Política

Presidente da OAB/AP é contrário ao aumento de pena para crimes no trânsito

Auriney Brito diz que agravamento da pena foi estabelecido por causa da influência exercida pela mídia, mas além de não resolver o problema, contraria a legislação.


O presidente em exercício da OAB/AP, Auriney Brito, afirmou neste sábado no programa Togas&Becas (DiásrioFM 90,9), que o agravamento da pena em crimes de trânsito é desproporcional e viola a legislação vigente, em especial a base do direito brasileiro. Segundo ele a própria jurisprudência que vem se firmando atribuindo dolo eventual para quem dirige sob efeito de droga ou álcool é equivocada.
“Hoje a jurisprudência tem se firmado no sentido de que quem comete crime no trânsito sob efeito de droga ou álcool na minha visão é equivocada. De forma técnica, e para isso eu peço licença aos que não estao ligados ao direito, explico que o dolo está dividido em dois elementos, que são a vontade e o conhecimento. Quando se diz que o dolo eventual existe por assumir risco do resultado posso até concordar, ao dirigir em alta velocidade, embriagado ou na contramão posso até concordar, que assumir o risco produz um dano. Só que assumir o risco parte da vontade; até posso, por assim dizer, forçando muito a barra, posso considerar, mas isso só preenche o lado vontade e não o lado conhecimento. Não posso aceitar o dolo sem conhecimento”.
O advogado explicou que, como o direito brasileiro tem forte influência do direito alemão, o dolo eventual só pode ser considerado se o condutor do veículo tiver conhecimento do resultado do risco assumido: “Como o nosso sistema jurídico é herança, na verdade copiado do sistema alemão, o sistema alemão considera que o menos importante é a vontade no dolo; ganha força hoje na Alemanha o dolo sem vontade, mas no Brasil é contraditório. Para eles o que mais importa no dolo é o conhecimento, se a pessoa tem conhecimento sobre o fato, se tem domínio sobre o fato, tem que ter conhecimento sobre o que vai acontecer. Então jamais eu posso dizer que quem dirige nessas condições sabe o que vai acontecer. Quem dirige assim está pronto para matar ou morrer? Será que está disposto a sofrer um isso e ficar tetraplégico? Na verdade ele não tem domínio sobre o fato, sobre o risco”.
De acordo com Auriney, a nova legislação penal é contraditória e foi estabelecida por influência da mídia e das redes sociais: “O cidadão vai para um casamento, toma uma bebidinha e no meio do caminho de volta para casa mata alguém. Não importa a quantidade que ele bebeu, mas vem logo a acusação, ele bebeu. O que se vê no Brasil é que álcool e direção já tem ideia do dolo eventual; na verdade o que há é uma onda de discurso punitivo, especialmente incrementado pelas redes sociais, o que faz com que pessoas que não têm domínio sobre o assunto exerçam uma influência muito forte; só que essa influência por meio das redes sociais e da mídia em decisões judiciais é visível. Por isso o magistrado tem que ter muito equilíbrio para decidir com base nas provas, no processo. O que tem acontecido é que há forte movimento para considerar que quem anda embriagado o crime é mais forte que culposamente”.
Em resposta a comentário feito pelo advogado Maurício Pereira, por telefone, Auriney Brito considerou que é um erro levar acusado de matar no trânsito a julgamento pelo Tribunal do Júri, como vinha ocorrendo em todo o país: “Mandar ao júri é temeridade, mais ainda, é um erro, uma injustiça, revela desconhecimento da dogmática jurídica penal. Quando você traduz o acidente de trânsito como dolo você ignora todo essa sistema construáda há muitos, muitos anos; dolo eventual, culpa consciente; é forte argumento na nossa matriz da Alemanha, mas os argumentos que levam aos tribunais alemães refutar definitivamente essa questão do dolo. Na Alemanha os tribunais têm adotado argumentos de ordem prática, não teórica”, e citou como exemplo a teoria do obstáculo psíquico:
– Na Alemanha eles usam a teoria do obstáculo psíquico, em que, se eu considerar que a pessoa mata em dolo eventual porque estava embriagado, tem também que considerar que quem não matou também estava em dolo eventual, também deveria ser preso por tentativa de homicídio. Se eu bate num poste tem que responder por dano ao patrimônio público, mas isso não acontece no Brasil, que não tem aplicação sistemática coerente. Nesse entendimento, mais grave ainda, se eu saio embriagado de um bar e chego ao meu destino, também precisaria considerar que pratiquei tentativa de homicídio contra todas as pessoas que eu cruzei até chegar em casa. O dolo tem elemento normativo e psicológico, normativo, isto é, como eu me comporto. No obstáculo psíquico qualquer ser humano nasce com instinto de auto proteção; quando a gente tropeça antes de pensar em cair leva logo a mão ao chão para se proteger. Não posso considerar que no caso de embriguez a pessoa tenha assumido a intenção de matar.

Racionalidade processual
No entendimento de Auriney a mudança da legislação não tem o condão de conter os índices de acidentes de trânsito: “Os tribunais alemães puseram uma pedra em cima dessa discussão e não tem como fazer diferente aqui no Brasil; é questão técnica, de racionalidade processual. Tem que resolver porque os índices de mortes no trânsito são grandes, como também têm aumentado muito os índices de processos criminais, que triplicaram nos últimos meses; e isso acontece porque as pessoas estão descontroladas nas redes sociais e não têm conhecimento, na realidade só fazem isso para aparecerem”, ponderou, finalizando:
– Não vamos resolver o problema dessa forma. As pessoas não vão deixar de dirigir embriagadas porque aumentou a pena, mas sim porque sabemos que é errado, é questão de respeito às pessoas, de educação. A gente lamenta as vitimas e a dor dos familiares vítimas no transito, mas a gente precisa como jurista ficar imparcial. E quando eu digo que o Judiciário e leis não resolvem, não é porque defendemos a impunidade. Como advogado eu não preciso usar discursos para agradar ninguém, mas sim para fazer justiça.


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