Nilson Montoril

Boto não vira gente

Essa conversa de que o boto vira gente, para seduzir mulheres que vivem nas margens de rios e igarapés, surgiu quando algumas jovens solteiras engravidavam e seus familiares cuidavam de proteger sua honra.

Em tempos mais recuados, quando uma mulher solteira engravidava dava um rolo danado. Com medo das ameaças do sujeito que lhe aplicara o “benefício”, não revelava sua identidade. Para todos os efeitos, o “beneficiador” tinha sido o boto vermelho.

Mas não eram apenas as solteiras que ficavam prenhes “misteriosamente”. Algumas mulheres casadas, amigadas ou amancebadas, cujos maridos passavam longo tempo fora de casa, perambulando pela floresta, riscando seringueira ou colhendo produtos extrativos, envolviam-se com outro homem e lançavam a culpa no pobre do boto.

Certamente, devido ao fato do boto ter pênis e ficar irrequieto quando uma mulher menstruada navega em pequena canoa, acompanhando-a o tempo todo, os índios e os caboclos inventaram a lenda de que o pobre mamífero da ordem dos cetáceos se transformava em homem para deflorar as virgens amazônidas que frequentavam festas dançantes de devoção ou de aniversário.

Como o “embarrigamento” de donzelas era relativamente acentuado, muitas famílias se apressavam em dizer que a “barriguda” tinha sido seduzida pelo boto. A lenda corresponde a uma história fantasiosa demais.

Ora, como é que um jovem estranho de roupas brancas, usando chapéu para encobrir o furo (respiradouro) no topo da cabeça e exalando um forte pixé, diferentemente dos caboclos que abusavam do perfume, não despertava curiosidade dos pais das moças e demais marmanjos? E, porque apenas o boto tinha o poder de se transformar em gente? A bota também deveria ter o mesmo poder.
É provável que os homens das próprias famílias mantivessem relações sexuais com filhas, sobrinhas, enteadas, cunhadas, sogras e agregadas, tirando proveito da lenda do boto pra lançar uma cortina de fumaça sobre o “estado interessante” das fêmeas da família.

O boto tem pênis, e a bota possui peitos e vagina. No período de acasalamento, que acontece de outubro e novembro, a bota expele uma secreção que tem o mesmo cheiro do sangue da mulher menstruada, que excita o boto, avisando-o de que está pronta para a reprodução.

A secreção não pode ser entendida como menstruação, haja vista que essa só ocorre nas mulheres e primatas (chimpanzés, gorilas e outras macacas). Na menstruação, o sangue que a mulher e as fêmeas primatas expelem pela vagina decorre da eliminação do endométrio devido à falta de fecundação dos óvulos. Nas fêmeas das demais espécies animais o endométrio é absorvido pelo útero.
Vale esclarecer que a cadela não menstrua, como muita gente pensa. O sangramento que algumas delas liberam provém do rompimento de pequenos vasos devido ao elevado fluxo de sangue no período do cio.

A ignorância dos índios e dos caboclos, em termos de anatomia, fez surgir a lenda. É claro que o homem só reproduz outro ser com mulheres. Pode transar com fêmeas de outras espécies, que nada acontece.

Conta-se que muitos caboclos realizavam tapagem de igarapés usando o “pari”, para capturar peixes, aprisionando botas caso elas estivessem no trecho interditado. Depois da vazante da maré, estando a bota indefesa sobre a lama, o pescador saciava seu apetite sexual. Existem registros de elementos que agiram dessa forma e eles são unânimes em dizer que as contrações dos músculos vaginais da bota deixam o ser humano estafado.

O cansaço não provinha do ato sexual em si, mas do esforço desprendido para se manter sobre a bota. De um modo geral, o caboclo matava a bota temendo que ela estivesse grávida.
Ao nascer, o boto vermelho tem a pele cinza. Seu nome científico é “Inia geoffrensis”. Coube ao francês Jacques Cousteau alterar a designação boto vermelho para boto cor de rosa. A outra espécie é preta, nominada tucuxi, mas parece que não tem o mesmo poder do boto vermelho.

No interior da Amazônia, o filho de mulher que não sabe quem é o pai do bruguelo é tido como “filho de boto”. Com certeza, boto de cinco dedos em cada mão. Como tudo acontece no Brasil, não estranhem se aparecer boto com apenas quatro dedos na mão esquerda.

Um raid pela democracia

Quando eclodiu a Revolução Militar de 1964, que tirou do cargo de Presidente da República o Dr. João Belchior Marques Goulart, o Tenente do Exército José Alves Pessoa, residente em Macapá, não aprovou a ação de seus colegas de farda e protestou ao ver cidadãos serem presos e excluídos do serviço público de maneira sumária.

O ilustre militar também foi atingido por medidas coercitivas, à pior delas o feriu profundamente seu amor cívico pelo Brasil. Por incrível que pareça, mesmo vivo, o Tenente Pessoa foi compulsoriamente passado para a reserva e assim mantido como se estivesse morto. Uma série de acusações lhe foi direcionada, entre elas a pecha de ser subversivo e indisciplinado. Ora, o Tenente Pessoa presidiu o Tiro de Guerra nº 130 e o fez muito bem. Evidenciou sua condição de disciplinador em todas as circunstâncias. Costumava estimular seus subordinados propensos a fracassar nas aulas de instrução militar, que o Exército é uma instituição para gente decidida, forte e disciplinada. Dizia que “guerra é guerra” e não tem moleza. Ninguém em sã consciência deve considerá-lo insensível, porque o velho “Engrena” era boa praça. Depois de ser duramente punido pelo Exército, o Tenente Pessoa enfrentou momentos muito difíceis. Até alguns indivíduos que se diziam amigos lhe viraram as costas e o hostilizaram. Em 1972, ano do sesquicentenário da independência do Brasil, o Tenente Pessoa decidiu empreender uma caminhada para demonstrar publicamente o seu amor pela Pátria. A jornada, que ele denominou “Raid pedestre Oiapoque-Chuí” teve largada na margem direita do rio Oiapoque e chegada a margem esquerda do Arroio Chuí, foi organizada com bastante alarde e contou com o apoio de seus irmãos maçons,familiares,desportistas, escotistas e amigos sinceros.

Os patronos da jornada foram: Almirante Benjamim Sodré (destacado escotista do Pará), Marechal Juarez F. Távora (grande amigo de farda),Marechal do Ar Eduardo Gomes, General Ivanhoé Gonçalves Martins, governador do Território Federal do Amapá, Dr. Laudo Natel, governador do Estado de São Paulo,Dr. Euclides Triches,governador do Rio Grande DO Sul e Dr. João Havelange,Presidente da Confederação Brasileira de Desportos. Patrocinaram o raid a Região Escoteira do Amapá, representada pelo Chefe Clodoaldo Carvalho do Nascimento e a Federação Amapaense de Desportos através de seu presidente Wilson Pontes de Sena. Á época em que residia no Rio Grande do Norte, sua terra natal, José Alves Pessoa compôs com os amigos Humberto Lustosa da Câmara, Aguinaldo Vasconcelos, Henrique B. Oliveira e Antônio G. da Silva, todos integrantes do movimento escoteiro potiguar, um grupo cívico que realizou uma caminhada entre Natal e São Paulo.

O propósito do grupo foi comemorar o Centenário da Independência do Brasil. Conforme planejaram, dia 7 de setembro de 1922, eles estavam em São Paulo, em frente ao monumento do Ipiranga. No raid de 1972, ele quis relembrar o feito anterior e novamente fez uso da farda dos discípulos de Baden Powell, afinal de contas, no escotismo existe a máxima de que “uma vez escoteiro, sempre escoteiro”.

No dia 1º de março o Tenente Pessoa deixou a cidade do Oiapoque com destino a Macapá. Se atualmente a Rodovia BR 156 ainda interpõe muitos obstáculos, imagine há 43 anos. O caminhante de então não era mais o vigoroso jovem potiguar do circuito Natal-São Paulo. Em 1972, o Tenente Pessoa estava com 69 anos de idade. Após cobrir o percurso Oiapoque-Macapá, com mais de 600 km, o bravo caminhante seguiu para Belém, onde iniciou a segunda etapa da empreitada. Entre Belém e a Rodoviária do Rio de Janeiro, passando por Belo Horizonte, ele caminhou 3.347 km. Passou a semana da Pátria em São Paulo. Concluiu seu roteiro no dia 19 de novembro de 1972, no Arroio Chui, onde derramou água do rio Oiapoque levada em um frasco.

Rompendo laços com o Pará

Quando o Presidente dos Estados Unidos do Brasil, Getúlio Dorneles Vargas decidiu criar mais cinco Territórios Federais, um com a denominação Amapá, o Estado do Pará tinha 53 municípios, figurando no meio deles Macapá, Mazagão e Amapá. A decisão de Getúlio Vargas visou à ocupação e o desenvolvimento de áreas de fronteira, à época muito vulneráveis. No caso do Território Federal do Amapá, a fronteira com a Guiana Francesa contava com a presença da Colônia Militar de Clevelândia do Norte, mas aventava-se a possibilidade de que tropas alemãs pudessem ser enviadas para a colônia da França, país então ocupado por tropas de Adolf Hitler.

O ato presidencial, que tomou o nº 5.812 foi assinado no dia 13/9/1943. Para governar o Amapá, o presidente da República nomeou o então capitão Janary Gentil Nunes, paraense da cidade de Alenquer. Esta nomeação ocorreu no dia 27 /12 /1943 e a posse do governador aconteceu no dia 29, na sede do Ministério as Justiça e Negócios interiores. O titular da administração amapaense se estabeleceu provisoriamente em Belém, a fim de poder tomar as medidas expressamente necessárias para a instalação do governo. Através dos jornais e das emissoras de rádio divulgou notas a respeito da contratação de mão-de-obra qualificada para construção civil, segurança pública, magistério, medicina, enfermagem, motoristas terrestres e navais. Carpinteiros, marceneiros, vigilantes, pessoal burocrático. Como não havia agência bancária em Macapá, a dotação orçamentária para o exercício de 1944, da ordem de dez milhões de cruzeiros foi depositada na Agência Central do Banco do Brasil, na capital paraense.

No dia 25/1/1944, uma terça-feira, ao alvorecer, o avião Douglas DC 3, do Aero Clube do Pará, decolou de Belém com destino a Macapá. Além da tripulação, estavam a bordo o Governador Janary Gentil Nunes, o Advogado Raul Montero Valdez, o Advogado e Político João Guilherme Lameira Bittencourt, Secretário-Geral do Pará. O Interventor Federal do Estado do Pará era o então Coronel Joaquim de Magalhães Cardoso Barata, investido do cargo desde o dia 8/2/1943. Barata era membro destacado do Partido Liberal e “amigo de farda” de Janary Nunes. Seu apoio ao jovem gestor do Território Federal do Amapá foi importantíssimo. No momento em que se deu a instalação do governo, o municípios de Macapá contava com uma população de aproximadamente 9 mil habitantes.Em 1920, o contingente populacional do município de Macapá era de 18.387 pessoas.Nesta época a jurisdição de Macapá se estendia à região das Ilhas do Pará e o canal norte do rio Amazonas não figurava como limite territorial entre ele e vizinho estado.

A cidade de Macapá, carente de assistência médica, sem energia elétrica, esgoto, água encanada, agência bancária, tinha apenas 1.936 almas. O grosso da população vivia na zona rural. A criação do Território Federal do Amapá tirou do Estado do Pará os municípios de Macapá, Mazagão e Amapá. Conseqüentemente, restaram 50 municípios. Na Região Norte havia dois Estados: Pará e Amazonas e o Território Federal do Acre, com população de 1.593.100 pessoas. O censo demográfico de 1940 demonstrou que o crescimento vegetativo da população foi mais expressivo na faixa etária de zero a 29 anos, assim distribuído: 0 a 9 anos igual a 272.933; 10 a 19, em torno de 215.913; de 20 a 29, aproximadamente 171.181 habitantes.Em 1943, a população do Pará era de 1.022.100 habitantes. Viviam 484.100 indivíduos no Amazonas e 86.900 almas no Acre.

A exemplo da maioria dos municípios paraenses, as unidades municipais do Amapá enfrentavam sérios problemas de saúde. Se a coisa era complicada na cidade de Belém, imagine no interior. O índice de alfabetização das pessoas com 18 anos para mais era de 46,6%, correspondente a valor absoluto de 229.831 cidadãos, de um montante de 493.666 pessoas residentes na capital. A taxa de crescimento da população variava de 38,49% a 46,51%. A relação das doenças que mais matavam por ano indicava os seguintes dados: Infecciosas e parasitárias (5.042); câncer e outros tumores (286); aparelho circulatório (1.206); urinárias e aparelho genital, exceto doenças venéreas, gangrenas e puerperais (2.820); respiratórias, não incluindo tuberculose (1.278).

Ambores de asfalto em chamas

O Contador Pauxy Gentil Nunes, quarto governador do Território Federal do Amapá, iniciou sua gestão administrativa quando ainda era muito presente a lembrança e os efeitos do acidente aéreo, ocorrido no dia 21 de janeiro de 1958, na vila Carmo do Macacoary, que ceifou as vidas do Deputado Federal Coaracy Gentil Monteiro Nunes, Suplente Hildemar Pimentel Maia e do piloto Hamilton Henrique da Silva. Antes dele, o cargo era ocupado pelo médico Amilcar da Silva Pereira, que substituira o Coronel Janary Gentil Nunes, guindado para a Presidência da Petrobrás. No período de 2 de fevereiro de 1956 a 14 de fevereiro de 1958, Pauxy Nunes atuou como Secretário Geral da administração territorial.

O cargo equivalia ao de vice-governador. Com a saída de Amilcar Pereira, para canditar-se ao cargo de Deputado Federal, o Presidente Juscelino Kubitschek efetivou Pauxy Nunes como governador a contar da ultima data supra mencionada, e, na mesma data nomeou o Promotor Público João Telles como Secretário Geral. Entre fevereiro de 1958 a 17 de fevereiro de 1961, o clima político foi tenso, haja vista, que Pauxy Nunes revelou acentuada intempestividade e hostilidade em relação aos adversários políticos filiados ao Partido Trabalhista Brasileiro. João Teles conservou sua “mineirice” e tentou conter o temperamento explosivo do parceiro. Sobejamente conhecido como devotado desportista na região amazônica, principalmente no Pará e no Amapá, Pauxy Nunes ganhou a alcunha de “Caudilho do Norte”. Sua atuação como gestor público não foi das piores. A ele, a cidade de Macapá deve o traçado de ruas e avenidas, graças ao Plano Diretor da Administração Amapaense.

No inicio do ano de 1960, o governo territorial adquiriu um lote de tambores de piche destinado ao asfaltamento das principais vias públicas de Macapá. O capeamento de ruas e avenidas utilizaria o processo alto-selante, que, em 1963, a Indústria e Comércio de Minérios S.A. tinha realizado nas travessas da Vila Amazonas, Vila da Serra do Navio e do Escritório Central. O processo consistia em jogar o piche sobre a terra, cobrindo-o com areia. Isso exigia um bom tempo para o piche absorvesse a areia e a mistura secasse. O período invernoso não era propicio para um trabalho dessa natureza, por isso, os tambores foram colocados atrás da Fortaleza de São José, próximo ao baluarte de Nossa Senhora da Conceição.

O tempo passou, o mato cresceu em volta dos tambores e a estiagem presente a partir de setembro provocou o vazamento do material de fácil combustão. Na noite de 24 de setembro de 1960, um incêndio de graves proporções irrompeu no local. A sirena da Usina de Força e Luz, situada na Av. General Gurjão foi ligada e o povo ganhou as ruas. O fogo, certamente ateado no capinzal por algum sujeito de má índole atingiu o piche derramado no solo e se expandiu.

Os tambores fechados eram arremessados ao ar com sucessivas explosões. A situação só começou a ser controlada, quando o Corpo de Voluntários de Defesa de Incêndios, conhecido como CVDCI, pertencente à ICOMI chegou ao local do sinistro. A unidade de Santana utilizou um caminhão-bomba com capacidade para quatro mil litros d’água, extintores de carga especial e outros dispositivos inexistentes em Macapá. Os bombeiros voluntários da ICOMI integravam duas unidades, em Santana e Serra do Navio, cada uma delas com 42 homens, todos funcionários da empresa mineradora. Bem treinados e agindo com muita cautela, não demoraram a eliminar o fogo. Mereceu reconhecimento especial da ICOMI o funcionário Hilkias Alves de Araújo, chapa 5499, que, usando roupa adequada subiu nos tambores ainda livres das chamas, para despejar água no interior deles. Sem os vedadores das tampas, e, conseqüentemente, sem gás represado, o piche não iria explodir. Em maior número, os demais membros da CVDCI faziam jorrar muita água sobre os tambores incandecentes.

A cidade de Macapá, que passou maus momentos com pavorosos incêndios, em 1960 ainda não tinha um grupamento de bombeiros regulamentado e aparelhado. Com muita limitação, a Guarda Territorial se virava para apagá-los.

Relatórios de governadores

Apartir do ano de 1944, os governadores do território federal do Amapá tinham que elaborar minucioso relatório de suas atividades e encaminhá-los ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Posteriormente foi criado o Ministério do Interior, que passou a coordenar e supervisionar as unidades criadas em áreas de segurança nacional. Sem ter uma situação jurídico-administrativa claramente definida, os territórios federais figuravam como apêndices do poder central brasileiro.

Os governadores eram nomeados pelo presidente da República, cabendo-lhes a nomeação e designação de gestores para cargos e funções publicas, inclusive de prefeitos. No período em que os territórios estiveram subordinados ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, o rigor concernente às prestações de contas era rígido, notadamente porque o país passava por mudanças radicais depois de ficar mais de 15 anos sob a ditadura Vargas. Com a retomada democrática e o funcionamento do Congresso Nacional e das assembleias legislativas, velhos e perniciosos vícios políticos, como tráfego de influência ressurgiram. No Amapá, ao final de cada exercício gestacional, o relatório de governo, que simplesmente poderia ser enviado para o Rio de Janeiro através do Correio Aéreo Nacional, motivava a ida de vários servidores do então Serviço de Administração Geral-SAG. No fundo, isso representava um prêmio aos seus elaboradores e titulares da área meio da administração territorial. Documentos preciosos foram gerados e bem poderiam estar conservados em lugares apropriados. Infelizmente a papelada pública, por falta de um arquivo público se perdeu ou foi criminosamente cremada. Se alguém quiser ter acesso aos primeiros relatórios do governador Janary Gentil Nunes, talvez os encontre no Arquivo Público Nacional. Certamente verá citações marcantes, como essa referente a concordância do presidente Getúlio Dorneles com a doação de 10 lotes de terra do Patrimônio Municipal de Macapá ao Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado-IPASE, para que o referido instituto construísse 10 casas residenciais e as vendesse a servidores públicos.A área doada ao IPASE corresponde aos lotes situados à esquerda da Avenida Iracema Carvão Nunes, entre as Ruas José Serafim Gomes Coelho(atual Tiradentes) e General Rondon. A decisão de Getúlio Vargas foi publicada no Diário Oficial da União, que circulou no dia 11.4.1953. Observe, que nem o prefeito de Macapá e nem o governador tinham competência para doar terras integrantes do Território Federal do Amapá,algo que ainda prontifica. Somente na gestão do governador Ivanhoé Gonçalves Martins, iniciada em 20.4.1967, esta situação foi evidenciada de forma clara.

O relatório do citado ano evidencia o conteúdo do item 3.1.3 – Filosofia Administrativa do Governo o seguinte texto: “Nos primeiros momentos de nossa gestão, entendemos por bem definir a filosofia do Governo. Assim estabelecemos as relações dos órgãos da administração entre si e com o Governador. Esta filosofia está sintetizada no seguinte: O Decreto-lei nº 7.773, de 23.7.1945, não define as atribuições do Serviço de Administração Geral em relação às municipalidades. No entanto, faz parte do seu organograma uma Seção de Municipalidade, com unções de assessoria e fiscalização, donde decorre a necessidade de orientação técnica e auditagem nas prestações de contas, a serem feitas, como é óbvio, pela Seção de Contabilidade”.

O general Luiz Mendes da Silva, que governou o Amapá no período de 15.5.1964 a 19.4.1967, relatou que a educação possuía 209 escolas primárias e 10 ginásios, atendendo uma clientela de 25 mil alunos no primário e 5 mil no secundário.Cerca de 1420 universitários estudavam em diversos estados. No tocante à saúde, frisou que havia um número reduzido de médicos, dentistas e enfermeiras, porque os vencimentos dos mesmos não eram atrativos. Denunciou o contrabando que andava solto nas costas do Amapá. O gado saía do Território com destino a Caiene. O café, embarcado clandestinamente em Belém seguia a mesma rota. A carne de gado custava, em Caiene, o dobro ou o triplo do preço praticado no Amapá.

Um Natal marcado pela tristeza

a noite do dia 24 de dezembro de 1944 começava a dominar a pequena Macapá, quando o Posto Telegráfico recebeu uma mensagem passada de Vargem Grande, dando conta de que o padre Júlio Maria Lombaerd havia falecido em circunstâncias trágicas. Imediatamente, com a comunicação impressa em telegrama, o estafeta foi à Casa Paroquial entregá-lo aos padres Phelipe Blanke e Antônio Schulte, religiosos que, a exemplo do padre Júlio, integravam a Congregação da Sagrada Família, estabelecida em Macapá desde o ano de 1911.

Os sinos do campanário da Igreja São José passaram a executar o toque fúnebre de maneira intermitente, atraindo a população para frente do templo. Procurando conter a emoção, o padre Felipe Blanke, vigário da Paróquia de Macapá, repassou a todos a notícia que havia recebido. Há 22 anos o padre Júlio tinha deixado Macapá, fugindo da malária que o fustigava. Depois de atuar algum tempo na Vila Pinheiro (Icoaraci), no Pará, foi fixar-se em Manhumirim, no estado de Minas Gerais. A população ainda tinha viva na memória a figura do padre Júlio, um homem decidido que tantos benefícios trouxe para a então abandonada cidade paraense de Macapá e tinha por ela uma grande amizade. Júlio Emilio Lombaerd nasceu na Bélgica, no dia 7 de janeiro de 1878. Aos 17 anos, a 1º de novembro de 1895, em Maison Carré, África, recebeu o hábito sacerdotal. Sua consagração ocorreu a 18 de abril de 1897, aos 19 anos de idade. A recepção diaconal verificou-se a 6 de outubro e a ordenação sacerdotal a 13 de junho de 1908. Em setembro deste ano despediu-se dos familiares e embarcou para o Brasil, com destino a pobre e diminuta cidade paraense de Macapá. No dia 15 de outubro de 1908, o navio que transportava o Padre Júlio chegou a Pernambuco. Ele passaria quase 5 anos trabalhando em Recife, Natal e Belém.Chegou a Macapá no dia 27 de fevereiro de 1913, sendo recebido na Doca da Fortaleza pelos sacramentinos José Lauth (vigário de Macapá desde 1911) e Hermano Elsing, vigário de Mazagão, dois velhos amigos dos tempos de seminário. Em pouco período de tempo percorreu toda a região do atual Estado do Amapá e quase morreu ao ser picado por uma mosca peçonhenta na serra do Tumuc-Humac. A 2 de maio de 1913, foi nomeado pelo governador do Estado do Pará, Enéas Martins, para o cargo de Diretor das Escolas Reunidas de Macapá, fato que fez melhor consideravelmente o desempenho das mesmas, Padre Julio era empreendedor nato e fundou várias instituições benfazejas em Macapá: Congregação das Filhas do Coração Imaculado de Maria, Colégio e Orfanato Santa Maria, Cine Olímpia, Filarmônica São José e a Farmácia Comunitária. Na Ilha de Santana instalou a casa destinada ao retiro dos religiosos da Congregação da Sagrada Família. Sob a gestão dos padres italianos do Pontifício Instituto das Missões Estrangeira esta propriedade funcionou como pensionato e seminário. No atual bairro Buritizal o saudoso sacerdote belga criou a Fazenda Santa Maria, em cujas terras se fez a instalação do atual Cemitério São José.

Na fazenda ficavam os animais que os criadores de Macapá doavam ao santo padroeiro da cidade, que ali permaneciam até o dia do leilão a 19 de março. Antes da chegada dos padres sacramentinos, era o Padre François Rellier, francês com atividades na Guiana Francesa que prestava assistência espiritual aos macapaenses. O povo quase não ia à igreja e uma considerável parcela dele se devotava ao espiritismo africano e usava santos para angariar dinheiro em proveito próprio. O Padre Júlio reduziu drasticamente esta prática e por isto ganhou a antipatia dos espertalhões.

A comunidade negra deve a ele a organização da festa das coroas que ainda hoje simbolizam o Divino Espírito Santo e a Santíssima Trindade nas duas quadras do Marabaixo. Porém, em 1923, o Padre Júlio precisou deixar Macapá para livrar-se da malária. Levou consigo as religiosas da Congregação das Filhas do Coração Imaculado de Maria e todo o acervo das instituições que criara. Fixou suas atividades na então Vila Pinheiro (Icoaraci), no Estado do Pará, onde as freiras residiram até transferirem suas ações para Caucaia, no Ceará, onde ainda existe a Congregação. Padre Júlio não tardou a arribar com passagem por Alecrim, no Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro. Em busca de um clima mais ameno o ilustre vigário escolheu Manhumirim para reiniciar sua brilhante trajetória religiosa. Construiu o Hospital São Vicente de Paulo, o Seminário Apostólico, o Jornal “O Lutador” e outros empreendimentos. Em Dores de Indaiá, cidade mineira erigiu o Seminário São Rafael. Em 1931, no período da Ditadura Vargas, Padre Júlio foi acusado de ser integralista nazista e rebelde às autoridades brasileiras. Respondeu com muito altruísmo ao processo que lhe foi movido, sendo declarado inocente a 31 de outubro de 1931. Somente depois da decisão judicial ele recebeu o titulo de cidadão brasileiro e passou a usar o nome Júlio Maria de Lombarde. Nos dias atuais, a Fundação Padre Júlio atua em diversas partes do Brasil.

O 1º Natal no Território do Amapá

Criado a 13 de setembro de 1943, o Território Federal do Amapá só foi instalado no dia 25 de janeiro de 1944, tendo a cidade Macapá como capital, muito embora o ato governamental que criou a nova unidade federada determinasse que a sede fosse a cidade de Amapá. A nomeação do primeiro governador, capitão Janary Gentil Nunes Janary Gentil Nunes tinha ocorrido dia 27 de dezembro de 1943, e sua posse no dia 29, no Ministério da Justiça e Negócios Interiores, órgão ao qual os territórios estavam subordinados.

O Natal de 1943, repleto de esperanças por um novo porvir foi comemorado com muita singeleza pelo humilde povo que residia na área desmembrada do Estado do Pará. Nos anos de 1944, 1945 e 1946, o governo territorial adotou algumas programações festivas que contaram com a efetiva participação da população. Algumas lojas já dispunham de artigos natalinos e de presentes, bem diferentes do que habitualmente vinha ocorrendo na pequena “Estância das Bacabas”. Os brinquedos industriais então disponíveis eram caros, fato que contribuía para a encomenda de brinquedos artesanais bem fabricados por alguns marceneiros locais. Em 1947, como parte das festividades do Natal, o governo territorial programou para o dia 24 de dezembro significativos eventos. Um deles foi levado a efeito às 20 horas, no bairro do Hospital, assim chamada a área onde surgiu o Hospital Geral de Macapá e que hoje integra o bairro central. Em um barracão preparado pelos operários do Hospital Geral de Macapá, que se encontrava em construção, a comunidade negra, que havia sido remanejada do Largo de São João (Praça Barão do Rio Branco), para terrenos mais elevados, motivando o uso da palavra Favela, dançou alegremente o Marabaixo tomando a Mucura, a gengibirra e o mungunzá (mingau de milho). O outro festejo se deu na sede social do Trem Esporte Clube Beneficente, agremiação que tinha sido fundada em 1º de janeiro de 1947, e de imediato passou a ser a grande referência da alegria no bairro proletário de Macapá. Sob a coordenação da senhora Doninha Banhos de Araújo ocorreu a apresentação do auto de Natal intitulado “As Pastorinhas”, que fez muito sucesso.

No centro da cidade, na então Passagem Francisco Caldeira Castelo Branco, atual Rua Tiradentes, aconteceu uma concorrida festa dançante na casa do senhor Sebastião Canuto da Costa, cidadão amante dos folguedos e bastante estimado no seio da comunidade macapaense. A parte festiva foi encerrada por volta das 23h30min horas, a fim de que os partícipes dos eventos pudessem assistir a “Missa do Galo”, que foi realizada na Igreja de São José, na época, o único templo católico existente em Macapá. A Paróquia de São José era dirigida pelos padres Felipe Blanck e Antônio Schultz, que integravam a Congregação da Sagrada Família. Em 1948, estando os padres do Instituto Pontifício das Missões Estrangeiras conduzindo os destinos do catolicismo no Amapá, a programação se estendeu ao município de Oiapoque, com a inauguração das reformas da velha capela local. A solenidade foi conduzida pelo prefeito Amilcar da Silva Pereira e pelos padres Vitório Galliani e Carlos Bassanini. Havia tanta gente, que a missa acabou sendo rezada na praça. Em Macapá, antes da santa missa foram entregues as fitas de aspirantes a treze candidatos à Congregação Mariana e descoberto o 1º presépio aramado na cidade.

O material usado na montagem do presépio veio da Itália e foi montado à direita da entrada do nosso mais antigo prédio, cuja inauguração ocorreu no dia 6 de março de 1761. A Santa Missa do Natal foi celebrada pelo Padre Aristides Piróvano, o Administrador Apostólico do Amapá e concelebrada pelos demais sacerdotes. Um coral bem ensaiado cantou músicas natalinas tradicionais, ao som do “harmonium” (acordeom) do Padre Vitório Galiane. Na manhã do dia 25 de dezembro, as crianças mais abastadas apresentavam seus belos brinquedos, que os pais egressos de Belém tinham comprado na capital paraense. Os menos aquinhoados exibiam carros de madeira feitos por marceneiros e carpinteiros locais e bonecas de pano concebidas por familiares. As crianças pobres inventavam seus próprios brinquedos, como revolveres de madeira e animais representados por mangas verdes de diversos tamanhos.

Amazônia e os efeitos da 2ª Guerra Mundial – Parte I

O primeiro ciclo da borracha no Brasil teve inicio em 1879 e se estendeu até 1912. Foram 33 anos de muita riqueza e progresso. Apenas na segunda metade do século XIX, a goma elástica entraria com vigor na economia amazônica, se bem que, já em 1827, trinta toneladas tivessem sido produzidas, rendendo a quantia de nove contos de réis. Em 1905, a borracha representava o segundo lugar entre os produtos de exportação do Brasil logo abaixo do café. Em 1910, a goma elástica chegou a figurar com 40% do valor da exportação nacional.

Como a produção não repousava sobre uma estrutura econômica adequada, toda a riqueza sumiu repentinamente, suplantada pela produção dos plantadores de seringueiras do Oriente. O segundo ciclo foi bem mais curto, correspondendo ao período de 1941 a 1945. Em maio de 1941, o Presidente dos Estados Unidos do Brasil, Getúlio Dorneles Vargas firmou um acordo com os Estados Unidos da América do Norte, denominado “Acordo de Washington” para elevar a produção da borracha brasileira. A carência do produto no mercado internacional foi motivada pela ocupação dos seringais plantados pelos ingleses, na Malásia, por tropas japonesas, um dos países do Eixo. Desde 1939, a segunda guerra mundial estava em vigor. Os seringais brasileiros estavam abandonados.Cerca de 35 mil trabalhadores, que migraram para a Amazônia em épocas mais recuadas viviam entregues à própria sorte. Nos termos do Acordo de Washington, o Brasil deveria elevar sua produção, de 18 mil para 45 mil toneladas. A meta era mobilizar 100 mil seringueiros. Com a entrada dos Estados Unidos no grande conflito, as providências necessárias à concretização do acordo precisaram ser aceleradas. Em 1942 começou o alistamento compulsório dos retirantes da seca, feito pelo Serviço de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia-SEMTA, sediada no Nordeste, em Fortaleza. Além da SEMTA também foram criadas a Superintendência para o Abastecimento do Vale da Amazônia-SAVA, o Serviço Especial de Saúde Pública, o Serviço de Navegação da Amazônia e Administração dos Portos do Pará e o Banco de Crédito da Borracha. “A constituição do Banco foi autorizada pelo governo federal através do Decreto-lei nº 4.451, de 9 de julho de 1942,mas somente em fevereiro do ano seguinte entrou em funcionamento efetivo. A necessidade de um autêntico instituto de crédito se fazia tão premente, que o capital inicial de 50 milhões de cruzeiros teve de ser triplicado, em menos de um ano e meio Desde que intensificada a indústria extrativa de borracha, a região amazônica passou a depender do Banco de Crédito de maneira completa. Em quatro anos, a entidade passou a ser encarada Omo a espinha dorsal de sua economia. Por essa razão, encerrada a guerra, eliminada a necessidade do produto que determinara sua abertura, mesmo assim o Banco da Borracha não pôde fechar as portas,como seria natural.Os característicos do organismo de emergência nem por isso deixaram de influir na marcha do instituto e eis que, retirados os diretores norte-americanos, entrou em colapso,abalando o organismo econômico do vale, A essa altura, o Banco do Brasil que, praticamente, deixara de operar na região norte,foi convocado a acudir o estabelecimento em crise”.

O recrutamento voluntário de trabalhadores nordestinos deveria ter incorporado 65 mil “Soldados da Borracha” ao contingente de 35 mil já estabelecidos na Amazônia, mas não foi além de 55 mil. O Brasil fornecia a borracha e recebia investimentos financeiros para montar uma grande infraestrutura industrial. Toda a produção seguia em potentes aviões norte-americanos para os Estados Unidos, fugindo ao risco de torpedeamento caso o transporte fosse marítimo.

Aliás, os torpedeamentos realizados por submarinos alemães a navios mercantes, no trecho Brasil-Estados Unidos, impediram a importação de produtos alimentícios e farmacêuticos necessários aos moradores de Belém, Manaus e outros centros populacionais da Região Norte, despertaram a ganância por lucros fáceis em muitos comerciantes. Nas duas maiores cidades nortista, os comerciantes tiveram de ser contidos em suas ânsias de conseguir lucros altos aumentando os preços de remédios e alimentos. Também por retirarem os mesmos das prateleiras.

A Pedra do Guindaste – Final

Em setembro de 1931, estando exercendo suas atividades na Promotoria Pública do Pará, o Dr. Otávio Meira foi designado para vistoriar todos os cartórios, juizados e prefeituras de Belém até Mazaganópolis, sede do município de Mazagão. Os municípios de Macapá e Mazaganópolis estavam sob jurisdição do Estado do Pará. É bem pitoresca sua narrativa sobre desembarque e embarque de cargas e passageiros em Macapá, pois ainda não havia sido construído o trapiche da cidade. Segundo o Dr. Otávio Meira, na maré alta, os barcos com menor calado podiam entrar no Igarapé do Igapó ou Bacaba, mas o mesmo não acontecia com os navios, que fundeavam e ficavam ao sabor das ondas. Tornava-se mais prático aguardar a maré baixa, que deixava inteiramente à mostra a Pedra do Guindaste. Em algumas oportunidades, quando a maré estava alta e as águas calmas, usava-se uma embarcação tipo barcaça para receber as cargas dos navios. Neste caso, elas permaneciam fundeadas próximo à pedra, sobre a qual, uma engenhoca tipo bate-estacas, equipada com moitão/roldana e corda fazia o papel de um guindaste, daí o nome atribuído à formação rochosa. Para vencer o estirão da praia era usado um carro puxado por dois bois. Foi graças aos termos do seu relatório, que o Interventor Federal Magalhães Barata liberou verbas para a construção do primeiro trapiche de Macapá.

O Intendente Municipal era o Major Eliezer Levy e a obra teve inicio em 1932. Teve inicio em 1969, as entabulações para a concepção de uma imagem de São José, padroeiro de Macapá e seu assentamento na Pedra do Guindaste. Sem alardes, as partes interessadas, envolvendo Dom José Maritano, Bispo Prelado de Macapá e o Governador do Amapá, General Ivanhoé Gonçalves Martins, tomaram todas as providências cabíveis. Ninguém contestou o fato de a imagem não carregar o Menino Jesus nos braços e ficar de frente para o rio mais caudaloso do globo terrestre. Devidamente iluminado, a imagem de São José não recebeu a missão de proteger a cidade. Como um importante símbolo do catolicismo ali ficou incólume. Porém, na noite de 23 de setembro de 1973, o navio Domingos Assmar, que fazia linha fluvial entre Macapá/Belém/Macapá foi arremessado contra a pedra, quebrando-a e lançando nas águas agitadas do Amazonas a apreciável escultura do santo padroeira da cidade.

O cidadão Antônio Assmar, proprietário da embarcação assumiu os ônus pelo restauro da imagem e a construção de uma pilastra de concreto, para substituir a Pedra do Guindaste. Novamente entrou em ação o luso-brasileiro Antônio Pereira da Costa, recuperando sua obra de arte. Para erigir a pilastra foi contratada a firma Platon Engenharia e Comércio, então capitaneada por Clarck Charles Platon. Tudo voltou a ficar como antigamente, até o momento em que, apareceram os difusores de uma nova idéia, imediatamente refugada pela comunidade macapaense que preza suas tradições. Pretendiam os arautos do turismo trocar a atual imagem por outra bem maior. Também seria removida a pilastra pioneira por outra de maior diâmetro, da qual partiria uma passarela ligando-a ao trapiche Eliezer Levy.

A nova imagem deveria conter o Menino Jesus nos braços e ficar de frente para a cidade. Estas propostas não foram o ponto que fez despertar o descontentamento popular. Inaceitável foi ignorar o valor histórico da obra concebida pelo escultor e arquiteto Antônio Pereira da Costa, apenas porque ela não tem tamanho exorbitante. Outro erra cometido pelos idealistas malfadados foi dizer que a imagem atual iria ser colocada na frente da Fortaleza de São José. Ora, a frente do monumento bélico corresponde a sua área de proteção patrimonial, onde a escultura seria um “corpo estranho, que não faz parte do projeto de autoria de Henrique Galúcio. Felizmente, as novidades não encontraram guarida no sei da comunidade macapaense. Até praticantes de outros credos não as aprovaram. Ocorre, que a imagem de “São José da Beira Rio” precisa ser protegida e colocada longe de gente fantasiosa. Um pedido formal de tombamento da imagem será dirigido ao IPHAN.

A Pedra do Guindaste – 1ª parte

Até o ano de 1723, embora já estivesse em vigor o Tratado de Utrecht, firmado entre Portugal e França a 11 de abril de 1713, que determinava ser luso-brasileira a região da Costa do Cabo do Norte, pretendida pelos francos, estes teimavam em realizar incursões pelo Rio Amazonas valendo-se da amizade estabelecida com os índios Aruan, Tucujú e Aroaqui, que constituíam os três grupos mais perigosos e hostis aos portugueses. No dia 14 de fevereiro do ano supra mencionado, os frades das ordens de Santo Antônio e da Conceição da Beira e Minho, foram encarregados de tentar, mais uma vez, a pacificação dos irredutíveis Aruan. Foi um passo importante obtido pelos freis João e Bernardino, ambos franciscanos de Santo Antônio, os quais lograram assentar vários povoados nas terras da boca norte do Amazonas e na Ilha do Marajó. Uma série de outras medidas foram tomadas pelos portugueses, mas os franceses insistiram em querer fixar posições na Amazônia Oriental. Portugal erguera o Forte de Santo Antônio sobre as ruínas do Forte de Cumaú tomado dos ingleses, mas o tempo e a falta regular de manutenção aceleraram sua deterioração levando-o à ruína.

No dia 5 de outubro de 1738, o capitão-general João de Abreu Castelo Branco visitou o Forte de Santo Antônio e comprovou a sua fragilidade. Através de carta endereçada ao Rei D. João V, recomendou a construção de outra fortificação em lugar mais próximo da foz do Amazonas e em área mais ampla. Ainda em 1738, um forte de faxina foi montado enquanto as providências relativas ao levantamento de uma casa forte fosse tomadas, o que não aconteceu por falta de recursos. Pequenos quartéis foram feitos e ocupados por um destacamento comandado por um capitão.

Entre 1738 e 1749, ficou bem evidente a necessidade de ser erguida uma grande fortaleza, haja vista que, o reduto artilhado com apenas duas peças de artilharia já demonstrava sérios desgastes. Os quartéis levantados em 1738 ocuparam espaços no platô de terra firme onde surgiu o povoado de São José de Macapá, na primeira quinzena de 1751, e mais tarde a portentosa Fortaleza de São José, entre 1764 a 1782. O aspecto do litoral onde foi implantado o povoado de Macapá era bem singelo, chamando a atenção dos navegadores e colonizadores uma formação rochosa assentada na margem esquerda do Rio Amazonas, Nada de sobrenatural havia sobre sua existência. Era simplesmente uma pedra, com a mesma matéria encontrada nas falésias do platô da fortaleza. Ela ornou a praia de Macapá até setembro de 1973. Desde 1970 existiu sobre ela uma imagem de São José, esposa de Maria e pai putativo de Jesus Cristo.

A importante escultura foi feita pelo luso-brasileiro Antônio Pereira da Costa, natural da Freguesia de Valadares, Conselho Vila Nova de Gaia, Distrito do Porto, em Portugal. Na comunidade de Valadares as atividades principais concentravam-se na agricultura e na produção de cerâmicas. Antônio Pereira da Costa e seu pai eram ceramistas e escultores de inegáveis méritos, com importantes obras realizadas no Rio de Janeiro, em São Luiz do Maranhão, Belém do Pará e em Macapá.

Na então capital do ex-Território Federal do Amapá, Seu Antônio Costa instalou sua oficina de trabalho no quintal da Augusta e Respeitável Loja Maçônica Duque de Caxias tendo recebido especial autorização de seus irmãos, que sempre o distinguiram como um invulgar “obreiro da paz”. Muitas das suas obras ainda são vistas e admiradas nas cidades de Macapá e Amapá: Grupo Escolar Barão do Rio Branco, Hospital Geral de Macapá, Maternidade Mãe Luzia, Fórum de Macapá, que hoje abriga a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, os Leões assentados na frente do citado prédio, a Estátua de Francisco Xavier da Veiga Cabral, em Amapá, o Busto de Tiradentes, o busto do Deputado Federal Coaracy Nunes, na Praça do Aeroporto Internacional Alberto Alcolumbre, o Tempo da Loja Duque de Caxias e a Imagem de São José que ainda permanece sobre um pilar de concreto ereto sobre as pedras menores da antiga formação rochosa derrubada pelo navio Antônio Assmar, em setembro de 1973. Outro leão esculpido pelo Senhor Antônio Pereira da Costa foi encomendado pelo comerciante Hermano Jucá Araújo, meu tio paterno e torcedor apaixonado do Clube do Remo. Pintada de azul, a escultura foi mandada para Belém e instalada no Estádio Evandro Almeida.