Nilson Montoril

Civismo não é subserviência

A crítica situação existente na educação brasileira, no tocante aos atos de indisciplina cometidos por alunos, ao ponto de espancarem professoras, desponta como uma gravíssima falha, que precisa ser corrigida. Em outros tempos, o sistema de ensino nacional contava com conteúdos referentes á moral, á ética e ao civismo. Os alunos recebiam ensinamentos sobre o comportamento que deveriam ter no convívio com seus semelhantes, alicerçados em valores morais, práticas de cidadania e respeito às instituições. O civismo, tão em falta ultimamente, refere-se à atitude e o modo de agir que no dia-a-dia manifestam os cidadãos em defesa dos direitos e deveres que tornam patente a preservação harmoniosa do bem estar de todos.

O civismo não relega a cidadania e o republicanismo, embora maus políticos e adeptos de correntes filosóficas de esquerda queiram torná-lo sinônimo de nacionalismo inexpressivo. Algo como a afirmativa de que os que apreciam o civismo têm inclinação para o militarismo. O civismo precisa voltar a ser praticado no Brasil, pois o cidadão consciente de seus direitos e deveres é um propulsor do crescimento da Pátria. Mas, o próprio governo não o pratica. O que o governo faz, distribuindo benesses ao povo carente é oportunismo cínico. O mau cidadãp é aquele que não respeita os valores, as instituições e as boas práticas políticas de seu país. Faz de tudo para se dar bem. Só visa seus interesses individuais.Não valoriza sua própria história, não conhece os hinos pátrios, não respeita os mais velhos, discrimina seus semelhantes pela cor, credo, religião, situação financeira. É o caso dos indivíduos que colocam seus carros nos lugares reservados para idosos e deficientes. Ignoram os indicativos de atendimento prioritário para gestantes, evidenciam sua condição de autoridade para ser o primeiro a usar um caixa eletrônico e entrar em avião. Antigamente, as regras de boa conduta eram ensinadas nas escolas. Diziam as professoras: “seja educado com as pessoas, ajude os mais velhos a atravessar as vias publicas, a subir escadas, a tomar ônibus, a carregar objetos. Nunca fale palavrões, não faça sinais ou gestos obscenos, não se aproprie de valores de terceiros e públicos”.

Os estudantes, militares, membros de instituições cívicas e o próprio povo apreciavam participar e assistir aos desfiles realizados por ocasião do dia da pátria. No decorrer do período que se estende de 1930 a 1945, denominado “Era Vargas”, notadamente a fase do Estado Novo (1937 a 1945), o civismo do brasileiro foi fundamental para a ocupação das faixas de fronteira, desabitadas e vulneráveis. O cidadão atendeu ao chamado dos governantes para participar de empreitadas marcantes, a exemplo do que se deu na área que hoje corresponde ao Estado do Amapá. Jovens de todas as profissões vieram atuar na novel unidade federada, aceitando encargos para trabalhar no interior. Isso foi possível porque essa gente tinha plena consciência do que é ser civista. Seus filhos cresceram ouvindo repetidos conselhos dos pais, dos mais velhos e das professoras. As escolas públicas foram eficientes ao tornar os alunos participes de importantes momentos da memória nacional. Disciplinas importantes como Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira, Estudo dos Problemas Brasileiros e Ensino Religioso foram incluídas nos currículos escolares. Todas tratando da ética, moral e civismo.

A disciplina Educação Moral e Cívica foi instituída nas escolas pelo Decreto-Lei nº 869/1969, em todos os graus e modalidades do sistema de ensino do país. A novidade não foi bem aceita pelos políticos de má índole e só permaneceu em evidência até meados da década de 80. Na última década, 12 projetos de lei e, elaborados pó 11 deputados federais e um senador foram apresentados no Congresso Nacional propondo a volta do ensino que versa sobre moral e civismo. Até hoje, os documentos não foram integralmente digitalizados, prova do descaso dos parlamentares sobre o assunto. O senador Pedro Simon, autor de um dos projetos, afirmou que é preciso rejeitar a concepção puramente instrumental da escola, tornando mais conseqüente o fato de que ela é também responsável pela formação ética e cívica dos estudantes.

Felipe Patroni, mente em ebulição

O paraense Felipe Alberto Patroni Martins Maciel Parente, natural de Acará, onde nasceu em 1798, deixou seu recanto natal em 1816, para residir em Belém, embora tivesse em mente obter uma oportunidade para ir estudar Direito em Portugal. Era filho do alferes Manoel Joaquim da Silva Martins e afilhado do capitão de fragata Felipe Alberto Patroni, do qual herdou o nome. No mesmo ano em que se estabeleceu na capital do Pará, Felipe Patroni embarcou para Lisboa, seguindo depois para Coimbra, matriculando-se em sua famosa universidade. Aderiu às ideias iluministas e passou a embalar o sonho de dar novos rumos à política Vicente na Província do Pará. Aportou em Belém em janeiro de 1822, levando em sua bagagem uma impressora comprada na Imprensa Nacional de Lisboa, contando com a sociedade do tenente coronel Simões Cunha e tenente de milícia José Batista Camecram. Instalou a impressora na via que hoje tem o nome de Tomázia Perdigão.

No dia 1º/4/1822 Felipe Patroni fundou “O Paraense”, o primeiro jornal da Amazônia. A edição inicial circulou no dia 22/5, defendendo uma Constituição paraense. Também defendia a Independência do Brasil e a liberdade de imprensa. Antes deste feito, quando ainda residia em Lisboa, teve a primazia de ser o primeiro a falar na Assembleia Constituinte Portuguesa, no dia 22.11.1822, na Sala das Cortes, na presença do rei D. João VI. Proferia contundente discurso sem poder concluí-lo devido à interferência dos bajuladores do monarca. Rogava a D. João a adoção de um plano de eleições, contendo normas para escolher a nova Junta Governativa do Pará. O jornal português “Indagador Constitucional” publicou o seguinte texto: “Um deputado deverá corresponder a cada 30 mil almas, entrando neste número os escravos, os quais mais que ninguém devem ter quem se compadeça deles, proporcionando-lhes um sorte mais feliz até que um dia se lhe restituam seus direitos”. Fez isso na condição de delegado da Junta Provisória do Pará.

O jornal “O Paraense” contou com a circulação de 70 edições, mas silenciou a partir de fevereiro de 1823. O Brasil era independente, mas a Província do Pará não a aderiu, mantendo seus laços com Portugal. O jornal fundado por Felipe Patroni infernizou a vida dos governantes do Pará. Num determinado momento, as críticas veiculadas pelo jornal abalaram a estrutura governamental. Seus titulares recorreram ao tenente coronel Simões Cunha, sócio de Felipe Patroni, para fazer sumir os tipos de metal utilizados na impressão do jornal. Simões Cunha se prestou a atender a solicitação dos governantes, garantindo o encerramento das atividades do periódico. Para surpresa geral, o Paraense voltou a ser impresso, acentuando o grau de suas críticas. Previdente, Felipe Patroni tinha outros tipos bem guardados, pois sabia que não poderia confiar demais em seus sócios. Eles acabaram retirando-se da sociedade em troca de promoções de patente e outras vantagens pessoais. Outras tentativas para calar o jornal ocorreram. Nem a prisão de Felipe Patroni fez o jornal parar de circular. Com sua ausência, o cônego Batista Campos assumiu a direção do órgão e foi perseguido por isso.

Em fevereiro de 1823, Felipe Patroni foi preso no Forte do Castelo e neste local deveria permanecer até julgamento. Porém, acabou sendo mandado para Portugal que, pelo menos para os governantes da Província do Pará, mantinha jurisdição em seu território. Livre da prisão, retornou para Brasil e passou a residir no Rio de Janeiro, sede do governo imperial do Brasil. Sua mente já estava mais tranquila, fato que lhe permitiu instalar um escritório de advocacia. Casou com a prima Maria Ana, em 1929, indo exercer o cargo de juiz de fora de Niterói. Em 1842, alimentando pretensões políticas, retornou para Belém e conseguiu eleger-se deputado na Assembleia Nacional. Teve notável atuação na legislatura de 1842 a 1845, representando o Pará, mas não obteve novo mandato. Em 1851 vendeu seus bens e escravos para residir em Lisboa, onde faleceu no dia 15/7/1866, com 68 anos de idade. A cidade de Belém lhe prestou uma justíssima homenagem, declarando-o patrono da praça localizada na Cidade Velha à margem da avenida 16 de novembro.

O freio do Brasil é o tranco

Tenho dito freqüentemente em meu programa de rádio, que tem o mesmo titulo desta coluna, que o Brasil é um país onde prevalece uma condenável prática de gestão pública que os franceses chamam de laisser-faire (deixar fazer) ou laisser-aller (desleixo, indolência; facilidade em ceder). À conta de interesses políticos e pessoais, a maioria dos gestores públicos que sequer possui experiência necessária para conduzir o governo e ocupar cargos e funções, cumpre mandatos eletivos na base do erro e acerto, assessorados por quem procura demonstrar conhecimentos éticos e morais, mas se revelam conhecedores de ações que acabam desembocando em improbidades administrativas. Como, em nome da democracia, as pessoas que deveriam fiscalizar tais gestores não o fazem, a omissão se evidencia e a conivência prepondera. Quem deve fiscalizar precisa manter-se equidistante de questões partidárias, principalmente aquelas que são impedidas por lei de fazê-lo. Porém, o que vemos são elementos que se intrometem em questões de gestão municipal, estadual e federal, procurando preparar terreno para futuras incursões em cargos eletivos.
Ao longo da existência do Brasil Colônia, Brasil Império e Brasil República os anarquistas lutam para ter um lugar ao sol. Sem possuir cacife para atuar sozinhos, se acomodam à sombra dos políticos que os acolhem e os prestigiam para usufruírem deles em suas ações perniciosas de afrontar os adversários e agredir a ordem pública.

No Amapá, não precisamos recuar tanto para comprovarmos que esta verdade também é latente no setentrião brasileiro. São sobejamente conhecidos os baderneiros que prestam serviços a políticos que só visam seus próprios interesses e tomam como inimigos os gestores que os substituíram na condução da coisa pública ou não lhes dão a mínima bola. Estes políticos se aproveitam de manifestações reivindicatórias que pretendem ser ordeiras pela maioria de seus participantes, mas acabam manchadas pela onda de terror que os inconseqüentes espalham no sei da comunidade macapaense, obrigando a Polícia Militar a colocar em prática sua ação repressiva consagrada em lei. Na última quarta feira, dia 19 de junho de 2013, os baderneiros tentaram invadir o Palácio do Setentrião e quebraram vidraças do Centro de Convenções João Batista de Azevedo Picanço, da Junta Comercial do Amapá, da Secretaria de Administração, da Prefeitura Municipal de Macapá e de diversos estabelecimentos comerciais. Indivíduos depredadores, usando máscaras e panos enrolados no rosto, já indicavam bem a intensão de esconder o rosto para não serem identificados enquanto cometiam seus desatinos. Eles também conduziam armas branca, cartuchos para espingardas calibre 12, estoques, armas de fogo de fabricação caseira, bombas e coquetéis molotov. Mais de 60 menores foram apreendidos, quase todos drogados. Defensores da liberação da maconha mostravam faixa reivindicando total liberdade para usá-las, como se fosse proibido fazê-lo. Usuário já dispõe dessa liberdade, mas os velhacos querem mesmo é comerciá-la. Curioso é que os anarquistas e baderneiros se queixam da Polícia Militar.

Querem que o Bope dê refresco para quem desrespeita a ordem pública? Há um velho ditado que afirma: “quem dá moleza pra vagabundo é cozinheiro de presídio”. Os policiais cumprem uma missão espinhosa porque ficam expostos à sanha criminosa dos agitadores que vão a essas passeatas imbuídos do propósito de causar pânico e destruir o patrimônio público e privado. Seria desgraça plena da sociedade se a polícia não agisse da forma repressiva que a lei lhe garante. Quem disse que a polícia tem que distribuir flores a quem lhe arremessa espinhos e impropérios ofensivos? A repressão tem que ser feita na proporção certa para fazer cessar a truculência. Quem não se envolve em tumulto não é atingido pelo spray de pimenta, cassetetes e bombas de efeito moral como as que contêm o gás lacrimejante. Apanham os que se juntam aos marginais.

A seca de 1932, no Ceará

A primeira grande seca, que assolou a Província do Ceará teve inicio em 1887, ainda no tempo do Segundo Império do Brasil. A fase mais critica se deu no do ano de 1888 e se estendeu por 1889. O segundo flagelo acorreu em 1915, sendo abordado no livro de Raquel de Queiroz, cujo titulo é “O Quinze”. Em 1926, teve inicio uma estiagem tenebrosa, que se agravou em 1932. A seca deste ano levou o presidente Getúlio Vargas a determinar a construção de açudes, onde os retirantes trabalhariam. Para evitar que os flagelados rumassem para Fortaleza, o governo mandou instalar vários campos de concentração, também denominados “currais do governo” e “currais humanos”.

Os sertanejos que ficaram sem condições de produzir alguma coisa e não tinham meios de subsistência, empreenderam marchas com destino às cidades possuidoras de estações ferroviárias, com o propósito de obterem atendimento humanitário. Apenas as pessoas decididas a migrar para a Amazônia conseguiam liberação para tomarem uma composição ferroviária e seguirem para Fortaleza. Eram levadas diretamente para o porto e ali ficavam retidas até comprarem passagens em navios da Companhia Costeira e embarcassem.

Os “currais do governo” correspondiam a áreas de agrupamento de retirantes, gente fedida, piolhenta e maltrapilha, a maioria usando o tempo todo a mesma roupa. Nos campos de concentração despendia-se um grande esforço para tratar as enfermidades, saciar a fome dos retirantes, convencê-los a aceitar emprego na Amazônia.

A estiagem gerou grande carestia, e o risco de saque em estabelecimentos comerciais era tremendo, razão pela qual os flagelados não podiam sair da área onde estavam confinados e permaneciam guardados por soldados armados. Estima-se em aproximadamente 72.738 o número de concentrados, distribuídos nos seguintes campos: 1.800 em Urubu e Matadouro (Fortaleza); 4.542 em Quixeramobim e Quixadá; 16.221 em Senador Pompeu; 26.468 em Cariús; 6.507 em Ipu; 16.200 em Crato. Em pouco tempo, a cólera, a varíola e a diarréia foram disseminadas no meio daquelas pobres criaturas. Soma-se a isso a fome e a sede. Calcula-se em 150 o quantitativo diário de mortos nas áreas de confinamento. As moscas se encarregavam de espalhar a doença. No final do ano de 1931. Parte dos integrantes da família Montoril, que residia no Sitio Benguê, em área que hoje corresponde ao Bairro Zé Brandão, na então vila de Assaré decidiram deixar o torrão natal em busca de outros lugares para viver. Meu tio, José Pereira Montoril, o Cazuzinha, já estabelecido na região alagável da Ilha do Marajó, em frente a Macapá, que bem conhecia os efeitos de uma seca, retornou a Assaré para buscar a irmã Maria Montoril, o cunhado João Lourenço as sobrinhas Lourdes, Juracy e o sobrinho Olavo. Olga Montoril morava em Manaus. Na propriedade da família havia um depósito com milho, algodão, feijão e outros gêneros obtidos com muita luta. Para mantê-los em perfeitas condições, meu avô mantinha um aquecedor, regularmente alimentado com lenha. Algo muito estanho ocorreu no interior do deposito, que fez arder quase toda a produção. A chegada de Cazuzinha Montoril a Assaré foi oportuna. Meus avós concordaram em fazer cadastro na Comissão encarregada de mandar retirantes para cidades paraenses situadas às margens da Estrada de Ferro de Bragança.

O Sitio Jucá, que pertencera ao coronel Coriolano Jucá havia sido comprado por Cazuzinha e lá ficariam os Montoril. Saindo de Assaré e empreendendo uma caminhada de 120 km até Iguatu, meus familiares conduziram apenas pertences indispensáveis. Os demais bens instalados em Assaré foram vendidos. Em Iguatu, o pessoal pegou o trem e foi para Fortaleza. A bordo do navio Itapajé foi realizada a viagem para Belém e daí, até Castanhal, o percurso se fez em trem. Inicialmente, instalados na Vila Rocha, os Montoril foram se aclimatando. Era fevereiro de 1932, chovia bastante. Todas as tardes, às 16h30min, minha avó ia à Estação Ferroviária de Castanhal ver a chegada do trem com destino a Bragança. Ela tinha esperança de encontrar algum conhecido vindo de Assaré, para saber noticias de outros parentes. Esperança logo desfeita. Em anos seguintes outros Montoril deixaram o Ceará e foram morar em cidades de outras regiões brasileiras. Os rigores do inverno amazônico minaram a resistência dos meus avós paternos.Maria faleceu em 1938.João Lourenço, em 1941.

Matapi de ferro

Com o propósito de promover a radicação de colonos na área de Porto Grande, o governo do território federal do Amapá decidiu instalar, próximo às cabeceiras do rio Matapi, a 120 quilômetros de Macapá, o Núcleo Colonial Agrícola de Matapi. A região onde ficou situada a colônia correspondia a uma zona de contatos dos terrenos sedimentares com os do embasamento, bem como, da floresta com o campo. A administração territorial agiu de forma cautelosa para evitar malogros de empreendimentos passados, devido a falta de estudos técnicos com planificação. Os ensaios feitos em Matapi iriam contribuir para a escolha de áreas mais interessantes para a agricultura e pecuária em outros pontos da recém criada unidade federada.

A criação da colônia agrícola nacional, entre Ferreira Gomes e Porto Grande tinha como função principal o suprimento de legumes, hortaliças e cereais aos grupos humanos que se fixaram em Serra do Navio para exploração do manganês, podendo, também, suprir as necessidades de Macapá. Na ânsia de criar o projeto, o governo não realizou a analise da área compreendida entre Porto Grande e Ferreira Gomes. Uma simples visualização do solo indicava, que a borda do pene plano cristalino era forrada pela piçarra ferruginosa, que torna o solo improdutivo. A distribuição de terras aos colonos ficou a cargo do Departamento de Terras e Colonização- DTC, sediado em Macapá. Este órgão também concedia licença para localização aos moradores de Macapá, Mazagão, Amapá e Oiapoque. Posteriormente, mais precisamente no inicio da década de 1980, a atividade passou a ser integralmente desenvolvida pelas prefeituras municipais. Em 1840, o governo imperial do Brasil havia criado a Colônia Militar Pedro II, situada à margem do rio Araguary, próximo ao Tracajatuba. Esta colônia se manteve com muita dificuldade sendo completamente dizimada sua população, no inicio do século XX, pela insalubridade do meio. Além da malária, a mata fechada e a falta de campo para o gado contribuíram para o fracasso do núcleo.

A bem da verdade, por se tratar de uma colônia militar, cujo escopo maior era impedir a instalação dos franceses na região, o governo julgou que poderia manter os colonos e soldados a custa do erário público. Em 1891, outro núcleo agrícola surgiu no rio Araguary, a alguns quilômetros à montante da colônia militar Pedro II. Na margem direita do grande caudal despontou a colônia Ferreira Gomes. Segundo registros a respeito do esplendor econômico da vila, ela “chegou a ter um trapiche, onde mensalmente atracava um navio de Belém, para embarcar arroz, feijão, farinha e outros gêneros da produção local”. A produção obtida em um solo paupérrimo causa estranheza. Mais uma vez, as febres decorrentes da malária provocaram o malogro do núcleo. O Núcleo Colonial de Matapi ficou mais conhecido como “Matapi de Ferro”, por causa do “Acampamento do Ferro”, local usado pelo geólogo alemão naturalizado brasileiro, Fritz Ackermann, que ali acampou durante algum tempo para proceder pesquisas relativas ao minério do ferro, abundante no rio Vila Nova. Em época mais recuada o sitio abrigou uma aldeia de índios. Chegava-se ao acampamento depois de atravessar dois areões. Depois do primeiro areão havia afloramento de depósitos de hematita compacta, muito pesada, juntamente com a canga cavernosa.

A Colônia Agrícola do Matapi foi fundada em fevereiro de 1949. No mês de março, apenas cinco colonos ali fixaram residência. Em junho de 1950 já havia 17 casas, abrigando 100 pessoas. As roças ficavam fora da vila, estabelecidas na margem esquerda do igarapé do inglês. ”Os lotes foram divididos geometricamente, tendo a forma retangular e quase todos com as mesmas dimensões. Nos dois primeiros anos, o governo concedeu pecúlio de seis mil cruzeiros, ou seja, 500 cruzeiros mensais a cada colono. Os colonos foram obrigados a restituir tais valores em pequenas prestações mensais. A maioria dos colonos era composta por nordestinos que trabalharam na campanha da borracha durante a época da segunda guerra mundial. As habitações eram bem rústicas, feitas de pau a pique(taipa), cobertas com folhas da palmeira indaiá.

Calúnia contra Janary Nunes

Em maio de 1944, quando os trabalhos de implantação do Território Federal do Amapá seguiam em ritmo acelerado, o governador da novel unidade administrativa, capitão Janary Gentil Nunes foi alvo de uma noticia aleivosa que circulava em vila do Jary. A calúnia foi engendrada por José Aguiar Filho, Pedro Américo de Queiroz Facó, Sebastião Pereira de Alencar, José Gonçalves dos Santos, Vicente de Lima, Rosalina Monteiro Diógenes e Suzana Gonçalves dos Santos. Estas pessoas espalharam o boato de que o gestor amapaense havia recebido 60 bois do cidadão José Júlio Andrade, coronel da Guarda Nacional e proprietário de uma vasta área contida nos municípios de Almeirim, no Pará e Mazagão, no Amapá, compreendendo coleta de sementes oleaginosas, exploração de seringais, balatais, castanhas do Pará e criação de gado comum.

A sede dos empreendimentos do coronel José Júlio de Andrade era em Arumanduba, à margem esquerda do Rio Amazonas. Sendo muito rico, passava a maior parte do tempo viajando, inclusive pela Europa. Seu cunhado Duna Neno é quem dirigia os negócios com mão de ferro. Os caluniadores afirmavam que os 60 bovinos correspondiam a agrados por favores feitos a José Júlio pelo ilustre militar da Arma de Infantaria. José Júlio não precisava dos favores de ninguém, Suas propriedades estavam legalmente instaladas e lhe rendiam muito dinheiro. Ele foi influente na política paraense, chegando ao cargo eletivo de Senador Estadual. Só não era amigo de Magalhães Barata, mas gozava de muito pretigio no Estado do Pará. Ao virem à tona as calúnias ocupava o cargo de Diretor do Departamento de Segurança Pública e Guarda Territorial, o tenente do Exército e advogado, Paulo Eleutério Cavalcante de Albuquerque, que imediatamente determinou a abertura de inquérito policial e a apuração dos fatos. Sabedores de que seriam intimados e processados, os caluniadores refugiaram-se em locais bem distantes, dificultando suas notificações. Apenas os indivíduos José Aguiar Filho e Sebastião Pereira de Alencar atenderam a citação da Justiça de imediato. Os demais foram chamados por edital, dando-se-lhes um defensor dativo. Os fofoqueiros que atenderam a citação defenderam-se afirmando que não tinham participado da divulgação da inverdade. Porém, as provas contidas nos autos do processo diziam exatamente o contrário.

O governador Janary Nunes nunca foi conivente com qualquer atitude insensata dos gerentes das propriedades de José Júlio. O Secretário de Segurança capitão Humberto Pinheiro de Vasconcelos, que substituiu Paulo Eleutério, freqüentemente percorria as áreas de influência de José Júlio e não dava tréguas aos que agiam ao arrepio da lei. O governador do Amapá considerou a ação dos caluniadores como fruto do analfabetismo e da ociosidade parasitária em que andava mergulhado o povo. Era coisa comum alguém divulgar um fuxico e,quando cobrado a comprovar o fato,simplesmente fugia. A culpabilidade dos difamadores foi considerada irrefutável e levou a Justiça de Mazagão a condenar José Aguiar Filho a 2 anos e 8 meses de reclusão e multa de Cr$ 3.000,00(três mil cruzeiros). Sebastião Pereira de Alencar, José Vicente de Lima, Rosalina Monteiro Diógenes, Suzana Gonçalves dos Santos e Pedro Américo de Queiroz Facó, receberam a sentença de 1 ano e 4 meses de prisão e multa de Cr$ 1.000,00(hum mil cruzeiros).

A tramitação do processo durou mais de sete anos.As primeiras ações da Justiça neste caso precisaram ser tomadas pela Comarca de Macapá, haja vista que, em 1944, ainda não havia sido criada a Comarca de Mazagão. Essa só foi instalada em agosto de 1945. Outro fato curioso deve ter contribuído para dar certa convicção de impunidade aos caluniadores. É que, antes da criação do Território Federal do Amapá, a vila do Jary, onde eles moravam, pertencia ao Município de Almeirim. O marco divisor entre Almeirim e Mazagão era o Rio Cajary.

Referências ao rio Aporema

Quando estive no rio Aporema, pela primeira vez, há cerca de 55 ano,seu ainda integrava o movimento escoteiro. Sob o comando do chefe Humberto Santos, um grupo de discípulos de Baden Powell foi participar de um acampamento na propriedade do senhor Lauro Lobo, membro de uma tradicional família da região do Lago Duas Bocas. Alojamos-nos sob o assoalho da residência do nosso anfitrião, que era bem elevado devido à água que o inverno fazia jorrar na região formando um grande lago. Como estávamos no período da estiagem o aguaceiro do inverno havia escoado e apenas o rio retinha o precioso liquido. O Seu Lauro era um figuraço. Contador de causos fantásticos deixava os mais novos bem temerosos quando a noite caia. Somente agora retornei à região cortada pelo rio Aporema, ali ficando entre os dias 19 e 22 de abril, na fazendola do compadre Raimundo Magalhães, instalada na Vila do Bonito, que os populares chamam Vila dos Crentes, onde há uma igreja evangélica, escola e as casas dos moradores. Neste período do ano as chuvas são fortes e freqüentes.

As margens do rio estão cobertas pela água pluvial e, em determinados pontos, a profundidade passa de dois metros. Há outras residências na margem direita do Aporema e sobre os tesos ou ilhas, onde o aguaceiro não prontifica. Percorremos cerca de 210 km, partindo de Macapá, até alcançarmos a entrada do ramal de 38 km, que dá acesso ao Distrito de São Benedito. A partir desta vila a viagem ocorreu a bordo da voadeira do Magalhães. Fiquei fascinado com a paisagem. Na margem esquerda do Aporema foi fincada uma cerca de arame, que delimita uma área permanente de proteção ambiental. As vilas do Bonito e de São Benedito, juntamente com Floresta, Fazenda Modelo, Livramento, Meraúba, Nazaré, Conceição, Assentamento São Benedito, Campina Grande, Santa Maria do Lago Duas Bocas, Tabaco, Las Palmas, Santa Rosa do Araguary, Guanabara do Araguary, Mangueira, Tartarugal Grande, Assentamento do Mutum, Limão, Terra Firme (Uapezal), Ponta do Socorro, Vareiro, Lago Novo e Andiroba fazem parte do Distrito do Aporema e integram o Município de Tartarugalzinho, criado no dia 17 de dezembro de 1987.

O rio Aporema nasce na colina das Colônias, correndo em direção NO-SE e depois SE-NO, estendendo-se por 75 km até atingir o rio Araguari, do qual é tributário. O nome do importante caudal deriva do vocábulo indígena “apo”, que é designativo de raiz e “rema”, que quer dizer fedorenta. É provável, que os índios conheceram alguma árvore ou planta aquática cuja raiz fosse fedida. Algumas pessoas usam o termo apurema, mas isso não é correto. O inicio da criação de gado no distrito de Aporema data de 1847, quando Procópio Rôla e Lira Lobato introduziram as primeiras rezes bovinas. Isso ocorreu após a instalação da “Colônia Militar Dom Pedro II” e sua ocupação por soldados, colonos, índios e negros. O contingente armado passou a impedir que os franceses penetrassem em território paraense e dele retirassem produtos de valor comercial. Por volta de 1946, mesmo havendo uma criação de gado ao Deus-dará, um inventário de rebanhos do Território Federal do Amapá indicou que existiam 49.974 rezes na nova unidade federada, Macapá revelou a existência de 26.815 cabeças de gado; Amapá com 22.254 e Mazagão com 903 animais.

O maior produtor de gado bubalino no Amapá é Cutias do Araguary. Dados divulgados pelo Ministério da Pecuária e Agricultura revelam que o Brasil possui 1,15 milhões de búfalos e 150 milhões de cabeças de gado bovino. Dentro de 30 anos, o rebanho bubalino deve elevar-se a 50 milhões de rezes. No Norte do Brasil, o Estado do Pará desponta com 720 mil búfalos, dos quais, 461.275 estão no Marajó. No Nordeste são 135 mil rezes e no Sudeste 104 mil, O restante está espalhado por outras regiões. Além do Marajó, que beira o Atlântico (Soure e Salvaterra), merecem destaque Chaves e Cutias do Araguary. Ainda preso à Região Norte, revelamos que, em termos percentuais, o Pará tem 38% do rebanho bubalino; Amapá 18; Maranhão 6,5%. Na região dos lagos, Amapá, a criação poderia ser mais expressiva,mas ela exige investimentos elevados, entre eles a plantação de capim e assistência veterinária, coisa que poucos pecuaristas levam em conta.

Jânio quis ocupar a Guiana Francesa

No dia 3.8.1961, o presidente Jânio Quadros recebeu em audiência o governador do território federal do Amapá, José Francisco de Moura Cavalcante, e lhe disse que iria mandar invadir a Guiana Francesa, anexando-a ao Brasil. A revelação fez Moura Cavalcante levantar-se abruptamente e ficar andando de um lado para outro da sala, balançando a cabeça em sinal de não. Jânio mandou que o governador sentasse para ouvir os detalhes do estapafúrdio plano. A operação militar, denominada “Cabralzinho”, visava ocupar o departamento ultramarino da França, se possível de forma pacífica, mediante a dominação das forças ali estabelecidas. A justificativa para desencadear a ação dava conta de que o manganês do Amapá, exportado há mais de 4 anos pela Icomi, ocorria de maneira fraudulenta através do porto de Caiene e seria importante o Brasil ter seu território estendido do Caribe ao rio da Prata.Obviamente, Jânio também desejava ocupar o Uruguai. Estarrecido, Moura Cavalcante ouviu as ordens transmitidas pelo presidente: “Eu acho que chegou a hora de resolver definitivamente isso. Por que não anexamos a Guyana Francesa ao território brasileiro? Não tolero mais ver o minério de manganês do Amapá ser vendido para o exterior. Pretendo acabar com isso, notadamente porque entendo que parte sai do Porto de Santana e outra parte de Caiene, uma coisa absurda.”

A invasão seria realizada por uma expedição composta por cinco brigadas (2.500 homens) recrutadas de cidades distintas do Amapá, uma flotilha da Marinha de Guerra e aviões da FAB. As brigadas avançariam através de picadas abertas na mata, pois, à época, ainda não tínhamos ligação terrestre com Oiapoque. Em território guianense, a tropa seguiria pela estrada que liga Caiene a Saint George. A flotilha se posicionaria em frente a Caiene, sitiando-a.Os aviões da FAB prestariam apoio logístico e tático à empreitada. Fora Jânio, Moura Cavalcante e o comandante da Colônia Militar de Clevelândia do Norte, o assunto era de conhecimento do Marechal Cordeiro de Farias, Golbery do Couto e Silva, José Aparecido de Oliveira e Afonso Arinos de Melo Franco. Sentindo que Moura Cavalcante havia ficado chocado com a revelação, Jânio perguntou se ele cumpriria rigorosamente suas ordens. Ainda relativamente jovem e muito decidido, o pernambucano que governava o Amapá respondeu afirmativamente. Em meado de 1961, Moura Cavalcante tinha recebido uma ordem de Jânio para fiscalizar as balanças de pesagem de manganês no Porto de Santana, haja vista, que informes passados ao presidente da República levantavam suspeitas de fraude. Sem comunicar nada à gerencia da Icomi, Moura Cavalcante deixou Macapá no momento em que um navio estava atracado no cães de Santana para embarcar manganês.

O governador foi dirigindo um Jeep e ainda era cedo quando parou no portão da companhia mineradora exigindo que a grossa corrente que impedia sua entrada fosse abaixada. O pessoal da segurança pediu, que o gestor territorial se identificasse, o que ele se recusou a fazer, gritando que era o governador do Amapá e cumpria ordens de Jânio Quadros. Estabeleceu-se o impasse, porque o pessoal da segurança foi orientado a não permitir a passagem de uma pessoa de identidade ignorada. Moura Cavalcante engatou a marcha à ré dando a impressão de que se retiraria do local. Em seguida, com a primeira marcha de força engatada, investiu contra a corrente, quebrando-a e seguindo para a área do porto. Ao descer do veículo foi detido por seguranças da Icomi e impedido de ter acesso aos equipamentos de pesagem e embarque de minério. Levado para a sala do gerente da empresa foi extremamente grosseiro e prepotente. Só recuperou sua lucidez quando o gerente da companhia fê-lo ver, que a área da Icomi, particular e concedida na forma da lei não podia ser invadida. O fato foi repassado para Jânio Quadros, que passou a hostilizar a Icomi.
O governador ainda mandou iniciar a picada para o Oiapoque e ficou aguardando a vinda de Jânio para deslanchar a operação de invasão e anexação da Guiana Francesa. A Franca era presidida Pelo General Charles De Gaulle, que certamente reagiria a altura se Jânio Quadros não tivesse renunciado no dia 25.8.1961.

O beco do abieiro

Na cidade de Macapá, no meio do espaço delimitado pelas travessas Floriano Peixoto (Presidente Vargas) e Braz de Aguiar (Coriolano Jucá) e pelas ruas São José e Barão do Rio Branco (Cândido Mendes), havia uma larga passagem que ligava o largo de São Sebastião (Praça Veiga Cabral) ao largo de São João (praça Barão do Rio Branco). Devido à existência de um frondoso abieiro a passagem era conhecida como o “Beco do Abieiro”. Outro estreita viela, entre a vila Santa Engrácia e o quintal da casa do coronel Theodoro Manuel Mendes ligava essa passagem a atual Rua Cândido Mendes. Residiam em torno do Beco do abieiro diversas famílias tradicionais de Macapá, entre elas a do senhor Miguel Gantus, presidente do Cumaú Esporte Clube. Sua residência ficava no canto do Beco do Abieiro com a atual Avenida Getúlio Vargas e também funcionava como sede da agremiação alviverde da cidade. Conseqüentemente, embora houvesse um campo de futebol na ala “A” da Praça Veiga Cabral, o time do Cumaú preferia treinar no campinho armado na área do Beco do Abieiro. Após a criação do Território Federal do Amapá e a instalação do governo territorial em Macapá, algumas donas de casa aproveitaram o ensejo da chegada de trabalhadores para alugar alguns cômodos de suas residências e até mesmo a casa toda. Entre as locadoras de quartos destacava-se Dona Oswaldina, senhora carismática que a todos tratava com muita educação. Ela era viúva e contava com a companhia das filhos Marialvo e Luiz, e das filhas Alcinda e Nazaré. Em um dos cômodos de sua casa instalou-se a jovem Aracy Nascimento da Silva, professora normalista egressa de Belém que veio compor o magistério da novel unidade federada.

A casa de dona Oswaldina era geminada com o imóvel ocupado pelo comerciante Zoilo Pereira Córdova, dono do Bar ABC,situado na área onde está erguido o Teatro das Bacabeiras. Seu Zoilo Córdova tinha vários filhos, entre eles a Mariana a Lélé, o Paloca e o Pedro Maurício, meus contemporâneos da Casa dos Padres e do Grupo Escolar Barão do Rio Branco. No canto direito da passagem, esquina da Presidente Vargas,sentido da Praça Barão, ficava a residência do senhor Filomena, um dos primeiros açougueiros a ocuparem “talhos de carne” no Mercado Central. Nas outras extremidades do beco residiam Raimundo Ladislau, o grande tirador de ladrões do Marabaixo e Benedito Lino do Carmo, o velho Congó.

O Beco do Abieiro era muito freqüentado e por isso cheiro de novidades. Ao entardecer os moradores colocavam cadeiras nas calçadas e o papo rolava solto até a hora do jantar. A primeira descaracterização do Beco do Abieiro veio com a construção do prédio da Agência dos Correios e Telégrafos. Depois surgiu a “Lojas Pernambucanas”, acabando de vez com o campo de futebol do Cumaú Esporte Clube. O jornalista e radialista Carlos Cordeiro Gomes, o popular “Segura o Balde” também residiu na casa de Dona Oswaldina, local onde, a 11 de agosto de 1953, faleceu inesperadamente a Professora Aracy Nascimento da Silva.

Mazagão por via terrestre – I

uando os colonizadores portugueses decidiram desativar a cidadela de Mazagão, no Marrocos, deslocando para a Amazônia parte do contingente populacional que ali residia, um processo seletivo indicaria os que ficariam em Lisboa e os que se estabeleceriam em Belém do Grão Pará e Nova Mazagão. Diferente de Macapá, que surgiu como povoado, Nova Mazagão despontou como vila. Os dois núcleos eram necessários para firmar a soberania lusitana na Amazônia Oriental. Nova Mazagão, devido a sua localização enfrentou mais problemas do que Macapá, chegando ao ponto de ver muitos vilarinhos abandonarem o burgo em busca de lugares mais propícios para viver. Não fosse a persistência dos menos favorecidos economicamente, a vila poderia ter se revelado um grande fracasso. Em dado momento, devido às chamadas doenças de mau caráter, como o sarampo, tifo e malária, as autoridades estabelecidas em Belém chegaram a pensar em promover a transferência dos moradores para a Colônia D. Pedro II, no Rio Araguary. Como o empreendimento que redundou no surgimento de Ferreira Gomes também capengava e os custos para a mudança revelaram-se elevados, Nova Mazagão escapou da extinção. O Rio Mutuacá (mata do mutum) é um tributário do Amazonas cuja nascente está localizada no Lago dos Aruãs a montante da vila de Mazagão Velho. Recebe dois importantes afluentes: o Ajudante, pela margem esquerda e o Igarapé Grande pela margem direita. O Mutuacazinho, à esquerda de seu curso provém dos lagos acima do Carvão. A localização de Nova Mazagão foi instalada numa área de terras altas, delimitada pelo Igarapé Piri e pelo próprio Mutuacá. Este caudal teve sua denominação alterada pelos moradores da região para “rio de Mazagão Velho” ou simplesmente Mazagão Velho. O trecho estreito do Mutuacá, que passa em frente ao  núcleo populacional já foi um pouco mais cargo e profundo permitindo a entrada de embarcações de razoável calado. O estreitamento e assoreamento decorreram de questões geológicas e não de uma praga lançada sobre o rio por um padre da Ordem de Nossa Senhora da Piedade. Nos dias atuais, os bergantins utilizados no inicio da instalação da vila teriam problemas para alcançar o trecho. Entretanto, as viagens programadas para este tipo de embarcação aconteceram no período invernoso com a ocorrência de maré laçantes. Os mazaganenses, que já foram identificados como mazaganistas, se acostumaram a percorrer longos estirões por via fluvial. A maioria do pessoal utilizava pequena canoa classificada como “montaria”. Quem possuía condição financeira mais confortável navegava em regatões, batelões e vigilengas. Mesmo nas montarias, os caboclos improvisavam velas quando o vento era favorável. Estas “velas” podiam ser folha de açaizeiro, galho de árvore ou singelas bujarronas preparadas com tecidos de velas descartadas pelos donos de canoas grandes. Vieram, progressivamente, os motores a vapor, os motores a óleo e os motores de popa. O morador de Mazagão Velho, que precisasse empreender uma viagem para Macapá, recorria aos proprietários de canoas grandes a vela ou se disponibilizavam a remar por até 8 horas na vazante da maré. Para alcançar a região cortada pelos rios Navio, Maracá, Cajary e Jarí, o tempo de viagem era bem superior. Para ir a Belém, o mazaganense recorria aos préstimos dos comerciantes donos de canoas grandes a vela. Os mutuacaenses sabiam a programação das viagens de seus “patrões”, para os quais vendiam as sementes oleaginosas (murumuru, apracaxi, ucuuba e andiroba), repassadas à Praça de Belém para o fabrico de sabão e velas votivas. Assim, embarcavam no navio gaiola “Sapatinho de Noiva” (Clodóvio Coelho), na lancha “Ondina” (Senador Flexa), barco “Corsário” e canoa “Patrulha” (Francisco Torquato), “Cidade de Mazagão” (João Potock) e outras. A conta do isolamento, de Mazagão Velho perdeu a escala dos navios “Cassiporé” e “Oyapoque”, que ingressavam no rio Mutuacá, mas não podiam chegar até o porto de Mazagão Velho, surgiu, em 1915, Mazaganópolis (Cidade de Mazagão). Instalada na margem direita do Furo do Beija flor, a nova sede do município suavizou a questão do isolamento, mas não o eliminou.