Nilson Montoril

Festa Civica no dia do Laudo Suiço – 1ª parte

No dia 1º de dezembro de 1949, ocorreram em Macapá as cerimônias alusivas à data de assinatura do Laudo de Berna, assim chamada a decisão arbitral do presidente da Confederação Helvética, tomada há 49 anos, que assegurou ao Brasil os direitos sobre as terras compreendidas entre a margem esquerda do Rio Araguary e a margem direita do rio Oiapoque, que a França teimava em dizer que lhes pertenciam. Às 7h:30min foi rezada missa na Igreja de São José. Às 8 horas, no parque esportivo da praça capitão Augusto Assis de Vasconcelos (Veiga Cabral), houve demonstração de Educação Física, realizada pelos alunos e alunas do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, sob a direção do então sargento Irineu da Gama Paes e da professora Wanda de Abreu Lima, instrutores de cultura física de nossos estudantes.

A exibição de ginástica rítmica compreendeu números de sueca e exercícios de bastão, tudo feito com a máxima precisão. Terminada a demonstração de educação física, as pessoas presentes foram convidadas a se dirigirem ao prédio do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, onde seria realizada a exposição de prendas e trabalhos manuais dos alunos do citado educandário. Às 9 horas o governador do Território Federal do Amapá, Raul Montero Valdez cortou a fita simbólica que vedava a entrada da sala de aula onde os trabalhos estavam expostos, franqueando a visitação pública. A diretora do Grupo Escolar, professora Maria Lúcia Brasil e o Dr. Marcilio Felgueiras Vianna, Diretor da Divisão de Educação, foram bastante cumprimentados pela bela iniciativa. As professoras de prendas Clarisse Lobo e Iza Pinto de Almeida receberam calorosas saudações dos convidados e estudantes. Em seguida à visitação aos trabalhos da Exposição de Prendas, o governador convidou a todos para dirigirem-se ao Cine Teatro Territorial onde haveria uma solenidade para premiar os melhores alunos do Grupo Escolar.

A cerimônia foi conduzida por uma meda diretora composta pelo governador Raul Montero Valdez; dr. Jarbas Amorim Cavalcanti, Juiz de Direito da Comarca de Macapá; dr. Marcilio Felgueiras Vianna,Diretor da Divisão de Educação;professora Maria Lucia Sampaio Brasil,diretora do Grupo Barão do Rio Branco; Sr. Mário Dias Teixeira,chefe do Serviço de Fomento Animal da Divisão de Produção e Pesquisa;Sr. Felipe Gillet,chefe do Serviço de Fomento Vegetal da mesma Divisão de Produção, representando o diretor do órgão e o Sr. José Serra e Silva, Prefeito Municipal de Macapá.Inicialmente foi realizada a entrega de prêmios aos alunos que lograram maiores médias nos exames finais: Pedro Maurício Naice Córdoba, do Jardim de Infância, com a média 70; Maria Duarte da Costa, da Alfabetização, com média 100; Fernando Dias Maciel, da 1ª série primária, com média 90; Maria de Nazaré Cunha,da 2ª série primária,com a média 75; Raimundo Amanajás de Brito, da 3ª série primária, com a média 85; Maria Stela Barbosa da Silva, da 4ª série primária, com a média 77;Regina Coeli Barriga Brito, da 5ª série, com média 71. Depois passou a ser feita a entrega dos boletins escolares, destacando-se os primeiros lugares obtidos nas diversas séries, com citação de suas professoras: Na época, havia 10 turmas de alfabetização funcionando no Grupo Escolar Barão do Rio Branco.

Os alunos com maior aproveitamento escolar durante o ano letivo de 1949, foram os seguintes: Antônio Almeida dos Anjos, média 76, professora Raimunda da Silva Virgolino; Sara Antônio Tito, média 94, professora Oscarina Santos; Getúlio do Espírito Santo Mota, média 86, professora Margarida Marques da Silva; Lúcia Tavares Souza, média 98, professora Elizetre Aymoré; Domitila Eufrásia dos Santos, média 87, professora Maria Cristina Botelho; Maria José dos Santos, média 87, professora Maria Nazaré Pinheiro; João dos Santos Nascimento, média 98, professora Elza Cunha; Francisco de Lima Soares, média 91, professora Raimunda Mendes Coutinho; Aurelinda Pereira da Costa e Amiraldo Elleres Nunes Filho,média 90, professora Odila Prexedes; Ivone Cruz da Silva, média 91, professora Maria Doroty Souza.( seqüência na próxima edição)

Tal é o dia do batizado

Os filhos do casal Domingos da Silva Santos e Antônia da Encarnação Xavier, seis ao todo, ou um rosário como dizia a matriarca da família, levavam a vida na base do vento a favor. O grupo recebia a intromissão de um moleque negro chamado Simplicio, amigo fiel de Joaquim José. O recanto da família era a Fazenda Pombal, à margem do rio das Mortes e próximo a Vila de São João Del-Rei, nas Minas Gerais. A fazenda passou a enfrentar problemas econômicos a partir de 1753, quando o ouro retirado à beira dos córregos e na lombada da colina começou a rarear. Metade dos escravos foi vendida, mantido o restante dos serviçais para tocar a lavoura do milho e da cana-de-açúcar. A cobrança excessiva de impostos contribuía decisivamente para a decadência da Fazenda Pombal. Domingos da Silva Santos não queria que os filhos se tornassem simples trabalhadores braçais da fazenda. Pretendia dar-lhes instrução e meios de vida menos penosa. Estudos em seminários era coisa comum na capitania de Minas Gerais. Seguindo o costume, Domingos Xavier, o filho mais velho, foi mandado para o seminário de Mariana. No princípio de 1754, Domingos da Silva Santos, procurou o mulato Mestre Lucas e matriculou os filhos Antônio e Joaquim José na singela escola que o amigo mantinha em São João del-Rei, instalada próxima a igreja de São Francisco. Mestre Lucas, que havia cursado as aulas do seminário de Mariana, ensinava as primeiras letras e rudimentos de música. Antônio tinha oito anos, Joaquim José, sete. Seis meses depois da matrícula, Joaquim José já lia e escrevia como gente grande, sendo apontado por Mestre Lucas, como exemplo a seguir. O mulato dizia que Joaquim José iria longe. Quanto aos outros alunos, sem palmatória e vara de marmelo não evoluíam. Um dia, Joaquim José regressava para casa quando viu, na saída da vila de São João del-Rei, sobre um poste de madeira plantado à margem do córrego do Lenheiro, a cabeça ensangüentada de um negro, de olhos abertos e língua pendente. A cabeça fora de um escravo condenado à forca porque agrediu o senhor, depois de chicoteado. Os olhos arregalados do negro pareciam seguir os transeuntes. A cena deixou o menino aterrorizado e enfermo por alguns dias. Ao fim de uma semana o pai foi levá-lo a escola, uma vez que ele se recusava a ir sozinho com o irmão mais novo. Ao passar pelo poste onde estava a cabeça do negro, Joaquim José verificou que os urubus já haviam devorado quase tudo. Em 1755, Domingos da Silva Santos foi escolhido para as funções de vereador à Câmara da Vila de São José, vizinha a São João del-Rei. Não podia fazer quase nada. Mas, o dinheiro ajudava bastante. Naquele ano ocorreu o terremoto de Lisboa. A Coroa desencadeou o arrocho de impostos, destinado à reconstrução da capital Portuguesa. Joaquim José computou mais uma revolta íntima contra o poder lusitano. Para completar sua indignação, perdeu a mãe em 1755 e o pai, em 1757. Os irmãos Domingos e Antônio estudavam no seminário de Mariana. Em 1759, a irmã Maria Vitória casou-se e foi morar na povoação de Santa Rita do Rio Abaixo, cerca de três léguas da Fazenda Pombal. O adolescente Joaquim José, agora, somava 14 anos de idade e dirigia com sucesso a Fazenda Pombal.

Em 1767, Joaquim José deixou a fazenda e passou a andar cruzando sertões em todos os sentidos. Fazia de tudo para sobreviver. Mas, a vida de mascate não lhe trouxe fortuna. Era ruim de negócio. Doía a consciência sempre que o lucro obtido não se lhe afigurava justo ou honesto. Passou a ser pesquisador de outro e orientador de lavras. Fez muita gente nadar em prosperidade, enquanto ele mesmo, pouco auferia. O jovem idealista, Joaquim José, ganhou o apelido de Tiradentes, depois que passou ao ofício de dentista. “A esta habilidade de arrancar e colocar dentes juntou a de curar certas moléstias, principalmente da pele, por meios de ervas e raízes, e ainda a de realizar pequenas operações cirúrgicas”. Vagava pelos sertões incessantemente, consertando aqui uma boca, sarando ali uma ferida na perna, lancetando um tumor acolá. O novo ofício, rotulado pelo povo como “Tiradentes”, lhe valia pouco, porque sentia pena dos clientes. Joaquim José foi preso pela primeira vez, na Vila de Minas Novas, por ter agredido um português que chicoteava um escravo. Veio a sua mente a lembrança do escravo degolado em São João del-Rei.

Por volta de 1778, residindo no centro da Capital de Minas Gerais, Joaquim José da Silva Xavier era, então, alferes do Regimento de Dragões. Tinha 33 anos de idade. Foi servir em Vila Rica , atual Ouro Preto. Usava vasta cabeleira e densa abarba. Era loquaz e alegre, passando por momentos de tristeza e silêncio, com o olhar perdido na distância. Fronte ampla, olhos brilhantes gestos decisivos, corajoso, dissimulado e extremamente generoso. A fama da sua valentia alcançara o próprio reino, de onde se expediram ordens para que lhe fosse entregue a ronda da serra da Mantiqueira, que os bandoleiros infestavam, tornando perigosas as viagens entre Vila Rica e o Rio de Janeiro. Também fazia a exploração dos sertões para saber e indicar se havia ouro ou não. O soldo que recebia não trouxe a Tiradentes a tranqüilidade com que contava. Apesar de ter livrado a serra Mantiqueira dos bandoleiros, nunca foi promovido. Os abusos de poder das autoridades o irritavam. Pediu licença do Regimento de Dragões e foi tentar a mineração. Pouco depois voltou à milícia, cada vez mais indignado com os governantes. Em 1788, no final do mês de março, ele partiu para o Rio de Janeiro, onde conheceu o Doutor José Álvares Maciel, natural de Vila Rica que estudava em Coimbra. No primeiro encontro o assunto Independência do Brasil veio à baila. Voltando a Vila Rica foi imaginando o Brasil independente. Pensou na bandeira: “Há de levar um triangulo!“. Um triângulo que representa a Santíssima Trindade. A idéia foi crescendo. Já não era discutida reservadamente entre Tiradentes e Álvares Maciel, mas também com Tomás Antônio Gonzaga, os Padres Toledo e Rolim, Cláudio Manoel da Costa e Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto. Alvarenga e Cláudio que tão bem conheciam o latim discutiam o dístico a ser adotado. De inicio, pensaram em “Libertas Oequo Spiritu”, logo abandonado, visto que constava na bandeira dos americanos e ingleses. “Evoluíram para Art Liberto, Art Mihil” e depois para “Libertas quae sera tamen”… (Liberdade ainda que tardia). A sugestão foi de Alvarenga Peixoto, aprovada por todos. A bandeira corresponderia a um retângulo branco, tendo ao centro um triângulo vermelho e abaixo dele o dístico “Libertas qual será também”. A senha instituída por imposição de Tiradentes era: “Tal dia é o Batizado”. A divulgação do movimento cresceu bastante, alcançando Tijuco, Serro, Montes Claros, Vila São José, Vila São João, Laje, Paraopeba, Tamanduá, Campanha, Baependi, Juiz de Fora, Matias, Barbosa, Prados, Borda do Campo, Sabará, Mariana, Congonhas do Campo e Carijós. Tudo ia bem até a adesão do Coronel Joaquim Silvério dos Reis, que denunciou o movimento em troca de regalias pessoais. (Continua no próximo domingo)

Enterro da felicidade

Na área por onde foi aberta a Av. Hélio Guarany Pennafort, que o pessoal insiste em chamar Beira Rio, e onde se encontra instalado o prédio da Yamada, havia um aglomerado de casas de gente humilde, que preferia residir perto do Elesbão. O caminho usado pelos moradores tinha um declive a partir da Av. Henrique Galúcio, apelidado “Baixa da Maria Mucura”. Este designativo tinha a ver com a carência de beleza física da Dona Maria, cujo rosto fino e pontiagudo lembrava a cara do marsupial que adora comer galinhas. Depois do aglomerado de casas vinha a paia e a mata. Morava naquele lugar, a tal Baixa da Maria Mucura, uma senhora que possuía uma filha “borrachudinha”, que os caboclos da região das Ilhas do Pará preferiam denominar de “bacorota”.
A danada da pirralha, cuja idade girava pela casa dos 14 anos de idade era bem apetrechada de corpo, rostinho sapeca, cinturinha de pilão, pernas arredondadas e lábios carnudos. Tinha tudo que um homem deseja numa fêmea. Volta e meia a menina escapulia de casa e ia bater pernas pelo Mercado Central e na Fortaleza de Macapá. Ela adorava ouvir assobios e galanteios que partiam dos açougueiros e dos soldados da Guarda Territorial. Os vizinhos e conhecidos de sua genitora viviam dizendo, que cedo ou tarde a garota iria arranjar “o que a Maria ganhou na capoeira.” Gente da língua amaldiçoada. Um sujeito conhecido como Dico, embarcadiço de uma canoa transportadora de açaí e outras frutas, entre o Furo da Cidade e o Elesbão, passou uma cantada na guria e arrastou-a para as pedras que ficavam na praia da Fortaleza. Assanhada por demais, A bacorota “arriou os quatro pneus” e deixou o Dico se fartar no “fuc-fuc”. O danado do Dico havia prometido casar com a “pequena”, mas desapareceu. A mãe da menina era lavadeira, atividade que não lhe rendia os trocados necessários para satisfazer as necessidades básicas dela e da filha.

Conseqüentemente, a Ritinha comia uma vez por dia, quase sempre no horário do almoço, mas não era muita coisa. À noite, jogava pra dentro da barriga uma cuia de açaí e um pedaço de peixe assado, coisa que não era freqüente. Ora, se a Ritinha comia pouco, como é que engordou tanto? A mãe da Ritinha botou a filha em confissão e descobriu o mistério. Não pensou duas vezes e decidiu ir à Central de Policia registrar queixa contra o Dico, por crime de sedução. Na época, isso dava um “galho danado” e o deflorador, caso não quisesse casar, ia cumprir pena no Presídio São Pedro, no bairro Beirol. Ao chegar à Central de Polícia, a mãe da Ritinha foi encaminhada ao escrivão conhecido como “Kid Moringueira”, cabra passado na “casca do alho” e bom de conversa. Atuava com atenção redobrada quando a deflorada era e bonita, mas procedia de imediato a lavratura do termo circunstanciado se a vitima fosse judiada pela beleza. O Kid Moringueira ouviu atentamente o relato feito pela lavadeira e prometeu intimar as partes com brevidade. Expediu uma intimação contra o Dico, recomendando que a mãe da guria levasse o documento ao dono da canoa onde o deflorador havia trabalhado, visto que o tal canoeiro era tio do “Don Juan”. Nos termos da intimação, o Dico deveria comparecer à Central de Policia no mesmo dia e horário em que a Ritinha e sua mãe também estariam lá. A primeira a ser ouvida foi a Ritinha. Os olhos do Moringueira brilharam intensamente ao ver aquela “bacorotinha”, cheirando a leite, na sua frente. Indagou se a virgindade tirada pelo Dico estava fazendo falta. A Ritinha respondeu que não. Moringueira foi mais incisivo: “queres casar com o Dico?”. Não, falou a Ritinha.Esse negócio de casamento e coisa da mamãe. Ritinha foi orientada a ficar em outra sala, sem falar com sua genitora. Moringueira chamou o Dico às falas e pegou pesado: “E aí, malandrão, casa ou não casa? O Dico respondeu: “Pra que, se eu não dou conta nem de mim.” Moringueira foi taxativo: ”Se não casares com a Ritinha vais passar um bom tempo no Beirol”. “Por mim”, disse o Dico. Ao voltar a falar com a lavadeira, Moringueira aconselhou-a a não exigir o casamento da Ritinha com o Dico.

O caboclo não tinha emprego, era feio, gostava da cachaça e só iria aumentar sua desventura, porque teria de alimentar um vadio. A lavadeira aceitou o conselho, desde que o Dico fosse para o Beirol. Era tudo que o Moringueira queria ouvir. Novamente ele conversou com a Ritinha e disse: “Minha filha, a barra está limpa. Convenci tua mãe que teu casamento com o Dico é uma besteira, e ela concordou. O Dico não vai escapar do presídio, pois disse que não casa nem apanhando. Agora, presta atenção: “ Já que estais com esta sepultura aberta, que tal nos dois fazermos o enterro da felicidade?”

Macapá pitoresco

A cidade de Macapá tem coisas curiosas que surgiram ao longo da sua história. O local onde foi instalado o povoado era conhecido como Maca-Paba em novembro de 1751, vocábulo de origem nheengatu, que tanto pode ser entendido como “Estância das Bacabas” ou “Onde Acabam as Bacabas”. O primeiro significado prepondera sobre o outro, e parece mais apropriado. A povoação surgiu em torno de um Forte de Faxina edificado no platô de terra firme onde mais tarde seria erguida a portentosa Fortaleza de Macapá. Tudo era muito simples, prevalecendo os tipos de construção denominados “taipa de pilão”, “taipa de mão” e tijupá.

O Forte de Faxina, decorrente de taipa de pilão, não tinha muralhas e correspondia a uma base com anteparos e reparos para os canhões. Entenda-se que reparo é o suporte de uma boca-de-fogo, com dispositivos que permitem dar-lhe os movimentos necessários à execução da pontaria, limitar o recuo e facilitar-lhe o transporte. Em outras palavras, reparo é o carrinho onde o canhão repousa. Em 1758, quando traçaram a planta da Vila de Macapá, o “risco” reservou espaços para dois “largos”, o de São Sebastião e o de São José. O primeiro acabou passando a história como Largo da Matriz, depois Praça Capitão Assis de Vasconcelos e Praça Veiga Cabral. Naquela época, Largo era largo mesmo. O Largo de São José mudou para Largo de São João e Praça Barão do Rio Branco.
O povo dizia que a primeira praça era a de baixo e a segunda, a de cima. O traçado da Vila compreendia ruas e travessas. As antigas ruas hoje são avenidas. As travessas viraram ruas. Macapá pouco cresceu entre 1758 e 1943. O burgo, sede do Município de Macapá, pertencente ao Estado do Pará, era um lugar decadente onde a malária campeava. A partir de 1944 o panorama começou a mudar. Em abril daquele ano, o governador Janary Nunes iniciou a desapropriação das casas construídas em volta do Largo de São João, Praça de cima ou Barão do Rio Branco. Indenizou todos os moradores e fez surgir um novo bairro, o Laguinho. Em seguida, veio o bairro do Hospital. Como as casas eram construídas no topo das elevações que circundavam um lago, o pessoal de fora lascou o nome de Favela. As obras realizadas na cidade atraíram pedreiros, carpinteiros, mestres-de-obras, artífices, marceneiros.

O governo construiu a Olaria Territorial, produzindo tijolos, telhas, manilhas para esgoto, ladrilhos para assoalhos etc. À concentração de residências em torno do empreendimento, o pessoal deu o nome de bairro da Olaria. A área próxima era alagada e os gestores territoriais e municipais, optaram por fixar os proletários em espaço contíguo ao bairro da Fortaleza.

O crescimento foi rápido. Descobriram que naquelas terras havia sido instalado o trem de lapidação das pedras da Fortaleza. Trem é o conjunto de ferramentas e instrumentos necessários à realização de um trabalho. Foi o bastante para o bairro perder o designativo anterior e ganhar a alcunha de Trem, o bairro proletário, visto que a prole (filhos) dos moradores era muito grande. Os que viviam ligados às atividades próprias de ribeirinhos se fixaram no Elesbão. Entre o bairro da Fortaleza e o Elesbão, havia uma passagem tortuosa, em declive, onde morava uma senhora desprovida de beleza física, cujo rosto lembrava um marsupial amazônico. Seu apelido deu nome à ruela: baixa da Maria Mucura. Gradativamente a área municipal expandiu-se, com a formação de outros bairros: Igarapé das Mulheres, Morro do Sapo, Vacaria, Pacoval, Muritizal e depois Buritizal, CEA, Equatorial, Muca, Beirol. Alguns acontecimentos a nível nos contribuíram para a denominação de outros aglomerados: Jacareacanga, Malvinas, Coréia do Norte e Coréia do Sul e Nicarágua. O nome mais curioso foi dado a uma extensão da cidade no atual bairro Santa Rita, próximo ao Aeroporto: Planície dos Corruptos.

A área fora desapropriada e, devidamente dividida, foi destinada aos amigos de um governador acusado de ações ilícitas. Atualmente, nossa distinta e maltratada Macapá possui cerca de 40 aglomerados populacionais entre conjuntos e bairros: Centro, Laguinho, Trem, Perpétuo Socorro, Santa Inês, Beirol, Santa Rita, Jesus de Nazaré, Pacoval, Nova Esperança, Buritizal, Congos, Alvorada, São Lázaro, Renascer, Muca, Jardim Marco Zero, Zerão, Universidade, Jardim Felicidade I e II, Novo Horizonte, Infraero I e II, Cidade Nova, Aturiá, Jardim Equatorial, Pedrinhas, Boné Azul, Açaí, Brasil Novo, Cabralzinho, Pantanal, Marabaixo I, II e III, Liberdade, Morada das Palmeiras, Horto Floretal. Um dia um sujeito perguntou-me por que os amapaenses gostavam tanto dos Cubanos, a ponto de nominar um bairro como Cuba. Esclareci que o nome correto é Cuba de Asfalto, nada a ver com o velho Fidel. De barbicha, fantasioso e falastrão já basta um “aquelezinho” que perambula por estas plagas.

Aperitivo Caimbé

Na edição número dois (31/3/1945), do Jornal Amapá, impresso pelo governo do Território Federal do Amapá há partir o dia 19 de março de 1945, encontram-se diversas propagandas de estabelecimentos comercias instalados em Macapá e em outras localidades da novel unidade federada. Um anúncio bem simples evidencia que, naquela época, fabricava-se na cidade um aperitivo denominado “CAIMBÉ”, preparado pelo macapaense Pedro Azevedo Costa. O reclame publicitário dizia: “Provem CAIMBÉ, de P. A. Costa. Aperitivo de gosto agradável, barato e inofensivo, licenciado pelo Laboratório Central de Enologia do Rio de Janeiro sob o nº. 00396. À venda na Av. Presidente Vargas, nº. 46. Aceitam-se encomendas de qualquer quantidade”.
O senhor Pedro Azevedo Costa, mais conhecido por Perico Costa, integrava uma família tradicional de Macapá, cuja referência maior era o general do Exército e engenheiro militar João Álvares de Azevedo Costa, macapaense que, no inicio de sua carreira, ainda no tempo do II Império do Brasil, fez parte da guarda pessoal do Imperador D. Pedro II. Perico Costa era proprietário de uma casa comercial de secos e molhados e fabricava o aperitivo em sua residência, um amplo imóvel que figurava como um dos melhores de Macapá. Suas atividades se estendiam de segunda-feira a sábado. Aliás, naquela época havia uma tal “lei seca” que proibia a venda de bebidas alcoólicas aos domingos.Ela vigorou no período de 1939/1945, na chamada Era Vargas, sendo prorrogada até 1951, pelo Decreto-lei nº. 7.604/1945.

O aperitivo Caimbé era preparado com a casca da árvore de igual nome que viceja nos cerrados, cerradões, lavrados e capões. Algumas espécies podem ser encontradas nas várzeas. As folhas têm propriedades medicinais contra artrite, diabetes e pressão alta, O chá das flores atua contra tosse, bronquite e resfriados. A infusão da casca fornece uma bebida eficiente para curar aftas, dores de cabeça e de estômago, resfriados e pulmões. A espécie utilizada no fabrico do aperitivo é da Curatella americana, planta dileciácea da Amazônia, de pequeno porte, de madeira imputrescível, usada em cavernas de canoas, marcenaria e construção civil. A casca é rica em tanino, as folhas são ásperas, usadas como lixas, e os frutos dão uma tinta pardo-escura.

A árvore com estas propriedades é encontrada em várias regiões do Brasil com nomes diversos: lixeira, caimbé, cajueiro bravo, cajueiro bravo do campo, cambarba, marajoara, penttiera, sambaiba e sobro. Para colher a casca da árvore caimbé, os empregados de Perico Costa não precisavam andar muito. Em toda a área de campo que circundava a pequena cidade de Macapá os tortuosos caimbés imperavam. Era só usar o terçado e retirar a quantidade de casca necessária. Em seguida ela era macerada à cacete e colocada em tambores com água e açúcar para fermentar. Algum produto químico era adicionado, mas a fórmula nunca foi revelada. Devido à resina de cor amarelo-esverdeada da madeira, o aperitivo ficava amarelo claro. A dosagem alcoólica não era forte, mas os gulosos acabavam ficando embriagados. Quando havia treino dos times de futebol de Macapá, no campo da Praça Capitão Augusto Assis de Vasconcelos, nos dias de semana, a venda do aperitivo aumentava consideravelmente no comércio do Perico Costa. Encerrado o treino e mesmo jogos, os atletas se dirigiam ao ponto de venda do Caimbé para matar a sede. A maioria deles afirmava que o produto tinha efeitos cicatrizantes e ajudava a curar baques, gastrite, arranhões e até unha encravada. O Sr. Walter Batista Nery, que em 1945, integrava o elenco do Amapá Clube, diz que o aperitivo era muito bom, com sabor variando entre o mel e o licor. Perico Costa sempre procurou obedecer à lei que proibia a venda de bebidas alcoólicas aos domingos. Entretanto, em maio de 1945, confiou na suposta discrição do freguês João Evangelista de Almeida e vendeu-lhe um litro de Caimbé num dia de domingo. Nem bem saiu da casa do comerciante, o comprador foi bebericar perto da Divisão de Segurança e Guarda e acabou sendo recolhido aos costumes. Na edição nº. 6 do Jornal Amapá, que circulou no dia 12 de maio de 1945, o fato ganhou destaque na coluna Registros Policiais: “Vendia Caimbé Durante Lei Seca – Pedro. A. Costa, conhecido fabricante da bebida denominada “Caimbé”, não se conformando com a lei seca, vendeu, em um domingo, um litro dessa aguardente composta a João Evangelista de Almeida. Feita a apreensão da “água que passarinho não bebe” o fabricante vendedor foi obrigado a pagar a multa regulamentar”. Desse dia em diante, Perico Costa não atendeu nem os pedidos especiais que algumas autoridades faziam as escondidas. Quem desejasse ter o aperitivo Caimbé para saboreá-lo aos domingos, em sua residência, tinha que comprá-lo no decorrer da semana. Curioso é que na época já funcionava na esquina da Rua São José com a Avenida Presidente Vargas, o Bar Elite, de João Vieira de Assis, onde a cerveja era servida bem gelada.

O Bar Elite também dispunha de outras renomadas bebidas, mas o pessoal preferia mesmo era o aperitivo fabricado por Perico Costa, por ser mais barato.

A revolução militar de 1964 e a censura

Quando eclodiu o movimento militar de 1964, duas emissoras de rádio funcionavam em Macapá. A mais antiga Rádio Difusora de Macapá era mantida pelo governo do Território Federal do Amapá e estava no ar desde 1946. Operava apenas em amplitude modulada, na freqüência de 1460 kilociclos. Tinha um bom alcance, notadamente à noite, podendo ser sintonizada até mesmo no exterior. A partir de 1953, a Rádio Difusora passou a contar com um transmissor de onda tropical, faixa de 61 metros e freqüência de 4.915 quilociclos. Com maior poder de penetração na região Norte só existia a Rádio Clube do Pará, que era mais conhecida pelo prefixo PRC 5. A emissora oficial do Governo do Território Federal do Amapá era autorizada a funcional com o prefixo ZYE 2. Seu slogan era: “Rádio Difusora de Macapá, uma voz do Amapá a serviço do Brasil”.

A segunda emissora de rádio a ser instalada em Macapá não tinha a autorização oficial para fazê-lo. Seus idealizadores e proprietários usaram de um artifício para colocá-la no ar. Valeram-se da condição política que alguns deles possuíam junto às autoridades locais e nacionais e emitiram um rádio-telégrafo contendo a suposta autorização necessária ao seu funcionamento. A idéia de fundar a nova emissora despontou em 1962, ocasião em que o Brasil estava sendo presidido pelo advogado gaúcho João Belchior Marques Goulart, que assumiu o poder depois que Jânio da Silva Quadros o renunciou no dia 25 de agosto de 1961. Esta emissora tinha o nome de Rádio Equatorial, prefixo ZYD 11 e freqüência de 1640 kilociclos, em Amplitude Modulada (AM). A rádio operou em fase experimental no segundo semestre de 1962 e passou a operar normalmente em dezembro do mesmo ano. Macapá ressentia-se da falta de uma emissora, haja vista que a Rádio Difusora só operava em onda tropical devido a problemas técnicos em seu transmissor de onda média. O transmissor foi remetido a São Paulo para conserto, mas a fábrica o declarou irrecuperável. Consequentemente, a rádio do governo territorial quase não era ouvida na capital. Em contrapartida, a Rádio Equatorial agia como ferrenha defensora governamental. Até mesmo uma casa de propriedade do governo, situada na esquina da Avenida Iracema Carvão Nunes com a Rua Tiradentes foi usada para que a Equatorial nela se instalasse.

Tudo corria muito bem para o lado dos proprietários da Rádio Equatorial até que, a 31 de março de 1964, um golpe militar destituiu do governo do Brasil o presidente João Goulart. Ocupava o cargo de governador do Território Federal do Amapá o coronel Terêncio Furtado de Mendonça Porto, nomeado por João Goulart a pedido do deputado federal Janary Gentil Nunes. No período em que os militares começaram a demonstrar descontentamento com a gestão de Jango Goulart, Terêncio Porto lhe declarou solidariedade. Também se mostrou solidário com os revoltosos, mas não os convenceu. Com a posse do General Luiz Mendes da Silva no cargo de governador do Amapá, a Rádio Equatorial foi fechada, encampada e teve seus bens incorporados a Rádio Difusora.
A emissora oficial tornou-se senhora absoluta da audiência no Território do Amapá operando em amplitude modulada e em onda tropical. Mesmo sem a declaração formal da censura, uma série de restrições foi impostas para os órgãos de imprensa. Determinadas palavras e nomes de políticos não podiam ser pronunciadas e muitas letras de músicas foram consideradas contrárias aos ideais da “gloriosa revolução de 1964” . Atuando na Rádio Difusora desde fevereiro de 1962, sempre tive cautela em minhas locuções. Só um louco cometeria a asneira de dizer que algum prédio do governo estava entregue às baratas ou que a gestão de governador ou prefeito era uma esculhambação.

A instalação da censura trouxe restrições ao pessoal da imprensa. Ninguém podia trabalhar sem ter uma carteira expedida pelo Departamento da Polícia Federal. Os órgãos de imprensa passaram a estar bem atentos à maneira de agir de seus funcionários e colaboradores. Os noticiários, roteiros musicais, crônicas e editoriais das emissoras de rádio tinham que ser submetidos à censura do Polícia Federal. A programação diária da emissora deveria der gravada integralmente e deixada por setenta e duas horas à disposição da Polícia Federal. Ninguém podia dizer no ar que nutria simpatia pela União Soviética, Cuba ou qualquer outro país considerado comunista. Os eternos descontentes viviam sob permanente observação e repreendidos quando se excediam. Eram bem quistos os bajuladores. No que se refere à propaganda comercial, não era permitido que se estimulasse o consumo de bens alimentícios e de combustíveis. Aliás, os postos de combustíveis fechavam as vinte e uma horas de sexta-feira e só voltavam a funcional às seis horas da manhã de segunda feira. Entre segunda e sexta-feira eles só atendiam os consumidores das seis às vinte e uma horas. Jornalista que usasse os termos “milico”, se referindo aos militares, entraria numa fria, como se costumava dizer.

Cacau, o manjar dos deuses

O cacaueiro é nativo de regiões de florestas pluviais da América Tropical, cultivado desde o Peru ao México. Os botânicos acreditam que o cacau é originário das cabeceiras do Rio Amazonas e compreende dois grupos: Criollo e Forasteiro. O Criollo tomou a direção norte, atingindo a região do Rio Orenoco, a América Central e o México. O Forasteiro se espalhou pela bacia Amazônica abaixo e Guianas. Este grupo é considerado o verdadeiro cacau brasileiro. Quando os colonizadores espanhóis chegaram ao México notaram que os Astecas cultivavam o cacau e usavam as sementes como moeda, um procedimento que também foi usado no Pará muito tempo depois. Na América Central, os Maias agiam da mesma forma.

O cacaueiro era chamado “cacahualt” e tido como sagrado, pois os Astecas acreditavam ser de procedência divina. A classificação cientifica do cacau foi realizada pelo botânico sueco Carolus Linneus, que o descreveu como “Theobrona Cacau”, o manjar dos deuses. Registros históricos relativos à viagem de Cristovão Colombo, que redundou na descoberta da América, dão conta, de que o grande navegador levou de Honduras para a Europa, as primeiras sementes de cacau. Anos depois, durante a conquista do México, o Imperador Montezuma mandou servir a Fernando Cortez a espessa bebida feita com as bagas do cacahualt, a qual os índios adicionavam baunilha e outros produtos da terra. Os espanhóis juntaram-lhe açúcar a fim de dar-lhe melhor sabor. No meado do século XVI, o cacahualt era conhecido em toda a Europa e passou a ser pronunciado chocolate. No inicio dos anos setecentos, os ingleses misturaram o leite ao chocolate, cabendo aos holandeses, na segunda década do século passado, o solidificarem. Aos suíços, depois de 1850, coube o mérito de inventar o milk chocolate.

O cacau forasteiro era cultivado na região Amazônica, por diversas tribos indígenas havendo registros sobre a atuação dos índios Turás, estabelecidos no Rio Madeira. Em outubro de 1637, o desbravador Pedro Teixeira, que empreendia uma viagem no sentido das nascentes do Rio Amazonas recebeu a visita dos gentios catequizados, que iam colher o cacau nativo, bem abundante nas margens do citado caudal. O cultivo oficial do cacau, no Brasil começou em 1679, graças à autorização contida em uma Carta Régia. Tentativas de plantação de cacau, em larga escala, no Pará, não apresentou resultados animadores. As pragas, as inundações e a carência de mão-de-obra, despontaram como entraves. Em 1874, Frederico Steiger introduziu o cacau em Ilhéus, na Bahia e obteve meios propícios. O Estado da Bahia produz 95% do cacau brasileiro e exporta 90%. Em segundo lugar, com 3,5% desponta o Espírito Santo. A Amazônia contribui com apenas 1,5% da produção nacional. Na produção mundial, a Costa do Ouro ocupa o primeiro lugar. Depois vem o Brasil, a Nigéria e a Costa do Marfim. Os Estados Unidos da América do Norte são os maiores consumidores de cacau, absorvendo quase quarenta por cento da produção mundial. Em segundo plano, alinhadas aparecem Inglaterra e França. O fruto do cacaueiro tem a forma de um pepino mais ou menos alongado e sulcado, no sentido do cumprimento e contem de 15 a 56 sementes envolvidas numa polpa branca. A polpa é doce, acidulada e comestível. Dela se faz geléia, vinho, vinagre e àlcool.

A planta tem ciclo perene. A colheita ocorre em abril/maio e novembro a janeiro. A preparação do cacau em bolas e bastões é bem artesanal. Uma vez colhidas, as sementes são posta para secar. Depois de torradas são maceradas no pilão. Algumas pessoas adicionam ovos de galinha para dar mais liga. As sementes liberam bastante gordura, da qual é feio o chocolate e a manteiga-de-cacau. Na hora de preparar a bebida, rala-se a bola ou o bastão sobre água quente. O chocolate preparado dessa forma pode ser consumido com açúcar. Em Mazagão-Velho, por ocasião da festa do Divino Espírito Santo, o chocolate é servido aos devotos, misturado a ovos batidos. Na Amazônia, esse costume ainda é bem preservado. No presente momento, o Estado do Pará é o segundo produtor de cacau no Brasil. Novas plantações deverão elevar a produção além dos atuais 6% .

São José, patrono universal da igreja

José, filho de Jacó e neto de Matam, nasceu em Belém da Judéia, no século I antes de Cristo. Pertencia à tribo de Judá e descendia do rei Davi de Israel. Era viúvo quando desposou Maria. Sua idade girava em torno de 54 anos, enquanto Maria ainda vivia sua adolescência. José gerou duas filhas e quatro filhos com sua primeira esposa e com essa prole foi viver com a jovem eleita para ser a mãe de Jesus Cristo. Os filhos homens de José eram: Tiago, José, Simão e Judá.

Eles conviveram intensamente com Jesus até constituírem suas famílias e o Divino Mestre iniciou suas pregações. Nenhum deles foi apóstolo. Maria passou sua infância no Templo de Jerusalém, sendo uma das jovens consagradas a Deus. Ela e as demais virgens foram preparadas para ser esposas dedicadas, tementes a Deus. Todas sabiam que uma delas poderia ser a escolhida para, por obra e graça do Espírito Santo gerar o Filho de Deus. Seguindo o costume hebraico, os casamentos eram previamente acertados entre os membros das tribos que compunham as tribos de Israel. José e Maria eram integrantes da tribo de Davi. Como José já estava viúvo quando Maria alcançou a idade de casar, o carpinteiro lhe foi dado como esposo. Conta-se que Maria não quis deixar o templo ao atingir a idade de casar. Os anciãos do Tempo oraram por instruções divinas e uma voz disse que o marido de Maria sairia dentre os homens solteiros que fossem ao Templo e ali deixassem seus cajados durante a noite. O eleito seria o dono do cajado que amanhecesse coberto de flores.

Muitos pretendentes assim procederam, mas nenhuma novidade ocorreu. Idêntica oportunidade foi concedida aos viúvos e José decidiu levar seu cajado ao Templo. Pela manhã o cajado de José estava coberto de lírios, o símbolo da pureza e da retidão. Contratado o casamento, José esperou o momento exato para conviver com Maria. Antes que isso acontecesse o Arcanjo Gabriel apareceu a Maria para comunicar-lhe que ela seria a mãe de Jesus. Entretanto, Gabriel só apareceu a José quando ele já havia descoberto que Maria estava grávida e eles nunca tinham coabitado. Como era um homem muito reservado e experiente, José afastou-se de Maria, mas não fez alarde de que não era o pai da criança que Maria estava gerando. José manteve em segredo sua desilusão. Se tivesse tornado público o ocorrido, certamente Maria teria sido lapidada, porque assim deviam ser punidas as adúlteras. Essa punição está contida no Deuteranômio, um dos livros sagrados que formam a Bíblia. A lapidação consistia em apedrejamento público da mulher que o homem rejeitasse por traição. As sagradas escrituras tratam da vinda do Messias e os judeus praticantes do judaísmo sabiam disso. José tinha ampla consciência de que seria um protetor para Maria e para o fruto que seria gerado em seu ventre. Como homem justo que exercia uma profissão capaz assegurar o sustento da família, José passou à História como o pai nutricio do Divino Mestre.

José sempre dedicou especial atenção a Jesus no decorrer da infância do Salvador. Lucas se encarregou de deixar isso bem evidente no evangelho que escreveu. Mateus fala dos pontos de vista de José. A última menção feita a José nas Sagradas escrituras é quando o carpinteiro procura por Jesus no Templo de Jerusalém e o encontra discutindo a doutrina do judaísmo com os anciãos. Acredita-se que José já tivesse morrido quando Jesus foi crucificado.

A veneração dos cristãos a São José começou a se espalhar a partir do século quinze. Antes disso o protetor terreno do Divino Mestre pouco era lembrado. Tinha maior acatamento outro José, filho de Jacó e Raquel que se encheu de glórias como um Zaphnath (descobridor das coisas ocultas), no Egito. Este personagem era conhecido como São José do Egito. A história deste José está contada no Gênese, um dos livros do Pentateuco. Sua vinda ao mundo é considerada uma graça de Deus porque Raquel era estéril. Mesmo sem ser o primogênito, José era o filho preferido de Jacó, fato que levou os irmãos a odiá-lo. Numa viagem ao Egito eles o venderam como escravo a mercadores ismaelitas por 20 moedas (shequel) de prata. Levado ao Egito, José foi comprado por Potifar, que era oficial e capitão da guarda do faraó. Por ser um belo rapaz, José era assediado pela mulher de Potifar a qual rejeitava por respeito a seus princípios religiosos. Sentindo-se humilhada, a mulher do oficial disse ao marido que José vivia tentando seduzi-la. José foi preso e entre os demais prisioneiros revelou-se excelente intérprete de sonhos.

Certa vez interpretou o sonho do Faraó livrando o império egípcio de sete anos de tormentos. Ganhou destaque na corte sem tornar-se arrogante. Era um homem bom e justo. O José carpinteiro sempre foi humilde e resignado. Somente a partir do ano de 1749 a Igreja Católica incluiu seu nome no Calendário Romano fixando a data da sua festa em 19 de março. São Francisco de Assis e Santa Teresa d’Ávila ajudaram a espalhar a devoção. Em 1870, o Papa Pio IX declarou São José Patrono Universal da Igreja Católica Apostólica Romana. O Papa Benedito XV o declarou patrono da Justiça Social. Em 1955, o Papa Pio XII estabeleceu uma segunda festa para São José, a festa de “São José Trabalhador” a ser celebrada no dia 1º de maio, dia do trabalho. Na arte litúrgica da Igreja, São José é mostrado como um homem velho com um ramo de lírio na mão direita e o menino Jesus sentado em seu braço esquerdo. Ele também é retratado realizando seu trabalho de carpinteiro e ensinando o oficio a Jesus. Quando é retratado só, São José carrega um cajado florido de lírios. Outra representação muito conhecida de São José evidencia sua dedicação a Maria Santíssima e a Jesus por ocasião da fuga que empreenderam para o Egito. São José caminha pelo deserto puxando um burro, sobre o lombo do qual viajam Maria e o Salvador. É uma das mais expressivas cenas da Sagrada Família. Tanto esta cena como a retratação de São José em sua oficina, nos podemos ver ao lado do altar mor da Igreja Matriz de Macapá. Os dois afrescos foram pintados pelo Padre Lino Simonelli por volta do ano de 1950. A retratação da oficina de São José foi a que mais me deixou impressionado porque eu conheci um marceneiro de Macapá que possuía uma serra igual a que o santo carpinteiro usava.
A escolha de São José como padroeiro de Macapá não é obra do acaso. Quando o povoado de Macapá foi instalado, em novembro de 1751, o Rei de Portugal era D. José I, devoto do santo. Nada mais prático para que fosse prestada dupla homenagem, ao santo e ao rei. São José é o padroeiro de Macapá há 259 anos. A fortaleza de Macapá também leva seu nome e nela existiam duas imagens de São José. Uma na capela. Outra no frontispício do portal de entrada. Na década de 1920, quando a Fortaleza foi declarada sem serventia e abandonada, a imagem postada no frontispício do portão foi retirada e guardada na Igreja Matriz de São José. Essa imagem mostra São José usando botas. Sobre esse assunto escreverei no próximo domingo.

Beirol

Três tipos de falésias existiram em Macapá, na margem esquerda do Rio Amazonas. As falésias da Fortaleza de São José se destacaram mais, tendo entre 5 a 6 metros de altura. À esquerda da imponente fortificação, um pouco além do Igarapé do Igapó tinha inicio outro trecho, que correspondia ao perímetro entre a área da antiga Rua da Praia, até o torrão cortado pela Rua Cândido Mendes de Almeida. Nessa parte elevada foram edificados o Fórum de Macapá, atual OAB, Residência Governamental, Posto de Puericultura Iracema Carvão Nunes, Casa Maternal, Rádio Difusora de Macapá, Laboratório de Análises Clínicas, Escola José de Alencar e várias residências. Em termos de vias públicas, podemos enquadrar o trecho entre as Avenidas Padre Júlio Maria de Lombarde e Matheus de Azevedo Coutinho. À esquerda da Fortaleza, a partir do ponto onde foi aberta a Avenida Ataíde Teive, até o prédio do Sesc/Araxá, ainda podemos ver sinais evidentes da terceira falésia, notando o quanto ela é alta.

A toda esta extensão de terra, os militares da Fortaleza chamavam de beirol. A designação é bem interessante e não aparece nos dicionários brasileiros. A rigor, nem em Portugal a palavra é empregada. Então, qual a origem do vocábulo? Existiu em Portugal, uma casa de detenção denominada “Prezidio de Beirollas”, certamente erguido em área de falésias à beira mar. Beirollas passou a ser escrito como beirola, significando beirada ou beira, correspondendo a uma espécie de paredão de terra. Originaram-se de beirola as palavras beiranita, beiranito, beiredo, beiró, beirô, beiroa e beirão, que é o feminino de beirola e quer dizer habitante da beira.

Consta que por ocasião dos exercícios de tiro com canhoes instalados no baluarte Madre de Deus, os artilheiros das forças aquarteladas na Fortaleza usavam como alvo, uma parte do paredão ou beirol, na área onde surgiu a comunidade de Mucajá. O nome beirol voltou a ser mencionado após a instalação do Território Federal do Amapá, haja vista que a área do atual bairro macapaense foi escolhida para ser concedida às pessoas interessadas em desenvolver atividades próprias do setor primário. Os lotes, com cerca de 500m de frente por 500 de fundo, deveriam abrigar projetos de criação de aves, suínos, bovinos e produção de verduras e frutos. Infelizmente, alguns dos contemplados com lotes não permaneceram o tempo necessário para tocarem seus projetos. Apenas dois detentores de lotes levaram em frente suas iniciativas; Cláudio Carvalho do Nascimento e João Barbosa, o dono da Vacaria. Atualmente, apenas o primeiro permanece residindo no lote recebido. Ali, ele criou gado e desenvolveu outras importantes atividades. Sua propriedade ficava bem isolada do centro de Macapá e boa parte do terreno era alagada. Nem o trecho da estrada Macapá/Fazendinha passava em frente de sua casa. Aos poucos, o Beirol foi sendo ocupado por novos moradores de Macapá, que não conseguiram terreno do Trem. Em 1949, o Beirol sediou uma Colônia Prisional, o primeiro presídio da cidade. Antes dele, os presos com penas mais drásticas iam cumpri-las em Belém, no Presídio São José. Os demais ficavam na Fortaleza. Os apenados do Beirol criavam aves, suínos e plantavam árvores frutíferas, principalmente caju. Por causa disso, o presídio era identificado como Cajual. Num espaço hoje ocupado pela Igreja de São Pedro e um posto de saúde do Lions Clube, foi construído um forno crematório.

A rodovia Macapá Fazendinha, perímetro da atual Jovino Dinoá, começava na Avenida Feliciano Coelho e passava entre o Presídio e o forno crematório. No segundo semestre de 1949, quando o governo amapaense decidiu construir um estádio de futebol, nos termos exigidos pela Confederação Brasileira de Desportos e Fifa, uma área próxima à Colônia Prisional São Pedro foi escolhida, mas descartada por ser julgada distante do centro de Macapá. O Estádio Territorial, depois Municipal, e mais tarde Glicério Marques, despontou um pouco além da Favela. Na área litorânea do bairro Santa Inês, originalmente chamada Vacaria, as águas do Amazonas lavavam o terreno baixo inundável. O aparecimento do Araxá foi obra de Pauxy Gentil Nunes, que ali fixou um rudimentar balneário para uso nos fins de semana.O acesso era feito pela estrada Macapá/Fazendinha, da mesma forma que hoje prevalece, através da Rua Jovino Albuquerque Dinoá.

A volta do besouro verde

Existe na linguagem popular uma expressão bastante pitoresca que revela o sentimento de vingança que uma pessoa sente em relação a quem lhe causou algum mal. A contrariedade pode decorrer de palavras, gestos ou ações ofensivas e agressivas, porque o atingido não reza na cartilha do agressor. Portanto, a volta do besouro verde equivale à hora do revide. Jesus Cristo sempre condenou o sentimento de desforra. Tanto é verdade, que ecoa na mente de todos os cristãos suas palavras recomendando que um atingido na face ofereça o outro lado para também ser batido. Esse ensinamento é difícil de ser cumprido, principalmente pelos homens, pois, afinal de contas, “em cara de homem não se bate”.

O próprio individuo agressor sempre fica no aguardo do troco. Na esfera política, alguns governantes e detentores de cargos eletivos costumam subtrair do povo aquilo que lhes é necessário para sobreviver. Agem dessa forma quando os eleitores não aceitam suas lideranças e denunciam seus deslizes. As ações perniciosas de pérfidos políticos atrapalham o cidadão reto, mas também martirizam os autores dos feitos. Muitas vidas foram ceifadas ao longo da história da humanidade porque os poderosos vingaram-se das pessoas que contrariavam seus interesses. O tempo passou, mas a expressão “a volta do besouro verde” ainda permanece em voga. Aqui mesmo, no Estado do Amapá, existem sentimentos de vingança em profusão pairando no ar e enraizados na mente dos eleitores. E de onde vem tal expressão. Os que vivem nas regiões onde ocorre a criação de gado se acostumaram a ver um besouro esverdeado, conhecido como escaravelho, que usa o excremento de mamíferos herbívoros para se alimentar e enterrar seus ovos.

O trabalho de recolher excrementos é sempre reservado as fêmeas. Elas separam pedaços do esterco ainda frescos, rolam na terra até formar bolas, algumas maiores do que a própria artífice. Em seguida, apoiando-se nas patas dianteiras, rolam as bolas pra trás na direção de um buraco que é sua morada. Se a bola de fezes não couber no buraco a fêmea do besouro trata de ampliar a entrada. Depois de introduzir a bola no buraco, a besoura fura uma câmara na pelota e ali poe seus ovos. A quentura do esterco em fermentação acelera a eclosão dos ovos e o aparecimento das lavas. Tanto a mãe como os filhos se alimentas do esterco.

O trabalho da fêmea do besouro é demorado. Em determinados momentos ela alça vôo e desaparece, dando a impressão de que desistiu da empreitada. Algum tempo depois, sempre “zunindo”, ela reaparece e reinicia sua acrobacia. Alguém pode julgar que a besoura seja desprovida de inteligência. Ledo engano, seu cérebro é do tamanho de um grão de arroz, mas lhe assegura eficiência e maestria, no duro trabalho de rolar ou virar bosta. O político que se elegeu com o apoio de eleitores, que depois foram desconsiderados, sabe que, numa próxima eleição deve estar preparado para aguardar “a volta do besouro verde”. Mas não é só na política que a expressão é usada. Lembro de um fato pitoresco ocorrido com um contemporâneo das lides esportivas, que se enamorou de uma garota bonita, mas foi rejeitado por ela com frase: “vê se tu te enxergas”. Na ocasião, o jovem lhe disse: “ta legal, mas eu vou esperar a volta do besouro verde”. Assediada por homens endinheirados, a moça acabou vivendo com eles tórridos romances em freqüentes orgias, até adoecer e perder a bela estampa que a tornara tão desejada. Refeita da doença já não possuía tantos atrativos e acabou freqüentando o rendez-vous do “Vico”. Certa noite, sem ter conseguido freguês, ela viu o jovem que desprezara adentrar no “Vico”. A fome a impeliu a se aproximar dele para pedir que o mesmo lhe pagasse um prato de sopa e ofereceu seu corpo como recompensa. Foi atendida quanto à sopa, mas recusada como parceira de tranza. E ainda ouviu o rapaz dizer: “lembras que eu te disse que iria esperar a volta do besouro verde?”. O troco foi dado.