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A taça misteriosa

D. Pedro Conti – Bispo de Macapá   Durante o seu passeio matinal um rei encontro um mendigo sentado à beira da estrada.   – O que queres? – perguntou-lhe o rei.   – O senhor fala como se fosse o dono do mundo e pudesse satisfazer todos os meus desejos. O rei ficou sentido […]


D. Pedro Conti – Bispo de Macapá

 

Durante o seu passeio matinal um rei encontro um mendigo sentado à beira da estrada.

 

– O que queres? – perguntou-lhe o rei.

 

– O senhor fala como se fosse o dono do mundo e pudesse satisfazer todos os meus desejos. O rei ficou sentido e respondeu:

 

– Certo que posso. Sou rico e poderoso!

 

– Tudo bem – continuou o pobre – veja se consegue encher a minha velha taça. O rei chamou os servos e ordenou que enchessem aquela taça de moedas de ouro, mas ficou espantado quando viu que as moedas desapareciam antes de chegar ao fundo da taça e esta continuava vazia.

 

O rei pensou consigo mesmo: “Não é possível! Nem que me custe metade do tesouro real, quero ver se não consigo encher esta maldita taça”. Mandou buscar mais dinheiro, pérolas preciosas, colares de ouro, mas tudo desaparecia no fundo da taça misteriosa. Toda aquela movimentação chamou a atenção de muitas pessoas, que também ficaram curiosas e queriam ver o final da história.

 

Aos poucos, o orgulho do rei foi desaparecendo e, a certa altura, mandou os seus servos parar e disse ao mendigo:

 

– Você venceu, mas me diga: de que material é feita esta taça mágica?

 

– É um crânio humano – respondeu o mendigo – é feito de pensamentos e desejos insaciáveis. Está sempre vazio porque nunca se satisfaz.

 

No terceiro domingo da Quaresma deste ano, encontramos a página do evangelho de João, na qual Jesus expulsa os vendilhões do templo. De fato, era consistente a movimentação financeira ao redor daquela grande construção. Os peregrinos, que chegavam para cumprir as obrigações da Lei, compravam pombinhos, ovelhas e bois para os sacrifícios e, para quem vinha de outros países, trocavam suas moedas. Se depois juntamos hospedarias, mesas oferecendo comida, objetos artesanais e outros tipos de negócios, entendemos que o comércio ao redor do templo era o motor que movimentava toda a economia da cidade.

 

Nada de novo. Ainda hoje onde tem uma Igreja, um Santuário ou mesmo um Templo, onde haja grande afluência de pessoas, surgem várias atividades mais ou menos lucrativas. Tudo isso é chamado com o nome bonito de “turismo religioso”. Podemos colocar na questão, também, as nossas festas patronais, com relativos bingos, leilões, venda de comida, objetos religiosos, camisetas e tudo o que o Santo ou a Santa ajuda a comercializar. Damos graças a Deus e ao padroeiro, ou padroeira, se a festa foi “boa” e deu um lucro razoável. Em geral, já se sabe como gastar: construção e reforma de prédios, manutenção de atividades e tudo o que for necessário para a festa ficar cada vez mais bonita. Por causa de tudo isso, devemos nos perguntar o que o chicote de Jesus queria nos ensinar mesmo.

 

Ter atividades comerciais, contanto que sejam honestas, não está errado em si. A questão é o uso da religião para enriquecer à custa dos fiéis, dos devotos ou peregrinos que sejam. É por isso que em muitos santuários, espalhados pelo mundo, as atividades, que podemos chamar de “comerciais”, estão adequadamente afastadas das igrejas ou dos ambientes onde se celebram os ritos religiosos. No entanto, apesar de todo cuidado, as aparências podem deixar dúvidas. Continua aquela impressão de estar abrindo uma brecha, bastante ampla, por onde pode entrar quase tudo, o importante é que dê lucro.

 

Mais uma vez, a lição de Jesus não é simplesmente contra os vendilhões, no caso, talvez exploradores do povo, mas sobre a real intenção das pessoas. Do lado dos vendedores, para não se transformarem em gananciosos insaciáveis, passando por cima ou até rindo da boa fé do povo. Do lado dos devotos, também é importante não confundir a devoção ao Santo ou à Santa com a simples compra de objetos, terços, velas, lembranças e tudo o mais que está sendo vendido.

 

Para o peregrino vale muito mais a disposição do seu coração em mudar de vida, a reconciliação com quem ofendemos, o desejo de praticar mais e melhor a própria fé. O resto – digo as aparências exteriores, incluindo as músicas – pode alegrar o ambiente, mas não deve ofuscar o sentido da festa, que deve continuar “religiosa” acima de tudo. É o “profano” que deve valorizar o “religioso” e não o contrário. Vamos cuidar disso; a festa do nosso Padroeiro São José vem aí.

 

 


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