Nilson Montoril

A corrupção nos tempos antigos

Os romanos usavam o vocábulo corruptione para designar o ato ou efeito de corromper as normas éticas para cobrança de impostos, correta aplicação de recursos financeiros, concessão de serviços públicos, maneira de viver em sociedade e lidar com os bens materiais e imateriais do Império/República. O termo corrupto era, e ainda é empregado no sentido de podre, estragado, infectado, devasso, depravado, errado e viciado. Corruptore era utilizado para identificar aquele que suborna e faz de tudo para induzir outras pessoas á prática de atos ilícitos. Em linguagem bem popular, o corruptore é o agente ativo da ação nefasta, que peita quem encontra pela frente. O elemento que cedia diante da oferta do corruptor era o corruptu. Houve um período tão crítico na história de Roma, que o grande Cícero bradou: O’tempore, O’mores! A corrupção na cidade considerada “caput mundi” (capital do mundo) atingia níveis alarmantes de depravação e roubalheira. Este estado de coisas contribuiu para a ruína do Império Romano. Curioso é que os romanos criaram o Corpus Júris Civilis, que éà base do direito no mundo, mas no meio dos magistrados, imperadores, senadores, pretores, cônsules e demais funcionários havia os que, embora pregassem a moralitate (caráter), atuavam como corruptores e corruptos.

O tempo passou. As medidas moralizadoras para evitar a corrupção foram aperfeiçoadas, mas a ação nefasta dos corruptos também progrediu. Neste nosso Brasil varonil, a roubalheira vem desde o achamento, em 1500. Os melhores postos de direção eram ocupados por parentes dos Governadores Gerais, dos Capitães-mores e dos maiorais da Coroa. Eles não tinham o menor acanhamento para roubar. O Brasil progrediu assim mesmo, razão pela qual muita gente afirma que é melhor roubar, mas fazer, do que simplesmente roubar. Para alguns entendidos em manobras corruptoras, o melhor programa de governo para tirar proveito de verbas públicas é tocar obras e realizar compras. Além de a licitação ser direcionada, os valores das obras e das aquisições ultrapassam os limites aceitáveis em um processo normal. No caso das “compras”, o risco dos bens adquiridos não serem entregues é muito grande. Mais fácil de acontecer do que uma obra deixar de ser realizada ou pelo menos iniciada. Recentemente, a Polícia Federal realizou diversas prisões de pessoas tidas como suspeitas de envolvimento em corrupção. Até que a Justiça julgue estes casos, ninguém pode ser declarado culpado, Entretanto, quando os nomes dos envolvidos foram divulgados, a população condenou previamente quem já esteve mantido sob suspeita em outras ocasiões.

A corrupção tem seus agentes certos. Eles agem como se fossem autênticos anjos de candura. Há um código de conduta entre eles que os obriga a propalar a inocência de quem é flagrado cometendo delito. Surgem alguns amigos para dizer que o fulano é dotado de ilibada moral. Quem defende corrupto ou é um partícipe do crime, ou é conivente. Como é que alguém de bons princípios pode aceitar que órgãos colegiados de suma importância, como o Senado e a Câmara Federal, permitam que elementos despudorados permaneçam exercendo os seus mandatos? As evidências de culpa dos denunciados são tão flagrantes, que o processo de cassação de mandato deveria ser bem simples e rápido. O pior é ver o povo participa de passeatas protestando contra as medidas saneadoras. O povo se vê forçado a isso porque é massa de manobra e recebe “atendimento social” dos corruptos. Assim, para não perder a ajuda do “benfeitor”, o povo carente passa a ser conivente. Os falsos moralistas acham que tudo isso é normal. Mas não é. O mundo acompanha a roubalheira realizada na Petrobrás. As apurações têm revelado um montante fantástico de dinheiro público que foi parar em contas de diversos caciques do Partido dos Trabalhadores, empreiteiras, construtoras e entidades de natureza nebulosa. Em qualquer ponto do Brasil há registro de improbidade administrativa de governantes e integrantes de órgãos de vital importância para o bem estar do brasileiro. Quem é honesto não tem vez.

As jazidas de ferro do rio Vila Nova

Em 1946, sem medir as consequências de seu gesto, o deputado federal João Café Filho iniciou uma campanha no âmbito da Câmara Federal com o propósito de obter o cancelamento do contrato entre o governo do Amapá e a empresa norte-americana Hanna Exploration Company para exploração dos depósitos de ferro do rio Vila Nova (Anauerapucu). Café Filho julgava que o ferro existente no Amapá deveria permanecer intocável, como reserva nacional, para ser explorado por empresas brasileiras. No momento em que Café Filho iniciou a campanha o Território Federal do Amapá ainda não tinha representatividade na Câmara Federal, que então funcionava na cidade do Rio de Janeiro.

No dia 25.4, o governador Janary Gentil Nunes foi recebido em audiência pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra, apresentando-lhe um relatório dobre o aproveitamento das jazidas de ferro do Amapá, com as propostas firmadas pelas companhias norte-americanas The Hanna Exploration Company e Companhia Meridional de Mineração, com os pareceres de aprovação unânime do Conselho de Minas e Metalurgia, Departamento de Produção Mineral do Ministério da Agricultura e Conselho de Segurança Nacional.

O Presidente Eurico Dutra assinou o Decreto-lei nº 9.198, referendado pelo ministro Neto Campelo Júnior, autorizando o governo do Território Federal do Amapá a contratar o aproveitamento da jazida de minério de que for confessionário. Diante desse ato do chefe do país, espera-se, a todo o momento, que seja assinado o contrato com a Hanna Company, que apresentou condições que assegurarão uma situação excelente para o futuro da região. Alem da exploração, a contratada deveria construir uma estrada de ferro e um porto fluvial em Macapá. No dia 26/4, obedecendo aos termos do decreto do presidente da República, o governador Janary Nunes e o vice-presidente da Hanna Company, senhor Harry Leroy Pierce assinaram o contrato em rápida solenidade realizada na Representação do governo do Amapá, no Rio de Janeiro. Participaram do importante momento o senhor Carl Kimcaid, advogado da contratada, Glycon de Paiva, geólogo do Ministério da Agricultura, o coronel Simpson, do Exército norte-americano, o major Omar Emir Chaves, o ministro Gastão de Oliveira, diretor geral do Banco do Povo, o sr.André Cacinelli, diretor da A Equitativa, o jornalista Roberto Groba, o Vitor Leinz,geólogo,dr.Djalma Cavalcante, representante do governo do Guaporé(Rondônia), Coaracy Gentil Nunes, representante do governo do Amapá, Leal Ferreira, além de outras autoridades, jornalistas, etc.O fato foi repercutido pelos jornais cariocas “Jornal do Brasil”, “Jornal do Comércio”, “O Radical”, “A Manhã” e a “Tribuna Popular”,que fez restrição apenas ao prazo do contrato, considerando-o larguíssimo.

O jornal “O Globo”, que não se fez presente na solenidade de assinatura do contrato, daí não conhecer suas clausulas, evidenciou que a ferrovia e o porto ficariam controlados pelos capitais estrangeiros. O sr. G.M. Humphrey, presidente da Hanna Company, afirmou a empresa faria prospecções mais apuradas.Se elas fossem satisfatórias, justificar-se-ia a instalação do vultoso equipamento de mineração,bem como a construção da estrada de ferro e do porto. Sem conhecer os termos do contrato e agindo embalado por sua aversão aos yankees, o Deputado Federal pelo Rio Grande do Norte, Café Filho, manifestou-se contra o contrato e concitou seus pares a agirem de igual modo. Não convenceu ninguém e ainda recebeu manifestações de apoio ao Amapá. Em Macapá, no dia 13.6.1946, ocorreu uma ruidosa manifestação organizada pela Associação Comercial, Agrícola e Industrial, compreendendo uma caminhada pelas principais ruas da cidade, com saída da Praça da Matriz. À frente iam 4 bandeiras do Brasil, seguidas por uma banda de música e manifestando portando cartazes com diversos dizeres: “Concorrência só existe entre nações.Dentro de um país, o amparo deve ser dado ao que mais precisa e maiores vantagens oferece,” “Não vendemos aos estrangeiros a nossa borracha? Por que não podemos vender o nosso ferro?” “O Amapá não se vende! Vende o seu ferro para alicerçar a grandeza do Vale Amazônico.”

CBD, marcante sigla no futebol

Data de 8 de junho de 1914, a fundação da Federação Brasileira de Sports, que passou à denominação de Federação Brasileira de Futebol em 1915.A entidade foi organizada para que o Brasil pudesse se reconhecido pelas congêneres internacionais e participasse de competições além de suas fronteiras. No dia 6 de dezembro de 1916, a entidade alterou sua denominação para Confederação Brasileira de Desportos- CBD, Cujo precípuo objetivo era coordenar as ações referentes aos desportos e suas modalidades. Até o ano de 1914, o Brasil não tinha uma seleção nacional e as suas seis primeiras partidas internacionais ocorreram em seu território contra escretes estrangeiros. Quatro destas seleções correspondiam a combinados formados com jogadores de São Paulo e Rio de Janeiro e duas do Rio de Janeiro.

No primeiro jogo, disputado por um combinado paulista/carioca contra o selecionado da África do Sul, amargamos uma contundente derrota pelo placar de 6×0, em 1906. Em 1908, registrou-se outro fragoroso revés, desta feita para a Argentina por 4×0. Em 1912, a seleção portenha voltou a obter dois expressivos resultados por 4×0 e 6×3. No ano seguinte os argentinos venceram de forma incontestável, 4×0. Neste mesmo ano, um combinado carioca representou o Brasil, obteve duas importantes vitórias: 1×0 contra Portugal e 2×1 diante do Chile. Porém, nos anais do futebol brasileiro, consta que, em 1914, uma seleção nacional, constituída por jogadores cariocas, abateu a equipe inglesa do Exeter City por 2×0, em jogo realizado no Estádio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Esta partida não é reconhecida pela Fifa.Alíás, o campo do Fluminense Futebol Clube foi palco de importantes jogos de futebol quando ainda engatinhávamos na prática do futebol association. É que a prática do futebol no Brasil foi iniciada pela elite branca, em 1894,a partir do retorno do estudante paulista Charles Miller ao Brasil após concluir seus estudos no Banister Court School trazendo duas bolas. Jogar futebol era dispendioso e os jovens das classes menos favorecidas economicamente não tinham condições de comprar bolas e o restante do material esportivo, todo importado da própria Inglaterra. Foi numa tarde fria do outono de 1895, que Charles Miller reuniu um grupo de amigos, entre eles alguns estrangeiros, para ensiná-los a jogar futebol. Transmitiu-lhes as informações básicas sobre o esporte bretão, notadamente sobre as regras adotadas para não permitir atitudes violentas dos mais afoitos.

Naquele dia 14 de abril, na Várzea do Carmo, em São Paulo, aconteceu o amistoso entre o São Paulo Athetic Club, o primeiro clube de futebol do Brasil formado por Charles Miller contra um time da Railway, empresa inglesa gerenciadora de transporte ferroviário. O São Paulo venceu por 4×0. Em 1898, despontou o primeiro time constituído exclusivamente por brasileiros da elite paulista, a Associação Atlética Mackenzie College. Dentre os primeiros times de futebol fundados no Brasil, o único que ainda permanece em atividade é a Associação Ponte Preta de Campinas, a “Macaca”, fundada no dia 3 de setembro de 1900. Mais antigo que a Ponte Preta foi o Sport Club Rio Grande, organizado a 11 de agosto de 1900, que não existe mais.

No Rio de Janeiro, o interesse pelo futebol foi difundido de forma mais sistemática por Oscar Cox, que havia voltado da Suíça, em 1901. Progressivamente foram surgindo as ligas de futebol pelos demais estados brasileiros, mas sem a inclusão de negros e pobres. A Copa Roca, disputada na Argentina, foi a competição oficial que o Brasil disputou no plano internacional. O jogo ocorreu no campo do Clube de Ginásia y Esgrima, com surpreendente vitória brasileira por 1×0. A o iniciar sua jornada, nossa seleção ainda não usava as cores da bandeira nacional e sim o branco. Coube ao Clube de Regatas Vasco da Gama implantar o profissionalismo no futebol de nosso país. Entretanto, sem ter a organização exigida para o futebol, a seleção do Brasil não era levado muito a sério. Entre os anos de 1916 a 1949, período em que foi disputado o campeonato sul americano de futebol, com 21 edições, o Brasil só foi campeão em três oportunidades. Seu maior feito nesta época compreende a vitória de 1×0 sobre o Uruguai, no Estádio das Laranjeiras, em 1919, feito que inspirou Pixinguinha a compor o chorinho 1×0. A partir do dia 6 de dezembro de 1916, a Federação Brasileira de Sports passou a ser reconhecida como Confederação Brasileira de Desportos-CBD. Permaneceu com esta denominação até 26 de janeiro de 1981, quando, por decisão da Assembléia Geral, foi transformada em Confederação Brasileira de Futebol. Som a égide da CBD, o Brasil conquistou as copas do Mundo de 1958,1962 e 1970.O Brasil é único filiado da FIFA que participou da 19 competições até hoje realizadas.Seguido pela Alemanha e Itália com 17 e Argentina com 15.A copa que começa no dia 12 de junho, é a 20ª.

Pauxi Nunes, um desportista esquecido

Pauxy Gentil Nunes, filho do comerciante Ascendino Nunes e Laury Nunes, portanto irmão de Janary Gentil Nunes, primeiro governador do Território Federal do Amapá, nasceu na cidade de Alenquer, no Estado do Pará, no dia 27 de fevereiro de 1918. Estudou o primário na cidade natal. O Ginásio (primeiro ciclo) e o curso de Humanidades (segundo ciclo) foram feitos em Belém, no Colégio Progresso Paraense. Depois de passar alguns meses atuando em Macapá, integrando a equipe de governo do irmão, seguiu para o Rio de Janeiro onde passou a trabalhar no Instituto dos Bancários. Formou-se como Contador, no dia 5 de dezembro de 1947 e ingressou na Representação do Governo do Amapá na capital federal. Amante dos esportes, principalmente do futebol, Pauxy Nunes assumiu um papel relevante dentro da Representação do Amapá, articulando-se com os grandes clubes cariocas e com a Confederação Brasileira de Desportos no sentido de estruturar e desenvolver o futebol do Amapá.

A 26 de fevereiro de 1944, participou da histórica reunião que redundou na fundação do Amapá Esporte Clube. Ao lado de Francisco Serrano, Manuel Eudóxio Pereira (Pitaica), Zoilo Pereira Córdova, Eloy Monteiro Nunes (seu tio) e outros abnegados desportistas fez valer a preferência do grupo pelas cores do Botafogo de Futebol e Regatas. Posteriormente, quando a agremiação passou a figurar com o designativo Amapá Clube, as letras iniciais do nome foram colocadas no interior da “Estrela Solitária”. O futebol de Macapá era excessivamente amador. Os presidentes dos clubes, influentes no governo, promoviam a vinda de jogadores de Belém compensando-os com empregos nas repartições públicas. Entretanto, sem uma mentora regional organizada na forma da legislação exigida pela Confederação Brasileira de Desportos, o Amapá jamais participaria de uma competição oficial. A fundação da Federação de Desportos do Amapá, a 26 de junho de 1945 foi um acontecimento memorável.

A idéia da sua criação partiu de Pauxy Nunes, a quem os dirigentes de clubes conferiram a presidência. Até que ela funcionasse normalmente, muitos momentos de inércia foram registrados. Depois da criação da FDA os clubes preocuparam-se com o aspecto organizacional. Em 1947, aconteceu o primeiro campeonato e o Esporte Clube Macapá conquistou o titulo Por solicitação de Pauxy Nunes a CBD prometeu incluir o Território do Amapá nas disputas do Campeonato Brasileiro de Futebol entre seleções das unidades federadas, caso o governo territorial construísse um estádio. O espaço da Praça capitão Assis Vasconcelos (Veiga Cabral) não possuía área para acomodar o novo empreendimento. Aliás, o campo sequer possuía as medidas mínimas toleradas pela FIFA e CBD. No dia 15 de janeiro de 1950, o Estádio Territorial era inaugurado com o jogo Pará 1×0 Amapá. Desde este momento até julho de 1953 foi o Delegado da FDA junto a CBD, transferindo a função para Kepler Navegante Mota. No Dia 7 de novembro de 1954, por iniciativa de Pauxy Nunes, contando com o apoio do governo e da CBD, aconteceu, em Macapá, um congresso das federações desportivas do Norte e Nordeste do Brasil. Dirigiu o evento o senhor Rivadávia Correa Mayer, presidente da mentora mater nacional. Seu vice era Jean-Marie Goodefroide de Havelange. Idêntica promoção ocorreu em Salvador, nos dias 27 e 28 de 1957, de âmbito nacional.

O tenente José Alves Pessoa era o presidente da Federação de Desportos e o Prof. Mário Quirino exercia o cargo de presidente da Federação de Desportos Aquáticos. Pauxy Nunes se encontrava em Macapá, na condição de Secretário Geral (vice-governador) do Amapá e deus aos próceres mencionados todo o apoio necessário para que eles fossem a Bahia. Neste encontro foi lançada a candidatura de Havelange para a presidência da CBD. As ações de Pauxy Nunes visavam o esporte amador e foram sentidas nos Estados e Territórios Federais, Ainda nos dias atuais, na cidade de Icoaraci/Pará é realizado o Torneio Pauxy Nunes. Além do desporto, Pauxy tem o mérito de ter sido o primeiro governante a promover o asfaltamento de algumas ruas de Macapá, transferir o aeroporto para uma área mais distante do centro urbano e assistir melhor o interior.

Camerata Musicale

À conta de um importante intercâmbio cultural musical entre o Brasil e a Alemanha, a Freundeskreis der Musikschule Giengem (Escola de Música Giengem), sediada na cidade de Munique, regida pelo maestro Horst Guggenberg e coordenada pelo engenheiro Piter Kraus, apresentou-se em Macapá, nos dias 17 e 18/6/2005. Acostumada a fazer a rota Nordeste/Sul, a Camerata Musicale acatou as sugestões do maestro cearense Poty Fontenele e do tenor Mauro Luiz, este último amapaense que então residia na capital alencarina e participava de uma orquestra em Fortaleza, para iniciar a costumeira turnê artística exibindo-se no setentrião brasileiro. A importante orquestra realizava essas excursões anualmente para divulgar seu trabalho e aperfeiçoar os conhecimentos de seus integrantes.

A Camerata não cobrou cachê por suas apresentações, mas os patrocinadores tiveram que arcar com as despesas de hospedagem, alimentação e transporte em âmbito local. As passagens aéreas foram pagas pelos próprios músicos. A Varig, Viação Aérea do Rio Grandense S.A. prestou memorável apoio aos alemães, concedendo-lhes um trecho grátis em cada três trechos comprados. Depois que a Varig encerrou suas atividades entre o Brasil e a Alemanha, a excursão da Camerata Musicale se tornou impraticável. A vinda da Camerata a Macapá só foi possível graças ao empenho do Nilson Montoril de Araújo Júnior, que se desdobrou na tarefa de conseguir patrocinadores no estado do Amapá. A busca por patrocínio foi penosa. Acostumados a promover apenas eventos regionais, quase sempre apadrinhados por políticos com poder de mando no governo, os órgãos gestores da cultura amapaense custaram a decidir-se pelo apoiamento ao empreendimento. Muito persistente, o jovem Montoril Júnior não esmoreceu e manteve permanente contato com as entidades convidadas para patrocinarem o show de música erudita. Outro detalhe interessante no trabalho que ele realizou precisa ser evidenciado. Por exigência dos alemães, as apresentações da Camerata Musicale, no Teatro das Bacabeiras foram franqueadas ao público e o promotor não obteve sequer um centavo de vantagem financeira.

No decorrer das apresentações da Camerata Musicale apresentaram-se em destaque os solistas Bertholdo Guggenberger (violino), Roman Guggenberger (violoncelo), ambos filhos do maestro Horst Guggenberg. Hospedados no Hotel San Marino, no bairro Jesus de Nazaré, os músicos tiveram como vizinho o bioquímico Rugatto Boettger, radicado em Macapá desde 17/2/1968. Embora o coordenador da Camerata, Piter Kraus falasse fluentemente o português, pois trabalhou nas obras da Hidrelétrica da Itaipu, o catarinense Rugatto foi encarregado de falar à platéia do Teatro das Bacabeiras traduzindo as palavras proferidas pelo Maestro Horst Guggenberger. Rugato é natural de Blumenau, Santa Catarina, fala a língua germânica, pois descende de alemães. Seu sobrenome significa “fabricante de barril”. Aliás, o Rugato teve uma atuação valiosa em termos de apoio logístico aos esforços do Nilson Montoril Júnior. Os músicos alemães também se apresentaram no Tribunal de Justiça e na Igreja de São José. No templo católico fizeram uma homenagem ao Bispo Diocesano D. Pedro José Conti. Em todos os momentos marcou presença o tenor Mauro Luiz que atualmente reside em Macapá e sempre é requisitado para cantar em solenidades especiais.

Os patrocinadores foram: a operadora de telefonia celular TIM, o Tribunal de Justiça do Estado do Amapá e o Governo do Estado. Os músicos alemães ficaram encantados com a recepção do povo amapaense e com as belezas naturais de Macapá. Utilizando o barco “Tribuna”, do Tjap, eles tiveram a oportunidade de singrar as águas barrentas do braço norte do Rio Amazonas e saborear iguarias regionais.

A Camerata Musicale permanece desenvolvendo suas atividades em Munique, mas o Maestro Horst Guggenberger, aposentado, passou a batuta e a regência ao filho Bartholdo. A vinda da Camerata Musicale a Macapá provou que os amapaenses curtem sim a música erudita. Ao deixar a cidade de Macapá, a Camerata Musicale exibiu-se em Fortaleza, Maceió, Aracaju e São Paulo.

Livro Mocotó

Há muito tempo, as pessoas que acompanham a divulgação que faço dos fatos marcantes da História do Amapá me cobram a publicação de um livro. Costumo esclarecer, que atualmente isso é bem complicado, principalmente para quem não é filiado a partidos políticos e não tem padrinhos com cargos eletivos, notadamente no âmbito do Executivo do estado do Amapá. Relembro a luta dos confrades Estácio Vidal Picanço, Hélio Pennafort, Fernando Rodrigues e outros ilustres historiadores, que penaram para ter suas obras impressas. As divulgações que faço através do rádio datam de 1967, como forma de fazer nossa gente conhecer a história da sua terra. Fiz um trabalho exaustivo de pesquisa para fundamentar bem os fatos que eu transmitia aos meus alunos de História. Participei de alguns programas de rádio com a sequência “Um Dia na História”.

Os apresentadores, tidos como amigos, cederam à pressão dos que não apreciam o assunto e me alijaram. Em julho de 2011, o deputado Moisés Souza, presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Amapá, demonstrou o desejo de relançar o livro de biografias “Personagens Ilustres do Amapá”, que fiz em parceria com Coaracy Sobreira Barbosa. Sua intenção era incluir novas biografias. Comentou o assunto com o jornalista Reginaldo Borges e este se lembrou de mim e sugeriu minha atuação na concepção da obra. Na manhã do dia 14 de julho, uma quinta-feira, fomos ao encontro do deputado Moisés Souza, encontrando-o no térreo do prédio destinado à ampliação da Casa de Leis. Naquele local estavam políticos e empresários conversando animadamente. Com a minha chegada o papo foi interrompido. Tratamos da elaboração do livro, havendo da minha parte a ponderação de que fosse feita uma obra relatando os aspectos mais importantes da História do Amapá. A ideia foi aceita. Para assegurar maior viabilidade ao trabalho, ficou acertado que eu seria nomeado assessor parlamentar da presidência, coisa sugerida pela maioria dos políticos presentes. Lembro o nome de todos eles, mas não os citarei, por enquanto. Assim foi feito.

O livro ficou pronto, a despeito de inúmeras dificuldades encontradas. Na sala adjacente ao Gabinete da Presidência não havia sequer um velho computador. Realizei todo o trabalho às minhas custas: usei meu acervo histórico, material de impressão, computador, energia elétrica e transporte Tentei falar com o presidente por diversas vezes. O pessoal do Gabinete dizia que ele estava viajando e sem tempo para me atender. Quando, por determinação da Justiça Estadual, Moisés Souza foi afastado do cargo de presidente, o vice presidente Júnior Favacho, que o substituiu, exonerou os assessores de Moisés Souza para nomear “gente do seu grupo”. Isso ocorreu no momento em que foi diagnosticado que eu tinha um linfoma (câncer) no estômago. Mesmo sentindo os efeitos da doença, fui à Assembleia tentar falar com o Júnior Favacho, mas ele me ignorou.

Esqueceu que seu advogado no tempo da campanha política era meu filho Nilson Júnior e que, por solicitação deste, nossa família lhe destinou votos. Deixei no Gabinete um escrito, cientificando ao Júnior Favacho que o livro estava pronto e que eu passava por tratamento de câncer. Nunca recebi resposta. Em 18/12/2012 fui à Assembleia, mas raríssimas pessoas estavam no prédio. Uma delas, o jornalista Cléber Barbosa, secretário de comunicação social. Falei com ele e expliquei minha situação. Entreguei-lhe uma pasta com cópia de todos os documentos exigidos para um suspeito recadastramento, não tendo sido feita a divulgação de qualquer edital neste sentido. O Cléber se comprometeu a encaminhar meus documentos ao órgão competente, coisa que nunca fez. Neste momento, estou cobrando-lhe publicamente a devolução da pasta. Fui exonerado sumariamente pelo senhor Júnior Favacho, que nunca demonstrou interesse na obra que escrevi. A postagem que ora publico não é um desabafo. Serve para mostrar aos que cobram de mim um livro sobre História do Amapá, que os políticos não prestigiam os que não vivem lhe fazendo a corte e os enaltecendo. Quero, porém, que o presidente da Assembléia Legislativa venha a público para dizer que o meu livro não lhe interessa.

O torturador Moacyr Fontenelle

No dia 16.5.1964, o General Luiz Mendes da Silva, o primeiro governador do Território Federal do Amapá, do período revolucionário, nomeava o capitão Francisco Moacyr Meier Fontenelle para exercer o cargo em comissão de Diretor da Divisão de Segurança e Guarda e Comandante da Guarda Territorial. O capitão desenvolvia suas atividades no 26º Batalhão de Caçadores, sediado em Belém, mas tinha sido cedido ao governo do Amapá. O capitão chegou a Macapá no entardecer do dia 12 de maio, chefiando um contingente do Exército, que fora mandado desalojar da Fortaleza São José os insurretos da Guarda Territorial, que tinham se declarado solidários ao Tenente Charone, oficial ao qual o Secretário Geral Orlando de Sabóia Barros, no exercício do governo, repassou determinações do coronel Terêncio Furtado de Mendonça Porto no sentido de exercer forte pressão sobre diversos segmentos da sociedade macapaense, entre eles a Igreja Católica, notadamente o Padre Jorge Basile, redator do Jornal “A Voz Católica”, semanário que tecia duras, mas justas criticas aos elementos que agiam de forma truculenta em nome da Revolução de 31 de Março. Tenente Uadih Charone era, então, o Diretor da DSG e comandanta da GT. Ele argumentou com o Dr. Sabóia, que precisaria dispor de tempo para dialogar com as pessoas tidas como contrárias á revolução, algumas que ele isentava de qualquer hostilidade ao regime vigente no país.

A situação ficou mais tensa quando o governador em exercício mandou que o tenente prendesse o Padre Jorge. Charone disse que não cumpriria a determinação e não aceitaria sua exoneração. Comunicou que se alojaria na Fortaleza até o retorno do governador Terêncio. O Dr. Sabóia e seus bajuladores transformaram uma situação fácil de ser resolvida em um caso de segurança nacional. Ao saberem que o tenente Charone estava auto-recluso na Fortaleza, Delegados de Polícia, Instrutores e soldados da Guarda Territorial adotaram a mesma medida. Telegramas alarmantes foram passados ao governador Terêncio, ao Comando Militar da Amazônia, 8ª Região Militar, Ministros da Guerra e Justiça, além do Conselho de Segurança Nacional. Imediatamente, o Comando do 26º Batalhão dos Caçadores recebeu ordens para preparar um contingente bem armado, confiando à direção a um capitão linha dura. Ás 18h15min horas pousava na pista do Aeroporto Internacional de Macapá, um avião C 47 da Força Aérea Brasileira trazendo soldados bem apetrechados sob o comando do capitão Francisco Moacyr Meier Fontenelle. Do aeroporto os militares seguiram para o centro da cidade fazendo parada na Praça Barão do Rio Branco, onde dois Grupos de Combate desceram do caminhão e isolaram a área em que está edificada a residência governamental.

O capitão e os demais soldados rumaram para a Fortaleza. O Tenente Charone integrava o corpo docente da Escola Técnica de Comércio do Amapá-ETCA sendo bem relacionado com seus alunos. Os estudantes clamaram que a União dos Estudantes dos Cursos Secundaristas do Amapá-UECSA fosse prestar solidariedade ao tenente Charone e acompanhar a atuação dos militares vindos de Belém. O presidente UECSA era José Figueiredo de Souza, o Savino, que acabou detido. Em seguida, Fontenelle determinou que os estudantes e curiosos fossem dispersos. A intervenção do tenente Charone foi fundamental para evitar maiores problemas. Ás 21 horas, quando tudo estava tranqüilo, o Doutor, Orlando Sabóia se auto-nomeou Diretor da DSG e Comandante da GT. Ao mesmo tempo acumulava quatro cargos públicos, mantendo-se na titularidade dos mesmos até que Terêncio Porto voltasse. A partir da posse de Fontenelle, dezenas de pessoas foram presas, acusadas de nutrir simpatia ou pertencerem ao movimento comunista. Sua forma intempestiva e exacerbada de agir teve seqüência no decorrer da gestão do governador Luiz Mendes da Silva, devidamente instigado pelo Secretário Geral Roberto Rocha Souza. Em janeiro de 1970, quando já era major e atuava no Rio de Janeiro,Fontenelle participou do grupo que interrogou e torturou Mário Alves no DOI-CODI. Fontenelle é tido como um dos praticantes dos piores tipos de torturas. Era exímio utilizador de pau-de-arara, choque, espancamento e simulação de fuzilamento. Figura com amplas descrições no Tomo V dos volumes I e II e no Tomo II,volume III do “Projeto Brasil Nunca Mais”.

Macapá, hostilidade e revanchismo

O s registros históricos relativos à instalação da povoação de São José de Macapá, evidenciam o primeiro caso de hostilidade e revanchismo ocorrido na Província dos Tucujú, a partir de do final de 1751, tendo como autor do feito o sargento-mor Manuel Pereira de Abreu, militar ao qual o Governador do Grão Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado delegou competência para iniciar o povoamento da região também conhecida como Costa do Macapá. O alvo dos destemperos de Manuel Pereira de Abreu foi o Padre Miguel Ângelo de Morais, franciscano da Ordem de Santo Antônio, que frequentemente repreendia o ajudante de ordem pelos maus tratos com os colonos açorianos, negros e índios. Ao receber das mãos do governador as instruções para conduzir a contento sua missão, Pereira de Abreu tomou ciência de que o termo correspondente à distribuição de mantimentos e munições aos colonos deveria ser assinado por ele e pelo sacerdote.

Na prática, o cumprimento das instruções não aconteceu. Manuel Pereira de Abreu não destinou ao religioso os alimentos que lhe eram devidos, deixando-o desamparado e precisando ser socorrido pelos açorianos. As instruções tinham sido baixadas no dia 31 de outubro de 1751, sendo evidenciado que em breve ocorreria a partida do capitão João Batista de Oliveira para a nova povoação, com o propósito de garantir a ordem e o sossego de todos. Mesmo sabendo que procedia erradamente, Manuel Pereira de Abreu ignorou a presença do padre, alegando que não lhe fornecia víveres porque nas instruções nada estava escrito neste sentido. Realmente, nenhum item das instruções dizia que o padre entraria na partilha. Tanto quanto o próprio sargento-mor. Aproveitando a passagens de viajantes por Macapá, o padre escreveu ao governador narrando sua desdita.

No dia 18 de dezembro de 1751, o capitão Batista de Oliveira embarcou para o povoado de Macapá para substituir Pereira de Abreu e assegurar o povoamento efetivo da área. Daí em diante, o sacerdote não precisou mais da caridade dos colonos. A instalação do povoado em meados do mês de novembro de 1751, ocorreu num ambiente hostil, principalmente para os colonos vindos do arquipélago dos Açores. Decidido a fazer vingar seu projeto de colonização da margem oriental do rio Amazonas, Mendonça Furtado devotou especial atenção aos povoadores para poder vencer os percalços. Decorridos quase sete meses, ainda que algumas dificuldades permanecessem, Mendonça Furtado veio a Macapá para assistir a elevação do povoado à categoria de vila, fato ocorrido dia 4 de fevereiro de 1758. Mais de 400 açorianos trabalhavam em Macapá, mas poucos tinham tirocínio para ocupar o cargo de vogal do Senado da Câmara. Como eles eram provenientes de diversas regiões dos Açores, questões de ordem cultural e política causavam animosidades entre eles.

Entretanto, o primeiro Senado da Câmara de Macapá foi composto por elementos que possuíam boa qualificação e identidade de propósitos. Por volta do ano de 1761, a população já havia sido transferida do platô onde se encontra a Fortaleza para o Largo de São Sebastião (Praça Veiga Cabral).

Quando as obras da Fortaleza foram iniciadas, em 29 de junho de 1764, o local do primeiro núcleo colonial já estava desocupado e livre para a ereção da obra. A partir desse momento o contingente populacional cresceu bastante, motivando hostilidades e revanchismos. Vale realçar uma trama engendrada por alguns aquartelados de Macapá chefiados pelo cadete Martins de Moura contra o major Francisco de Siqueira Monterroso, oficial que durante o movimento cabano comandava a guarnição da Fortaleza e impediu que os revoltosos se instalassem na vila e nos seus arredores.

Martins de Moura cumpria pena disciplinar em Macapá em decorrência de insubordinação. O motim foi dominado pelo major Fernando Maria Cabral de Teive e a verdade não demorou a vir à tona. Também merece destaque a reação de populares e dos soldados da Guarda Nacional contra a pretensão do Capitão Aprígio Peres Nunes de destituir o Intendente Manuel Theodoro Mendes.
Liderou a reação popular o negro Pedro Cecílio, vulgarmente conhecido como Pedro Lazarino. Os militares seguiram o comando do Alferes Aureliano de Moura. Tudo porque Theodoro Mendes não havia apoiado Augusto Montenegro nas eleições paraenses de 1901.

A instalação da Prelazia de Macapá

O amanhecer do dia 30 de abril de 1950, uma quinta-feira, foi bastante festivo na cidade de Macapá. Uma grande festa tinha sido programada para a mencionada data, enchendo de júbilo a família católica residente na capital do território federal do Amapá, que veria ocorrer a implantação da Prelazia de Macapá e a posse do monsenhor Aristides Piróvano como administrador apostólico e do padre Arcângelo Cerqua como vigário da Paróquia de São José. Desde cedo, concentrado no antigo aeroporto da Panair do Brasil, o povo católico esperava com ansiedade a chegada do avião dos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, que traria de Belém o arcebispo metropolitano do Pará, dom Mário Miranda Vilas-Boas, nomeado subdelegado do Núncio Apostólico do Brasil, dom Carlos Chiarlo, na criação da Prelazia. Ao descer do avião, dom Carlos se fazia acompanhar do padre Adolfo Serra, e ambos foram recepcionados pelo governador Janary Gentil Nunes, que lhes apresentou destacadas figuras de sua administração. Do aeroporto todos seguiram para o centro da cidade.

O governador, o secretário geral Raul Montero Waldez e dois ilustres visitantes utilizaram um automóvel Nash castanho. Alguns diretores de órgãos públicos seguiram num carro Chevrolet preto, enquanto os populares foram transportados em um ônibus da Viação Primazia. Na residência dos religiosos de Macapá, um antigo casarão edificado no lado esquerdo da Igreja, foi servido pelo administrador apostólico, a dom Mário Vilas-Boas e demais pessoas presentes, uma farta mesa de gelados. Em seguida, todos cumpriram um roteiro de visitas, percorrendo o Posto de Puericultura Iracema Carvão Nunes, o Grupo Escolar Barão do Rio Branco e a Escola Profissional Getúlio Vargas, que posteriormente passou à denominação de Escola Industrial de Macapá.

Concluídas as visitas, os religiosos retornaram à Casa Paroquial para um almoço com os padres do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras (Pime). Às 15h, dom Mário de Miranda Vilas-Boas, em companhia do monsenhor dom Aristides Piróvano; padre Adolfo Serra; senhor Antônio Campos Monteiro, oficial de gabinete do governador; médico Álvaro Simões, diretor da Divisão de Saúde; e do capitão Waukes de Aragão, comandante da 4ª Companhia de Fronteiras, visitou a Unidade Mista de Saúde instalada ao lado direito da Igreja de São José, a Olaria Territorial, Cadeia Pública e Fortaleza de Macapá, onde assistiram à realização de um exercício de tiro real. Desse último monumento rumaram para o Macapá Hotel, na frente da cidade, onde dom Mário e seus acompanhantes se serviram de saborosos sorvetes de frutas regionais. Às 17h foi servido o jantar na residência governamental. Às 19h, começou a solenidade de instalação da Prelazia de Macapá. A Igreja estava lotada de fieis. Iniciou-se a solenidade litúrgica com a reza do Terço, seguindo-se o Canto da Ladainha a três vozes mistas (Perusi). Na sequência, dom Mário Villas-Boas pediu ao padre Adolfo Serra que procedesse a leitura do Decreto de Subdelegação, pelo qual o Núncio Apostólico nomeava o arcebispo do Pará seu próprio subdelegado na ereção da Prelazia e a Bula Papal que a criou. A função religiosa se estendeu até às 21h30min com a bênção do Santíssimo Sacramento, com o canto do “Tantum Ergo Sacramentum (Haller)” a 4 vozes mistas (Tão Sublime Sacramento). A Igreja de São José também foi elevada à categoria de Catedral.

A Prelazia de Macapá (Territorialis Praelatura Macapaensis) foi ereta canonicamente pelo Papa Pio XII, através da bula “Unius Apostolicae Sedis” de 1 de fevereiro de 1949, com as paróquias de Macapá, Amapá e Bailique, desmembrada da Prelazia de Santarém e colocada pela Santa Sé aos cuidados do Pime. A transmissão dos encargos da Prelazia de Macapá ocorreu dia 23 de março de 1949, pelo bispo de Santarém dom Anselmo Pietrula. A nomeação do padre Aristides Piróvano como administrador apostólico se deu no dia 14 de fevereiro de 1950. A instalação solene da Prelazia e a pose do administrador apostólico aconteceram no dia 30 de abril de 1950. A Prelazia passou à condição de Diocese por força da bula “Conferentia Episcopalis Brasiliensis” (Conferência Episcopal Brasileira), do Papa João Paulo II.

Enterro da felicidade

Na área por onde foi aberta a Av. Hélio Guarany Pennafort, que o pessoal insiste em chamar Beira Rio, e onde se encontra instalado o prédio da Yamada, havia um aglomerado de casas de gente humilde, que preferia residir perto do Elesbão. O caminho usado pelos moradores tinha um declive a partir da Av. Henrique Galúcio, apelidado “Baixa da Maria Mucura”. Este designativo tinha a ver com a carência de beleza física da Dona Maria, cujo rosto fino e pontiagudo lembrava a cara do marsupial que adora comer galinhas. Depois do aglomerado de casas vinha a paia e a mata. Morava naquele lugar, a tal Baixa da Maria Mucura, uma senhora que possuía uma filha “borrachudinha”, que os caboclos da região das Ilhas do Pará preferiam denominar de “bacorota”. A danada da pirralha, cuja idade girava pela casa dos 14 anos de idade era bem apetrechada de corpo, rostinho sapeca, cinturinha de pilão, pernas arredondadas e lábios carnudos. Tinha tudo que um homem deseja numa fêmea. Volta e meia a menina escapulia de casa e ia bater pernas pelo Mercado Central e na Fortaleza de Macapá. Ela adorava ouvir assobios e galanteios que partiam dos açougueiros e dos soldados da Guarda Territorial.

Os vizinhos e conhecidos de sua genitora viviam dizendo, que cedo ou tarde a garota iria arranjar “o que a Maria ganhou na capoeira.” Gente da língua amaldiçoada. Um sujeito conhecido como Dico, embarcadiço de uma canoa transportadora de açaí e outras frutas, entre o Furo da Cidade e o Elesbão, passou uma cantada na guria e arrastou-a para as pedras que ficavam na praia da Fortaleza. Assanhada por demais, A bacorota “arriou os quatro pneus” e deixou o Dico se fartar no “fuc-fuc”. O danado do Dico havia prometido casar com a “pequena”, mas desapareceu. A mãe da menina era lavadeira, atividade que não lhe rendia os trocados necessários para satisfazer as necessidades básicas dela e da filha. Conseqüentemente, a Ritinha comia uma vez por dia, quase sempre no horário do almoço, mas não era muita coisa. À noite, jogava pra dentro da barriga uma cuia de açaí e um pedaço de peixe assado, coisa que não era freqüente. Ora, se a Ritinha comia pouco, como é que engordou tanto? A mãe da Ritinha botou a filha em confissão e descobriu o mistério. Não pensou duas vezes e decidiu ir à Central de Policia registrar queixa contra o Dico, por crime de sedução. Na época, isso dava um “galho danado” e o deflorador, caso não quisesse casar, ia cumprir pena no Presídio São Pedro, no bairro Beirol. Ao chegar à Central de Polícia, a mãe da Ritinha foi encaminhada ao escrivão conhecido como “Kid Moringueira”, cabra passado na “casca do alho” e bom de conversa. Atuava com atenção redobrada quando a deflorada era e bonita, mas procedia de imediato a lavratura do termo circunstanciado se a vitima fosse judiada pela beleza.

O Kid Moringueira ouviu atentamente o relato feito pela lavadeira e prometeu intimar as partes com brevidade. Expediu uma intimação contra o Dico, recomendando que a mãe da guria levasse o documento ao dono da canoa onde o deflorador havia trabalhado, visto que o tal canoeiro era tio do “Don Juan”. Nos termos da intimação, o Dico deveria comparecer à Central de Policia no mesmo dia e horário em que a Ritinha e sua mãe também estariam lá. A primeira a ser ouvida foi a Ritinha.

Os olhos do Moringueira brilharam intensamente ao ver aquela “bacorotinha”, cheirando a leite, na sua frente. Indagou se a virgindade tirada pelo Dico estava fazendo falta. A Ritinha respondeu que não. Moringueira foi mais incisivo: “queres casar com o Dico?”. Não, falou a Ritinha.Esse negócio de casamento e coisa da mamãe. Ritinha foi orientada a ficar em outra sala, sem falar com sua genitora. Moringueira chamou o Dico às falas e pegou pesado: “E aí, malandrão, casa ou não casa? O Dico respondeu: “Pra que, se eu não dou conta nem de mim.” Moringueira foi taxativo: ”Se não casares com a Ritinha vais passar um bom tempo no Beirol”. “Por mim”, disse o Dico. Ao voltar a falar com a lavadeira, Moringueira aconselhou-a a não exigir o casamento da Ritinha com o Dico. O caboclo não tinha emprego, era feio, gostava da cachaça e só iria aumentar sua desventura, porque teria de alimentar um vadio. A lavadeira aceitou o conselho, desde que o Dico fosse para o Beirol. Era tudo que o Moringueira queria ouvir. Novamente ele conversou com a Ritinha e disse: “Minha filha, a barra está limpa. Convenci tua mãe que teu casamento com o Dico é uma besteira, e ela concordou. O Dico não vai escapar do presídio, pois disse que não casa nem apanhando. Agora, presta atenção: “ Já que estais com esta sepultura aberta, que tal nos dois fazermos o enterro da felicidade?”