Nilson Montoril

Um Natal marcado pela tristeza

A noite do dia 24 de dezembro de 1944 começava a dominar a pequena Macapá, quando o Posto Telegráfico recebeu uma mensagem passada de Vargem Grande, dando conta de que o padre Júlio Maria Lombaerd havia falecido em circunstâncias trágicas. Imediatamente, com a comunicação impressa em telegrama, o estafeta foi à Casa Paroquial entregá-lo aos padres Phelipe Blanke e Antônio Schulte, religiosos que, a exemplo do padre Júlio, integravam a Congregação da Sagrada Família, estabelecida em Macapá desde o ano de 1911.

Os sinos do campanário da Igreja São José passaram a executar o toque fúnebre de maneira intermitente, atraindo a população para frente do templo. Procurando conter a emoção, o padre Felipe Blanke, vigário da Paróquia de Macapá, repassou a todos a notícia que havia recebido. Há 22 anos o padre Júlio tinha deixado Macapá, fugindo da malária que o fustigava. Depois de atuar algum tempo na Vila Pinheiro (Icoaraci), no Pará, foi fixar-se em Manhumirim, no estado de Minas Gerais. A população ainda tinha viva na memória a figura do padre Júlio, um homem decidido que tantos benefícios trouxe para a então abandonada cidade paraense de Macapá e tinha por ela uma grande amizade. Júlio Emilio Lombaerd nasceu na Bélgica, no dia 7 de janeiro de 1878. Aos 17 anos, a 1º de novembro de 1895, em Maison Carré, África, recebeu o hábito sacerdotal. Sua consagração ocorreu a 18 de abril de 1897, aos 19 anos de idade. A recepção diaconal verificou-se a 6 de outubro e a ordenação sacerdotal a 13 de junho de 1908. Em setembro deste ano despediu-se dos familiares e embarcou para o Brasil, com destino a pobre e diminuta cidade paraense de Macapá. No dia 15 de outubro de 1908, o navio que transportava o Padre Júlio chegou a Pernambuco. Ele passaria quase 5 anos trabalhando em Recife, Natal e Belém.Chegou a Macapá no dia 27 de fevereiro de 1913, sendo recebido na Doca da Fortaleza pelos sacramentinos José Lauth (vigário de Macapá desde 1911) e Hermano Elsing, vigário de Mazagão, dois velhos amigos dos tempos de seminário. Em pouco período de tempo percorreu toda a região do atual Estado do Amapá e quase morreu ao ser picado por uma mosca peçonhenta na serra do Tumuc-Humac. A 2 de maio de 1913, foi nomeado pelo governador do Estado do Pará, Enéas Martins, para o cargo de Diretor das Escolas Reunidas de Macapá, fato que fez melhor consideravelmente o desempenho das mesmas, Padre Julio era empreendedor nato e fundou várias instituições benfazejas em Macapá: Congregação das Filhas do Coração Imaculado de Maria, Colégio e Orfanato Santa Maria, Cine Olímpia, Filarmônica São José e a Farmácia Comunitária. Na Ilha de Santana instalou a casa destinada ao retiro dos religiosos da Congregação da Sagrada Família. Sob a gestão dos padres italianos do Pontifício Instituto das Missões Estrangeira esta propriedade funcionou como pensionato e seminário. No atual bairro Buritizal o saudoso sacerdote belga criou a Fazenda Santa Maria, em cujas terras se fez a instalação do atual Cemitério São José.

Na fazenda ficavam os animais que os criadores de Macapá doavam ao santo padroeiro da cidade, que ali permaneciam até o dia do leilão a 19 de março. Antes da chegada dos padres sacramentinos, era o Padre François Rellier, francês com atividades na Guiana Francesa que prestava assistência espiritual aos macapaenses. O povo quase não ia à igreja e uma considerável parcela dele se devotava ao espiritismo africano e usava santos para angariar dinheiro em proveito próprio. O Padre Júlio reduziu drasticamente esta prática e por isto ganhou a antipatia dos espertalhões.

A comunidade negra deve a ele a organização da festa das coroas que ainda hoje simbolizam o Divino Espírito Santo e a Santíssima Trindade nas duas quadras do Marabaixo. Porém, em 1923, o Padre Júlio precisou deixar Macapá para livrar-se da malária. Levou consigo as religiosas da Congregação das Filhas do Coração Imaculado de Maria e todo o acervo das instituições que criara. Fixou suas atividades na então Vila Pinheiro (Icoaraci), no Estado do Pará, onde as freiras residiram até transferirem suas ações para Caucaia, no Ceará, onde ainda existe a Congregação. Padre Júlio não tardou a arribar com passagem por Alecrim, no Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro. Em busca de um clima mais ameno o ilustre vigário escolheu Manhumirim para reiniciar sua brilhante trajetória religiosa. Construiu o Hospital São Vicente de Paulo, o Seminário Apostólico, o Jornal “O Lutador” e outros empreendimentos. Em Dores de Indaiá, cidade mineira erigiu o Seminário São Rafael. Em 1931, no período da Ditadura Vargas, Padre Júlio foi acusado de ser integralista nazista e rebelde às autoridades brasileiras. Respondeu com muito altruísmo ao processo que lhe foi movido, sendo declarado inocente a 31 de outubro de 1931. Somente depois da decisão judicial ele recebeu o titulo de cidadão brasileiro e passou a usar o nome Júlio Maria de Lombarde. Nos dias atuais, a Fundação Padre Júlio atua em diversas partes do Brasil.

O verde território da esperança

Nasci no ano de 1944, quando a implementação do Território Federal do Amapá ocorria de forma acelerada. A área que passou a integrar a nova unidade criada em 13/9/1943 era relegada pelo Estado do Pará e já havia sido desejada por aventureiros, principalmente pelos franceses. A falta de infra-estrutura social e econômica era patente. A cidade de Macapá, sede do antigo município de igual denominação, jurisdicionado ao Pará, não possuía água encanada, energia elétrica, hospital e empreendimentos geradores de empregos. Em pouco tempo, o panorama mudou radicalmente. Subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, o Amapá tinha que andar na linha.

O governador Janary Gentil Nunes, paraense natural de Alenquer tinha perfeita consciência de que sua missão atendia exigência da segurança nacional. Desenvolveu seu trabalho enfrentando mudanças radicais no alto escalão da Nação tendo como principal galardão sua eficiência e probidade. O povo recebeu com simpatia a filosofia por ele implantada, evidenciando o otimismo em relação ao futuro e a crença de que tudo precisava mudar. Nas escolas públicas, os estudantes aprenderam a dar valor ao civismo. Sem o amor de seus filhos, o Amapá não progrediria. Usava-se com freqüência a expressão: “Amapá, o Verde Território da Esperança”. O Amapá era e ainda é verde, mas a esperança está passando ao largo, como um navio pilotado por aventureiros, sem rumo certo. Apesar de haver portos bastante seguros, onde a embarcação possa atracar, os comandantes buscam um destino sem fundamentos morais e éticos. O melhor atracadouro é a esperança, que precisa ser entendida como condição de progresso. A palavra vem de esperar, ansiar, almejar. Esperar que a nossa terra seja respeitada,seu povo valorizado, a riqueza que produzimos retorne à população em forma de educação, saúde, segurança e emprego. Os eleitores amapaenses precisam rejeitar os oportunistas, que se prevalecem de cargos eletivos para surrupiar o dinheiro público. No decorrer das campanhas eles agem como autênticos “santos do pau oco”. Depois de eleitos revelam um cinismo revoltante, mostrando que não cultuam o civismo e são capazes de praticar atos abomináveis.

O verde, da frase que titula este artigo teve inicialmente o sentido de novo. O verde das nossas matas e campos vem sendo preservado a custa de muito esforço dos cidadãos residentes no meio rural e por força das leis de proteção ambiental. É tão importante, que passou a nominar um projeto concebido pelo Senador José Sarney propondo a criação da Zona Franca Verde no Amapá. Ontem, dia 18/12/2015, a Presidente Dilma Rousseff sancionou a nova lei, renovando as esperanças dos amapaenses. Considerada um corredor econômico, que viabiliza a instalação de indústrias para a fabricação de produtos com matéria prima de origem animal, vegetal e mineral, a ZFV oferece atrativos às indústrias que desejarem se instalar no Amapá. Em épocas mais recuadas, em Calçoene, tivemos uma fábrica rudimentar, que extraia essência de pau-rosa, vendendo-a a japoneses, europeus e norte-americanos. Desde o meu tempo de guri, ouço dizer que os campos do Amapá não prestam para a agricultura. A terra é improdutiva e ácida. Como não presta? A Companhia Progresso do Amapá-COPRAM, empresa que integrava o grupo do empresário Augusto Antunes usou uma vasta faixa de serrado para plantar cana-de-açúcar e o resultado foi excepcional.

A empresa pretendia implantar uma fábrica de açúcar para produzir 100 mil sacos do produto ao mês. Infelizmente, manobras dos grandes usineiros do Nordeste impediram a concessão da licença federal. A COPRAM ateou fogo na plantação e a liberou para quem quisesse retirar canas da área. Experimentos com soja registram bom nível de produtividade, até mesmo nos campos do Curralinho, bem perto de Macapá. Ora, se os campos de Rondônia e os lavrados de Roraima estão sendo utilizados para o desenvolvimento de grandes empreendimentos agrícolas, por que, nos campos do Amapá o mesmo não pode acontecer? No primeiro semestre de 2016, o governo federal deverá regularizar as terras do Amapá e isso ajudará a mudar esta triste realidade.

Pauxi Nunes, um desportista esquecido

Pauxy Gentil Nunes, filho do comerciante Ascendino Nunes e Laury Nunes, portanto irmão de Janary Gentil Nunes, primeiro governador do Território Federal do Amapá, nasceu na cidade de Alenquer, no Estado do Pará, no dia 27 de fevereiro de 1918. Estudou o primário na cidade natal. O Ginásio (primeiro ciclo) e o curso de Humanidades (segundo ciclo) foram feitos em Belém, no Colégio Progresso Paraense. Depois de passar alguns meses atuando em Macapá, integrando a equipe de governo do irmão, seguiu para o Rio de Janeiro onde passou a trabalhar no Instituto dos Bancários. Formou-se como Contador, no dia 5 de dezembro de 1947 e ingressou na Representação do Governo do Amapá na capital federal. Amante dos esportes, principalmente do futebol, Pauxy Nunes assumiu um papel relevante dentro da Representação do Amapá, articulando-se com os grandes clubes cariocas e com a Confederação Brasileira de Desportos no sentido de estruturar e desenvolver o futebol do Amapá.

A 26 de fevereiro de 1944, participou da histórica reunião que redundou na fundação do Amapá Esporte Clube. Ao lado de Francisco Serrano, Manuel Eudóxio Pereira (Pitaica), Zoilo Pereira Córdova, Eloy Monteiro Nunes (seu tio) e outros abnegados desportistas fez valer a preferência do grupo pelas cores do Botafogo de Futebol e Regatas. Posteriormente, quando a agremiação passou a figurar com o designativo Amapá Clube, as letras iniciais do nome foram colocadas no interior da “Estrela Solitária”. O futebol de Macapá era excessivamente amador.

Os presidentes dos clubes, influentes no governo, promoviam a vinda de jogadores de Belém compensando-os com empregos nas repartições públicas. Entretanto, sem uma mentora regional organizada na forma da legislação exigida pela Confederação Brasileira de Desportos, o Amapá jamais participaria de uma competição oficial. A fundação da Federação de Desportos do Amapá, a 26 de junho de 1945 foi um acontecimento memorável. A idéia da sua criação partiu de Pauxy Nunes, a quem os dirigentes de clubes conferiram a presidência. Até que ela funcionasse normalmente, muitos momentos de inércia foram registrados. Depois da criação da FDA os clubes preocuparam-se com o aspecto organizacional. Em 1947, aconteceu o primeiro campeonato e o Esporte Clube Macapá conquistou o titulo Por solicitação de Pauxy Nunes a CBD prometeu incluir o Território do Amapá nas disputas do Campeonato Brasileiro de Futebol entre seleções das unidades federadas, caso o governo territorial construísse um estádio.

O espaço da Praça capitão Assis Vasconcelos (Veiga Cabral) não possuía área para acomodar o novo empreendimento. Aliás, o campo sequer possuía as medidas mínimas toleradas pela FIFA e CBD. No dia 15 de janeiro de 1950, o Estádio Territorial era inaugurado com o jogo Pará 1×0 Amapá. Desde este momento até julho de 1953 foi o Delegado da FDA junto a CBD, transferindo a função para Kepler Navegante Mota. No Dia 7 de novembro de 1954, por iniciativa de Pauxy Nunes, contando com o apoio do governo e da CBD, aconteceu, em Macapá, um congresso das federações desportivas do Norte e Nordeste do Brasil. Dirigiu o evento o senhor Rivadávia Correa Mayer, presidente da mentora mater nacional. Seu vice era Jean-Marie Goodefroide de Havelange. Idêntica promoção ocorreu em Salvador, nos dias 27 e 28 de 1957, de âmbito nacional.

O tenente José Alves Pessoa era o presidente da Federação de Desportos e o Prof. Mário Quirino exercia o cargo de presidente da Federação de Desportos Aquáticos. Pauxy Nunes se encontrava em Macapá, na condição de Secretário Geral (vice-governador) do Amapá e deus aos próceres mencionados todo o apoio necessário para que eles fossem a Bahia. Neste encontro foi lançada a candidatura de Havelange para a presidência da CBD. As ações de Pauxy Nunes visavam o esporte amador e foram sentidas nos Estados e Territórios Federais, Ainda nos dias atuais, na cidade de Icoaraci/Pará é realizado o Torneio Pauxy Nunes. Além do desporto, Pauxy tem o mérito de ter sido o primeiro governante a promover o asfaltamento de algumas ruas de Macapá, transferir o aeroporto para uma área mais distante do centro urbano e assistir melhor o interior.

Proclamação da República do Brasil

As ideias republicanas existiam no Brasil desde o tempo em que ele era colônia de Portugal, despontando a Inconfidência Mineira como o primeiro movimento neste sentido. Durante o regime imperial, elas ganharam mais adeptos e eram pregadas abertamente. Em novembro de 1870, no Rio de Janeiro, um grupo de idealistas fundou o 1º Clube Republicano. A 3/12 do citado ano, eles lançaram o “Manifesto Republicano”, publicado no jornal “A República”. Antes desse feito, os estudantes do Rio de Janeiro fizeram circular um jornalzinho denominado “O Radical Acadêmico”, impresso em 9/6/1870.

Entre os feitores do periódico estava o médico, jornalista e político Lopes Trovão, ativo propagandista das idéias republicanas. Ainda no ano em epígrafe, em São Paulo, surgia outro Clube Republicano, cuja liderança mais expressiva era Manuel Ferraz de Campos Sales, que viria a ser o 4º Presidente da República, período de 1898 a 1902. Em 1873, os republicanos reuniram-se na famosa Convenção Republicana de Itu, no interior de São Paulo, na casa do então Deputado Prudente de Moraes. Na condição de parlamentar, ele representou as classes liberais e os conservadores. Compareceram 133 convencionais, 78 cafeicultores e 55 profissionais de diversas áreas.

As ações desenvolvidas pelos republicanos não tinham nada de pessoal em relação ao Imperador D. Pedro II, que era bastante estimado. Porém, uma série de fatores mostrava que o regime monárquico estava decadente e inadequado para um país como o Brasil. Desde 1865, quando teve inicio a Guerra do Paraguai, o animo dos oficiais militares foi influenciado pela propaganda que visava dar fim à monarquia.

Em 1874, os Bispos D. Macedo Costa (Pará) e Frei Vital Oliveira (Bahia), estribados em bula concebida pelo Papa Pio IX, eliminou das Confrarias Religiosas quem fosse maçom e declarava-os excomungados. Ocorre que as ordenações papais não eram aprovadas pelo governo, pois feriam a Constituição do Império. Em função disso, os Bispos foram condenados a 4 anos de prisão e trabalhos forçados.Á época, o catolicismo era a religião oficial do Brasil e o Imperador tinha posição relevante na Igreja.D. Vital e D. Macedo Costa cometeram crime de responsabilidade civil por desrespeitarem a Carta Magna.Isso levou os católicos a aceitar as idéias republicanas. Nos cursos jurídicos de São Paulo e Olinda os ataques que o poeta Castro Alves fazia contra a escravidão e à monarquia motivaram os alunos a aderirem à campanha republicana. A Questão Militar, gerada pelos incidentes entre militares e Ministros causou danos irreversíveis.

Os Ministros proibiram que os militares discutissem assuntos de Exército e da Marinha através da Imprensa. Por ter descumprido a ordem, o tenente-coronel Antonio de Sena Madureira foi punido, Ele havia concedido entrevista ao jornal “A Federação”. Os protestos evoluíram nos quartéis. Em Porto Alegre, o Marechal Deodoro da Fonseca, que tinha enorme liderança no país, promoveu uma reunião onde os militares protestaram contra a liberdade de expressão. Foi chamado ao Rio de Janeiro com urgência para conversa com D. Pedro II. Sua punição era tida como certa, mas a aclamação que seus colegas de farda lhe proporcionaram levou o Imperador a anular a punição aplicada a Sena Madureira. Outra causa importante foi a abolição da escravatura. A medida gerou profunda transformação econômica. Libertos, os negros deixaram as fazendas de café, gado, cana-de-açúcar e outras atividades produtivas, ocasionando a escassez de mão-de-obra e a falência de muitos produtores, que se revoltaram com o Imperador.

Dia 14.11.1889, o major Sólon Ribeiro espalhou o boato que o Ministério do Visconde de Ouro Preto tinha decretado a prisão de Deodoro da Fonseca. O marechal estava enfermo em sua residência, mas, mesmo assim foi, no dia 15, levado a juntar-se a outros lideres republicano e aos militares em Campo de Santana. Deodoro comandou a tropa até o Quartel General e destituiu ouro Preto do cargo de 1º Ministro. Este mandou que o marechal Floriano Peixoto enfrentasse os republicanos. Além de recusar-se a cumprir a ordem, Floriano Peixoto juntou-se aos revoltosos. Estava proclamada a República.

Rodovia Mazagão Velho-Mazagão Novo

Em 1949, um grupo de homens destemidos, residentes em Mazagão Velho, decidiu desencadear uma empreitada homérica, que a maioria de seus conterrâneos considerou coisa de louco. A figura proeminente da turma era Washington Elias dos Santos, jovem que integrou o contingente de soldados da Amazônia na campanha que a Força Expedicionária Brasileira realizou na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. A partir de agosto daquele ano, quando a estiagem começava a marcar sua presença, os valentes mazaganenses passaram a reunir para tratar da abertura do pico da estrada que ligaria o burgo onde nasceram à cidade de Mazaganópolis, então sede do município de Mazagão.

Os que ouviam falar de tal propósito giravam o dedo indicador ao lado direito da cabeça, insinuando que os desbravadores deveriam estar doidos. Como é que alguém, em sã consciência, aparecia com uma novidade tão absurda? Se o governo do Território Federal do Amapá ainda não havia tomado a iniciativa para realizar a obra era porque a floresta, as áreas alagadas, os rios e igarapés se apresentavam como obstáculos difíceis de ser vencidos. Outro grande problema sempre era lembrado, a malária. Naquele tempo, a doença imperava no interior e causava muitos estragos na saúde dos que precisavam penetrar nas matas em busca de alimentação e para coletar produtos com boa aceitação no comércio. Além de Washington Elias dos Santos, popularmente conhecido como “Vavá”, os intrépidos Osmundo Barreto e Laudelino Maia Barreto, o Lódio, afirmavam que o pico da estrada poderia ser feito sem riscos eminentes. O povo ouvia os comentários e apoiava a pretensão, afinal de contas, estava cansado de empreender viagens desgastantes entre Mazagão Velho e Mazagão Novo usando pequenas canoas rotuladas como “montarias”, “cascos”, ”batelões” e “reboques”. Deslocamentos em embarcações motorizadas era coisa rara naquele tempo. Na vila de Mazagão Velho apenas duas pessoas possuíam motores de popa.

O comerciante Inácio Santos, pai do “Vavá” tinha um Archimedes de 12 HP. O capitão da Guarda Nacional Wolfgang Fonseca, ex-vereador nos idos do Conselho de Intendência Municipal, quando o Pará mantinha jurisdição na região, valia-se de um Johnson de 25 HP, mais veloz que o Archimedes e menos possante. Transitar numa ubá propulsionada por um motor de popa era privilégio de poucos. A gasolina não era cara e só podia ser comprada em lata com 20 litros e tambores com 200 litros. A granel só os comerciantes podiam vender. Os reboques adaptados com vela ajudavam bastante, mas apenas quando havia vento. Canoas e barcos movidos a vela quase sempre andavam abarrotados de madeira, sementes oleaginosas e mercadorias decorrentes de fretes. A propulsão das montarias, cascos e batelões provinha do remo. Por esta razão, os pobres viajantes programavam seus deslocamentos na “reponta da maré”. Remar contra amare só por necessidade. Para sair da vila de Mazagão Velho, descer o rio Mutuacá até sua foz e depois enveredar à esquerda no sentido de Mazagão levava, se os remadores caprichassem no serviço, cerca de 8 a 10 horas. Munidos de machados, terçados, serras, serrotes, machadinhas, cordas e rancho, os desbravadores iniciaram o trabalho voluntário seguindo o “rumo da venta”.

O trecho menos complicado foi o compreendido entre Mazagão Velho e a vila do Ajudante, banhada pelo rio de igual denominação. Progressivamente o grupo foi avançando até despontar em Mazagão. Cumprida a nobre missão, os devotados mateiros aguardaram que o governo assumisse o compromisso de mandar tratores e caçambas. Não foi fácil colocar as máquinas em operação. Apenas um trator e uma caçamba foram transportados, por via fluvial para Mazagão. A caçamba saiu de Macapá com o motor funcionando, acelerado para não “morrer”. Noite e dia ela foi mantida em tais condições até que uma bateria chegasse de Belém, Também tinha problema no motor de arranque, por isso ela ficava parada num declive. Se o motor “apagasse”, o motorista soltava o freio de mão e fazia o “tranco”.Pior seria se ela precisasse de manivela.

Revendo Mazaganópolis

Há quase três anos eu não ia a Mazagão. Havia dito que apenas uma razão muito forte me faria enfrentar a problemática e demorada travessia do rio Matapi. Nem as festas de devoção que são realizadas em Mazagão Velho eu fui prestigiar. Tinha decidido que só voltaria à cidade onde fui gerado e vivi meus primeiros cinco anos de vida após a conclusão das obras da ponte que separa as terras de Santana e Mazagão. Porem, dia 25.11. 2015, a razão forte se evidenciou, correspondendo a uma solenidade elaborada pelo Cram/Mzg. O convite para retornar ao pago que considero meu torrão natal partiu do amigo César Bernardo de Souza, que mantém permanente vigilância e precaução contra uma neoplasia em seu intestino e está engajado nos trabalhos coordenados pelo Instituto Joel Magalhães (Ijoma).

O professor Antonio Munhoz Lopes também fez parte do trio aventureiro. A despeito do fortíssimo calor, haja vista que o ar condicionado do carro do César está sem refrigerar, enfrentamos um trânsito morrinha por dentro de Santana (antiga Vila Maia) até alcançar a margem esquerda do Rio Matapi. Do outro lado do caudal havia uma viatura nos esperando, devidamente climatizada. Embarcamos na balsa do governo, que parecia uma lata de sardinhas devido ao aglomerado de carros, motos, bicicletas, gente e cachorros. Se dependesse de usar meu carro eu não teria ido. No decorrer da travessia pude contemplar a bela ponte que se estende sobre o rio e ficar aporrinhado com a insensatez dos projetistas. Se a cabeceira do lado de Santana tivesse sido direcionada para repousar sobre o asfalto da rodovia, ela já estaria pronta. Entretanto, por razões dúbias, uma guinada à direita direcionou-a para uma área de preservação ambiental. Dizem que nada foi feito por acaso. Teria havido a intenção de desapropriar uma área pertencente a um cidadão identificado com os governantes anteriores a Waldez. O Professor Munhoz também ficou indignado. Concluída a travessia do Rio Matapi apanhamos a viatura que nos esperava e rumamos para Mazagão. Novo desencanto quando via a fumaceira gerada pela queima da vegetação localizada nos dois lados da rodovia. Sinais evidentes de invasão são vistos, mas nada consta em relação à ação proibitória da SEMA e do IBAMA. Transpomos o Rio Maracapucu (chocalho comprido em tupy), que o povo teima em chamar de Anauerapucu.

A povoação ali estabelecida deve ser identificada como Maracapucu, visto que a escola local é que tem a designação de Anauerapucu. Somente depois de trafegarmos pela ponte Miguel Pinheiro Borges, estendida sobre o Rio Anauerapucu (anauera comprido) é que comecei a perceber algumas melhorias em termos de residenciais no trecho antes do Furo do Beija-Flor, onde existe uma ponte de concreto, a primeira do trecho, construída no governo de Aníbal Barcellos á frente do Território Federal do Amapá. Depois de três anos de ausência, notei que a cidade de Mazagão já não é aquele burgo relegado de outros tempos. Em breve, várias de suas ruas receberão revestimento asfáltico e a rodovia que a liga a Mazagão Velho está sendo pavimentada.

Quando a ponte do Rio Matapi for aberta ao público, quem se destina a Laranjal e Vitória do Jarí vai poder empreender a viagem passando por Mazagão, abreviando o percurso em mais de 100 quilômetros. Minha ida a Mazagão teve a ver com uma importante solenidade elaborada pelo Centro de Referência e Atendimento à Mulher – Cram/Mazagão, em parceria com o Ijoma. Fomos cordialmente recepcionados pela Psicóloga Gabriela Picanço, que desenvolve suas atividades profissionais na citada instituição, inaugurada no dia 18 de julho de 2013. O surgimento do CRAM veio em decorrência de um convênio firmado entre a Secretaria de Justiça e Segurança Publica/SEJUSP e a Secretaria de Políticas Para Mulheres, da Presidência da República. A patrona do CRAM é Francisca Jucilene da Silva do Nascimento, que foi morta por seu ex-companheiro no dia 9.5.2013, aos 27 anos de idade., na cidade de Mazagão. O auditório do Fórum de Mazagão ficou lotado, contando com a presença de estudantes, comunitários, políticos. Uma exposição de slides mostrou detalhes sobre o câncer de próstata e os cuidados que os homens precisam ter caso a doença os atinja.

Felipe Patroni, mente em ebulição

O paraense Felipe Alberto Patroni Martins Maciel Parente, natural de Acará, onde nasceu em 1798, deixou seu recanto natal em 1816, para residir em Belém, embora tivesse em mente obter uma oportunidade para ir estudar Direito em Portugal. Era filho do alferes Manoel Joaquim da Silva Martins e afilhado do capitão de fragata Felipe Alberto Patroni, do qual herdou o nome. No mesmo ano em que se estabeleceu na capital do Pará, Felipe Patroni embarcou para Lisboa, seguindo depois para Coimbra, matriculando-se em sua famosa universidade. Aderiu às ideias iluministas e passou a embalar o sonho de dar novos rumos à política Vicente na Província do Pará. Aportou em Belém em janeiro de 1822, levando em sua bagagem uma impressora comprada na Imprensa Nacional de Lisboa, contando com a sociedade do tenente coronel Simões Cunha e tenente de milícia José Batista Camecram. Instalou a impressora na via que hoje tem o nome de Tomázia Perdigão. No dia 1º/4/1822 Felipe Patroni fundou “O Paraense”, o primeiro jornal da Amazônia.

A edição inicial circulou no dia 22/5, defendendo uma Constituição paraense. Também defendia a Independência do Brasil e a liberdade de imprensa. Antes deste feito, quando ainda residia em Lisboa, teve a primazia de ser o primeiro a falar na Assembleia Constituinte Portuguesa, no dia 22.11.1822, na Sala das Cortes, na presença do rei D. João VI. Proferia contundente discurso sem poder concluí-lo devido à interferência dos bajuladores do monarca. Rogava a D. João a adoção de um plano de eleições, contendo normas para escolher a nova Junta Governativa do Pará. O jornal português “Indagador Constitucional” publicou o seguinte texto: “Um deputado deverá corresponder a cada 30 mil almas, entrando neste número os escravos, os quais mais que ninguém devem ter quem se compadeça deles, proporcionando-lhes um sorte mais feliz até que um dia se lhe restituam seus direitos”. Fez isso na condição de delegado da Junta Provisória do Pará. O jornal “O Paraense” contou com a circulação de 70 edições, mas silenciou a partir de fevereiro de 1823. O Brasil era independente, mas a Província do Pará não a aderiu, mantendo seus laços com Portugal.

O jornal fundado por Felipe Patroni infernizou a vida dos governantes do Pará. Num determinado momento, as críticas veiculadas pelo jornal abalaram a estrutura governamental. Seus titulares recorreram ao tenente coronel Simões Cunha, sócio de Felipe Patroni, para fazer sumir os tipos de metal utilizados na impressão do jornal. Simões Cunha se prestou a atender a solicitação dos governantes, garantindo o encerramento das atividades do periódico. Para surpresa geral, O Paraense voltou a ser impresso, acentuando o grau de suas críticas. Previdente, Felipe Patroni tinha outros tipos bem guardados, pois sabia que não poderia confiar demais em seus sócios. Eles acabaram retirando-se da sociedade em troca de promoções de patente e outras vantagens pessoais. Outras tentativas para calar o jornal ocorreram. Nem a prisão de Felipe Patroni fez o jornal parar de circular. Com sua ausência, o cônego Batista Campos assumiu a direção do órgão e foi perseguido por isso.

Em fevereiro de 1823, Felipe Patroni foi preso no Forte do Castelo e neste local deveria permanecer até julgamento. Porém, acabou sendo mandado para Portugal que, pelo menos para os governantes da Província do Pará, mantinha jurisdição em seu território. Livre da prisão, retornou para Brasil e passou a residir no Rio de Janeiro, sede do governo imperial do Brasil. Sua mente já estava mais tranquila, fato que lhe permitiu instalar um escritório de advocacia. Casou com a prima Maria Ana, em 1929, indo exercer o cargo de juiz de fora de Niterói. Em 1842, alimentando pretensões políticas, retornou para Belém e conseguiu eleger-se deputado na Assembleia Nacional. Teve notável atuação na legislatura de 1842 a 1845, representando o Pará, mas não obteve novo mandato. Em 1851 vendeu seus bens e escravos para residir em Lisboa, onde faleceu no dia 15/7/1866, com 68 anos de idade. A cidade de Belém lhe prestou uma justíssima homenagem, declarando-o patrono da praça localizada na Cidade Velha à margem da avenida 16 de novembro.

Chacina nos porões do brigue Palhaço

No dia 16.10.1823, uma portentosa agitação, agregando mais de mil brasileiros, sacudiu a capital do Pará. A manifestação foi engendrada por elementos que não eram favoráveis a adesão da Província do Pará à independência do Brasil e apregoavam a formação de um governo popular. Vale lembrar, que em janeiro de 1823, quando a adesão do Para ainda não havia ocorrido, o Cônego Batista Campos, apoiado principalmente por comerciantes brasileiros, chefiava um grupo de revoltosos denominado Os Patriotas.

Os integrantes do grupo se diziam liberais radicais e contavam com o apoio do povo das vilas de Cametá, Vigia Macapá, Mazagão, Monte Alegre e Santarém. Formaram uma junta governativa, sob o comando do Cônego Batista Campos, que foi destituída pelo Imperador Pedro I. No dia 11 de agosto, o oficial inglês John Pascoe Greenfel, oficial da Real Marinha Britânica a serviço do Império do Brasil, chega a Belém e declara os portos da cidade bloqueados. Notifica aos integrantes da Junta Governativa Provisória, que agirá com extremo rigor para impor a paz na região. Garante aos portugueses que aceitarem o desligamento do Brasil de Portugal como ponto pacifico a preservação de seus bens. Assegura que tinha vindo para oficializar a definitiva condição do Brasil como nação livre e manter a ordem na província. Pressionou a Junta Governativa para que a adesão paraense acontecesse com a máxima brevidade possível. Isso ocorreu no dia 15 de agosto. Voltando a apreciar o acontecido no dia 16 de outubro, dizemos que John Greenfel determinou a prisão de supostos agitadores, inclusive integrantes das tropas do 1º, 2º e 3º Regimentos de Infantaria e do esquadrão de Cavalaria, que se haviam amotinado. Cumprida sua ordem, os agitadores foram dominados por força das armas.

No dia 17 de outubro em frente ao Palácio do Governo, ordenou a execução sumária de cinco elementos que ele mesmo escolhera aleatoriamente dentre os detidos. Através da brutalidade, Greenfel pretendeu amedrontar os sublevados. Tão grande era sua fúria, que mandou amarrar à boca de um canhão o Cônego Batista Campos, só não consumando seu intento de matá-lo porque membros da Junta Provisória interferiram, ponderando que o prisioneiro fosse remetido para o Rio de Janeiro. Entretanto, no dia 19 de outubro o religioso foi colocado em liberdade. No dia 20 de outubro, 256 presos que estavam na cadeia publica fazendo tremenda algazarra, foram transferidos para bordo de um brigue denominado Diligente, que ancorou no meio da baia de Guajará. O porão tinha aproximadamente 30 palmos de cumprimento, por 20 de largura e doze de alto. As escotilhas foram fechadas e apenas uma fresta ficou aberta para entrada de ar.

O fortíssimo calor levou os presos ao desespero. Reivindicando a abertura das escotilhas, pois a falta de ar os fustigava, os presos irromperam em gritos, clamando por água e formulando ameaças á guarnição do navio e demais autoridades do Pará. A guarnição atirou sobre eles água de má qualidade. Mesmo assim, a disputa entre os amotinados foi feroz. Os presos brigaram, apunhalaram-se, usaram unhas e dentes para ver que primeiro se serviria do precioso liquido. Temendo que a turba conseguisse sair do porão do navio, os guardas dispararam suas armas para dentro do brigue e depois lançaram sobre aquelas pobres criaturas cal virgem. Por duas horas os presos debateram-se em agonia. Em três horas reinava silêncio absoluto.

Na manhã do dia 22.10.1823, quando as escotilhas foram abertas, viu-se no fundo do porão um montão de 252 corpos, cobertos de sangue e dilacerados. Aos poucos os cadáveres foram sendo retirados e transportados para a margem esquerda da baia de Guajará até o local do sitio Penacova. Uma longa vala comum foi escavada para receber os corpos. Ao ser concluída a remoção dos mortos, a guarnição do brigue Diligente constatou, que ainda agonizavam quatro elementos. Levados para o tombadilho deram sinal de melhora, o que motivou a transferência dos mesmos para o hospital. Três deles morreram no transcurso de 4 horas. Apenas um rapaz de 20 anos escapou da morte, mas levou uma vida de constantes sofrimentos.

Uma noite sob o Equador

Às 24h do dia 17/10/1945, no Clube dos Caçadores, cujo presidente era o tenente e inspetor de ensino Glicério de Souza Marques, tinha início, no cineteatro Macapá, o programa lítero musical denominado “Uma noite sob o Equador”. Os senhores Hélio Gurjão Praxedes, Pauxy Gentil Nunes, Aluísio Carvão e José Maria da Silva, membros da mesa diretora da mencionada sociedade, também se fizeram presentes, atuando na execução do importante evento. Segundo o jornalista Ranufo Flexa de Miranda, membro da equipe de reportagem do Jornal Amapá, “o amplo salão de espetáculos apresentava um aspecto original, por sua decoração artística, relembrando algum recanto paradisíaco do Pacifico, ou uma ilha marajoara mirando-se na versão do Rio Mar. Ambiente sadio, saturado de entusiasmo e garbo da rapaziada elegante da cidade, que homenageava o Dr. Coaracy Gentil Monteiro Nunes, representante do Território Federal do Amapá na capital federal (Rio de Janeiro) e os técnicos americanos que vieram observar as jazidas de ferro do rio Vila Nova, as quais se poderão tornar o berço da siderurgia amazônica.

Luar magnífico se descortinava lá fora, emprestando uma feição bizarra ao limiar daquele cenário, em que se via pompear na imaginação a floresta virgem e exuberante que se esparrama sobre a planície. Folhas de palmeiras e bananeiras, esmeraldinas e graciosas, debruçando-se através dos parapeitos do ventilado cine-teatro. Bancas espalhadas por toda parte. Aprumo de gran-senhores.Imponência de madames.Garrulice de moços entusiastas. Sorrisos encantadores de bonecas perfumosas. O Sr. Governador(Janary Gentil Nunes) as principais autoridades e pessoas gradas, figuras exponenciais da nossa sociedade, compartilhando daquele momento de inefável prazer. A música deleitosa, variada, repercutindo sons alegres nos ouvidos da gente”.

O show se estendeu pela madrugada do dia 18, uma quinta-feira, sendo aberto pelo violinista Mário Rocha, professor de música egresso de Belém, que mantinha um curso particular na cidade de Macapá. Os violonistas Walter Banhos de Araújo e Sidônio Figueiredo o acompanharam. Mário Rocha interpretou duas belas composições musicais: “Santa” e o tango argentino “La Cumparsita”. A seguir, o conjunto musical “Batutas do Ritmo” apresentou números bem populares, que agradaram intensamente à seleta platéia. Uma extraordinária surpresa ficou a cargo do jovem médico Mário de Medeiros Barbosa, cidadão que tem seu nome incluso na galeria dos Governadores do Território Federal do Amapá. Quase ninguém sabia que o ilustre profissional da medicina era também um pianista de reconhecidos méritos. Tocando “blues” e “foxs” ele agitou a platéia. Dr. Barbosa era rotulado pela imprensa e por seus amigos de profissão como o “Solitário de Mazagão”, porque era o único facultativo a atuar na sede do citado município. Sua participação na programação compreendeu uma homenagem aos médicos, haja vista, que, no calendário cívico nacional, o dia 18 de outubro é consagrado a eles. Embora muitos participantes pleiteassem que o show se estendesse até o amanhecer, os organizadores do evento o encerraram por volta das 4 horas da madrugada. Coube ao músico Mário Rocha e seus acompanhantes Walter Banhos e Sidônio Figueiredo fechar a belíssima programação.

O Cine Teatro Territorial foi estrategicamente erguido por trás do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, com acesso por dentro do estabelecimento de ensino, quando as programações envolvessem os alunos e os professores e pela lateral da escola, para o público em geral. Embora ainda não fosse utilizado para a exibição cinematográfica, o cine-teatro Macapá, que depois passou a ser identificado como cine-teatro Territorial servia para a realização de eventos importantes. Somente por ocasião das comemorações alusivas aos 45 anos da vigência do Laudo Suíço, que assegurou ao Brasil a posse definitiva da região entre os rios Araguary e Oiapoque é que o cinema foi inaugurado. Isso ocorreu no dia 1/12/1945. A partir de então ele ficou servindo para a exibição de filmes educativos, artes cênicas e solenidades diversas.

Engraxataria 10 de Novembro

Não se pode afirmar que os homens residentes em Macapá só passaram a ter seus sapatos brilhando após a instalação da “Engraxataria 10 de Novembro”. Porém, o empreendimento facilitou a vida de quem necessitava andar com os sapatos bem cuidados. Em vez de comprar graxa, escova e flanela, o sujeito procurava o engraxate, sentava-se numa cadeira apropriada e ainda lia jornais e revistas de graça. Essa cortesia só era permitida a quem engraxasse seus sapatos. A idéia de montar uma engraxataria em Macapá partiu do senhor Manoel dos Santos, cidadão egresso de Belém, onde exercia a atividade de engraxate e vendedor de jornais e revistas. Ciente de que a cidade de Macapá havia sido definida como a capital do Território Federal do Amapá, portanto sede de uma nova unidade federada tratou de obter informações sobre o local onde pretendia trabalhar. Não conhecendo outra profissão, o engraxate Manuel dos Santos não reunia condições para se candidatar a um emprego de operário das obras públicas que vinham sendo realizadas no burgo. Sabendo que poderia ganhar a vida com o trabalho de engraxate confabulou com a esposa e embarcou para Macapá. Trouxe seus apetrechos e os instalou na calçada do casarão amarelo que havia pertencido ao Coronel Coriolano Fineas Jucá, de frente para o prédio da Prefeitura Municipal de Macapá, que também servia de abrigo para o governo territorial. O casarão amarelo abrigava a Pensão da Madame Charlotte e o Café Aymoré, ambos à direita da Travessa Siqueira Campos e o Elite Bar, este de frente para a Rua Independência (atual Vereador Binga Uchoa). A pensão alugava quartos e fornecia alimentação a seus inquilinos e terceiros.

O Café Aymoré e o Elite Bar eram os pontos dos intelectuais e dos boêmios macapaenses. Os funcionários públicos procuravam andar bem vestidos e ter os sapatos brilhando. Manter os calçados sempre limpos não era tarefa fácil, porque as ruas de Macapá não eram calçadas. Estabelecido em um local privilegiado, Manuel dos Santos angariou um punhado de bons clientes. Uma singela placa de madeira, com a inscrição “Engraxataria 10 de Novembro” identificava seu ponto de trabalho. O nome do empreendimento correspondia a uma homenagem a Getúlio Dorneles Vargas, Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, que, no dia 10 de novembro de 1937 havia decretado o “Estado Novo”, transformando nosso país numa ditadura. Manuel dos Santos passou a conviver com servidores públicos, comerciantes, trabalhadores avulsos e quaisquer outros cidadãos que recorriam aos seus préstimos. Isso o transformou numa pessoa muito bem informada, desde fatos ocorridos no serviço público aos corriqueiros de uma cidade. Entretanto, Manuel dos Santos tinha a hombridade de manter-se discreto.

O homem sabia de tudo, mas preferia vender a imagem de quem estava alheio as conversas que ouvia. Antigos clientes do Manuel me disseram que uns cruzeirinhos de gorjeta ajudavam a clarear a sua mente. Algo do tipo: ”eu vou te revelar um segredo, mas não espalha”. O “Elite Bar”, instalado por João Vieira de Assis, mudou de local de funcionamento e levou consigo a “Engraxataria 10 de Novembro”. Amplo, moderno e aconchegante, o estabelecimento comercial do João Assis passou a funcionar na esquina da Av. Presidente Getúlio Vargas com a Rua São José. Mesas e cadeiras novas espalhadas no terraço a cerca de 50 centímetros de altura do leito das citadas vias públicas. A engraxataria e os freqüentadores contumazes ocupavam espaço na parte do terraço que tinha como limite a parede da casa do casal João Picanço e Raimunda Marques Picanço. Dessa forma, se sentiam mais à vontade e longe dos “perus”. Além de engraxar sapatos, Manuel dos Santos vendia jornais e revistas. Os jornais vinham de Belém no avião dos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, principalmente a Folha do Norte e a Província do Pará. As revistas nem sempre eram novas,mas tinham boa aceitação. No dia 4 de outubro de 1946, a cidade de Macapá perdeu o concurso de Manuel dos Santos, falecido no reduto do seu lar, Deixou viúva a senhora Itamar Pereira dos Santos e órfãos as filhos Léa, Lecy e Lael.