Pe. Claudio Pighin

O Senhor ama a cidade que fundou

Achei interessantes as palavras do papa Francisco quando da visita recente que ele fez à Amazônia continental. “Deixai-me dizer mais uma vez: Louvado sejais, Senhor, por esta obra maravilhosa dos povos amazônicos e por toda a biodiversidade que estas terras contêm! Este cântico de louvor esboroa-se quando ouvimos e vemos as feridas profundas que carregam consigo a Amazónia e os seus povos. Quis vir visitar-vos e escutar-vos, para estarmos juntos no coração da Igreja, solidarizarmo-nos com os vossos desafios e, convosco, reafirmarmos uma opção sincera em prol da defesa da vida, defesa da terra e defesa das culturas”, disse o santo Padre. Para tentar compreender a importância das palavras de Francisco é bom ler o salmo 86 das Sagradas Escrituras, que nos leva a contemplar a presença de Deus na vida Amazônica por Ele fundada.

“O Senhor ama a cidade que fundou nos montes santos; ele prefere as portas de Sião às tendas de Jacó. De ti se anuncia um glorioso destino, ó cidade de Deus. Ajuntarei Raab e Babilônia aos que me honram; eis a Filistéia e Tiro com a Etiópia, lá todos nasceram. Dir-se-á de Sião: Um por um, todos esses homens nela nasceram; foi o próprio Altíssimo quem a fundou. O Senhor inscreverá então no registro dos povos: Aquele também nasceu em Sião. E cantarão entre danças: Todas as minhas fontes se acham em ti.”

Esse salmo, poderíamos dizer, é universal. Tem uma abertura para todo mundo. Portanto, um Senhor que se preocupa não somente com uns, mas se direciona para todos. A primeira estrofe proclama Sião como a cidade escolhida porque é ‘cidade de Deus’, superior às moradas de Jacó, isto é, aos lugares e santuários de Israel. A segunda estrofe é dedicada sempre a Sião como mãe de todos os povos. Aqui encontramos por três vezes o verbo ‘nascer’: “Nasceram”. As partes mais importantes do planeta convergem para Sião.
Quem são elas? Segundo o salmo são as grandes potências do Egito, a grande Babilônia, Tiro, a potência comercial do Norte, a Etiópia potência do Sul e a Palestina (Filisteia) potência central. Os povos listados, estrangeiros e opressores, são adotados como cidadãos de Jerusalém e o nascimentos deles ‘impura’ e sarada na raiz, assim que eles se tornam os ‘familiares’ de Deus. É um hino firme de ecumenismo. Para a nossa Igreja se tornou o seu canto, que representa simbolicamente como a ‘Jerusalém celeste que é livre e é a nossa mãe’ ( Gl 4, 26). E, a respeito disso, nós encontramos no Concílio Vaticano II, na Lumen Gentium n. 2, em que se diz que somos reunidos na Igreja Universal: “Todos os justos a partir de Adão até o último eleito…” E continua o papa Francisco, falando à Amazônia em perspectiva deste resgate universal: “Provavelmente, nunca os povos originários amazônicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora. A Amazônia é uma terra disputada em várias frentes: por um lado, a nova ideologia extrativa e a forte pressão de grandes interesses econômicos cuja avidez se centra no petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais; por outro, a ameaça contra os vossos territórios vem da perversão de certas políticas que promovem a “conservação” da natureza sem ter em conta o ser humano, nomeadamente vós irmãos amazônicos que a habitais.

Temos conhecimento de movimentos que, em nome da conservação da floresta, se apropriam de grandes extensões da mesma e negoceiam com elas gerando situações de opressão sobre os povos nativos, para quem, assim, o território e os recursos naturais que há nele se tornam inacessíveis. Este problema sufoca os vossos povos, e causa a migração das novas gerações devido à falta de alternativas locais. (…)

Paralelamente, há outra devastação da vida que está associada com esta poluição ambiental causada pela extração ilegal. Refiro-me ao tráfico de pessoas: o trabalho escravo e o abuso sexual. A violência contra os adolescentes e contra as mulheres é um grito que chega ao céu. (…)

O reconhecimento destes povos – que não podem jamais ser considerados uma minoria, mas autênticos interlocutores –, bem como de todos os povos indígenas, lembra-nos que não somos os donos absolutos da criação. É urgente acolher o contributo essencial que oferecem à sociedade inteira, não fazer das suas culturas uma idealização dum estado natural nem uma espécie de museu dum estilo de vida de outrora. (…)

A cultura dos nossos povos é um sinal de vida. (…)

Queridos irmãos da Amazónia, quantos missionários e missionárias se comprometeram com os vossos povos e defenderam as vossas culturas! Fizeram-no, inspirados no Evangelho. Cristo também se encarnou numa cultura, a hebraica, e a partir dela ofereceu-Se-nos como novidade a todos os povos, para que cada um, a partir da respectiva identidade, se sinta autoafirmadon’Ele. Não sucumbais às tentativas em ato para desarraigar a fé católica dos vossos povos. Cada cultura e cada cosmovisão que recebe o Evangelho enriquecem a Igreja com a visão duma nova faceta do rosto de Cristo. A Igreja não é alheia aos vossos problemas e à vossa vida, não quer ser estranha ao vosso modo de viver e de vos organizardes…”

Senhor, atendei-me, porque sou pobre!

Visitei um dia desse uma senhora de 86 anos que me confiou o drama de sua vida. Ela tinha uma ajuda mensal que garantia sua sobrevivência, mas de repente perdeu tudo. Cortaram a ajuda. A sua geladeira tinha somente uma garrafa de plástico com água. Era tudo que tinha para a sua alimentação. Não sabia mais o que fazer e a quem pedir auxílio. Todo mundo sumiu do seu redor, até o seu cachorro porque não tinha o que comer. Aquilo, porém, que me chamou atenção, perante essa dramaticidade de não ter nada e esquecida por todo mundo, foi essa sua firme declaração em confiar em Deus: “Eu creio que Deus não me abandona, aliás vai me tirar dessa situação de falta de tudo.” A transparente confiança dessa senhora de idade me ajudou a entender a coragem dela em saber lutar na vida não obstante toda a sua pobreza. Essa coragem de não se deixar levar pelo desânimo e tristeza, mas acreditar que tudo vai reverter com a ajuda Deus. O salmo 85 das Sagradas Escrituras nos ajuda a compreender essa confiança dessa pobre senhora.

“Inclinai, Senhor, vossos ouvidos e atendei-me, porque sou pobre e miserável. Protegei minha alma, pois vos sou fiel; salvai o servidor que em vós confia. Vós sois meu Deus; tende compaixão de mim, Senhor, pois a vós eu clamo sem cessar. Consolai o coração de vosso servo, porque é para vós, Senhor, que eu elevo minha alma. Porquanto vós sois, Senhor, clemente e bom, cheio de misericórdia para quantos vos invocam. Escutai, Senhor, a minha oração; atendei à minha suplicante voz. Neste dia de angústia é para vós que eu clamo, porque vós me atendereis. Não há entre os deuses um que se vos compare, Senhor; não existe obra semelhante à vossa. Todas as nações que criastes virão adorar-vos, e glorificar o vosso nome, ó Senhor. Porque vós sois grande e operais maravilhas, só vós sois Deus. Ensinai-me vosso caminho, Senhor, para que eu ande na vossa verdade. Dirigi meu coração para que eu tema o vosso nome. De todo o coração eu vos louvarei, ó Senhor, meu Deus, e glorificarei o vosso nome eternamente. Porque vossa misericórdia foi grande para comigo, arrancastes minha alma das profundezas da região dos mortos. Ó Deus, os soberbos se levantaram contra mim, uma turba de prepotentes odeia a minha vida, eles que nem vos têm presente antes os olhos. Mas vós, Senhor, sois um Deus bondoso e compassivo; lento para a ira, cheio de clemência e fidelidade. Olhai-me e tende piedade de mim, dai ao vosso servo a vossa força, salvai o filho de vossa escrava. Dai-me uma prova de vosso favor, a fim de que verifiquem meus inimigos, para sua confusão, que sois vós, Senhor, meu sustento e meu consolo.”

Esse salmo nos mostra como o fiel pobre confia no Senhor. É Ele a única segurança, como bem demonstrou àquela senhora, bem velhinha. Deus é a única e verdadeira certeza que não abandona o necessitado. Temos nesse hino um agradecimento e a própria manifestação de fé pelas obras divinas presente na humanidade e no universo. Além do mais, um canto maravilhoso, sem confins, de contemplação da ação de “Adonaj”, isto é, do Senhor. Por que aqui se usa esse nome “Adonaj”? Esse termo usado pelos judeus permitia de evitar a pronúncia do nome santíssimo de Ywhé. Segundo eles, o ser humano não tem essa capacidade de pronuncia-Lo. É demais para ele.

O fiel aqui demonstra uma total segurança na vinda de Deus que vai derrotar o mal na história. O bem triunfa sobre o mal. Assim sendo, testemunha-se o otimismo da fé, não obstante as dramaticidades que a vida comporta. E nessa oração, desse salmo, podes perceber aquilo que Jesus tinha falado de pedir incessantemente para que Deus possa conceder-nos. E o papa Francisco, por ocasião da conclusão do ano da fé, na praça S. Pedro dia 24.11.2013, falou o seguinte: “Cristo é o centro da história da humanidade e também o centro da história de cada homem. A Ele podemos referir as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias de que está tecida a nossa vida. Quando Jesus está no centro, até os momentos mais sombrios da nossa existência se iluminam: Ele dá-nos esperança, como fez com o bom ladrão. (…) Enquanto todos os outros se dirigem a Jesus com desprezo – «Se és o Cristo, o Rei Messias, salva-Te a Ti mesmo, descendo do patíbulo!» –, aquele homem, que errou na vida, no fim agarra-se arrependido a Jesus crucificado suplicando: «Lembra-Te de mim, quando entrares no teu Reino» (Lc 23, 42). E Jesus promete-lhe: «Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso» (23, 43): o seu Reino. Jesus pronuncia apenas a palavra do perdão, não a da condenação; e quando o homem encontra a coragem de pedir este perdão, o Senhor nunca deixa sem resposta um tal pedido.”

Páscoa, resposta à cultura midiática

Hoje, mais do que nunca, as pessoas são invadidas por “rios de palavras”, frutos de uma tecnologia perfeccionista e, ao mesmo tempo, exibicionista. Essa emergente onda comunicativa é fruto de uma civilização concentrada sobre a cotidiana experiência dos meios de comunicação social. Eles constituem a alma de cada ação humana. Portanto, aquilo que acontece na complexa e difícil atividade do nosso mundo é ligada à incidência da sequência de mensagens que invadem a vida de cada um, na presunção de oferecer àquela resposta que o ser humano de todos os tempos buscou e ainda busca: vale dizer, meios que favoreçam o enfrentamento da complexa vida contemporânea.

Infelizmente, deve se notar que a busca pela resposta fundamental, que a humanidade tanto persegue, não passa através dos mecanismos do fruto da inteligência humana, que é aquela que nós hoje comumente chamamos de mídia. De fato, a opinião atual acha que esta mídia possa resolver o problema das conturbadas cotidianidades do ser humano moderno, o qual, porém, fica traído por esta sua aposta, porque suas principais perguntas ficam sem respostas. As propostas da cultura midiática se revelam insuficientes porque são ligadas à materialidade do ter. É uma comunicação que caracteriza o nosso tempo e que não consegue levantar, motivar as pessoas a ir além dos seus limitados e apertados horizontes.

A pessoa, sabemos, é algo muito mais que isto, vai bem além pela sua vocação que tem. O acontecimento da ressurreição entra neste contexto, permitindo uma visão que supera este nosso horizonte fechado. Hoje, mais que nunca, o nosso tempo registra esta situação. A Ressurreição nos testemunha a atualidade de sua mensagem. Páscoa se revela, assim como em todos os tempos e também hoje, a verdadeira leitura que propõe ao ser humano não se deixar levar sob a pressão da lógica do tempo que passa. A Ressurreição é uma proposta de comunicação encarnada, a qual é mediadora de vida. Nela, o projeto humano acha a plenitude da sua busca. Por isso, a sua celebração não pertence à retórica das tradicionais festividades.

Páscoa é a oferta viva e permanente em um tempo de presunção e de confusão. É evidente que nesta perspectiva a nossa comunicação, para ser vital, deve possuir alguns requisitos contemplativos do mistério pascal. Neste sentido, constrói-se um verdadeiro percurso comunicativo, a partir do evento da experiência cristã, mais do que o tecnológico. Veja o que nos diz o papa Francisco: “Ontem telefonei a um jovem que sofre de uma doença grave, um rapaz culto, engenheiro, e falando, para dar um sinal de fé, disse-lhe: «Não há explicações para o que te acontece. Olha para Jesus na Cruz, Deus fez isto com o seu Filho, e não há outra explicação». E ele respondeu-me: «Sim, mas Ele perguntou ao Filho, o qual disse sim. A mim não perguntou se eu queria». Isto comove-nos, não pergunta a nenhum de nós: «Mas estás contente com o que acontece no mundo? Estás disposto a carregar esta cruz?». E a cruz vai em frente, e a fé em Jesus diminui. Hoje a Igreja continua a dizer: «Para, Jesus ressuscitou». Isto não é imaginação, a Ressurreição de Cristo não é uma festa com muitas flores. É bonito, mas não é só isto, é mais: é o mistério da pedra descartada que acaba por ser o fundamento da nossa existência. Cristo ressuscitou, eis o que significa.

Nesta cultura do descartável na qual o que não serve é usado e deitado fora, o que não serve é descartado, aquela pedra — Jesus — foi descartada e é fonte de vida. E também nós, pedrinhas pelo chão, nesta terra de dor, de tragédias, com a fé no Cristo Ressuscitado ganhamos um sentido no meio de tanta calamidade. O sentido de olhar para além, o sentido de dizer: «Olha não há muros mas horizontes, há vida, alegria, a cruz com esta ambivalência. Olha para a frente, não te feches. Tu pedrinha, tens um sentido na vida porque és uma pedrinha junto daquela pedra, a pedra que a malvadez do pecado descartou». Que nos diz a Igreja hoje diante de tantas tragédias? Isto, simplesmente. A pedra descartada não resulta deveras descartada. As pedrinhas que acreditam e se apegam àquela pedra não são descartadas, ganham um sentido e com este sentimento a Igreja repete do fundo do coração: «Cristo ressuscitou».” (domingo de Páscoa 2017)

A Ressurreição nos ajuda a nos encontrar constantemente. Portanto, uma comunicação verdadeira tem de passar por esta experiência, que nos revela que vamos além de uma simples história humana. Como o Cristo ressurgido conseguiu dar tanta coragem aos apóstolos trancados no cenáculo por medo e que não hesitaram depois em sair para testemunha-Lo, assim nós podemos fazer da nossa comunicação que seja mais objetiva e verdadeira, na medida em que nos deixamos viver por este evento único na história.
Páscoa é tudo para nós. A Páscoa nos ajuda a enxergar aquilo que nós humanos não sabemos ver. FELIZ PÁSCOA.

O Senhor é bom conosco!

Este salmo 84 das Sagradas Escrituras manifesta toda a alegria pelo fim do exílio de Israel na Babilônia e o reinício da sua vida na sua terra. Tanta felicidade! Leia atentamente o que diz o salmo:
“Fostes propício, Senhor, à vossa terra; restabelecestes a sorte de Jacó. A iniquidade de vosso povo perdoastes, foram por vós cobertos seus pecados. Aplacastes toda a vossa cólera, refreastes o furor de vossa ira. Restaurai-nos, ó Deus, nosso salvador, ponde termo à indignação que tínheis contra nós. Acaso será eterna contra nós a vossa cólera? Estendereis vossa ira sobre todas as gerações? Não nos restituireis a vida, para que vosso povo se rejubile em vós? Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia, e dai-nos a vossa salvação. Escutarei o que diz o Senhor Deus, porque ele diz palavras de paz ao seu povo, para seus fiéis, e àqueles cujos corações se voltam para ele. Sim, sua salvação está bem perto dos que o temem, de sorte que sua glória retornará à nossa terra. A bondade e a fidelidade outra vez se irão unir, a justiça e a paz de novo se darão as mãos. A verdade brotará da terra, e a justiça olhará do alto do céu. Enfim, o Senhor nos dará seus benefícios, e nossa terra produzirá seu fruto. A justiça caminhará diante dele, e a felicidade lhe seguirá os passos.”

O salmo reconhece que Israel precisa se converter, mas também que Deus retorna a defender o seu povo e a defendê-lo. Deus está presente na vida dele. Portanto, conversão e presença de Deus constituem a força da vida de Israel. E o povo eleito expressa assim a renovada presença de Deus: “Restabelecestes a sorte de Jacó… àqueles cujos corações se voltam para ele” (vv.2.9). A conversão leva a reconhecer a ação de Deus. Em seguida, o povo proclama: “Aplacastes toda a vossa cólera…” “Restaurai-nos, ó Deus, nosso salvador…” “Não nos restituireis a vida, para que vosso povo se rejubile em vós?” (vv. 4.5.7). É a partir dessa concepção que se define um novo mundo, um mundo onde o amor apaixonado de Deus e a sua própria fidelidade, encarnados nos fiéis, se juntam dando vez a justiça e a paz.

Essa grande verdade floresce dando vida e perfume ao ser humano; esse esplendor infinito vem do alto, vem de Deus para fazer reinar uma paz fundada na justiça e que nos leva à salvação. Segundo grandes padres do passado da Igreja Católica, esse salmo é um hino da paz, vinda com o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim sendo, podemos dizer com toda certeza que esse salmo é um hino à esperança de um novo mundo onde os sabores das maravilhas tomam conta da vida. Deus assim inicia o seu reino justo que, porém, não pode faltar a colaboração do ser humano através da sua confiança e a sua participação de solidariedade.

Para compreender melhor isso, cito alguns trechos do papa Francisco que fez em uma pregação: “Paciência de Deus, proximidade de Deus, ternura de Deus.” Interessante essa determinação categórica do papa em relação a Deus. Continua ele: “A resposta do cristão não pode ser diferente da que Deus dá à nossa pequenez. A vida deve ser enfrentada com bondade, com mansidão. Quando nos damos conta de que Deus Se enamorou da nossa pequenez, de que Ele mesmo Se faz pequeno para melhor nos encontrar, não podemos deixar de Lhe abrir o nosso coração pedindo-Lhe: «Senhor, ajudai-me a ser como Vós, concedei-me a graça da ternura nas circunstâncias mais duras da vida, dai-me a graça de me aproximar ao ver qualquer necessidade, a graça da mansidão em qualquer conflito».”

Insiste Bergoglio: “O «sinal» é precisamente a humildade de Deus, a humildade de Deus levada ao extremo; é o amor com que Ele, naquela noite, assumiu a nossa fragilidade, o nosso sofrimento, as nossas angústias, os nossos desejos e as nossas limitações. A mensagem que todos esperavam, que todos procuravam nas profundezas da própria alma, mais não era que a ternura de Deus: Deus que nos fixa com olhos cheios de afeto, que aceita a nossa miséria, Deus enamorado da nossa pequenez. (…)O curso dos séculos tem sido marcado por violências, guerras, ódio, prepotência. Mas Deus, que havia posto suas expectativas no homem feito à sua imagem e semelhança, esperava. Deus esperava. O tempo de espera fez-se tão longo que a certo momento, quiçá, deveria renunciar; mas Ele não podia renunciar, não podia negar-Se a Si mesmo (cf. 2 Tm 2, 13). Por isso, continuou a esperar pacientemente face à corrupção de homens e povos. A paciência de Deus… Como é difícil compreender isto: a paciência de Deus para conosco!” Terminando, é essa confiança em Deus que nos leva a ter perspectivas de vida maravilhosas.

São amáveis as vossas moradas, senhor!

A nossa existência nem sempre é fácil. É marcada pelas alegrias e dores, pelas maravilhas e incertezas, pelas tranquilidades e sofrimentos. A nossa vida é uma peregrinação, marcada pelas provisoriedades da caminhada. Na peregrinação não temos certezas, a não ser o presente que enfrentamos todos os dias. A respeito disso, quero relembrar que o nosso Deus se define na fala com Moisés como “Eu Sou”, verbo presente. É o presente que define Deus e, portanto, também a nossa vida. Essa é a grande certeza. Nesse sentido, leia o salmo 83 das Sagradas Escrituras que te ajuda a compreender a tua vida a partir de Deus:

“Como são amáveis as vossas moradas, Senhor dos exércitos! Minha alma desfalecida se consome suspirando pelos átrios do Senhor. Meu coração e minha carne exultam pelo Deus vivo. Até o pássaro encontra um abrigo, e a andorinha faz um ninho para pôr seus filhos. Ah, vossos altares, Senhor dos exércitos, meu rei e meu Deus! Felizes os que habitam em vossa casa, Senhor: aí eles vos louvam para sempre. Feliz o homem cujo socorro está em vós, e só pensa em vossa santa peregrinação. Quando atravessam o vale árido, eles o transformam em fontes, e a chuva do outono vem cobri-los de bênçãos. Seu vigor aumenta à medida que avançam, porque logo verão o Deus dos deuses em Sião. Senhor dos exércitos, escutai minha oração, prestai-me ouvidos, ó Deus de Jacó. Ó Deus, nosso escudo, olhai; vede a face daquele que vos é consagrado. Verdadeiramente, um dia em vossos átrios vale mais que milhares fora deles. Prefiro deter-me no limiar da casa de meu Deus a morar nas tendas dos pecadores. Porque o Senhor Deus é nosso sol e nosso escudo, o Senhor dá a graça e a glória. Ele não recusa os seus bens àqueles que caminham na inocência. Ó, Senhor dos exércitos, feliz o homem que em vós confia.”

Esse belo salmo é dedicado ao Deus da vida, verdadeira potência do universo que tudo lhe pertence. A definição de “Deus dos exércitos” quer dizer que Ele é Senhor das armadas das estrelas, de todo o cosmo e defensor de Israel, seu povo escolhido. Esse hino se contextualiza, provavelmente, na famosa festa das tendas. Estamos na estação do outono que é o tempo de colheita e também revivendo a peregrinação no deserto da grande libertação da terra de escravidão do Egito. Portanto, é a celebração no Templo onde a peregrinação é destinada; é tudo aí que se centraliza a peregrinação humana.

Assim, o salmo evidencia dois aspectos do famoso Templo: a) De um lado, mostra o Templo sem movimento, onde se contempla como fosse um sinal de uma residência espiritual, isto é, da sintonia com Deus. Quer dizer que somente no Templo tem vida, porque aí te defende de todo mal e protege a mesma vida. Nesse lugar sagrado, o fiel que reza pode contemplar os passarinhos, devido a sua grandeza tem os próprios ninhos, voando liberalmente e dando show de felicidade, simbolizando assim a felicidades dos sacerdotes que tem a sorte de morarem no Templo, demonstrando uma residência definitiva e afastando desse modo a peregrinação símbolo da provisoriedade.

b) Do outro lado, focaliza sobre a peregrinação. De fato, no salmo, vemos a procissão do peregrino que vem do norte, passa pelo Líbano, de aldeia para aldeia, naturalmente enfrentando tempo de sol e de chuva, e esta última representando um futuro cheio de bênçãos, revigorado pelas aguas refrescantes. Na medida em que se aproximar da cidade santa, ele, peregrino, pode avistar no horizonte o Santuário de Deus. É toda uma linguagem simbólica essa peregrinação que representa a dureza da vida, os sofrimentos que, porém, vale a pena tudo isso porque leva ao encontro maravilhoso e alegre com o Deus da vida. Achei interessante o comentário do papa Francisco a respeito disso na audiência- geral de 26 de abril de 2017:

“A nossa existência é uma peregrinação, temos uma alma migrante. Somos um povo de caminhantes, tendo Jesus por companheiro de viagem: «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos». Assim quis Ele assegurar-nos de que não Se limita a esperar-nos lá no fim da nossa viagem, mas já nos acompanha em cada um dos nossos dias”.

E acrescentou também isso: “Não haverá dia algum da nossa vida em que deixaremos de ser objeto da sua solicitude. E Deus cuidará de todas as nossas necessidades; não nos abandonará nos dias tenebrosos da provação. De fato, a esperança cristã não encontra a sua raiz na sedução radiosa do futuro, mas na certeza daquilo que Deus nos prometeu e realizou em Jesus Cristo”.

Só ele, o altissimo!

O salmo 82, das Sagradas Escrituras, é uma preocupação e lamento de Israel porque os inimigos estão se organizando para ataca-lo. E essas tramas de inimizades, de guerra, estão se tornando cada vez mais consistentes contra ele. Por isso, invocam ajuda ao próprio Deus, o Altíssimo. Leia atentamente o que diz o salmo das Sagradas Escrituras.

“Senhor, não fiqueis silencioso, não permaneçais surdo, nem insensível, ó Deus. Porque eis que se tumultuam vossos inimigos, levantam a cabeça aqueles que vos odeiam. Urdem tramas para o vosso povo, conspiram contra vossos protegidos. Vinde, dizem eles, exterminemo-lo dentre os povos, desapareça a própria lembrança do nome de Israel. Com efeito, eles conspiram de comum acordo e contra vós fazem coalizão: os nômades de Edom e os ismaelitas, Moab e os agarenos, Gebal, Amon e Amalec, a Filistéia com as gentes de Tiro. Também os assírios a eles se uniram, e aos filhos de Lot ofereceram a sua força. Tratai-os como Madiã e Sísara, e Jabin junto à torrente de Cison! Eles pereceram todos em Endor e serviram de adubo para a terra. Tratai seus chefes como Oreb e Zeb; como Zebéia e Sálmana, seus príncipes, que disseram: Tomemos posse das terras onde Deus reside. Ó meu Deus, fazei deles como folhas que o turbilhão revolve, como a palha carregada pelo vento. Como o fogo que devora a mata, como a labareda que incendeia os montes; Persegui-os com a vossa tempestade, apavorai-os com o vosso furacão. Cobri-lhes a face da ignomínia, para que, vencidos, busquem, Senhor, o vosso nome. Enchei-os de vergonha e de humilhação eternas, que eles pereçam confundidos. E que reconheçam que só vós, cujo nome é Senhor, sois o Altíssimo sobre toda a terra.”

O salmo inicia pedindo a Deus para não ficar surdo nem silencioso e insensível, porque os inimigos do povo, por Ele escolhido, estão conspirando contra ele. Querem acabar com ele, povo de Deus. Assim sendo, esses inimigos, no final, são também inimigos de Deus, querem cancelar o nome Dele da face da terra. Eles, os inimigos, são tão ousados em pretender se opor a Deus e elimina-Lo. Israel, então, apela fortemente a Deus para se fazer presente e destruí-los.

O povo de Israel não tem suficiente força para combatê-los. Quem são esses inimigos? São Edome os ismaelitas, Moab e os agarenos, Gebal, Amon e Amalec, a Filistéia com as gentes de Tiro e também os assírios a eles se uniram, e aos filhos de Lot. Perante todo esse poderoso bloco dos inimigos, Israel se opõe confiando na ação poderosa de seu Deus, como já tinha agido no passado dele.

Por isso, relembra as vitórias do passado que esmagou os seus inimigos. Por exemplo, o salmista recorda os povos que tentaram conquistar Israel: “Madiã e Sísara, e Jabin junto à torrente de Cison!”. O destino deles que foram mortos e serviram como adubo para a terra. Uma maldição, além do mais, porque não tiveram sepultura e reduzidos a pó pisado por todo mundo.
Assim se manifesta a poesia da invocação oriental e da guerra santa. Com tudo, Deus é o juiz supremo da história e todos os povos; no final, O buscarão como única verdade e salvação. Nos versículos 14-16, revela o juízo universal, representado pelas teofanias, isto é manifestação de Deus, que tem como símbolos “as folhas que o turbilhão revolve, como a palha carregada pelo vento. Como o fogo que devora a mata, como a labareda que incendeia os montes. Persegui-os com a vossa tempestade!”

Assim, Deus humilha os inimigos do seu povo, dos seus eleitos. Ninguém escapa de Deus. Assim sendo, o salmo 82 reflete que, através das provas da vida, fortalece-se a esperança em Deus, o Altíssimo, grande Mistério da vida, que vai além da nossa capacidade intelectual. E o papa Francisco falou a respeito no Angelus, oração dominical do meio-dia no Vaticano, no dia 20.08.2017:
“Aquela humilde mulher é indicada por Jesus como um exemplo de fé inquebrantável. Sua insistência em invocar a ação de Cristo é para nós um estímulo a não nos desencorajarmos, a não nos desesperarmos quando formos oprimidos pelas duras provas da vida. O Senhor não vira para o outro lado quando vê as nossas necessidades e, se por vezes pode parecer insensível aos nossos pedidos de ajuda, é para nos colocar à prova e fortalecer a nossa fé”.

Continuou o papa Bergoglio: “Ele pode nos ajudar a encontrar a direção quando perdemos a bússola de nosso caminho; quando a estrada diante de nós não é mais tão plana, mas áspera e árdua; quando é cansativo ser fiel aos nossos compromissos. É importante alimentar todos os dias a nossa fé, com a escuta atenta da Palavra de Deus, com a celebração dos Sacramentos, com a oração pessoal como um ‘grito’ para Ele, e com atos concretos de caridade com o próximo.”

Deus, liberta-nos!

Na medida em que a gente se afasta de Deus, o egoísmo se aproxima. A pessoa se sente o centro de tudo e tudo deve rodar em torno o seu ‘ego’. Assim sendo, fica muito mais complicado, por exemplo, saber escutar, reconhecer o valor dos outros e entender que o outro é mais importante do que o próprio eu. Conheci um senhor que trabalhou a vida toda pensando somente em como faturar cada vez mais, enchendo a sua conta no banco. No entanto, até a esposa ele não respeitava, porque o dinheiro era mais importante. Por sinal, ele nem teve filhos. Chegou o momento que faleceu a esposa e homem ficou sozinho, mas ele se consolava e se sentia seguro com a fortuna do dinheiro que tinha. Passaram uns anos e a sua saúde não aguentou e teve que ser internado num asilo, porque ficou sozinho, sem ninguém. Aliás, com o dinheiro. Foi nesta fase da vida que começou a despertar o que é a vida dele. Então, tomou consciência da sua pequenez e de que o dinheiro era nada. Por isso, passa dia chorando o tempo todo. A única coisa que lhe sobrou foram o lamento e as lágrimas. Quem pode nos libertar dessa escravidão da materialidade do dinheiro? O salmo 81 das Sagradas Escrituras nos ajuda a refletir sobre isso.

“Levanta-se Deus na assembleia divina, entre os deuses profere o seu julgamento. Até quando julgareis iniquamente, favorecendo a causa dos ímpios? Defendei o oprimido e o órfão, fazei justiça ao humilde e ao pobre, livrai o oprimido e o necessitado, tirai-o das garras dos ímpios. Eles não querem saber nem compreender, andam nas trevas, vacilam os fundamentos da terra. Eu disse: Sois deuses, sois todos filhos do Altíssimo. Contudo, morrereis como simples homens e, como qualquer príncipe, caireis. Levantai-vos, Senhor, para julgar a terra, porque são vossas todas as nações.”

Quem poderia ser uns dos inimigos que oprimem as pessoas nos dia de hoje? Eu creio que o desejo de ter cada vez mais, de concentrar a própria vida no dinheiro, é uma verdadeira ameaça à vida humana. Este salmo se concentra na palavra ‘deuses’. E esses ‘deuses’ tiveram uma dupla interpretação. No começo, quando foi redigido, teve a interpretação contra a idolatria. O Deus verdadeiro revela a nulidade desses deuses. Não são capazes de nada. Esses ídolos não sabem libertar o oprimido e defender a justiça. Esses deuses desaparecem. No entanto, o Deus verdadeiro é um Deus libertador, que vai além do tempo e do espaço e não tem limites.

Este salmo no período da profecia, no Antigo Testamento, sobre a questão da justiça, foi muito usado contra a corrupção das magistraturas. E também, insiste o hino, como Deus combate os poderosos deste mundo, porque são os culpados da opressão e exploração do pobre. Sempre segundo o salmo, esses poderosos se iludem de ser onipotentes e imortais, mas são como todo mundo votados à morte. Único justo e imparcial é Deus. É Ele o Senhor da história. E sua realeza nos garante de sermos deuses, enquanto suas obras. E esta obra é marcada pela sua graça, porque fomos resgatados pela sua Salvação, e porque adotados como filhos e filhas Dele.

Nesse sentido, podemos erguer a nossa cabeça e contemplar a maravilha da nossa vida. E o nosso papa Francisco nos ajuda a compreender melhor essa nossa preciosidade de filhos e filhas de Deus, por meio da homilia feita em Santa Marta, no dia 4 de julho de 2013: “Reconciliando o mundo em Cristo em nome do Pai: “esta é a missão de Jesus. Todas as outras, as curas, o ensinamento, as repreensões são apenas sinais desse milagre mais profundo que é a recriação do mundo. Uma bela oração da Igreja diz: “Ó Senhor, você que criou o mundo maravilhosamente, mais maravilhosamente você o redimiu, você o recriou”». A reconciliação é, portanto, a recriação do mundo e a missão mais profunda de Jesus é a redenção de todos nós pecadores. E “Jesus – acrescentou o Papa – isso não acontece com palavras, não com gestos, não andando na estrada, não! Ele faz isso com sua carne. É ele, Deus, que se torna um de nós, homem, para nos curar de dentro “. Mas, o Pontífice se perguntou: “pode-se dizer que Jesus se tornou um pecador? Não é assim, porque ele não podia pecar. São Paulo diz a palavra certa: ele não se fez pecador se fez pecado (ver 2 Coríntios 5, 21). Ele tomou todo o pecado sobre si mesmo. E isso é lindo, esta é a nova criação”, é “Jesus que desce da glória e se abaixa até a morte e a morte na cruz. Essa é a sua glória e esta é a nossa salvação. E a cruz no final, se faz pecado (veja 2 Coríntios 5:21) “.

Mensagem do papa francisco, para a quaresma e campanha da fraternidade 2018

Queridos irmãos e irmãs do Brasil!
Neste tempo quaresmal, de bom grado me uno à Igreja no Brasil para celebrar a Campanha “Fraternidade e a superação da violência”, cujo objetivo é construir a fraternidade, promovendo a cultura da paz, da reconciliação e da justiça, à luz da Palavra de Deus, como caminho de superação da violência. Desse modo, a Campanha da Fraternidade de 2018 nos convida a reconhecer a violência em tantos âmbitos e manifestações e, com confiança, fé e esperança, superá-la pelo caminho do amor visibilizado em Jesus Crucificado.

Jesus veio para nos dar a vida plena (cf. Jo 10, 10). Na medida em que Ele está no meio de nós, a vida se converte num espaço de fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade para todos (cf. Exort. Apost. Evangelii gaudium, 180). Este tempo penitencial, onde somos chamados a viver a prática do jejum, da oração e da esmola nos faz perceber que somos irmãos. Deixemos que o amor de Deus se torne visível entre nós, nas nossas famílias, nas comunidades, na sociedade.

“É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2 Co 6,2; cf. Is 49,8), que nos traz a graça do perdão recebido e oferecido. O perdão das ofensas é a expressão mais eloquente do amor misericordioso e, para nós cristãos, é um imperativo de que não podemos prescindir. Às vezes, como é difícil perdoar! E, no entanto, o perdão é o instrumento colocado nas nossas frágeis mãos para alcançar a serenidade do coração, a paz. Deixar de lado o ressentimento, a raiva, a violência e a vingança são condições necessárias para se viver como irmãos e irmãs e superar a violência. Acolhamos, pois, a exortação do Apóstolo: “Que o sol não se ponha sobre o vosso ressentimento” (Ef 4, 26).

Sejamos protagonistas da superação da violência fazendo-nos arautos e construtores da paz. Uma paz que é fruto do desenvolvimento integral de todos, uma paz que nasce de uma nova relação também com todas as criaturas. A paz é tecida no dia-a-dia com paciência e misericórdia, no seio da família, na dinâmica da comunidade, nas relações de trabalho, na relação com a natureza. São pequenos gestos de respeito, de escuta, de diálogo, de silêncio, de afeto, de acolhida, de integração, que criam espaços onde se respira a fraternidade: “Vós sois todos irmãos” (Mt 23,8), como destaca o lema da Campanha da Fraternidade deste ano. Em Cristo somos da mesma família, nascidos do sangue da cruz, nossa salvação. As comunidades da Igreja no Brasil anunciem a conversão, o dia da salvação para conviverem sem violência.

Peço a Deus que a Campanha da Fraternidade deste ano anime a todos para encontrar caminhos de superação da violência, convivendo mais como irmãos e irmãs em Cristo. Invoco a proteção de Nossa Senhora da Conceição Aparecida sobre o povo brasileiro, concedendo a Bênção Apostólica. Peço que todos rezem por mim.
Vaticano, 2018.

FRANCISCUS PP.

Quaresma: tempo de conversão

Logo depois do carnaval, na ‘quarta feira de cinzas’, iniciamos a quaresma. Quaresma, ‘sinal sacramental da nossa conversão’! E o santo padre Francisco, nos envia uma profunda mensagem para esse tempo tão importante. Eu não vou transcrever a mensagem na íntegra, devido ao pouco espaço que tenho nessa coluna, mas reportarei algumas passagens que mais marcam o texto. Papa Francisco inicia com a frase do evangelho de Mateus (24,12):«Porque se multiplicará a iniquidade, vai resfriar o amor de muitos». Por que o santo padre cita essas palavras? Ele diz: “Esta frase situa-se no discurso que trata do fim dos tempos, pronunciado em Jerusalém, no Monte das Oliveiras, precisamente onde terá início a paixão do Senhor. Dando resposta a uma pergunta dos discípulos, Jesus anuncia uma grande tribulação e descreve a situação em que poderia encontrar-se a comunidade dos crentes: à vista de fenómenos espaventosos, alguns falsos profetas enganarão a muitos, a ponto de ameaçar apagar-se, nos corações, o amor que é o centro de todo o Evangelho.” E quem são os falsos profetas? E sempre o papa: “Uns assemelham-se a «encantadores de serpentes», ou seja, aproveitam-se das emoções humanas para escravizar as pessoas e levá-las para onde eles querem. Quantos filhos de Deus acabam encandeados pelas adulações dum prazer de poucos instantes que se confunde com a felicidade! Quantos homens e mulheres vivem fascinados pela ilusão do dinheiro, quando este, na realidade, os torna escravos do lucro ou de interesses mesquinhos! Quantos vivem pensando que se bastam a si mesmos e caem vítimas da solidão!” Continua Francisco: “Outros falsos profetas são aqueles «charlatães» que oferecem soluções simples e imediatas para todas as aflições, mas são remédios que se mostram completamente ineficazes: a quantos jovens se oferece o falso remédio da droga, de relações passageiras, de lucros fáceis mas desonestos! Quantos acabam enredados numa vida completamente virtual, onde as relações parecem mais simples e ágeis, mas depois revelam-se dramaticamente sem sentido! Estes impostores, ao mesmo tempo que oferecem coisas sem valor, tiram aquilo que é mais precioso como a dignidade, a liberdade e a capacidade de amar. É o engano da vaidade, que nos leva a fazer a figura de pavões para, depois, nos precipitar no ridículo; e, do ridículo, não se volta atrás. Não nos admiremos! Desde sempre o demónio, que é «mentiroso e pai da mentira» (Jo 8, 44), apresenta o mal como bem e o falso como verdadeiro, para confundir o coração do homem. Por isso, cada um de nós é chamado a discernir, no seu coração, e verificar se está ameaçado pelas mentiras destes falsos profetas. É preciso aprender a não se deter no nível imediato, superficial, mas reconhecer o que deixa dentro de nós um rasto bom e mais duradouro, porque vem de Deus e visa verdadeiramente o nosso bem.” Ainda o papa:“Como se resfria o amor em nós? (…) O que apaga o amor é, antes de mais nada, a ganância do dinheiro, «raiz de todos os males»: depois dela, vem a recusa de Deus e, consequentemente, de encontrar consolação n’Ele, preferindo a nossa desolação ao conforto da sua Palavra e dos Sacramentos.[3] (…)E o amor resfria-se também nas nossas comunidades. São eles a acédia egoísta, o pessimismo estéril, a tentação de se isolar empenhando-se em contínuas guerras fratricidas, a mentalidade mundana que induz a ocupar-se apenas do que dá nas vistas, reduzindo assim o ardor missionário.” O que fazer, se pergunta o papa: “A Igreja, nossa mãe e mestra, nos oferece, neste tempo de Quaresma, o remédio doce da oração, da esmola e do jejum.Dedicando mais tempo à oração, possibilitamos ao nosso coração descobrir as mentiras secretas, com que nos enganamos a nós mesmos, para procurar finalmente a consolação em Deus. Ele é nosso Pai e quer para nós a vida.A prática da esmola liberta-nos da ganância e ajuda-nos a descobrir que o outro é nosso irmão: aquilo que possuo, nunca é só meu. Como gostaria que a esmola se tornasse um verdadeiro estilo de vida para todos! Como gostaria que, como cristãos, seguíssemos o exemplo dos Apóstolos e víssemos, na possibilidade de partilhar com os outros os nossos bens, um testemunho concreto da comunhão que vivemos na Igreja. (…)

Por fim, o jejum tira força à nossa violência, desarma-nos, constituindo uma importante ocasião de crescimento. Por um lado, permite-nos experimentar o que sentem quantos não possuem sequer o mínimo necessário, provando dia a dia as mordeduras da fome. Por outro, expressa a condição do nosso espírito, faminto de bondade e sedento da vida de Deus. O jejum desperta-nos, torna-nos mais atentos a Deus e ao próximo, reanima a vontade de obedecer a Deus, o único que sacia a nossa fome.” E insiste o papa: “Convido, sobretudo os membros da Igreja, a empreender com ardor o caminho da Quaresma, apoiados na esmola, no jejum e na oração.” (papa Francisco)

Escutai, ó pastor de Israel!

Cada pessoa tem histórias para contar. São muitas e diversificadas. Mas aquelas que mais marcam são os sofrimentos e o desespero do abandono. Um dia um senhor me encontrou e quis desabafar comigo. O seu casamento não tinha mais sentido, os filhos não se sentiam mais à vontade na família e a esposa tomava rumos que o levaram ao desespero. Então, ele se questionava sobre o porquê de tudo aquilo. Certamente, ele acrescentou, “eu tenho as minhas culpas”. Continuou ele: “Mas por que devemos sofrer assim? Por que não conseguimos nos entender? Por que não conseguimos viver numa boa harmonia?” Onde encontrar uma resposta exaustiva a tudo isso e mais? Leia esse salmo 79 das Sagradas Escrituras para tentar dar uma resposta:

“Escutai, ó pastor de Israel, vós que levais José como um rebanho. Vós que assentais acima dos querubins, mostrai vosso esplendor em presença de Efraim, Benjamim e Manassés. Despertai vosso poder, e vinde salvar-nos. Restaurai-nos, ó Senhor; mostrai-nos serena a vossa face e seremos salvos. Ó Deus dos exércitos, até quando vos irritareis contra o vosso povo em oração? Vós o nutristes com o pão das lágrimas, e o fizestes sorver um copioso pranto. Vós nos tornastes uma presa disputada dos vizinhos: os inimigos zombam de nós. Restaurai-nos, ó Deus dos exércitos; mostrai-nos serena a vossa face e seremos salvos. Uma vinha do Egito vós arrancastes; expulsastes povos para a replantar. O solo vós lhes preparastes; ela lançou raízes nele e se espalhou na terra. As montanhas se cobriram com sua sombra, seus ramos ensombraram os cedros de Deus. Até o mar ela estendeu sua ramagem, e até o rio os seus rebentos. Por que derrubastes os seus muros, de sorte que os passantes a vindimem, e a devaste o javali do mato, e sirva de pasto aos animais do campo? Voltai, ó Deus dos exércitos; olhai do alto céu, vede e vinde visitar a vinha. Protegei este cepo por vós plantado, este rebento que vossa mão cuidou. Aqueles que a queimaram e cortaram pereçam em vossa presença ameaçadora. Estendei a mão sobre o homem que escolhestes, sobre o homem que haveis fortificado. E não mais de vós nos apartaremos; conservai-nos a vida e então vos louvaremos. Restaurai-nos, Senhor, ó Deus dos exércitos; mostrai-nos serena a vossa face e seremos salvos.”

Este salmo é mais uma lamentação de todo o povo de Israel. É neste salmo que se descreve, como símbolo de Israel, a vinha. E mostra como esta vinha foi perseguida por uma tempestade tão violenta que os deixou numa profunda tristeza. Assim o salmo inicia, descrevendo como Deus sempre tinha guiado o seu povo Israel pela arca. Depois, de repente, parece que cochilou e se tornou indiferente à vida do seu povo. Parece que se esqueceu dele. Israel deseja de todo coração ter de novo o controle de Deus, que guia o seu rebanho, o conduz pelas suas pastagens e o farta de seus bens e, assim, dar posse numa vinha privilegiada.

O centro desse hino é caracterizado pelo simbolismo da vinha. Isto significa que, por meio da vinha, quer lembrar as suas próprias raízes, como nasceu sobretudo a partir da grande experiência do êxodo do Egito rumo à terra prometida e a sua própria chegada. A vinha alcançou um crescimento exuberante com Salomão, tanto de descrever que toda Palestina tivesse invadida pela folhagem verde da videira de Israel. Porém, agora esse encanto se quebrou. Parece que Deus, parecido a um invasor, derrubou o muro que defendia essa vinha, deixando assim a ser pisoteada e perder toda aquela floração que tinha no passado.

Perante essa realidade arrasadora surge um forte apelo para Deus: “Voltai, ó Deus dos exércitos”. Assim sendo, Deus não pode ser contra o seu povo Israel, mas ansiosamente espera a sua volta para que a sua vinha volte àquela de antigamente: ser fecunda. É claramente um hino marcado pelo sofrimento, mas, ao mesmo tempo, de uma grande confiança no seu Deus. As tempestades da vida são contrapostas pela confiança em Deus. Enfim, o papa Francisco nos enriquece a respeito através de um trecho da sua homilia feita no dia 19.01.2014:

“Muitas vezes temos confiança num médico: e isto é bom, porque o médico existe para nos curar; temos confiança numa pessoa: os irmãos e as irmãs podem ajudar-nos. É bom nutrir entre nós esta confiança humana. Contudo, nós esquecemos a confiança no Senhor: esta é a chave do sucesso da vida. A confiança no Senhor! Confiemos no Senhor! «Senhor, vê a minha vida: estou na escuridão, tenho que enfrentar esta dificuldade, cometi este pecado…»; tudo o que nós temos: «Olha para isto: eu confio em ti!». E esta é uma aposta que nós devemos fazer: confiar Nele, que nunca desilude. Nunca, jamais! Ouvi bem, vós rapazes e moças, que começais a vida agora: Jesus nunca desilude. Nunca!”