Dom Pedro Conti

O medo e o engano 

Os discípulos perguntaram ao mestre:
– Qual é o maior inimigo da iluminação?
– O medo. Respondeu o mestre.
– E de onde nasce o medo? Quiseram saber. – Do engano. Respondeu o mestre.
– Mas o que é o engano? Continuaram a questionar os discípulos. – Engano é acreditar que as flores ao nosso redor sejam serpentes venenosas.
– Mas então, como é possível conseguir a iluminação. Eles continuaram a indagar.
– Abram os olhos e reparem bem. Respondeu o mestre.
– Reparar o que, mestre? Falaram juntos os discípulos.
– Que aqui, ao nosso redor não tem  cobra nenhuma! Concluiu o mestre.

“Não tenhais medo!” São as palavras de Jesus repetidas três vezes no evangelho do 12º Domingo do Tempo Comum. Mas por que ter medo? Depois da escolha dos “12”, o evangelista Mateus coloca mais um discurso de Jesus para orientar a missão dos apóstolos. Ele é o primeiro a saber que anunciar a novidade do Reino de Deus não será um trabalho fácil. Eles encontrarão muitas dificuldades, serão “como ovelhas em meio a lobos” (Mt 10, 16), serão rejeitados pelos próprios familiares e odiados por muitos. O que Jesus está pedindo é a participação deles numa missão audaciosa, com resultados duvidosos e prêmio imediato nenhum. Ele chega a dizer: “Se ao dono da casa chamaram de Belzebu, quanto mais aos membros da casa!” (Mt 10, 25). Eles teriam, portanto, todo direito de ter muito medo. Mas Jesus insiste: &ldq uo;N&ati lde;o tenhais medo”.

Para vencer esse medo é necessário acreditar, ao menos, em três coisas. A primeira é a promessa que tudo o que ficou escondido será revelado. A referência pode ser as grandes ilusões que fascinaram e continuam a atrair grande parte da humanidade. Todo sistema se considera perfeito e toda ideologia infalível, por isso tem  um conjunto de “verdades” indiscutíveis que devem ser aceitas cegamente pelos seguidores. Quem não concorda é considerado um perigoso inimigo.

Outra possibilidade é que o evangelho fale das inúmeras calúnias levantadas contra os cristãos para eliminá-los. Por isso, logo depois, Jesus fala de não ter medo dos que podem matar o corpo, mas não a alma. Essa é a segunda afirmação na qual precisamos acreditar e nela acreditaram os mártires cristãos de todos os tempos. Preferiram desistir desta vida terrena que deixar de proclamar a própria fé em algo bem superior: aquela Vida plena que somente Deus pode dar aos seus amigos. Mártir significa “testemunha”. Quem não está disposto a sofrer por aquilo que acredita ser tão bom, justo e valioso ao ponto de arriscar perder a sua vida, deixa muitas dúvidas sobre no que acredita realmente. Que lição para nós, sempre dispostos a acomodar as coisas! Os mártires verdadeiros nunca foram atrás do mart&ia cute;rio , mas quando chegava o momento, não o consideravam uma punição, mas, nada menos, que um “dom” de Deus. Pediam força para vencer o medo, não para serem poupados.

Loucura? Não, fé luminosa, porque confiavam na infinita misericórdia do Pai. Essa é a terceira e a mais importante verdade na qual precisamos acreditar. É a decisiva. O Pai, diz Jesus, toma conta dos pássaros, conhece e ama a cada uma das suas criaturas mais do que pensamos.

O medo toma conta de nós quando nos encontramos na frente do desconhecido, daquilo que não entendemos e que escapa ao nosso controle. Por isso, os poderosos deste mundo querem saber tudo e todos os detalhes das manobras dos adversários. Nós também temos medo da opinião dos outros, de ser apontados como esquisitos, beatos, atrasados e tudo aquilo que muitas vezes escutamos. Isto não significa que devemos sempre apanhar, mas que vale mais a fidelidade nossa e de toda a Igreja ao Evangelho que um consenso duvidoso ou uns aplausos interesseiros. Ao contrário, o medo e a desconfiança de ser usados para outros fins que não sejam o bem comum e a justiça podem nos ajudar a sermos mais fiéis à causa de Jesus. Devemos sempre pedir a luz do Divino Espírito Santo para distinguir as cobras venenosas das serpentes inofensivas. Muito mais devemos apreciar o perfume das muitas flores ao nosso re dor, par a que a vida se torne um jardim para todos. Têm muitas pessoas de boa vontade, graças a Deus! Basta saber vê-las.

Sempre atento na estrada

Uma jovem mulher queria tirar a carteira de motorista e se inscreveu numa autoescola. Certo dia, durante uma aula de direção prática, numa rua com muito trânsito, o instrutor disse baixinho no ouvido dela:

– Ouvi bem? Você me chamou de “meu querido”?

– Senhor! – gritou espantada a jovem se virando para o lado do homem. O instrutor, sorrindo, disse para ela continuar olhando para a rua. Depois acrescentou: – Não se preocupe. Faço isso com todos os alunos, para lhe ensinar uma lição: não ligue para o que os outros lhe dizem. Quem dirige deve ficar sempre atento na estrada.

No 11º Domingo do Tempo Comum, retomamos a leitura do evangelho de Mateus.

Depois do grande discurso do Monte (cap. 5-6 e 7), o evangelista apresenta as “obras” do Messias, sobretudo as curas e a tempestade acalmada. No entanto Jesus não deixa de chamar pessoas a segui-lo, como faz com Mateus, o cobrador de impostos. É, porém, na página deste domingo que Jesus escolhe os “12”. Os nomes deles estão aí, para sempre, com as suas diversidades, dúvidas e medos, como veremos no próximo domingo. Era comum, naquele tempo, e hoje também, com as devidas diferenças, que um “mestre” tivesse ao seu redor discípulos dispostos a aprender com ele. “Seguidores” de verdade, prontos a partilhar a vida dele, não meros amigos virtuais, cada um sentados no sofá da sua casa, como acontece em nossos dias. Eles tinham deixado família e trabalho para segui-lo.

Essa tinha sido uma primeira virada na vida deles. Agora Jesus os envia em missão com algumas recomendações claras, inovadoras e muitos desafios. Antes, porém, o evangelista coloca novamente Jesus “vendo” as multidões. Na primeira vez, depois de “ver” as multidões, ele tinha oferecido o seu ensinamento (Mt 5,1-2). Dessa vez, o seu coração se enche de compaixão pelo povo cansado e abatido, parecendo “ovelhas que não têm pastor”. Ou, numa outra comparação, um campo pronto para a colheita, mas largado por falta de trabalhadores. Jesus convida a rezar, a pedir ajuda ao “dono da messe” e, ele mesmo, começa a escolher e a enviar os operários.

Com isso, entendemos que a Igreja é missionária por constituição. O dia que deixasse de evangelizar, deixaria de ser a Igreja que Jesus quis. Mas, atenção, junto com a ação vai também a oração, porque sem a força e a luz do Espírito Santo a missão se tornaria propaganda. Ela não é o resultado de um planejamento ou de um esforço de vontade nossa, como diz Papa Francisco, na sua mensagem para o Dia Mundial das Missões do próximo mês de outubro: “É Cristo que faz sair a Igreja de si mesma”.

Tudo isso, porém, não significa que a obra, nunca acabada, do anúncio do Evangelho seja algo improvisado, sem rumo, sem meta e sem conteúdo. Não. Jesus, é claro. Tem que começar pelas “ovelhas perdidas da casa de Israel”, o povo eleito. Depois virão também os samaritanos e os pagãos, como os apóstolos fizeram. Fundamental, contudo, é a mensagem que devem comunicar: “O Reino de Deus está próximo”. Deus não está longe, está aqui no meio da humanidade, deixa-se encontrar, porque fala, cura, doa vida nova, salva e liberta por meio do seu Filho Jesus. Por fim, um sinal inequivocável para reconhecer a autêntica ação evangelizadora: a gratuidade. A missão não é um “negócio”. Quem reconhece ter sido alcançado “de graça”, sem merecimento algum, pelo amor de Deus, por puro dom da sua bondade, deve também partilhar generosamente este bem tão precioso com quem o quiser acolher.

Esse é o “foco” da missão da Igreja: fazer saber à uma humanidade confusa e atraída por infinitas propostas de felicidade que o caminho para dar um sentido grande à vida é o seguimento de Jesus Cristo. Com ele, aprendemos a confiar no único “mandamento” que é o verdadeiro bem ao nosso alcance e que ninguém pode nos roubar: o amor doado que nos faz felizes alegrando os outros. O cristão é como um motorista que está dirigindo. Não pode se deixar distrair por qualquer conversa ao seu redor. O seu olhar deve ficar sempre atento na estrada. Jesus é, ao mesmo tempo, o caminho e a meta da viagem. Vamos lembrar.

A hora certa

Um sacristão ligava, todos os dias, para uma emissora de rádio da sua cidade para saber a hora exata. Certo dia, um dos operadores da rádio, intrigado, quis saber por que ligava para lá todos os dias.

– Quero estar certo com a hora de meio dia, quando devo tocar os sinos da torre. Respondeu o sacristão.

– Mas como? Rebateu o operador: – Eu regulo o relógio da Rádio com o toque dos sinos!

Afinal, quem regulava quem? Quem estava certo e quem errado? A conclusão é simples: todos precisamos de alguma coisa, ou de alguém, que nos faça sentir seguros, certos. Não para sermos dependentes, mas para ter alguma referência e não ficarmos perdidos na incerteza ou fechados na nossa orgulhosa e falsa infalibilidade.

Na primeira semana após Pentecostes, a Liturgia nos convida, todo ano, a celebrar o Domingo da Santíssima Trindade. É sempre uma oportunidade para refletir sobre algo de tão grande e misterioso que, com certeza, está acima do nosso pequeno entendimento. Não estou falando, porém, da nossa inteligência. No meio da humanidade, em todos os tempos e em todos os lugares existiram, e existem, grandes gênios, mas aqui não se trata disso. Nem é questão de ter estudado mais ou estudado menos. O que nós cristãos sabemos é o que, acreditamos, foi-nos revelado pelo próprio Deus. Com Jesus, ele, Deus, nos deixou “espiar” um pouco da sua intimidade.

O Filho feito homem, Jesus, disse que ensinava tudo o que tinha ouvido do Pai e que tudo o que era do Pai era também dele (Jo 16,13-15). Por sua vez, sempre o Filho, disse que o Espírito Santo teria lembrado “tudo” o que ele, o Filho, tinha ensinado, ou seja, nada mais disso. Dito em forma simples – e banal, me perdoem -: o Pai não tem segredos para o Filho e o Filho não tem segredos para o Espírito Santo. Todos se conhecem e se entendem maravilhosamente.

Quando algo semelhante acontece entre nós humanos, chamamos isso de amor, porque somente quem ama não tem nada para esconder e pode abrir totalmente o seu coração à pessoa amada. Sabemos disso desde as mentirinhas de crianças. Depois, crescemos, e, infelizmente, aprendemos a mentir, fingir e enganar. Na incerteza criamos defesas, alimentamos desconfianças, cultivamos suspeitas. Muitas vezes, temos medo de amar, ou de tomar decisões importantes, porque temos receio que alguém nos manipule e aproveite da nossa boa-fé. Na primeira carta de João lemos diferente: “No amor não há temor” (1 Jo 4,18). Em Deus Trindade a comunhão de amor é perfeita, a confiança é total, não há divisão, é um único Deus. É verdade que o Filho “obedece” ao Pai, mas, custe o que custar, o faz com adesão livre e absol uta. O E spírito também não “pensa” diferente. Nos ajuda a proclamar que “Jesus é o Senhor” e ora conosco o Pai. Tudo e sempre com amor e por amor, que afinal é a única verdadeira liberdade. Somente assim ninguém depende de ninguém porque todos comungam da mesma vontade, do único projeto de amor e misericórdia em nosso favor. Nós humanos, pobres coitados, pecadores, esquecidos e ingratos.

Quanto poderíamos aprender meditando sobre o “mistério” da Santíssima Trindade!

Entre nós funciona diferente, já sabemos. Estamos doentes para receber aplausos. Nos achamos importantes quando temos “seguidores” nas redes sociais. Bebemos avidamente de frases estrondosas quando pensamos que “todos” estejam gritando o mesmo. Espalhamos notícias “compartilhadas” por milhares ou milhões sem saber se vale a pena ou se é verdade. É mais cômodo repetir os outros que refletir com a nossa cabeça e decidir com a nossa vontade e responsabilidade. Claro que precisamos de lideranças, mas não de qualquer jeito ou somente para nos eximir das consequências das nossas escolhas pessoais. Jesus nos quer livres, capazes de colaborar entre nós, unidos e fraternos. A meta é a comunhão de amor. Temos um longo caminho a percorrer. E o relógio? Ainda bem que agora a hora certa vem pelo celular. Liberdade ou dependência?

O que será?

Os discípulos procuravam a iluminação, mas não sabiam o que era e como consegui-la. Disse o mestre:

– Não se pode consegui-la e nem agarrá-la.

Vendo, porém, o olhar desanimado dos discípulos o mestre continuou:

– Não fiquem tristes, não é possível também perdê-la.

A partir daquele dia, os discípulos estão em busca daquilo que não se pode perder, mas nem agarrar. O que será?
Parece uma brincadeira, mas não é. Só uma pergunta para despertar a nossa curiosidade e sem a pretensão de saber mais do que os outros. A resposta em si pode ser simples, mas o que tem a ver isso com o domingo de Pentecostes que estamos celebrando? Uma coisa por vez. Talvez o que não podemos agarrar e ao mesmo tempo perder é o amor de Deus. Esse amor sempre será um “dom” oferecido e dado e, portanto, só pode ser reconhecido e acolhido. Esse amor não pode ser perdido, porque Deus nos ama sempre, também quando achamos não o merecer ou que ele se esqueceu de nós.

Agora chegamos ao Divino Espírito Santo. Neste domingo, concluímos o Tempo Pascal e volta para nós, na liturgia, o evangelho de João do anoitecer daquele dia de Páscoa. A leitura dos Atos dos Apóstolos, com o vento e o fogo, é uma grande apresentação com imagens bíblicas da presença e da força de Deus. O importante é perceber o valor e a extraordinariedade do “dom” do Espírito Santo. Por esse “dom” os apóstolos, a Comunidade-Igreja, os cristãos, afinal, são chamados a continuar a missão do próprio Jesus. Será essa, em primeiro lugar, uma grande ação de perdão e reconciliação. O pecado de sempre e que deve ser perdoado, uma vez por todas, é o afastamento de Deus, o não reconhecimento do seu amor e da sua bondade.

Qualquer pecado, na Bíblia, é sempre idolatria: de nós mesmos, de outros, do poder, do dinheiro, de alguma “ideologia” transformada em absoluto. A conversão é difícil porque sempre seremos tentados a ter medo de Deus, a fugir dele, em lugar de nos deixar amar por ele, ou trocá-lo com algo, ou alguém, que nos atrai porque imediatamente visível e, pensamos, compensatório. Não tem como competir. As coisas, os bens, as pessoas estão à nossa frente. Deus parece estar longe, muito acima de nós pobres mortais peregrinos neste mundo, ele todo-poderoso, exigente, cobrador…Melhor nos virar aqui embaixo. Depois… sabe-se lá.

Perdoem a banalidade, mas aqui entra o papel único e “santificador” do Divino Espírito Santo, aquele que Jesus, no evangelho de João, chama de “defensor” – consolador, aquele que nos conduzirá no conhecimento da verdade (Jo 14-15). Por que “defensor”? O Espírito Santo vai nos ajudar a desmascarar os enganos dos que não são “deuses”, mas que se apresentam com todo o brilho possível, com todas as promessas de poder e felicidade. Do outro lado, o Espírito Santo nos ajuda a reconhecer como é o verdadeiro Deus, desfaz as falsas e distorcidas imagens dele e nos conduz a contemplar aquela beleza que só pode ser do único Deus verdadeiro. Aos poucos, nos caminhos da vida, o Espírito Santo abre os nossos olhos e o nosso coração para que, superando os enganos, encontremos a Verdade que, já sabemos, não é um conjunto de doutrinas, mas uma pessoa: Jesus, Caminho, Verdade e Vida. É o Pai que nos atrai para que nos aproximemos de Jesus (Jo 6,44). Ele quer que “ninguém se perca” (Jo 6,39). O Espírito Santo nos faz compreender a Deus como o Amor que nos ama sempre porque é bondoso e misericordioso. Ainda é o Espírito Santo que nos confirma na fé para que digamos, sem medo ou vergonha, que “Jesus é o Senhor” (1Cor 12,3b).

Tudo, portanto, a alegria da fé, do amor, da confiança, do perdão, tudo é “dom” de Deus. Não podemos perder o que nos é oferecido, cabe a nós acolher e agradecer. Que bom que seja assim, porque talvez a “fé” à qual, às vezes, nos agarramos tanto pode ser mais fruto das nossas ideias sobre Deus, do nosso orgulho, das simpatias com santos e santas, que, mesmo, do Divino Espírito Santo. Os “catecúmenos” que eram batizados (e crismados) na noite de Páscoa, depois do batismo eram chamados de “iluminados”. Assim deveríamos ser todos nós.

O aniversário

Era o dia do aniversário de Bete. Ela acordou radiante. Vestiu sua melhor roupa e foi tomar seu café da manhã, imaginando que, quando seu marido e filhos acordassem, iam todos dar-lhe os parabéns. Mas não foi o que aconteceu. Sua família acordou e todos estavam apressados. Mal lhe deram o bom-dia e saíram cada um para os seus afazeres. Bete ainda pensou que a surpresa viria a meio-dia, na hora do almoço, porém nada aconteceu. O marido ligou que ficaria no trabalho. Os filhos…só chegariam de tardezinha. Bete não perdeu a esperança. Tinha certeza de que a surpresa viria na hora do jantar. Então haveria bolo, flores, cartões e abraços. O dia terminou como tantos outros e nada aconteceu. Bete foi para a cama sentindo-se esquecida. Naquele momento, ao analisar o que havia acontecido, ela percebeu que as coisas podiam ter sido diferentes se ela mesma tivesse providenciad o seu bo lo, flores e convidados ao invés de ficar esperando que os outros fizessem isso por ela.

Neste domingo, celebramos a Ascensão do Senhor. A apresentação deste evento, como o encontramos no livro dos Atos dos Apóstolos, é aquela que mais chama a nossa atenção. No entanto, além da nossa imaginação e das diversas formas com as quais o Novo Testamento se expressa, o que devemos entender é a grande verdade da nossa fé. “Ascensão” significa elevação, alguém que “subiu” e/ou foi enaltecido. Quem? Jesus, o crucificado, o desprezado, o mesmo que morreu e “desceu” à mansão dos mortos. “A esse Jesus Deus ressuscitou…e agora, exaltado à direita de Deus… o constituiu Senhor e Cristo” (Atos 2,32-36). No evangelho de João, Jesus ressuscitado diz a Maria Madalena: “Não me segures! Eu ainda não subi para junto do Pai, mas vai dizer aos meus irmãos, que eu subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (Jo 20,17). Na carta aos Filipenses, encontramos isso com outras palavras ainda: “Por isso, Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu um Nome que está acima de todo nome…e toda língua confesse: Jesus Cristo é o Senhor” (Fil 2, 9-11). Tudo isso nós declaramos no Credo: “ressuscitou ao terceiro dia; subiu ao céu; está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso”. Por causa da nossa fé nós olhamos para “o céu”, não para ver ou estudar os planetas, mas para expressar, apesar das limitações da nossa linguagem, que esperamos estar um dia participando da própria vida divina, como Jesus prometeu. Estar “no céu”, portanto, é sinônimo de estar “com Deus”. Essa “vida plena” sempre será um presente exclusivo do Pai, um dom da sua misericórdia. E ntão, vamos aguardar passar o tempo da nossa vida para ver se depois, de alguma forma, seremos agraciados com a festa do céu?

Nada disso, a nossa espera pela “volta do Senhor” – que virá a julgar os vivos e os mortos – deve ser ativa, participativa, um testemunho luminoso da nossa fé na bondade de Deus. Sobre isso os “dois homens vestidos de branco” questionam os apóstolos: “Homens da Galileia, por que ficais aqui parados, olhando para o céu? (Atos 1,11). “Então os apóstolos voltaram para Jerusalém…”. “Voltaram”, sim, para a cidade onde Jesus tinha sido crucificado, mas agora com a certeza de ter uma missão a cumprir: ser “testemunhas” da novidade da Páscoa “até os confins da terra”. Uma missão que nunca vai acabar, não porque o nosso planeta aumente de tamanho, mas porque sempre chegarão novas gerações, novas culturas, novas situações a serem iluminadas pelo Evangelho de Jesus. Quais situa&c cedil;&o tilde;es de maneira especial? É sempre Jesus o nosso mestre. Ele foi “exaltado” porque teve a capacidade de “descer”, na morte. Mas antes também “desceu” no desprezo da cruz, contado entre os malfeitores, condenado por aqueles que já o tinham julgado infrator da Lei, amigo das prostitutas e dos cobradores de impostos. Amigo dos “errados”, em poucas palavras. Se ainda não entendemos, “subiremos” somente se tivermos a capacidade de “descer”, por amor, junto àquela humanidade que parece ter perdido todas as chances e toda a esperança. Sejamos nós a preparar o bolo e as flores e a convidar quem está lá, no fundo. A festa não passará em branco e o céu começará aqui.

Só chegam os que fazem o percurso

Um jovem, toda semana, vinha de muito longe participar de um curso de autoconhecimento. Um dia chegou até o professor e disse-lhe:
– Mestre, tenho notado o comportamento de seus alunos. Alguns deles tiveram a vida completamente transformada, outros mudaram em alguma coisa, mas existem muitos – e eu estou entre eles – que nada mudaram. Que explicação o senhor tem para isso?
Depois de olhar serenamente para o rapaz, o professor respondeu:
– Filho, você vem toda semana de longe ouvir-me falar, não é?
– Sim, mestre.
– Você conhece bem o caminho?
– Com certeza.
– Se alguém lhe perguntar como fazer para chegar até a cidade onde você mora, o que você faria?
– Eu explicaria o caminho da melhor forma possível – respondeu o jovem.
– E você acredita que só chegariam com sua explicação ou seria preciso percorrer o caminho?
– É claro que só chegariam os que percorressem o caminho.
Nesse momento, o professor concluiu:

– Assim mesmo são os meus ensinamentos. Eu os ensino da melhor maneira possível. Todos podem ouvi-los atentamente, mas só irão se transformar aqueles que realmente os colocarem em prática. O caminho é ensinado a todos, mas só chegam aqueles que fazem o percurso.

O mestre da historinha não ensinou nada demais ao seu aluno: não basta saber que existe o caminho; para chegar à meta precisa percorrê-lo até o fim. Isso significa enfrentar dificuldades, lutar para superar obstáculos, vencer ou perder desafios e tudo o mais de imprevistos que podem aparecer. Pensamos na nossa vida. Todos estamos a caminho e muitas coisas acontecem, alegres e tristes, banais e marcantes. Sempre existe a possibilidade de assistir à nossa vida como a um filme protagonizado por outros. Se alcançamos alguma meta será pelos empurrões e não porque a buscamos com afinco. Ao contrário, podemos decidir entrar na lida assumindo pessoalmente as nossas responsabilidades. Também se não alcançaremos metas extraordinárias, experimentaremos o entusiasmo da caminhada em lugar do tédio de ver a vida passar.

No domingo anterior, Jesus nos dizia claramente que ele é o caminho, a verdade e a vida. Quem aceita se deixar conduzir por ele pelo caminho encontra também o sentido da vida e aquela luz que desfaz toda escuridão e incerteza. No entanto, devemos reconhecer que andar pelo caminho de Jesus não é nada fácil. Nunca vai ser cômodo ou tranquilo. Pela simples razão que ainda não estamos livres de tentações, quedas e sofrimentos físicos e, também, espirituais. Cada um de nós deve, de certa forma, desbravar a vereda que se abre a sua frente. Estamos sozinhos nesta prova? De jeito nenhum. No evangelho de João, deste Sexto Domingo da Páscoa, Jesus promete “outro defensor” que o Pai dará porque ele mesmo o pedirá para nós (Jo 14,16). Esse “advogado” de defesa é o Divino Espírito Santo. Depois, Jesus usa uma linguagem ainda mais familiar e carinhosa: “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,18). Ou seja, desamparados, como quem está tristemente sozinho na vida. Os nossos pais podem não ser perfeitos, mas algo bom sempre doam aos seus filhos. Melhor ainda se, acima de tudo e dos bens materiais, que podem ou não nos oferecer, nos amam assim como nós somos, semelhantes e, ao mesmo tempo, diferentes deles. Nos amam sem condições, queixas ou chantagens. Chegamos, assim, ao assunto central do trecho evangélico deste domingo: por duas vezes Jesus repete que quem o ama “guarda”, acolhe e observa os seus mandamentos. Jesus não impõe, nos ama e garante nos acompanhar sempre. Somente pede, também, de ser amado. Com efeito, o maior de todos os mandamentos de Jesus é, justamente, o mandamento do amor. Com aquela qualidade especial e exigente que para amar a Deus, que não vemos, temos que amar o irmão que está ao nosso lado (1 Jo 4,20). Para alcançar a meta final do Amor Divino, da Vida plena, temos que saber amar já, por aqui, caminhando, dia após dia. Meta e caminho, então, se confundem? Não. É que o amor é o próprio caminho. Quem não sabe amar não vai acertar a meta porque não quer andar pelo “percurso” certo para chegar lá.

Vinte cada dia

Achava-se num asilo de velhos um antigo soldado que, apesar de sua vida de caserna e acampamento, conservava-se dócil e acessível às verdades cristãs. Um padre, que o visitava com frequência, falou-lhe da devoção do rosário e ensinou-lhe o modo de rezá-lo. A Irmã do asilo lhe deu um terço e o velho militar achou tamanho consolo em rezá-lo, e sentia muito não o ter conhecido antes, dizendo que o teria rezado todos os dias.

– Irmã – perguntou um dia – quantos dias há em sessenta anos? Ela fez o cálculo e respondeu:
– 21.900 dias.
– Irmã, e quantos terços eu teria que rezar cada dia para, em três anos, chegar a este número?
– Vinte cada dia – disse a freira. Daí em diante, viam-no, dia e noite, com o terço na mão. Após três anos de sofrimentos, suportados com grande paciência, chegou, feliz, ao seu último terço daquela conta. Os cálculos do velhinho também estavam certos. Poucos dias depois, aquele bom homem chegava ao fim da sua vida na certeza de ser acolhido nos braços de Nossa Senhora.

Neste mês de maio, tradicionalmente dedicado a Maria, Papa Francisco convidou os católicos a rezar o terço “em família”. Parece uma proposta de outros tempos, mas, já que em muitos lugares tantas pessoas ainda terão que ficar “em casa”, por que não aproveitar para rezar essa antiga oração? É muito repetitiva, alguns criticam. Outros acham mesmo que seja uma perda de tempo ou algo semelhante a alguma “prece poderosa”. O terço pode ser tudo isso, mas pode ser também muito mais. Por exemplo a repetição do nome de Jesus junto a um pedido de misericórdia é uma antiquíssima pérola da vida monástica oriental.

Não é uma distração dos afazeres, mas uma forma simples de “ter” o Senhor mais presente em nossa vida, qualquer seja a ocupação naquele momento. Repetir é algo quase automático, ou seja, o nosso pensamento foge quando estamos dizendo sempre as mesmas palavras. Depende, porém, para onde ele “foge”. Se apresentamos ao Senhor e a Maria as pessoas que amamos, as preocupações e os pedidos de ajuda para nós e para toda a humanidade, é uma distração de fé e confiança, na certeza que Alguém esteja nos ouvindo. Não esqueçamos, também, que na reza do terço tem os que chamamos de “mistérios”: gozosos, dolorosos, gloriosos e os luminosos, introduzidos pelo Papa S. João Paulo II. Por fim, rezar o terço é perder tempo? Nesse caso não tenho sugestão porq ue cada um de nós “perde” tempo como achar melhor, conforme o que decide ser mais ou menos importante em sua vida. Terço “em casa”, então, em família. Quem sabe, todos juntos, com a televisão desligada, para que, ao menos alguns minutos por dia, seja “ela” a rainha do lar, capaz de juntar todos e todas à sua frente. Podemos experimentar. Nestes tempos em que somos obrigados a parar a nossa vida superatarefada, talvez tenhamos a possibilidade de descobrir quanto seja importante ser donos do nosso tempo, para que nós mesmos reaprendamos a decidir mais livremente como ocupá-lo. Nossa Senhora, como uma mãe carinhosa, vai nos reunir e ajudar muito.

Não falei, ainda, do evangelho do Quinto domingo da Páscoa. O evangelista João nos coloca duas palavras de Jesus muito conhecidas. A primeira é a afirmação: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6) e logo depois responde a Filipe que lhe pedia para que mostrasse o Pai: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9). Esta é uma das verdades mais altas e sublime da fé cristã: é possível conhecer a Deus, o grande desconhecido, que todo ser humano busca mesmo sem saber ou trilhando caminhos contrários. Deus é um Pai porque assim o Filho Jesus, no seu falar e agir, o revelou. Basta admitir as nossas dúvidas e nos deixar conduzir pelo Caminho, pela Verdade e pela Vida – sempre Jesus – não desistindo nunca da nossa inteligência, mas sim da pretensão de moldar a “deus” conforme os nossos gostos ou interesses. E o terço? Vamos juntos, alegres, com tantos Santos e Santas: “por Maria a Jesus” e…por Jesus ao Pai. Para começar um terço por dia pode bastar. Vinte seria demais.

O pastorzinho veio a ser Papa

Um dia, lá pelo ano de 1530, um frade de Áscoli (Itália) perdera o caminho. Encontrando por acaso um pastorzinho, aproximou-se do pequeno e perguntou-lhe:

– Por onde é que se vai a Áscoli?

– Sei, sim, senhor. Caminhemos devagar, a passo dos meus cordeirinhos, e eu o levarei até lá.

Pelo caminho iam conversando. O frade notou que o pequeno era vivo, amável e de boa prosa. Soube que era filho de um trabalhador muito pobre, que não sabia ler e que estava a serviço de um vizinho cuidando das ovelhas dele em troca de comida.

O frade ficou encantado com o rapazinho e o convidou a visitá-lo no convento. Assim, a ida ao convento ficou o passeio preferido do rapaz nos seus dias de folga. Os frades gostaram do desembaraço e da inteligência do pastorzinho e pensaram que era bom colocá-lo para estudar. Em seguida, ele foi admitido na comunidade, estudou mais, foi ordenado padre e chegou a ser professor de teologia.

Confiaram-lhe cargos importantes e se desempenhou tão bem que o Papa o nomeou cardeal. Em 1585, após a morte de Gregório XIII, o antigo pastorzinho saiu eleito Papa com o nome de Sixto V e foi um dos maiores Pontífices.
Uma história de outros tempos para celebrar o Quarto Domingo de Páscoa, domingo no qual sempre encontramos um trecho do capítulo 10 do evangelho de João. Nele, Jesus se apresenta como o Bom Pastor que conduz as suas ovelhas. Essas ovelhas somos todos nós, os cristãos, felizes por segui-lo, porque conhecemos a sua voz. Ou seja, Jesus nos deve ser tão familiar que, antes de prestar atenção às suas palavras já nos dispomos a escutá-lo cheios de confiança.

Neste domingo, rezamos pelas vocações, todas elas, mas de maneira especial pelas vocações ao sacerdócio ministerial na Igreja. Rezamos para que não faltem bons pastores para apascentar o rebanho do Senhor. Com certeza Deus continua a chamar jovens ao seu serviço e esta chamada é profundamente misteriosa e pessoal. No entanto, devemos nos perguntar onde nascem as vocações sacerdotais, religiosas e missionárias. Nas famílias, sem dúvida, mas vamos dizer mais: todas as vocações surgem nas nossas comunidades. Também as vocações ao matrimônio cristão, não vamos esquecer.

Hoje, porém, parece que faltem vocações ao ministério presbiteral. Temos padres envelhecendo e quem irá substituí-los no serviço? Evidentemente nós todos, comunidades/igreja somos responsáveis disso porque muito depende do tipo de comunidades que somos ou queremos ser. Se a primeira preocupação, por exemplo, é a organização, o padre “bom” é o tipo empresário dirigente. Mas a comunidade não é uma empresa. Se queremos muitos “louvores”, o padre “bom” será aquele que distribui bençãos de todo e qualquer jeito. O importante é que não fale de política ou de justiça social. Enfim, se queremos um defensor da doutrina, o padre “bom” será o intelectual que usa palavras difíceis, que fazem efeito, e nos dá a impressão de saber tudo. Esse n os conve nce que os errados são sempre os outros e nós os “certinhos”, os melhores. E assim por diante. Esse padre “bom” não existe, porque sempre será difícil agradar a todos.

Talvez os jovens de hoje tenham medo das críticas e prefiram não se meter em confusões. Ou, por causa de tantas cobranças feitas aos padres se achem incapazes desta missão. Claro que tem “medos”, prudências e incertezas saudáveis, por isso, é preciso se preparar bem antes de serem ordenados padres, porque cada um deve ter consciência das próprias limitações e dificuldades. No entanto o que Jesus pede é que quem é presbiteral seja, em primeiro lugar, um “pastor”, não outras coisas. O “pastor” das ovelhas “caminha à sua frente e as ovelhas o seguem porque conhecem a sua voz”. O padre-pastor caminha com a sua comunidade e a comunidade “conhece” bem o seu pastor. Ele tem qualidades e defeitos, é humano, sente cansaço e tristeza, como todos. Não é um mero funcionário que tr abalha p ara cumprir um horário. É feliz por sua missão e quer que todos, também, sejam felizes de seguir o Senhor. Juntos com ele, sem perder ninguém.

Deixa eu ver

Um homem estava parado ao lado de um poço e olhava para o fundo. Uma criança se aproximou e disse:

– O que tem aí dentro?

– O amor, respondeu o homem, sem deixar de olhar para o fundo do poço, mas com um sorriso no rosto por ter provocado a curiosidade do garoto.

– O amor está escondido aí dentro?

– Sim.

– Deixa eu ver, gritou o menino. O homem virou-se para a criança, olhou-a com ternura e levantou-a at&eacut e; o ponto em que ela conseguisse ver o fundo do poço. Segurou o menino por alguns minutos, já prevendo a sua reação.

– Mas este sou eu, disse a criança, confusa.

– Isso mesmo, respondeu o homem – agora tu sabes onde o amor está escondido.

O que tem a ver essa velha historinha com a maravilhosa página dos discípulos de Emaús que e ncontram os neste Terceiro Domingo de Páscoa? Talvez nada, mas para mim pode nos ajudar a entender muito daquilo que eles experimentaram não tanto exteriormente, quanto interiormente, nas mentes e nos corações. Afinal, naquele diálogo, Jesus os ajuda a compreender o que aconteceu e acreditar naquilo que virá depois.
O evangelista Lucas nos apresenta uma bela “liturgia”, única em si, mas ao mesmo tempo acess&i acute;ve l, também se diferente, aos cristãos do tempo em que ele escreveu o evangelho e hoje para todos nós. Não posso entrar em muitos detalhes, mas convido a pensar nas nossas missas e acompanhar o desenvolvimento do encontro. Os dois discípulos estão desanimados. As coisas não funcionaram – e não funcionam mesmo – como eles planejaram e nem como nós gostaríamos: tudo fácil, sem dificuldades, sem cruz. Então, valeu a pena acreditar no “profeta” de Nazaré? Jesus, o peregrino que compareceu de repente, faz perguntas e os deixa desabafar para que sejam eles a dizer o que passa em seus ânimos. Depois, ele toma a iniciativa, os chama de “sem inteligência e lentos para crer” (Lc 24,25) e começa a explicar-lhes as Escrituras. Agora tudo muda, são eles a escutar. As palavras daquele, ainda desconhecido, já conseguem fazer os seus corações, como dirão depois. Assim aconteceria se lêssemos a Palavra de Deus do jeito como ela deveria ser escutada: como uma “lâmpada” para o nosso caminhar (Sl 119,105). O interesse é tão grande que os dois pedem ao estranho peregrino para ficar com eles. Ele aceita o convite. Entra, não sabemos onde, e eis os três sentados a uma mesa com um pão que ele abençoa, parte e o distribui. São os gestos da Eucaristia, os mesmos que Jesus tinha mandado repetir “em memória” dele. Aí está o sinal inconfundível e inequivocável da presença de alguém único e especial: o Senhor! Finalmente eles o reconhecem: é Jesus. Mais tarde, ao contar o acontecido aos outros discípulos, não dirão que o viram, mas que o reconheceram “ao partir o pão”. Agora sabem quem é o peregr ino que os tinha acompanhado. Ele desaparece “da frente deles”, mas já não têm mais dúvidas e nem medo, sabem que Jesus está vivo e presente. Voltam para Jerusalém, onde o Mestre tinha sido crucificado, ele venceu a morte.

Chegamos ao final de todas as liturgias: temos dois discípulos – a comunidade – a Palav ra e a E ucaristia, basta olhar com os olhos da fé para “reconhecer” o Senhor, cada vez, “ao partir o pão”. Ainda há quem pensa que foi a Igreja a inventar a missa; não! Ela vem de longe, do início. Cabe a nós hoje reconhecer o Senhor e ajudar outros a encontrá-lo nas palavras e nos gestos que ele mesmo nos deixou. O que falta para que isso aconteça nas nossas Liturgias? Já falei da Fé. Agora vou lembrar a Esperança, porque a comunidade reunida é o sinal da “nova” humanidade que, aos poucos, deve acontecer. Sem mais divisões, intrigas e disputas. Sem mais necessitados e excluídos. Um só coração e uma só alma. Somente Amor, generosidade, compaixão e misericórdia. Uma comunidade, grande ou pequena, germe e sinal do Reino que Jesus veio iniciar e que um dia chegará à plenitude. Quando nos encontramos , dever& iacute;amos descobrir sempre onde o amor está escondido, para que não fique mais assim, mas saibamos espalhá-lo pelo mundo afora, na vida. É missão de cada um, porque o amor tem o nosso rosto, as nossas mãos…

O que me conta…não pode ser real

O filosofo John Locke (1632 -1704) relata uma história recolhida naqueles anos. Certo dia, o rei da Tail&a circ;ndi a escutava com atenção os relatos do embaixador da Holanda. Este narrava:

– Na Holanda, quando a água esfria muito torna-se sólida e os homens podem caminhar sobre a superf& iacute;c ie. O rei franziu a sobrancelha. O embaixador, ao notar a incredulidade do rei, acrescentou:

– Mais ainda: se na Holanda houvesse elefantes, no inverno poderiam caminhar sobre a água gelada de um lag o e n&at ilde;o afundariam. O rei indignado, levantou-se de seu trono e interrompe-o:

-Já basta! Até hoje acreditei em todas as suas histórias. Considerava-o um homem prudente e sá ;bio. Agora, porém, sei que me enganou. O que me conta…não pode ser real.

Hoje podemos sorrir da incredulidade do rei da Tailândia, mas, coitado, naquele tempo ele não tinha como con ferir, com seus próprios olhos, o que o embaixador da Holanda lhe contava como algo natural em seu país. Os anos passaram, mas certas coisas não mudaram muito. Nós também, às vezes, acreditamos em coisas que nunca poderemos averiguar e, outras, duvidamos do que está bem de baixo dos nossos olhos. No fundo, somos todos gêmeos do nosso irmão Tomé. Isso porque, em geral, é mais fácil acreditar no que nos agrada, e que gostaríamos fosse verdade, e duvidar daquilo que nos incomoda ou não cabe em nossos raciocínios e convicções.

A questão é sempre dupla: primeiro, o assunto no qual podemos ou não acreditar e, segundo, q uem nos convida a botar fé. Tomé duvidou de ambas as coisas: da Boa Notícia que Jesus estava vivo, ressuscitado, e dos amigos que diziam o terem visto. São duas coisas diferentes, mas, em seu projeto de amor, Jesus, agora Senhor e Cristo, escolheu não aparecer a todos, mas somente a alguma “testemunhas” envolvendo-as assim, numa forma especial, no anúncio da vitória dele sobre o mal e a morte. De fato, a Ressurreição de Jesus, como evento em si, nunca poderá ser provada com os métodos técnicos e científicos que hoje consideramos infalíveis. Isso seria possível se a Ressurreição fosse um acontecimento, digamos, deste mundo, o nosso, sensível, material onde tudo, mais ou menos, pode ser medido, pesado, filmado etc. Não, a Ressurreição é um fato de Deus, é obra do Pai que ressuscita o seu Filho para nos reintegrar n o seu am or infinito apesar dos homens tê-lo rejeitado e crucificado. Devia ser assim, porque o Filho Jesus veio neste mundo, justamente, para nos fazer conhecer quanto extraordinária e inimaginável é para nós a misericórdia do Pai. É algo que só podemos perceber quando nós também arriscamos perdoar quem nos ofendeu, quando temos compaixão e cuidamos de quem, talvez, nem conhecemos e que, provavelmente, nunca irá nos agradecer. Sobretudo, quando apostamos com toda a nossa confiança que as coisas irão mudar se acreditarmos menos na nossa autossuficiência e seguirmos mais os caminhos surpreendentes percorridos por Jesus. Ele não buscou o sucesso humano, as riquezas deste mundo, uma vida fácil e cômoda, não se preocupou em agradar grandes e poderosos. Não! Ele quis nos dar o exemplo de uma entrega total por amor a todos os pecadores a começar pe lo ladr& atilde;o que estava à sua direita na cruz até o pobre Pedro, medroso, que fugiu e o negou. A Ressurreição de Jesus pode precisar de explicações “teológicas” para ser entendida. No entanto, desde o início, sempre será “provada” somente pela vida nova das testemunhas, ou seja, pela vida daqueles que desistiram de confiar nos próprios merecimentos, nas obras da própria justiça, e se deixaram tocar pelas chagas do Crucificado e de todos os crucificados deste mundo. Sim, Tomé “tocou” nos sinais da Paixão, mas foi Jesus que “tocou” no seu coração e curou a sua incredulidade. Ainda hoje o mundo, para acreditar, precisa de “testemunhas”, silenciosas e pacientes, mas corajosas e insistentes na paz, no amor, na generosidade e na compaixão. Porque para sempre serão esses os sinais de quem acredita na Re ssurrei& ccedil;ão de Jesus. Para o resto… podem zombar de nós, como o rei da Tailândia fez com o embaixador da Holanda.