, fundada a 12 de janeiro de 1616. Isso foi possível após que as tropas portuguesas chefiadas por Alexandre de Moura chegarem ao Maranhão e conseguissem derrotar os franceses, no dia 4 de novembro de 1615. A ocupação de São Luiz foi vital para o envio da expedição comandada por Francisco Caldeira Castelo Branco à região onde despontou a capital paraense. Em 1621 foi criado o Estado do Maranhão e Grão Pará, cujo primeiro governador foi Francisco Coelho de Carvalho, que favoreceu o desenvolvimento da vida social e religiosa em São Luiz, a sede do governo. Em Belém não foi diferente. Em 1618, a vila contava com o concurso de um vigário e dois franciscanos de Santo Antônio.

Em 1624, São Luiz passou a contar com a presença do frei Cristovão de Lisboa, que era da província franciscana portuguesa de Nossa Senhora da Piedade. Bem qualificado, o sacerdote em questão era qualificador do Santo Oficio. Comissário de sua província, em Portugal e primeiro custódio da província no Maranhão. Como comissário do Santo Oficio (inquisição) e visitador eclesiástico, percorreu o norte do atual Brasil e procurou organizar as missões no Maranhão. Outras ordens religiosas portuguesas também se estabeleceram no Grão Pará: Jesuítas, capuchos da Piedade, capuchos da Conceição de Beira e Minho e os mercedários. Para evitar problemas entre as áreas confiadas às ordens, Dom Pedro II, rei de Portugal fez a repartição das tarefas catequéticas no Maranhão e no Pará.

As terras situadas à margem direita do rio Amazonas (o lado sul) foi confiada aos Jesuítas, que foram os mais numerosos. A Marge esquerda (o lado norte) foi rateada entre os mercedários, capuchos da Piedade, capuchos da Conceição, capuchos de Santo Antônio. Os carmelitas passaram a atuar nas confluências dos rios Solimões, Negro e Madeira. O propósito de Portugal em fazer concessões aos religiosos era o de segurar as fronteiras da colônia. Era imprescindível anular a atuação e concorrência dos franceses no litoral do Amapá e em Caiena, dos holandeses e dos espanhóis. Outra tarefa consistia em transformar índios brabos em índios mansos, fazendo-os colaborar com o objetivo mercantilista lusitano. Os carmelitas e os franciscanos adaptaram-se mais ou menos a este esquema. Os jesuítas, porém, tiveram um plano próprio, não imposto pelo sistema. Opuseram-se ao esquema colonial e entraram em conflito grave com a administração do império português. Acabaram sendo expulsos do Brasil. As terras do atual Estado do Amapá foram confiadas aos franciscanos da província de Santo Antônio de Lisboa (Pádua). “Aí o perigo decorria da aventura dos franceses e holandeses. Além das terras do Cabo do Norte, eles também ganharam a incumbência de agir no Marajó e Norte do Rio Amazonas.

Os índios aruãs, apegados aos franceses foram bastante hostis com os franciscanos, mas, aos pouco passaram a conviver amistosamente com eles. Eram os índios profundos conhecedores dos rios e florestas. Valendo-se disso, os religiosos, principalmente os jesuítas, organizaram a coleta de drogas do sertão. Para convencer os índios, os sacerdotes diziam que a quantidade precisava ser elevada, haja vista, que uma parte seria destinada a “Tupã bae” (coisa de Tupã). A produção compreendia cravo, canela, madeira,ovos de tartaruga, cacau, salsaparrilha, manacuru (peixe boi)

Prefácio para um livro

Quando sou indagado sobre os três mais profícuos gestores públicos do Amapá, considerando suas duas fases distintas de Território Federal e de Estado, não posso deixar de declinar os nomes de Janary Gentil Nunes, Ivanhoé Gonçalves Martins e Annibal Barcellos. Julgo que o primeiro governador é imbatível. Sua missão foi mais árdua, porque o desencanto neste pedaço do Brasil limitava as aspirações do povo. Ivanhoé Martins e Annibal Barcellos despontam no mesmo plano de realizações, notadamente no campo da saúde, da educação e dos transportes.. Os três governadores devotaram-se as questões estruturais e futuristas. A Janary Nunes o Amapá deve a implantação de uma promissora unidade federada. Na sua gestão, de quase 12 (doze) anos, foram construídos novos e belos prédios: o primeiro Hospital, a primeira Maternidade, o primeiro Grupo Escolar (Barão do Rio Branco), a primeira urbanização de praça (Barão do Rio Branco), a primeira estação de captação e tratamento de água e de esgoto, o primeiro estabelecimento secundário (Ginásio Amapaense), a maior extensão da Rodovia Macapá – Clevelândia, etc, etc. Ivanhoé Martins foi extremamente dedicado para dotar Macapá da Estação de Tratamento de Água, da Estação Tropo – Difusora da Embratel, do 3º pavimento do Hospital Geral que hoje possuímos, do Pronto Socorro Osvaldo Cruz, da conclusão da BR156, do Hospital de Pediatria, do Palácio do Setentrião, da Praça da Bandeira, do asfaltamento de ruas, avenidas e rodovia Duque de Caxias, prédio da Prefeitura de Macapá, prédio dos Bombeiros e da Polícia Militar, etc.
O Governador Annibal Barcellos, que exerceu o cargo por cerca de 10 (dez) anos, além do seu espírito empreendedor, contou com a colaboração de um grande brasileiro, o Ministro do Interior Mário David Andreazza, no período de abril de 1979 a junho de 1985. Barcellos foi bem mais futurista do que os outros gestores. Pensando no Amapá como Estado da Federação, construiu o prédio da Assembléia Legislativa, do Banco do Estado do Amapá, das Secretarias de Governo, da Câmara Municipal de Macapá, do Tribunal de Contas, do Palácio do Governo, Monumento Marco Zero, do Fórum de Macapá, a rampa acostável do Santa Inês, etc “e por aí a fora”. Preocupado em dar o melhor aspecto às áreas reservadas para praças de Macapá, urbanizou-as e reformou as existentes. Seus adversários políticos passaram a chamá-lo de “Zé Pracinha”.

Janary Nunes, Ivanhoé Martins e Annibal Barcellos tinham outro ponto em comum: Oficiais das Forças Armadas. Os dois primeiros integraram o Exército, respectivamente nos postos de Coronel e General. Barcellos é Capitão de Mar e Guerra. Também são comuns os interesses pelo atendimento às comunidades interioranas utilizadoras das vias fluvial e litoral atlântico. Janary Nunes montou a primeira frota de embarcação do Amapá: rebocador Araguary, Alvarenga Uaçá, lanchas Veiga Cabral e Amapá, Iates Itaguary, São Raimundo, Macapá, São Francisco, Canoa Liberdade e dezenas de motores de popa. O General Ivanhoé ampliou a frota incorporando o Iate João das Botas, Marcílio Dias, além de recuperar diversas embarcações que se encontravam no Estaleiro Naval. O Comandante Barcellos transformou o Serviço de Transportes do Território Federal do Amapá-SERTA Navegação, em Superintendência de Navegação do Amapá – SENAVA, que seria o trampolim para a criação da Companhia de Navegação do Amapá – CONAVA. Em sua gestão administrativa recebemos os navios Idalino Oliveira (372 passageiros), Comandante Pedro Seabra (114 passageiros) e Comandante Solon de Almeida(500), balsa Hospital e suas cinco lanchas de apoio, Ferry-boat e lanchas doadas as Prefeituras do Amapá, Mazagão, Calçoene e Oiapoque. Em termos de transportes aéreos os três também são imbatíveis. Os tempos modernos cooperaram com Barcellos, facultando-lhe a incorporação de dois aviões Bandeirantes ao Departamento de Transportes Aéreos.

Além dos aviões Bandeirantes, permaneceram o Beachraft, o Baron, o Cesna 206 e o Navajo. No tempo de Janary Nunes havia dois Paulistinhas, o Bonanza e o Beetchraft. Eram aviões pequenos, de treinamento e para transportar, no máximo quatro pessoas. O General Ivanhoé Martins adquiriu alguns Cesnas, manteve os existentes e recebeu um helicóptero, que foi trocado por outra aeronave.

As gestões aqui abordadas não coincidem por acaso. As Forças Armadas sempre preparam bem os seus oficiais, tornando-os hábeis empreendedores. Mas, o Comandante Barcellos tem um trunfo que supera os demais governadores. Poderia ser mais um dos nomeados pelo Poder Central que, depois de encerrar sua gestão administrativa deixaria o Amapá, raspando a terra tucuju de seus sapatos na porta do avião. Ele não agiu assim. Identificou-se tanto com o Amapá, tem profunda afeição por esta “estância das bacabas”, que permanece residindo aqui, como um dos vereadores de Macapá. Emérito desportista e amante das tradições culturais segue, transitando fagueiro e serelepe por nossas ruas e demais logradouros públicos, relacionando-se cordialmente até com os que já o consideraram inimigo número um. A exemplo de Janary Nunes, também registrou em livros as suas realizações.

Agricultura, produção e venda

Ainda em 2011, o empirismo agrícola prevalece na lavoura do Amapá. Nossos agricultores continuam utilizando o machado e o fogo para limpar as áreas desmatadas destinadas as suas roças. Raramente algum produtor agrícola pode fazer uso de arado, trator, grade e adubo em suas plantações. A cultura da mandioca segue despontando como a de maior prática porque farinha todo mundo come, com a tapioca se faz o beiju e o tucupi é muito apreciado.

Como os solos do Estado do Amapá são em grande parte laterizados, os agricultores optam por culturas mais resistentes. A concorrência de gêneros produzidos em larga escala, com boa colocação no mercado dificulta a venda de seus produtos. Em 1751, quando os colonos açorianos chegaram a Macapá, plantando de imediato suas roças, as chuvas foram implacáveis com eles.

Os açorianos voltaram a plantar arroz, milho, feijão, urucu, mandioca e hortaliças a partir de junho de 1752. Em Mazagão, a contar de 1771, quando os primeiros colonos foram instalados, a produção começou fraca, mas em 1773, a exemplo de Macapá, já exportava arroz para Belém. Na Colônia Pedro II, criada em 1840 à margem esquerda do rio Araguary, a agricultura não prosperou. Porém, a partir de 1891, posicionada no local onde está a cidade de Ferreira Gomes, os resultados foram relativamente apreciáveis. A colônia produziu arroz, feijão, farinha e outros gêneros. Até um trapiche foi construído, servindo de atracador para navios egressos de Belém, que transportavam estes produtos para a capital do Pará. As febres palustres e a pobreza do solo fizeram a colônia regredir. Em 1890, no lugar denominado “Ponta dos Índios”, o governo republicano do Brasil mandou construir 12 casas de madeira para abrigar um contingente do Exército e colonos.

Entretanto, o local foi mal escolhido e o projeto de povoamento da região não teve êxito. Transferida para a localidade de Santo Antônio, à margem direita do Rio Oiapoque, a Colônia Militar ali permaneceu até 1920, ocasião em que surgiu o Núcleo Colonial de Clevelândia. Nos anos de 1920 e 1921, várias casas foram construídas para abrigar colonos nordestinos flagelados pela seca.

O local dispunha de hospital, serraria, escola, estação rádio-telegráfica, luz elétrica, armazém e capela. Em 1923, quando 30 famílias já atuavam na área, prisioneiros políticos e até 158 condenados por crimes comuns lá desembarcaram prejudicando a iniciativa. No período de 1925 a 1927, uma devastadora epidemia de disenteria bacilar ceifou a vida de 42% da população.

Em 1935, o governo federal extinguiu o núcleo colonial e colocou Clevelândia sob jurisdição do Ministério da Guerra. Em 1949, quase seis anos após a criação do Território Federal do Amapá, o governador Janary Nunes distribuiu lotes de terras a 12 colonos nordestinos ao longo da estrada que liga a base aérea a Oiapoque. A partir de 1950, o governo territorial iniciou a elaboração de um projeto visando a criação de uma colônia agrícola entre as vilas de Porto Grande e Ferreira Gomes. Outra tentativa agropecuária foi realizada na região do rio Matapi, distante 120 km de Macapá. A Colônia Agrícola do Matapi começou a funcionar em fevereiro de 1949 e em março de 1950 registrava a presença de cinco colonos.

No mês de junho desse ano havia 17 casas abrigando 100 pessoas. Os lotes de terra tinham a forma retangular medindo 300 m de largura e mil metros de comprimento. Durante os dois primeiros anos cada colono casado recebeu Cr$ 500,00(quinhentos cruzeiros) mensais em forma de pecúlio. Quase todos os colonos vieram de sítios existentes ao longo da Estrada de Ferro de Bragança e plantaram arroz, milho, mandioca, feijão, macaxeira, batata doce, girimum, hortaliças e frutas diversas, mesmo enfrentando os ataques do “chupão”, da formiga-de-fogo e da saúva. O arroz produzido era beneficiado na usina que o governo tinha instalado no Posto de Experimentação Agropecuária da Fazendinha. As sementes eram distribuídas gratuitamente pela Divisão de Produção e o governo comprava toda a safra.

Meu pirão primeiro

O dito popular que identifica este artigo serve muito bem para evidenciar o que a grande maioria das pessoas gostaria que acontecesse com elas. Se fosse possível, cada funcionário público arrastaria para o quintal de sua casa o prédio da repartição aonde trabalha. No mínimo, querem desenvolver suas atividades em órgãos instalados próximo a suas residências. Este desejo é muito antigo e remonta “ao tempo do ronca”.

Em meados da década de 1940, quando o governador Janary Gentil Nunes declarou que construiria um grupo escolar, um hospital e uma maternidade em área periférica de Macapá, muita gente torceu o nariz e julgou que não havia necessidade disso. A Escola Primária de Macapá e a Unidade Mista de Saúde estavam edificadas na Rua São José, entre a Avenida General Gurjão e a Passagem do Espírito Santo. Boa parte da área da escola deu espaço para o alargamento da Avenida General Gurjão e no local da Unidade Mista de Saúde hoje existe a Biblioteca Pública. O Grupo Escolar é o Barão do Rio Branco.

O Hospital Geral de Macapá e a Maternidade Mãe Luzia estão edificados lado a lado, de frente para a Avenida FAB. Como o traçado da Avenida FAB correspondia ao trecho da Rodovia Transamapá ou Macapá-Clevelândia, os pessimistas afirmavam que o governador construiria imóveis na estada. A cidade de Macapá foi se expandindo e ouvindo a mesma cantilena. Em 1958, o Governador Pauxy Gentil Nunes decidiu transferir o aeroporto da cidade para um local bem afastado. Mais uma vez os retrógrados disseram que o gestor territorial construiria uma pista de pouso para os urubus. Interessante, os urubus de Macapá têm nomes bem curiosos: CAN, Cruzeiro do Sul, Lóide Aéreo, Vasp, Varig, Paraense Transportes Aéreos, Taba, Tam, Gol, Puma, etc. Pauxy Nunes foi o único governador a dar um Plano Diretor para a capital do Amapá. Decorre deste plano o traçado tipo “jogo-de-dama” que a cidade apresenta. As avenidas teriam a configuração da Iracema Carvão Nunes, Mendonça Furtado, Feliciano Coelho e Diógenes Silva, relativa aos trechos com pista dupla e um canteiro no centro. Sobre os canteiros ficariam os portes da rede elétrica, reservando-se as marginais para plantio de árvores frondosas. Pauxy Nunes também pretendeu instalar o complexo administrativo do governo longe do centro da cidade, com amplas áreas para estacionamento.

Os arautos do atraso bradaram aos quatro ventos que o Governador Pauxy Nunes estava doido. Seus substitutos não tiveram a mesma visão de expansão do burgo e do número de automóveis que o progresso daria a Macapá. O Governador Luiz Mendes da Silva teimou em construir o Centro Cívico Administrativo no centro da cidade e o Comandante Barcelos, que o substituiu, não teve outra alternativa que não fosse a conclusão da obra. Porém, acabou rezando na cartilha que indicava a Avenida FAB como a única via pública onde os prédios governamentais deveriam ser erguidos. Entretanto, ainda na condição de governador do Território do Amapá iniciou a expansão da cidade além do lago do Pacoval. Surgiram então o Jardim Felicidade I e o Jardim Felicidade II. Depois, como gestor estadual criou os conjuntos habitacionais I e II. João Capiberibe que o substituiu no governo transformou o Hospital Geral em Hospital das Especialidades quando deveria ter mandado construir um novo hospital na zona norte.
Ainda hoje os detentores do poder não querem se afastar do centro da cidade e contribuem para agravar o caótico trânsito que possuímos. No último dia 29 do corrente mês visitei as obras da Justiça Federal que estão em andamento no Infraero I. São diversos prédios, ao lado da Rodovia Norte-Sul, que abrigarão em breve suas atividades, Até um restaurante popular já se encontra ereto e em fase de acabamento. Enquanto isto, a Justiça do Trabalho, remanescentes da antiga Junta de Conciliação e Julgamento sofre os efeitos de ocupar um prédio de três pavimentos que nunca atendeu as suas necessidades. Se forem criadas novas varas, elas não poderão atuar no imóvel da Avenida Iracema Carvão Nunes porque o espaço nele existente não satisfaz nem o que já existe. Está ai um caso que precisa ser visto com realismo e visão futurística. O exemplo da Justiça Federal precisa ser seguido pela Justiça do Trabalho, cabendo-lhe providenciar uma sede mais espaçosa e nela instalar as varas atuais e as novas, sem esquecer da área ampla, que facilite o estacionamento dos veículos de juizes, serventuários, reclamantes, reclamados e advogados.