Dom Pedro Conti
A caverna
São Pacómio queria conhecer o sentido da vida e, todos os dias, meditava as Sagradas Escrituras e os escritos de tantos sábios. Certa noite, o Senhor quis satisfazer a sua curiosidade e lhe enviou um sonho para que entendesse o segredo da vida. Pacómio viu que o mundo era uma grande caverna mergulhada na escuridão. Nela os seres humanos andavam às apalpadelas, tropeçavam uns nos outros, caiam e se machucavam muito. Andavam cada vez mais tristes e sem esperança por não encontrar nenhuma saída. Um dia, de repente, um homem (ou uma mulher) acendeu uma luz. Era muito pequena e fraca, mas não tem escuridão que não possa ser vencida pela luz, por menor que ela seja. Com a luz, é sempre possível encontrar o caminho. Assim, todos se colocaram atrás de quem tinha a luz. No começo, foi aquele empurra-empurra. Todos disputavam um lugar. Depois, resolveram se organizar em fila. Enfim, cada um pegou na mão do outro e, assim unidos, começaram a buscar a saída.
Após a página das Bem-aventuranças, no “discurso do monte”, que continuamos a ler nestes domingos antes da Quaresma, Jesus nos fala de “sal e luz”. Ele diz aos ouvintes, aos seus seguidores de ontem e de hoje, que eles são “o sal da terra e a luz do mundo”. As imagens do sal e da luz são eloquentes por si mesmas. Sobretudo se comparadas com o seu contrário. De fato, quando o sal não tempera mais a comida, torna-se inútil. É jogado fora. Mais fácil, ainda, é entender como a escuridão – o contrário da luz – seja a negação da vida, das atividades humanas e da compreensão das coisas. Luz si gnifica entendimento, clareza, coragem, alegria. Quando estamos tristes, tudo parece negativo, incompreensível, duvidoso, incerto e inseguro. E vice-versa.
A luz sempre fascinou a humanidade. Ainda hoje os cientistas buscam explicações; e as distâncias entre as estrelas e os planetas são medidas em “anos-luz”. A maior velocidade medida é a da luz. Também, por exemplo, um ambiente luminoso e arejado nos dá ânimo, ao passo, que um lugar sombrio e fechado nos leva à tristeza. Quem não se encanta com uma queima de fogos coloridos numa noite escura? E quem nunca parou para contemplar, em silêncio, um céu estrelado que nos faz sentir tão pequenos e cheios de perguntas sobre a vida e o seu sentido? A noite, entendida como escuridão e escondimento, parece nos conduzir mais para coisas erradas, coisa s que nos envergonharíamos de fazer à luz do sol. Mas até um simples sorriso transmite conforto.
Como sempre, Jesus, quer nos conduzir rumo a algo maior. O anúncio do Reino, iniciado com a sua pessoa, a sua pregação e as suas palavras das Bem-aventuranças, são algo luminoso. Quem encontrar o Reino só pode exultar de felicidade. Agora tem um rumo na vida. Tudo, até as perseguições, por causa do evangelho, tem valor e sentido. A luta do bem contra o mal, que pode ser comparada com a luta entre as trevas do erro e a luz do bem e da verdade, já começou a ser vencida pela luz. Pode demorar, mas as trevas estão sendo afugentadas. Essa luta é, em primeiro lugar, interior, acontece no coração de cada um de nós, mas, ao mesmo tempo, &eac ute; também exterior, na história da humanidade toda. O nosso coração é um campo de batalha e, muitas vezes, a nossa luta é sofrida, demorada, cheia de contradições. É fácil entender que, para os discípulos de Jesus serem “sal da terra e luz do mundo”, eles devem ter o “sal”, o sabor, o gosto pela vida, dentro de si e ter luz suficiente para comunicá-la aos demais. Somente assim, com a união de tantas, incontáveis, pequenas luzes, a grande luz do bem e do amor vai clarear a história do mundo. Por isso, os cristãos, devem permanecer sempre unidos a Jesus Cristo, a luz plena, a luz que não conhece sombra, e entre si. É urgente essa corrente de luzes. Ainda temos medo ou até vergonha de falar das maravilhas de Deus entre nós e pouco aparece da luz da fé e do amor no nosso agir como cristãos. A luz tem s entido se clareia ao seu redor. Luzes apagadas ou escondidas não são mais luzes. O sal também, se não dá sabor, será pisado.
A igreja demais cheia
Certo dia, um santo homem estava na entrada de uma igreja muito famosa, porque lá aconteciam celebrações e orações sempre com grande participação do povo. O homem, porém, ficava parado na porta e se recusava a entrar.
– Por que o senhor não entra? – perguntaram-lhe.
– Não posso – respondeu.
– Mas, por que não? – insistiram. O homem respondeu:
– Esta igreja está cheia de uma parede a outra, do piso ao telhado, de palavras bonitas, de ensinamentos superiores, de intercessões, de invocações e orações de fieis bem preparadas, caprichadas, politicamente corretas. Não tem lugar para mim aqui dentro.
As pessoas não entenderam e ficaram olhando espantadas. O santo homem continuou:
– Celebrantes e fieis pronunciam com os lábios milhões de palavras. Mas no céu chegam somente aquelas que vêm do coração. Todas as outras ficam por aqui, mesmo, abarrotando a igreja de parede a parede, do piso ao telhado!
Na leitura do evangelho de Mateus, deste ano litúrgico, encontraremos vários discursos de Jesus. O primeiro é o chamado “discurso do monte”. Ocupa três capítulos e vai nos acompanhar por alguns domingos. No início está a página bem conhecida das bem-aventuranças. Jesus proclama felizes algumas categorias de pessoas. No entanto, mais do que agrupar os possíveis bem-aventurados e discutir onde nós e tantos outros iríamos ficar, precisamos entender a mensagem que, de imediato, parece um conjunto de contradições. Algumas bem-aventuranças ainda podemos entender. Faz bem ser mansos e puros de coração; é empolgante promover a paz, ter fome e sede de justiça; é gratificante ser misericordiosos. Difícil é aceitar que sejam chamados “felizes” os pobres, os que choram e os que são perseguidos e injuriados. Na realidade, todas as bem-aventuranças são um desafio à mentalidade do mundo, que exalta o dinheiro, a vida cômoda e os privilégios. A paz para o mundo é o silêncio comprado com o medo ou com a corrupção. A justiça é a lei do mais forte. A mansidão é a cabeça dobrada de quem não tem mais força para reagir. Essas situações não são de felicidade, mas de opressão, fruto de alienação ou de consciências adormecidas.
O que Jesus propõe é mais do que uma promessa, é um mundo novo em construção. Tudo começa com a primeira das bem-aventuranças, a pobreza em espírito. O ser humano tem surpreendentes capacidades, mas deveria reconhecer a própria “pobreza”, ou seja, a própria incapacidade de construir relacionamentos respeitosos da vida, dos direitos e da dignidade de todos. Após tantos milênios, continuamos a ser fascinados pelo poder das armas, do dinheiro, da mídia, da politicagem e da corrupção. O ser humano é extremamente criativo, quando quer passar na frente dos outros, custe o que custar. O caminho de Jesus para mudar tudo isso &eacu te; aquele de aprender a ver a vida e a história não com o olhar dos poderosos e vencedores, mas dos pobres, o olhar de quem está em baixo e não em cima da pirâmide social, sempre criticada, mas nunca derrubada.
Uma sociedade verdadeiramente humana será aquela onde as pessoas aprendem a enxugar as lágrimas dos aflitos. Onde se reparte o pão com os famintos e se pratica a justiça não por obrigação, mas pela alegria de ver o irmão feliz. Onde a paz é fruto do diálogo, do perdão e da solidariedade. As bem-aventuranças são o projeto do Reino de Deus que é Pai de bondade e misericórdia. É o Reino da Vida, sem mentiras e perseguições, porque a Verdade ilumina todo coração humano. Jesus não somente proclamou as bem-aventuranças, as viveu até o fim. Foi humilde, pobre, perseguido e morto. Enxugou l&aa cute;grimas, consolou os pequenos, perdoou prostitutas e cobradores de impostos. Abriu olhos a cegos, fez falar mudos, caminhar entrevados. Praticou o milagre da partilha. Encontrava a força na oração. Passava a noite rezando, na mais profunda comunhão com o Pai. Podemos nos perguntar se as nossas orações nos impelem a praticar as bem-aventuranças ou somente enchem as nossas igrejas e de lá nunca saem. Se não mudamos a vida as nossas orações não sobem para o céu.
No começo
Quando Deus estava todo ocupado na criação do mundo, cinco anjos se aproximaram dele e, segundo a própria especialização, procuraram satisfazer suas curiosidades.
– O que o Senhor está fazendo? – perguntou o primeiro.
– Por que está fazendo tudo isso? – perguntou o segundo.
– Posso ajudar – disse o terceiro.
– Quanto vai custar tudo isso? – quis saber o quarto.
O primeiro anjo era um cientista, o segundo era um filósofo, o terceiro um filantropo, o quarto um comerciante. O quinto anjo olhava encantado e batia palmas. Era um místico.
Com três cenas, se assim podemos chamá-las, o evangelista Mateus nos apresenta, neste domingo, o início da vida pública de Jesus, depois do batismo dele no Rio Jordão, as tentações no deserto e a prisão de João Batista. Assim tomamos conhecimento por onde começa a missão dele, na Galileia, e em que consiste. É o primeiro anúncio do Reino. Em seguida, andando na beira do mar, ele chama os primeiros discípulos, escolhidos entre os pescadores, e os adverte que fará deles “pescadores de homens”. Por fim, o evangelist a faz o resumo da atividade de Jesus: “ensinava nas sinagogas, pregava o evangelho do reino e curava todo tipo de doença e enfermidade do povo”.
Em poucas linhas, Mateus nos dá a entender muitas coisas. A “missão” inicia longe de Jerusalém. Por medo? Por prudência? De fato, tudo concorre para que a Boa Notícia comece e ser proclamada, hoje diríamos, a partir da periferia, ou, mais ainda, a partir dos pagãos. Uma maneira simples para dizer que essa Boa Notícia não tem fronteiras; terá que ser levada até os confins da terra. Também não vai ter exclusão de pessoas ou de crenças, apesar de Israel continuar a ser o povo eleito por Deus. A alegria do Evangelho será oferecida a todos e caberá a cada um acolhe-la ou não. O “reino dos céus” anunciado não é uma organização ou uma estrutura de poder. É uma nova condição de Deus agora presente, com Jesus, perto das pessoas, querendo fazer parte de suas vidas, ocupando o lugar que deve ser somente dele. Os outros “reinos” são humanos; faraós, reis, e imperadores são confundidos e idolatrados como se fossem deuses. Esses “poderosos” recorrem à força das armas para se sustentar.
O Reino que Jesus anuncia só precisa da adesão do coração humano. É o reino do amor de Deus, agora, definitivamente manifestado na história humana. A Boa Notícia é envolvente, mexe e muda a vida das pessoas. Pescadores deixam barcos e redes, mas continuarão pescando. Serão enviados a satisfazer outra fome do povo, a fome de Deus, da sua Palavra, da fraternidade e da partilha. Mas antes tem que andar com Jesus, acompanhá-lo, conhecê-lo, amá-lo. Iniciam uma nova vida. O caminho será difícil. Ainda disputarão poder, ter& atilde;o medo, fugirão na hora da cruz. Somente após da Páscoa, com a força do Espírito Santo, cumprirão a missão até o fim.
Essa missão continua, até quando? Só o Pai sabe. O que cabe a nós, comunidade de Jesus de hoje, é ser fieis ao mesmo compromisso: o “reino do céus”, o reino de Deus, nunca o nosso. Como Jesus foi humano, a Igreja é feita de pessoas humanas e existe na história. Podemos ser tentados a identificá-la com uma organização. Como uma firma qualquer, uma empresa, uma multinacional, mais ou menos grande, com perdas e ganhos. Na realidade, a Igreja – como Jesus, Deus encarnado- é um “mistério” de amor. Não cabe em es tatísticas e nem entre paredes. É feita de santos e pecadores. Prega a conversão à sociedade, mas sabe que também sempre precisa de consertos e reformas. É enviada a ter compaixão e misericórdia, mas é a primeira que deve experimentar a alegria do perdão e da reconciliação. Anuncia a comunhão para toda a humanidade, mas cada dia deve costurar as suas próprias divisões. Promove e defende a vida, a verdade e a justiça. Ainda tem muitos mártires nas suas filas. Cientistas, filósofos, filantropos e comerciantes podem ajudar, mas para entender a Igreja-Comunidade de Jesus precisamos ser, sobretudo, místicos, capazes ainda de nos maravilhar e de bater palmas pela obra de Deus.
Também eu não o conhecia
Dizem que quando Moisés levantou o seu cajado e estendeu a mão sobre o Mar Vermelho não aconteceu o milagre tão esperado. Foi somente quando o primeiro homem começou a entrar na água, no meio das ondas, que o mar se dividiu de maneira que os Hebreus puderam passar de pé enxuto.
Interpretação? Anedota? Não sei. O que essas poucas palavras querem nos dizer é que a fé exige decisão e firmeza. Algo de maravilhoso sempre acontece, quando nós acreditamos no que estamos fazendo, ou queremos fazer, e nas motivações que nos levam a agir. Esperar um milagre para começar a se mexer significa desconfiar. É sinal que duvidamos da bondade da causa pela qual lutamos e que temos medo de ser enganados por quem nos envia em missão. Ou seja: não temos ainda fé suficiente.
Com este domingo, iniciamos a primeira parte do Tempo Comum. Em seguida, teremos a caminhada quaresmal rumo à Páscoa. Esse tempo serve para nos ajudar a entender quem é Jesus e o que veio fazer e, direta ou indiretamente, quem somos nós, seus discípulos. O evangelho de João deste domingo, por exemplo, começa com uma afirmação de João Batista a respeito de Jesus: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Logo em seguida, porém, ele diz, duas vezes, que não o conhecia, mas que viu o Espírito Santo “descer e permanecer sobre ele” (v.32). Por fim, João Batista dá o seu “testemunho”: “Este é o Filho de Deus!” (v.34).
O evangelho de João é uma reflexão teológica ainda mais elaborada que os outros três evangelhos chamados de Sinóticos. Na forma que nos chegou, deve ser o último dos evangelhos escritos e, portanto, apresentando já as explicações que os cristãos das primeiras gerações davam da própria fé aos que chegavam para pedir o Batismo. Nesse sentido, entendemos a insistência sobre o fato de João Batista dizer “não conhecer” Jesus. Com efeito, um dos piores inimigos da fé cristã é um conhecimento superficial ou equivocado da mesma. Brigamos por questões secundárias e esquecemos as principais.
Desde o começo, as Comunidades cristãs tiveram que dar razões da própria fé não para arrebanhar fiéis bem doutrinados, mas para sustentar a mudança de vida, exigida por ela, e fortalecer o testemunho que podia chegar até o martírio. Quem entrava no grupo dos seguidores de Jesus devia ter consciência de quem se tornava discípulo e as consequências do Batismo cristão. Deixar a maneira de vida anterior com os seus valores, crenças e costumes, exigia preparação e, sobretudo, força de ânimo e decisão. Quem entrava no “caminho” cristão devia estar convencido de que estava sendo chamado a seguir algo muito melhor e valioso, também se o custo podia ser alto. Por isso, Jesus é apresentado como o “Cordeiro” imolado, uma imagem do Antigo Testamento realizada, agora, no crucificado que deu a sua vida por amor. É este “crucificado” que é o Filho de Deus, aquele que manifesta o Pai. No quarto evangelho, Jesus é apresentado como a testemunha do Pai. Assim devem ser os cristãos, a começar por João Batista; eles também devem dar testemunho de quem é Jesus. Mas como fazer isso se não o conhecem? Para o evangelista João, conhece Jesus somente quem está com ele, quem o acompanha por perto, partilhando sua vida, até aos pés da cruz e na descoberta do túmulo vazio por causa da ressurreição. É assim que todo discípulo “amado” se torna “testemunha”.
Talvez, também para nós hoje, seja necessário admitir que ainda não conhecemos bem Jesus. Por isso, somos cristãos mais cheios de dúvidas do que de fé; mais preocupados com aparências exteriores do que com a interiorização do Evangelho. Criticamos a Igreja-Comunidade na qual fomos batizados, talvez com saudade de tempos passados, em lugar de participarmos ativamente e acompanhá-la nos desafios da sua missão à humanidade de hoje. O mar se abrirá para mim e para nós juntos só se botarmos os nossos pés na água. Sem medo. Assim a Igreja atravessará também esta nova época e as vindouras.
Para aonde foi a estrela?
Sabemos que a página do evangelho de Mateus é muito mais do que a reportagem de um acontecimento. É um verdadeiro anúncio de fé, porque o Menino que nasceu veio ao encontro da humanidade toda. Quando Deus, no Filho, assumiu a natureza humana tornou-se irmão de todos. A criação toda também foi “visitada” e a certeza de uma vida nova, liberta do mal e da morte, é oferecida a todos e vale para sempre. Essa esperança brota no coração de todas as pessoas de boa vontade, de todos aqueles e aquelas que não se conformam com a violência, a injustiça, a indiferença e a exclusão. No entanto, reler a página do evangelho dos magos sempre dá asas para a nossa imaginaç&ati lde;o.
Conta uma história que, depois que partiram de Belém, os Magos voltaram para as suas casas. Não viram mais a estrela. Ficaram tristes e se perguntaram: “Para aonde foi a estrela? Era tão bonita, grande, luminosa!”. Continuaram andando. Já estavam cansados quando chegaram a uma encruzilhada sem saber com certeza por aonde ir. Estava ali um jovem pastor que logo se prontificou na explicação do caminho e lhes ofereceu, generosamente, pão e queijo do leite das suas ovelhas. Antes de deixá-lo, os Magos viram que na fronte dele tinha aparecido uma luz inconfundível. Seguiram a viagem. Depois de algum tempo, chegaram a um vilarejo. Viram uma mãe que cuidava com ternura e carinho do seu filhinho recém-nascido. Sorria fel iz para ele. Também viram na fronte dela a mesma luz. Estavam começando a entender. Mais na frente, encontraram um tropeiro do deserto que estava com a carga toda esparramada no chão, porque um dos seus dromedários tinha tropeçado e caído. Um homem que passava por lá começou a ajudá-lo a recompor a carga. Na fronte dele apareceu, também, uma luz. Os Magos não tiveram mais dúvidas. Um deles disse aos outros:
– Agora sabemos para aonde a estrela foi. Ela explodiu e os seus fragmentos se espalharam por onde existem corações bons e generosos!
Outro Mago falou:
– A nossa estrela continua a indicar o caminho de Belém e leva a todos a mensagem do Menino Jesus: o que vale mesmo é o amor!
O terceiro Mago também concluiu:
– Todos os gestos concretos de amor e compaixão iluminam a vida das pessoas. É assim que a estrela continua a brilhar!
Todos ficaram muito alegres e viram que na fronte de cada um que estava na caravana também resplandecia aquela luz. Bateram palmas de felicidade! Com o domingo da Epifania, concluímos o tempo do Natal. Muitas luzes serão apagadas. O importante é que não se apaguem os bons sentimentos e propósitos que esses dias nos trouxeram. Não podemos ter dúvidas e nem incertezas. As nossas famílias pedem mais carinho, dedicação, diálogo, paciência. Os nossos colegas de trabalho pedem para sermos amigos visíveis todos os dias, assim como eles e elas o são: alguns dias simpáticos, outros dias nem tanto. Nós igualmente. Nem por isso devemos desistir da fraternidade e do companheirismo. E os pobres, os desempregados, os migrantes? Eles não vão desaparecer com o novo ano…Todo dia podemos cumprir ge stos de solidariedade, de escuta, de acolhida. Tantos irmãos e irmãs – nós também – precisam de algo mais que o dinheiro para sobreviver. Todos queremos saber se podemos servir para alguma coisa ou se estamos sobrando nesta sociedade do consumo, da idolatria do dinheiro, da privatização do bem-estar. A inutilidade, ser esquecidos, é triste para todos.
Grande é a responsabilidade de nós cristãos que nos dizemos seguidores de Jesus. Cabe a nós continuar a iluminar o mundo com a luz da estrela de Belém. Somos pequenas luzes, alguns mesmo “mechas fumegantes”, mas o Natal deve nos ter animado, deve ter renovado a nossa esperança. Se Deus, no seu amor infinito, não desistiu da humanidade, ao ponto de tornar-se um de nós, nós também não podemos desistir de acreditar que podemos ser melhores porque a luz do bem nunca se apaga. Brilhará conosco, se fizermos o bem.
O medo
No início da história humana, após a criação, os primeiros seres humanos receberam de presente, para morar, um esplêndido jardim. A vida deles era pura felicidade. Não faltava nada. O jardim oferecia alimento, beleza, descanso e diversão. As crianças podiam correr livremente. Um muro altíssimo e bem forte, porém, circundava todo o jardim. Os homens e as mulheres tinham tudo, mas quando chegavam na frente do muro, sentiam-se frustrados. Por isso, certo dia, perguntaram ao Criador que, embora não pudessem vê-lo, sabiam estar sempre presente:
– Por que este muro? O Senhor não confia em nós?
Foi assim que um homem corajoso chamou todos e declarou:
– Este muro nos impede maiores espaços para viver. Vamos derrubá-lo!
Os homens uniram as suas forças e destruíram o muro aclamando a conquista da liberdade. Quando o muro caiu, fizeram uma descoberta terrível: atrás dele existia um abismo tão profundo que não se podia ver o fim. Até aquele momento, o muro tinha resguardado a felicidade deles. Fizeram ainda uma descoberta pior: um novo sentimento, que nunca tinham experimentado, insinuou-se no coração de todos. Instintivamente, as mães começaram a segurar mais perto de si os seus filhinhos. Os homens sentaram no meio do jardim e ficaram se olhando espantados. Entenderam que aquele novo sentimento, agora, iria acompanhá-los para sempre. Deram-lhe o nome de medo.
No Evangelho do quarto Domingo de Advento, em sonho, o anjo diz a José para não ter medo de receber Maria como sua esposa. Também à Maria, o anjo Gabriel diz: “Não tenhas medo”. Quantas vezes nos evangelhos o próprio Jesus diz aos apóstolos e aos demais para não terem medo. Por que essa preocupação tão grande? Que medo é esse? Não tenho capacidade de fazer grandes considerações existenciais ou filosóficas e nem quero fazer uma lista dos tantos medos que aparecem ao longo da nossa vida. Quando criança, começamos com o medo do escuro e depois quando crescemos – e ninguém escapa, mesmo que diga o contrário – temos medo de morrer. Igualmente experimentamos o medo de ficar para trás, de sobrar, de sermos esquecidos. Isso explica porque tantas pessoas inventam as maiores esquisitices para chamar a atenção dos outros. Hoje vivemos o medo de ser enganados, roubados, assaltados. Estamos experimentando uma desconfiança generalizada, e não é por menos, com tantas mentiras, falcatruas, desonestidade.
Quero dizer que se Jesus, nos evangelhos, insistiu tanto em ensinar a não ter medo é porque deve existir uma coragem tão grande, uma força tão poderosa, capaz de vencer todos os medos. Em lugar de fazer a lista dos medos, porque não fazemos, ao menos uma vez, uma lista de decisões corajosas? Não basta “não ter medo”, é preciso preencher o nosso coração e a nossa vida com tanta coragem que não tenha mais lugar para nenhum medo. Por exemplo: Jesus falava sério quando dizia para amarmos até os inimigos. Quem tem coragem de praticá-lo? Em lugar de nos defender, por medo, vamos ao encontro com o amor, o perdão e a misericórdia. Transformamos o “inimigo” em irmão! Jesus chama, ainda hoje, para segui-lo; chama a “perder” a vida para ganhá-la. Esta vida passa e um dia, querendo ou não, vamos perdê-la. Somente os tesouros de sofrimento e bondade, juntados no céu, servirão. Os bens acumulados ficarão para os outros. Então, por que ainda tanto medo de seguir Jesus, de se arriscar confiando na sua palavra? Por que ainda tanto medo de ser generosos, de fazer amigos com os bens deste mundo, em lugar de querer enriquecer sozinhos? Maria, José, Pedro, Paulo e tantos outros conhecidos tiveram coragem, e nem todos fizeram coisas maravilhosas: foram humildes, mas grandiosos colaboradores de um projeto de amor. Nós também podemos fazer a nossa parte. Basta vencer o medo de acreditar no Senhor, de gastar energias para o bem, de doar mais que de receber!
É Natal. Deus se fez um de nós. A grandeza do amor do Senhor preenche todos os abismos do medo.
A fuga
Na praia, o velho pescador tinha colocado a cesta com os caranguejos vivos ao lado dele e tinha caído no sono. Um senhor que passava o acordou:
– Veja, os seus caranguejos estão fugindo!
O velho, que sabia das coisas, lhe respondeu:
– Não se preocupe! Logo que um caranguejo consegue subir um pouco, outro o agarra e a este segundo caranguejo um outro vai se juntando. A fila começa a ficar pesada e todos caem novamente dentro da cesta. São eles mesmo que não deixam ninguém sair.
Acredito na experiência do velho pescador e fico pensando sobre o que, muitas vezes, nos impede de mudar de vida, de sermos cristãos melhores. Parece que alguma força nos puxa para trás. Assim continuamos na mesmice, convencidos de que já não tem jeito e que, talvez, nem valha mais a pena.
No evangelho deste segundo domingo de Advento, escutamos a vigorosa pregação de João Batista. Parece um profeta zangado, que reclama de tudo e de todos. Não era por menos. Multidões o procuravam, lá no deserto da Judéia, para o batismo de penitência que ele administrava na beira do rio Jordão. Eram moradores de Jerusalém, das redondezas, fariseus e saduceus. João chamava a todos de “raça de víboras” e cobrava deles “frutos de conversão”. Que culpa eles tinham? O que estavam fazendo de tão errado?
Entendemos que o evangelista Mateus quer nos falar, antecipadamente, da incapacidade deles de acolher aquele que virá depois: o próprio Jesus. No entanto, nesta página, João Batista revela a verdadeira razão da não acolhida: a falsa segurança que eles tinham. Pensavam que lhes bastasse ser “filhos de Abraão” para, digamos, agradar a Deus. No fundo, não importava tanto a vida real deles, porque só o privilégio de pertencer ao povo eleito era uma garantia mais que suficiente. Por isso, João cobrava frutos e ameaçava castigos. Sabemos que Jesus tomou atitudes mais misericordiosas. Todavia, nem por isso podemos pensar que o nosso “ser batiz ados” e o nosso afirmar que somos cristãos e que acreditamos – muitas vezes sem saber bem em que e em quem – nos garantam melhores condições perante às exigências grandes e bonitas do evangelho.
A Igreja, mãe e mestra, convida-nos todo ano a percorrer novamente o caminho da fé, principalmente através da memória dos eventos da vida de Cristo, das suas palavras e ações. Podemos achar que já sabemos tudo, que já estamos no caminho certo e que não precisamos mudar em nada. No fundo, nos consideramos bons cristãos ou, ao menos, melhores de tantos outros. São os nossos defeitos conhecidos: a acomodação, uma religiosidade formal, o nivelar tudo, pensando que uma crença valha a outra e que, portanto, não tenhamos que tomar demais a sério a “nossa” fé. Desse jeito nunca muda nada da nossa vida de cristãos.
Que Igreja queremos ser?
Neste final de semana, acontecerá no Centro de Pastoral e Cultura Dom José Maritano, em Macapá, a 22ª Assembleia Diocesana. É um momento importante para a nossa Diocese e marcará os rumos da nossa caminhada eclesial. Normalmente, a Assembleia acontece a cada quatro anos, acompanhando, quando possível, a frequência das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja (DGAE) propostas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Desta vez, porém, passaram-se cinco anos por causa do Congresso Eucarístico, realizado neste ano, e do Jubileu da Misericórdia. Sentimo-nos enriquecidos, também, pela experiência deste eventos.
Os participantes da Assembleia são o bispo, todos os padres presentes e atuantes na Diocese, os diáconos permanentes, alguns religiosos e religiosas representantes das respectivas comunidades, leigos e leigas representantes das paróquias, das pastorais, dos movimentos, dos grupos de serviço e das novas comunidades. Deveríamos chegar a cerca de trezentos participantes. O grupo mais numeroso será, justamente, dos leigos e das leigas que, de fato, formam a quase totalidade do Povo de Deus.
Para que serve uma Assembleia? Ela traça os rumos das principais vertentes da ação evangelizadora da Igreja: Palavra, Liturgia e Caridade. A Palavra se preocupa com a formação dos católicos desde as crianças, com a Iniciação Cristã, até a formação permanente de adultos. A Liturgia se interessa da participação ativa e consciente dos católicos nas celebrações litúrgicas, as Missas e os demais sacramentos. Por fim, a Caridade quer reunir e orientar todos aqueles e aquelas que se interessam das realidades sociais, da exclusão, da saúde, das atividades de promoção humana, da política . A Igreja não pode e não deve deixar de lado algo que seja verdadeiramente humano; a fé ilumina a vida e a vida dá testemunho da fé que afirmamos ter.
Uma Assembleia Diocesana é uma grande oportunidade para fazer um exercício real e singelo de comunhão e participação. O Povo de Deus é constituído por pessoas diferentes, com funções, ministérios e responsabilidades também diferentes. No entanto é fundamental nos conhecermos melhor uns aos outros, escutarmos mais e unirmos mais as forças. Hoje, o individualismo e o mundanismo – diria papa Francisco – entraram também na Igreja. Todos somos tentados a querer ser e fazer diferente dos outros. Buscamos algo que nos distinga em lugar de buscar o que nos una, acima e além das diversidades.
O mundanismo é a ambição de querer ser melhores do que os outros a qualquer custo, de não precisar da colaboração de ninguém e de ficar só se olhando no espelho, se autoelogiando e se vangloriando. É fácil entender que essas “tentações” estão à raiz de toda divisão, disputa, isolamento. Dessa maneira gastamos muitas forças e energias humanas e materiais pensando de conseguir anunciar o Evangelho de Jesus. Na realidade, quando o nosso povo participa de outra paróquia ou outro grupo se pergunta se somos a mesma Igreja, tão diferente é o jeito de rezar, cantar e pregar o Evangelho do mesmo Senhor Jesus. União não significa uniformidade, mas também nunca será alcançada se nos deixamos guiar pelas modas, os gostos e os caprichos pessoais. Os melhores frutos de uma Assembleia devem ser sempre a comunhão, a fraternidade e a alegria de caminharmos juntos. Além desse compromisso, o maior desafio, hoje, para a Igreja toda, não é saber e decidir o que fazer. Não somos uma empresa de eventos, tomada pela frenesi de um incansável ativismo. Talvez tenhamos até trabalhos demais. O mais difícil é saber como fazer as coisas, com liberdade e fidelidade. Livres para sermos criativos na organização, com um jeito novo de ir ao encontro das pessoas, mas, ao mesmo tempo, extremamente fiéis a um Senhor que privilegiou os pobres e os pequenos, que nunca se escondeu no Templo ou nas Sinagogas. Os seus momentos de oração, também aquele a sós com o Pai, sempre foram para tomar grandes decisões e aprender a acolher a todos a começar pelos pecadores.
Queremos ser uma Igreja unida, viva e fiel ao Senhor, consciente das própria limitações, que não busque alianças espúrias, vantagens ou privilégios indevidos, que seja corajosa na sua missão, saiba dialogar com todas as forças e as pessoas de boa vontade, no respeito pela vida humana, a natureza e as culturas. Queremos ser uma Igreja profética que rega aonde já foi semeado, mas não tenha medo de desbravar novas roças, para plantar alegria e esperança. Uma Igreja que olhe mais para fora de si do que para dentro, jovem, leve e generosa, sempre pronta a perdoar a todos e a corrigir as próprias rusgas e manchas. Bonita e resplandecente aos olho s dos pequenos e dos pobres, dos puros de coração e dos misericordiosos. A Igreja que Jesus quis.
“Ainda hoje estarás comigo no paraíso”
Neste final de semana, o papa Francisco fechará a Porta Santa na Basílica de São Pedro e encerrará, assim, o Jubileu Extraordinário da Misericórdia, iniciado no dia 8 de dezembro de 2015. O mesmo acontecerá em todas as dioceses do mundo. Não será diferente em Macapá. Será neste sábado, 19 de novembro, junto aos nossos irmãos e irmãs das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) reunidos no Encontrão anual. Penso poder dizer que trabalhamos bastante nesse tempo de graça. Abrimos muitas Portas Santas, rezamos e refletimos sobre a Misericórdia do Pai manifestada com as palavras e os gestos de Jesus, com a sua compaixão e a sua vida doada na cruz.
Na Festa de São José, lembramos o “pão de cada dia”, junto ao “Pão da Eucaristia”, mas também o pão da união das famílias, da acolhida dos pobres, da partilha solidária. A primeira experiência da misericórdia e do perdão deve acontecer em nossas casas. No Congresso Eucarístico, as paróquias todas colocaram as Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais nas faixas e nas camisetas. Cantamos a Eucaristia “Pão da unidade, alimento da missão”. Nos orientaram as palavras de Jesus na Última Ceia, após ter lavado os pés dos discípulos, “Dei-vos o exemplo” e a despedida do mestre da Lei seguidas à parábola do Bom Samaritano: “Vai e faze a mesma coisa”. No Círio, chamamos Maria de Rainha e Mãe de Misericórdia. Não faltaram retiros, momentos de espiritualidade e, sobretudo, ocasiões para experimentar o perdão do Pai, através do Sacramento da Reconciliação ou Penitência, que ainda chamamos de “confissão”. Para quem soube aproveitar, ficarão boas lembranças. Tudo foi bonito: evangelização, gestos e eventos. Devemos agradecer ao Pai misericordioso e ao papa Francisco por esse tempo de bênçãos. É neste momento, porém, que devemos nos perguntar o que ficará para a nossa vida de cristãos. A nossa memória é curta e parece que sempre precisamos de algo diferente, algo que pareça novo para lembrar algo bem antigo e que nunca de veríamos ter esquecido. Não foi o papa Francisco que inventou a misericórdia de Deus, fomos nós que, talvez, a tínhamos deixada de lado.
Não foi assim para o evangelista Lucas que, ainda no final do seu evangelho, coloca palavras de bondade e misericórdia na boca de Jesus na cruz, prometendo ao ladrão arrependido o perdão e a acolhida no céu. Essa é a página do evangelho de Lucas que encontramos neste domingo da solenidade de Cristo Rei com a qual, também, concluímos o ano litúrgico. Já refletimos, muitas vezes, que o trono de Jesus é a cruz e que a sua coroa é de espinhos. Os grandes das nações “dominam sobre elas e os que exercem o poder se fazem chamar de benfeitores”. Para Jesus, ao contrário, o maior é aquele que serve a todos. Foi o que ele fe z em toda a sua vida terrena: “Eu estou no meio de vós como aquele que serve” (Mt 22,27).
Todo cristão é chamado a servir. Talvez possa ser este o recado deste Ano Santo extraordinário: sermos servidores da Misericórdia, testemunhas vivas da bondade, da compaixão do perdão do Pai. “Misericordiosos como o Pai” foi o lema deste Jubileu. Vivemos numa sociedade complexa, onde sobram violência, corrupção, desinteresse e ganância e faltam acolhida, honestidade, solidariedade e generosidade. Se não queremos desperdiçar o que aprendemos no Ano Santo da Misericórdia precisamos viver a bondade. Papa Francisco pede às dioceses algum sinal, algum gesto que faça essa memória. Veremos o que será possível fazer p ara nós como Igreja local, mas todos poderemos fazer, pessoalmente, algum gesto simples de perdão e reconciliação. Talvez algo desejado e adiado há muito tempo. Também com o Senhor será sempre possível nos reconciliarmos. A porta do seu coração nunca será fechada. Se depois conhecemos alguma situação de pobreza e desemprego e uma ajuda real está ao nosso alcance, por que não aproveitar ainda deste tempo de compaixão? “Hoje” disse Jesus mais uma vez lá na cruz. O “hoje” dos servos da misericórdia que não deixam para amanhã o bem que podem fazer agora. Um hoje, um já, que pode valer o paraíso para sempre.
O segredo da coragem
Uma antiga lenda da Ásia Menor conta a história de Manuela, uma jovem que teria estado com outras mulheres aos pés da cruz de Jesus no Calvário. Manuela era muito tímida. Ficava calada o tempo todo, era muito difícil lhe arrancar algumas palavras. Também estava sem coragem para qualquer iniciativa. Tinha medo de tudo e de todos. Ficava parada, só escutando. Um dia, escutou também Jesus na beira do lago de Tiberíades. Ficou encantada com as palavras que saíam de sua boca. Todas elas suscitavam confiança e coragem. Assim, quando soube da ressurreição do Senhor, não precisou de aparições ou confirmações. De repente, levada por uma audácia nunca experimentada antes, transformou-se numa peregrina que anunciava a Boa Notícia de Jesus a todos os que encontrava. Tinha sido ele a lhe ensinar “o segredo da coragem”. Agora, não tinha mais medo de nada. Andava de aldeia em aldeia e reunia as mulheres. Os homens, pensava, não a teriam entendido. Não buscava as praças, mas lugares afastados: de baixo de uma árvore, perto de um forno para assar o pão, à beira de um poço ou de um riacho onde as mulheres lavavam a roupa. As palavras saiam fortes e claras da sua boca. Nunca preparava os discursos. Sabia que não era ela a escolher as palavras, mas o Espírito Santo. Certo dia, uma mulher, impressionada por tanta força, perguntou-lhe:
– Diga-me, qual é o segredo da sua coragem?
– A humildade, como ensinou Jesus – respondeu Manuela.
– Mas o que é a humildade? – insistiu a mulher.
– É ser a primeira a dizer: “Eu te amo”.
Sempre, chegando ao final do ano litúrgico, encontramos evangelhos que nos falam de acontecimentos pavorosos. O grandioso Templo de Jerusalém será destruído. Haverá guerras, revoluções, terremotos, fomes e pestes. Os discípulos serão odiados e perseguidos, aprisionados e levados perante os tribunais. Haverá muita confusão e alguém se apresentando como o novo Messias. Como não ter medo de tantas provações? No entanto, Jesus diz para não duvidar, para permanecer firmes. “Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé”. “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida”.
Para entender as palavras de Jesus, que ficaram nos evangelhos, precisamos lembrar que muitas partes deles foram escritas após a destruição do Templo de Jerusalém, acontecida no ano de 70 d.C., e ainda durante várias perseguições aos cristãos. Aqueles discípulos apavorados e duvidosos que arriscavam a própria vida para ser fiéis a Jesus, precisavam de palavras de exortação e conforto. Os resultados foram surpreendentes: a fé cristã não foi abafada e nem apagada. Desde aquele tempo até hoje, podemos dizer, sem medo, que o sangue dos mártires é, de verdade, semente de novos cristãos. Aquelas palavras de Jesu s ficaram nos evangelhos não para afastar da fé e do seguimento dele, mas, ao contrário, para lembrar aos cristãos que críticas, perseguições e martírio, os acompanharão sempre. Afinal, todo cristão é discípulo de Alguém que foi crucificado!
Bastaria olhar um pouco para a história da humanidade e a contribuição que os cristãos deram à civilização e à humanização da sociedade para entender, mais ainda, os alertas dos evangelhos. Se depois abrimos o horizonte para tantas outras situações de perseguição de pessoas, de grupos, de povos inteiros – ameaçados e mortos por causa das crenças religiosas, das raças e da cobiça de invasores e colonizadores – reconhecemos a luta incansável entre o bem e o mal. Já aprendemos que, muito dificilmente, a verdade está do lado dos vencedores. Eles, depois, contam os fatos conforme o seu poder e as suas ideologias. É fácil, porque a voz dos mortos já foi silenciada. Só que “um morto ressuscitou” e a força do bem e da verdade não se cala mais. É uma força diferente. Cresce com a fraqueza e a humildade. Não mata, prefere morrer. Não persegue, aceita ser perseguida. Vence pelo testemunho do amor, da misericórdia e do perdão. Por isso, é invencível. Temos a coragem de acreditar? Chega de medo e timidez!