Dom Pedro Conti

As moedas falsas

O povo conta, por aí, que um comerciante tinha uma loja numa rua bem frequentada. Muitas pessoas entravam no estabelecimento e compravam alguma mercadoria. O homem ficava sentado no caixa e colocava em diferentes compartimentos as moedas e as notas de papel conforme o valor. Um amigo, parou bem perto dele para conversar e reparou que o comerciante tinha outra pequena repartição na gaveta onde colocava moedas falsas ou o dinheiro antigo, já fora de uso. Contudo ele agradecia o cliente com um sorriso e não falava nada.

– Você pegou moedas falsas sem dizer nada? Perguntou o amigo. O comerciante respondeu com um sorriso meio triste:

– Veja bem, quando acontece isso, penso sempre: eu também sou uma moeda sem valor, mas Deus me aceita sem reclamar!

No evangelho do Segundo Domingo de Advento, deste ano, encontramos o “mensageiro” que vai à frente do Senhor, João Batista, aquele que se define: “a voz que grita no deserto” (Mc 1, 3). João é uma pessoa austera, convida a um “batismo de conversão”. Ele mesmo vive afastado do barulho da cidade, com simplicidade na comida e na roupa. Dessa maneira, não só a pregação, mas a própria pessoa dele se torna um sinal que chama atenção. Como outros profetas e pregadores anteriores, João anuncia alguém mais importante do que ele, alguém que batizará não só com a água, mas também “com o Espírito Santo”: o Messias esperado. Mais um motivo para alimentar a expectativa, convocar as multidões e reforçar o convite a uma mudança de vida.
Por isso, o tempo litúrgico do Advento é, para nós também, um tempo de “conversão”.

Nunca é fácil dar uma virada ao rumo da nossa vida, mas talvez seja esse um desejo escondido para o qual sobram convites, mas nos falta coragem. No tempo de Advento, essa “conversão, tem o gosto da abertura, da acolhida de Alguém que precisamos deixar entrar em nossa vida. Ele, o Senhor, já veio no meio de nós e sempre vai chegar para quem lhe preparar o caminho. O que falta para que isso aconteça?

De novo, João Batista pode nos ajudar. A primeira condição, talvez, seja o ambiente do “deserto” entendido como momentos de bendita solidão e não, com certeza, de isolamento. “Deserto” não é fuga, escondimento. Deserto é a capacidade de silenciar as confusões ao nosso redor, para poder escutar a voz da nossa consciência, a voz de Deus e a voz dos pobres. Penso, sim, nessa ordem, porque cabe a nós pedir a Deus o dom da escuta. De outra forma, o Natal de Jesus será uma mera repetição de costumes e de emoções exteriores. Igualmente não saberemos ouvir a voz dos pobres se, em nossa vida, prevalecem o nosso comodismo e bem-estar e praticamos uma religiosidade só intimista e interesseira. A segunda condição para o começo da nossa conversão é o reconhecimento da nossa fragilidade e carência. João Batista falava de alguém “mais forte” e reconhecia a sua indignidade. Se estamos cheios de orgulho e nunca admitimos ter errado e que sempre podemos errar, dificilmente, alguma vez, pediremos desculpa. Por consequência, nunca mudaremos nada da nossa maneira de nos relacionar com os outros. Entraremos em disputas e apontaremos sempre os defeitos alheios.

Numa sociedade cheia de super-heróis que se autopromovem, a humildade fica esquecida. Então, quem consegue perseverar no caminho da conversão? A boa notícia é que não estamos sozinhos. O Menino que acolheremos no Natal será chamado Jesus, mas também Emanuel, Deus conosco (Mt 1,23). Jesus, bem sabemos, não veio para os que se acham tão bons de não precisar de nada, veio para os que se reconhecem pecadores, necessitados de conversão. O Senhor gostaria de não perder nenhum dos seus filhos e filhas, porque para ele somos todos muito preciosos. O amor dele quer chegar aos últimos e aos mais afastados. Nasceu pequeno para que não esqueçamos os menores, os menos considerados, os invisíveis. Para ele,
não tem moedas falsas que possam ser jogadas fora. No coração dele, tem lugar para todos e todas. Também para nós, se quizermos.

Boas escolhas, más escolhas

Certo dia, o discípulo cria coragem e resolve tirar a sua grande dúvida com o Mestre.

– Mestre, como faço para me tornar um sábio? – perguntou.

– Boas escolhas. Ele fica pensativo por alguns instantes e depois torna a perguntar:

– Mas como fazer boas escolhas?

– Experiência – diz o mestre.

– E como se adquire experiência, mestre? – Más escolhas…
Estamos de novo no começo do Ano Litúrgico e sempre reiniciamos pelo tempo de Advento. Estas semanas nos prepararão às festas do Natal. Tempo de espera ou de esperança, depende de nós. “Espera” significa simplesmente deixar o tempo passar e ocupá-lo, talvez, com alguma atividade, conforme as nossas possibilidades ou os nossos gostos.

Acordados ou dormindo, inexoravelmente, os dias irão transcorrer. Mais cedo ou mais tarde, seremos obrigados a reconhecer isso. “Esperança” é outra coisa. O tempo não vai parar, nem vai ser mais longo ou mais curto. O segredo está na capacidade de aproveitar dos dias que passam. O fato de “recomeçar” e percorrer novamente um caminho já andado, não significa mera repetição. Podemos tentar responder, mais uma vez, a uma pergunta chave da nossa vida: o que aprendemos até aqui? Para onde nos leva o rumo que damos às nossas vidas? Evidentemente são questões que supõem um interesse sério a não desperdiçar o nosso tempo e a ter, cada vez mais, clareza daquilo que queremos alcançar. O contrário seria a superficialidade ou, talvez, uma vida vazia, dirigida pelos outros, pelas modas, imitando aqueles que parecem brilhar naquele instante. A “esperança” verdadeira nos ajuda a ter objetivos e sonhos. Nos obriga a buscar o que vale, a questionar os caminhos que estamos trilhando. É uma virtude e, ao mesmo tempo, um dom de Deus segundo a profecia de Joel, realizada no dia de Pentecostes: “os vossos jovens terão visões e os vossos anciãos terão sonhos” (Atos 2,17). A esperança anima, não anestesia e nem se conforma com as coisas erradas, é algo que nos inquieta e não deixa entorpecer as nossas consciências. Porém, não basta dizer: vou fazer diferente…Precisa ter claro o que fazer e como fazer. Somos todos eternos aprendizes.

O evangelho deste Primeiro Domingo de Advento é uma exortação de Jesus – ou mesmo uma ordem – para ficar atentos, vigiando. Conscientes ou não, todos estamos esperando algo acontecer, aguardamos um encontro com alguém que nos mude e dê sentido a nossa vida. O Senhor nos lembra que somos “responsáveis” por essa espera. Podemos e devemos tomar decisões, organizar projetos, marcar percursos e metas. Cabe a nós mudar as circunstâncias, transformar as situações. Lembrando a canção: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Para isso, porém, precisa “saber”, é necessária muita “sabedoria” que, por sua vez, aprende-se também errando. Não devemos ter medo dos erros, dos desvios, contanto que nos tornem mais sábios e corajosos para abrirmos novos caminhos. Em certos momentos, temos a impressão de que tenhamos aprendido pouco com os nossos erros pessoais e da própria humanidade. Como se não bastassem as guerras do passado, as vidas perdidas pelos sonhos de poder, pelos ódios, as cercas e as bombas atômicas. Deixamos de sonhar a paz para cultivar o rancor e a vingança, perdemos a chance de partilhar bens e saberes para acumular inveja e indiferença. Tudo isso entre pessoas e famílias, entre países e blocos comerciais. Quem, com os seus erros, encontra o caminho do bem, exerce a humildade, aprende a escutar conselhos, confia na fraternidade e na solidariedade.

O tempo de Advento deve servir para iluminar o que aprendemos até aqui, mas não para ficar parados. O simples e grandioso fato de acreditar num Deus que quis ser humano para caminhar conosco e ser “o caminho” para nós, nos deve animar. Temos motivos para ser tristes: a pandemia, o desemprego, a pobreza, a incerteza do futuro, mas nunca tão perdidos “como aqueles que não têm a esperança”. (1Tes. 4,13). Esta é sabedoria, é fé, é recomeçar com Jesus no Natal.

A educação

Madre Teresa de Calcutá contava: “Meu pai se chamava Kole Bojaxhiu. Ele era comerciante e viajava pela Europa toda. Quando voltava para casa, reunia todos os filhos ao seu redor e contava o que tinha visto e feito. Era um homem severo e exigia muito de todos nós. Mas era também muito generoso. Às escondidas, doava alimentos e dinheiro sem chamar atenção, nem se vangloriar. Dizia sempre:

– Devem ser generosos com todos como Deus foi generoso conosco: nos deu tanto, tanto, por isso façam o bem a todos!

Certa vez ele me disse:

– Filha, nunca receba e nem aceite um pedaço de pão, se não for partilhando com os demais!

No último domingo do ano litúrgico, celebramos a Solenidade de Jesus Cristo Rei do universo e somos lembrados, pelo evangelho, que seremos julgados por ele pelo amor, a misericórdia e a compaixão. Nada mais, mas, também, nada menos. O maravilhoso dessa página de Mateus é a surpresa de todos, justos e injustos. Todos perguntarão: – Quando, Senhor, te vimos com fome e te demos – ou não te demos – de comer?

Isso significa que devemos aprender a reconhecer o Senhor naqueles com os quais ele quis se identificar: os famintos, os sedentos, os estrangeiros, os nus, os doentes e os presos. Uma simples amostra para exemplificar aquela parte da humanidade ainda desprezada, excluída, esquecida. Jesus começa com os sofrimentos imediatos, aqueles que fazem doer o estomago, que matam fisicamente ou pelo abandono em esperas e castigos intermináveis. Depois, nós juntamos as obras de misericórdia espirituais. Justo, mas querer consolar sem dar comida é considerar o faminto um anjo, mais do que nós, provavelmente, de barriga bem cheia. Seria uma fé morta, que mata e não doa vida (Tg 2,14-17).

Com a “surpresa” final, descobrimos que ninguém terá alguma vantagem, nem os justos e nem os injustos. Mais uma grandeza de Deus, que não deixa de enviar mensagens e mensageiros, mas não obriga ninguém a fazer o que não escolhe e decide em seu coração. É a liberdade que dá valor a qualquer gesto de amor. Algo se deve e se pode planejar, sem dúvida: assistência, proteção social, planos de resgate para pessoas necessitadas. É o mínimo que uma sociedade civilizada deveria conseguir. O contrário seria a barbaridade, o descaso total. Não seremos, porém, julgados sobre os resultados das grandes obras, das estatísticas, da propaganda usada para explicar como e onde os milhões foram gastos. Nada disso. O “julgamento” estará mais uma vez nos gestos simples, pobres, mas fraternos, de aproximação, de encontro, de capacidade de reconhecer a pobreza comum de todos, a fragilidade e a solidão, enfim, de todos. Servem obras grandes, dinheiro público para sustentar muitas coisas, mas a pouco serviria se não mudasse o coração de cada um, se ficássemos satisfeitos com resultados exteriores, por maiores que fossem, mas não aprendêssemos a amar o nosso irmão, a vê-lo como o próprio Jesus ainda crucificado e sofredor. Foi assim que Deus viu o povo escravo no Egito e decidiu libertá-lo (Ex 3,7-10). Foi assim que o Pai viu a humanidade toda e enviou o seu Filho para nos resgatar do pecado e da morte. “Não poupou o seu Filho” diz João (Jo 3,16-17). Ele mesmo veio no meio de nós, não mandou planos acabados para ser cumpridos. Deu o exemplo!

Nada substitui a generosidade pessoal, o afeto e atenção que todos podemos dispensar – e receber, claro – a quem entendemos que esteja precisando. Sempre precisaremos de caridade planejada, porque o bem deve ser bem feito e não improvisado. Mas a todos e a todas, cristãos e não, é dada a chance de ter compaixão, de se deixar tocar pelo sofrimento do outro. É como dizer que ninguém está perdido de antemão ou esteja fora da possibilidade de fazer o bem. Só precisa aprender e acreditar que vale a pena. Ser bons e compassivos nos humaniza, nos torna imagem verdadeira do Pai misericordioso, não de um Deus poderoso que amedronta e castiga. Um Pai que educa sempre os seus filhos. Um Deus Mãe que sente compaixão e amor pela nova vida que carrega em si: o pequenino ainda desamparado.

Deve trabalhar para viver

Contam os monges anciãos que, certo dia, João, o pequeno, disse a um irmão mais velho:
– Quero ser livre das preocupações e não trabalhar. Quero adorar o Senhor sem parar”. Tirou a veste de monge e foi para o deserto. Depois de uma semana, voltou com aquele irmão. Quando bateu na porta, o monge, de dentro, sem abrir, perguntou:
– Quem é? – Respondeu:
 – Sou João, teu irmão.
 Mas o velho monge rebateu:
 – João se tornou um espírito e não vive mais entre as pessoas!
João suplicou:
 – Sou eu! Mas o irmão não abriu a porta e o deixou no desespero até a manhã seguinte.
 Quando saiu lhe disse:
 – Se és um ser humano deves trabalhar para viver.
João, o pequeno, se arrependeu e disse:
– Me perdoe, irmão, porque errei.
A parábola dos talentos, que encontramos no evangelho deste domingo, é muito conhecida e, como outras parábolas,  presta-se a diversas leituras. A primeira mensagem está em continuidade com que refletimos nas últimas semanas: o Senhor nos quer “vigilantes”, ou seja, a espera da volta dele – que é a nossa própria vida nos dias que passamos neste mundo – e deve ser um aguardá-lo ativo, alegre e comprometido. Nada de preguiça, sonolência e acomodação. O exemplo mais prático para entender isso é o da entrega dos “talentos”, qualquer coisa eles representem. O certo é que somente quem soube multiplicá-los será premiado e chamado de servo “bom e fiel”. Quem, ficou com medo ou achou o “dono” severo e exigente demais e acabou enterrando o único talento recebido, será chamado de servo “mau, preguiçoso” e, enfim, “inútil”.
 A essa  altura devemos nos perguntar se o Senhor Jesus queria falar mesmo de bens materiais ou, sobretudo, de outros tesouros preciosíssimos que a todo custo devem ser traficados. Uma coisa não exclui a outra. Hoje entendemos, por exemplo, que a própria natureza é o primeiro “dom” que o Pai criador entregou à humanidade e que, com seu respeito e sustentabilidade pode, ou não, ser fonte de vida ou de morte para os habitantes do planeta. A “cura” da criação nos aparece cada vez mais urgente e de responsabilidade de todos. Uma humanidade digna de ser “humana” mesmo e não mera consumidora e exploradora de riquezas não pode mais pensar só no lucro da geração atual, deve saber enxergar mais longe se quiser preparar um futuro melhor para todos. De outra forma, nunca acabarão as guerras para o controle das riquezas e nunca haverá fraternidade e partilha.
Talvez precisemos redescobrir e reavaliar outros tipos de “talentos”, menos materiais, mas igualmente – ou mais – valiosos. Simples. Se achamos que o ser humano se satisfaz somente com o famoso “pão”, deixamos de lado outros bens. Jesus nos ensinou que precisamos também da Palavra de Deus, ou seja, de escutar sempre e de novo a proposta daquele que colocou em nossos corações muitos outros desejos e sonhos que nunca ficarão satisfeito com o que encontrarmos e construirmos neste mundo. Hoje, a grande questão do chamado “progresso” é que não pode mais ser somente material.
O “crescimento” pede novos equilíbrios com a natureza, novos relacionamentos mundiais, novo respeito pela existência de todos os seres vivos. Papa Francisco fala de “sobriedade feliz”. Lembra-nos que “tudo está interligado”. É simplesmente imoral querer construir “ilhas” de felicidade isoladas para poucos privilegiados. Seriam somente lugares de egoísmo e desprezo para os demais, numa vida triste cheia de barulho e superficialidade.
Penso que, afinal, seja esse o grande “trabalho” dos cristãos, daqueles que querem contribuir com a construção do Reino de Deus e não dos ilusórios reinos humanos. Temos um “tesouro” imenso, incalculável, de amor, de criatividade para organizar novas economias, novas fraternidades, novos relacionamentos. Sempre os cristãos sonharam com novas “cidades” mais semelhantes com a “cidade do céu”. Nunca faltaram profetas e mártires para isso. O pior é desistir de ser cristão ativos, cada um com as suas capacidades, numa comunhão de compromisso e bondade. Orar não é fugir, se esconder, mas saber para que se reza e, sobretudo, para que se vive.

Santidade, nada de santidade

Certa vez, por ordem do Papa, São Filipe Neri visitou um mosteiro onde tinha uma religiosa considerada santa. Quando Filipe, que entendia muito bem de santidade, chegou naquele lugar, tirou os sapatos sujos de lama. Com um sorriso, disse para aquela freira que tinha ido ao encontro dele:
– Irmã, por favor, pode limpar estes meus sapatos? A famosa monja foi embora indignada, reclamando. Filipe voltou com o Papa e lhe falou baixinho no ouvido: Santidade, nada de santidade!

Mais uma anedota de um santo conhecido pelo bom humor e a alegria. É bom também lembrar que os papas são chamados de “Santo Padre” ou “Santidade”, só para não confundir um título de respeito ao Papa com a “santidade” que, na Solenidade de Todos os Santos e Santas, queremos celebrar. Apesar de tantas explicações, muitos cristãos e cristãs acham que falar em santidade seja algo que não lhes diz respeito. Isso porque a Igreja continua a nos propor justamente, e com a devida propaganda também, exemplos extraordinários de batizados e batizadas que viveram heroicamente muitas das virtudes propostas a todos os cristãos. Simplesmente, a Igreja nos convida a olhar para os melhores, aqueles e aquelas que sobressaíram pela generosidade, o desprendimento, o serviço ao Evangelho e aos pobres. Aqueles e aquelas que, acreditamos, podem nos aj udar com a maravilhosa e inesgotável riqueza de amor que se chama “comunhão dos santos”. Pois nenhuma santidade verdadeira é simplesmente individual, sempre tem consequências e frutos na comunidade humana, sejam conhecidos ou não esses reflexos luminosos. Deveríamos estar convencidos que se todo mal tem, antes ou depois, consequências nefastas, igualmente o bem produz resultados impensáveis e imprevisíveis. Semente boa, em terra boa sempre produz cem, sessenta, trinta por um (Mt 13,8). Não devemos estranhar, portanto, se nos escritos do Novo Testamento, Paulo e os demais autores, chamam os cristãos de “santos”. Essa é a grande vocação à qual cada batizado é chamado.

O contrário da santidade não é a maldade, mas sim a mediocridade, ou seja, o desistir de sermos melhores, o fato de nos conformarmos com os defeitos e as limitações e achar impossível superar as dificuldades. Temperamento pessoal, educação, circunstâncias especiais, encontros com testemunhas extraordinárias, podem ajudar no caminho da santidade, mas ninguém nasce santo ou santa. Todos e todas, mais ainda os famosos, enfrentaram tentações, lutaram contra as forças do mal, tiveram medo, passaram por momentos intermináveis de escuridão, nos quais tudo parecia inútil e sem sentido. No entanto, eles e elas nunca deixaram de confiar, de pedir misericórdia Àquele que é “O Santo” (três vezes, Ap 4,8) e que nos quer santos (Lc 6,36).

Estou convencido que todos os Santos e Santas, canonizados ou não, tiveram duas qualidades em comum: a humildade e a alegria. A humildade nos ajuda a confiar mais em Deus e na misericórdia dele do que nas nossas capacidades. Quem quiser crescer em santidade deve estar muito consciente das suas fraquezas e, portanto, admitir sem medo os seus pecados. Deve pedir perdão, deve saber reconhecer quando errou, deve preferir o último lugar aos primeiros, simplicidade e o escondimento aos elogios e às honrarias. De outra forma, já teria recebido a sua recompensa (Mt 6,2). Contudo, o segredo mais bonito dos Santos e Santas, foi com certeza a alegria, pela simples razão de viver com plenitude a sua fé e o seu serviço aos pequenos e pobres. Ajudar alguém com impaciência, ou por mera obrigação, não tem alegria nenhuma. Somente se sabemos reconhecer o próprio Jesus nos irm&atild e;os, ca ídos nas estradas da vida, podemos atendê-los com carinho e solicitude. Todos os Santos e as Santas também choraram. Foi porque gostariam de fazer mais ou porque se solidarizaram com os aflitos da vida. Souberam “choraram com quem chora, para se alegrar com quem está alegre” (Rm 12,15). Os que souberam consolar, foram consolados, enxugando lágrimas de irmãos ou limpando sapatos sujos de lama, felizes.

Omissão

Uma jovem se formou na universidade com as melhores notas. Logo, procurou um trabalho que lhe garantisse um bom salário, não exigisse muito esforço e garantisse bastante dias de folga. Com os seus conhecimentos profissionais e algumas amizades dos pais, encontrou o emprego como sonhava. Imediatamente mandou uma mensagem a um seu amigo e partilhou a sua felicidade. O amigo, porém, respondeu-lhe com palavras que talvez ela não esperava. Ele escreveu: “Tu não és somente sortuda, és também omissa”. Ele a questionou afirmando que achava um verdadeiro desperdício gastar as suas capacidades de inteligência e criatividade numa vida tão egoísta. A jovem refletiu e mudou de trabalho. Decidiu comprometer-se mais com a solidariedade; entendeu que devia cuidar melhor de si mesma e dos mais desfavorecidos. Convenceu-se que devia zelar pela natureza e todo ambiente de v ida. Enf im, abraçou projetos de justiça e de paz. Depois de algum tempo, escreveu novamente ao seu amigo e agradeceu. Estava feliz.

A página do evangelho de Mateus deste 30º Domingo do Tempo Comum nos apresenta mais uma pergunta traiçoeira a Jesus. Os fariseus, rigorosos observantes da Lei, queriam saber dele qual era o maior de todos os mandamentos, ou seja, aquele preceito ao qual todos deviam obedecer. Talvez esperassem que dissesse que era o respeito ao repouso do sábado, para que ficasse clara a absoluta obediência a Deus, que também descansou no sétimo dia. Assim Jesus poderia ser acusado de desobediência porque curava os doentes até no sábado. A luminosidade da resposta de Jesus contrasta com a obsessão cega dos fariseus pela Lei. Ele, simplesmente, lembrou a todos aquilo que já estava escrito na própria Palavra: os dois mandamentos do amor, a Deus (Dt 6,5) e ao próximo (Lv 19,18). O que ninguém esperava era que Jesus dissesse que o segundo mandamento, ou seja, o amor ao próximo fosse seme lhante a o primeiro, aquele de amar a Deus. Se queremos amar a Deus de verdade, o jeito certo, não será aquele de cumprir preceitos mais ou menos religiosos, devotos ou piedosos que sejam, mas devemos praticar a solidariedade e a fraternidade com os irmãos e irmãs necessitados, que encontramos nos caminhos e encruzilhadas da vida. O bem feito ao irmão sofredor é amor ao próprio Cristo (Mt 25,40) e o bem, recusado ao pobre, será considerado desprezo ao Senhor (Mt 25,45).

O mandamento do amor é único. Lembramos o que está escrito na Primeira Carta de João: “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão que vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4,20). Não tem desculpas e nem saídas sorrateiras. Jesus passava as noites em oração ao Pai, mas gastava o dia na pregação e no atendimento aos doentes e pecadores. Toda a sua vida foi uma doação, uma entrega, sempre gasta para o bem dos irmãos, nada guardava para si. O amor a Deus não se mede pelas longas orações ou adorações, porque corremos o perigo de contemplar a nós mesmos, as nossas emoções e imaginar um Deus satisfeito com isso. Do outro lado, um compromisso social sem o coração ardendo do mesmo amor compassivo e misericordioso de Jesus pode ser uma excelente ação assistencial, boa para satisfazer o nosso orgulho, mas sem alcançar a maior de todas as descobertas.

Com efeito, somente quando amamos os nossos irmãos sem julgá-los e sem esperar nada em troca, é possível fazer, ao menos um pouco, a experiência de como Deus é e como ele quis se fazer conhecer em Jesus: pura gratuidade, amor sem limites, amor até a cruz. Deixaremos, então, de rezar? Ao contrário, na oração encontraremos a força e a coragem de tocar nas feridas dos irmãos e irmãs, de carregá-los e de pagar o que falta para que reencontrem vida e esperança. Igualmente, podemos colaborar com tantas obras de solidariedade e justiça, mas nunca para promover a nós mesmos, algum partido, ou até a nossa Igreja. Por isso, Papa Francisco na Exortação Apostólica “Cristo Vive” lembra aos jovens, e a todos nós, as palavras de At 20,35: “Há mais felicidade em dar, do que em receber”. Es te &eacu te; o segredo de Deus, o segredo do amor e da verdadeira alegria.

Os nomes dos burros

O imperador Frederico II e seu irmão Henrique ficaram satisfeitos c om a acolhida recebida num convento. Antes de partir, o rei perguntou ao guardião se tinha algum favor a pedir. O bom frade respondeu que sim:

– Peço que sua Majestade nos conceda colocar o hábito a dois novi&cc edil;os, a cada ano, apesar da lei que ordena o contrário.

– Graça concedida – respondeu o rei. Aliás &ndas h; continuou – eu mesmo enviarei os dois noviços.

Nisso, olhou o irmão e lhe falou numa língua estrangeira par a n&atil de;o ser entendido pelos frades:

– Nós enviaremos dois burros para esses frades! Mas o frei guardi&a tilde;o, que tinha viajado bastante pelo mundo afora, entendeu as palavras do rei. Assim, de olhos baixos, o frei disse novamente ao rei:

– Já que o senhor é tão generoso, peço-lhe mai s um fav or: que possamos colocar aos dois noviços, que o senhor enviará, os nomes do senhor e do seu irmão. O rei e o irmão foram embora calados.

“Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que &e acute; de Deus” (Mt 22,21) talvez seja uma das frases dos evangelhos mais repetidas e mais facilmente adaptadas a tantos interesses e circunstâncias. Mateus coloca essas palavras de Jesus durante uma conversa entre ele e os fariseus, decididos a deixá-lo em apuros. Se Jesus tivesse respondido que não deviam pagar os impostos ao imperador, teria sido denunciado às autoridades como desobediente e subversivo. Se, ao contrário, tivesse respondido que era justo pagar, teria significado subserviência aos opressores romanos e desagradado ao povo que não suportava o peso dos impostos. Jesus não tinha muitas saídas: a arapuca estava bem armada. No entanto, mais uma vez, Jesus respondeu colocando a questão num plano muito diferente. Simplesmente lembrou a todos o lugar de cada um: o de “César” e o de Deus, sem mistura, sobreposição ou confusão. É, justamente, quando algu&ea cute;m quer ocupar o lugar de Deus que as coisas começam a desandar. Nenhum ser humano, nem os “césares”, passageiros de todos os tempos, por grandes e poderosos que sejam, podem fazer isso. Desde o início: todas as vezes que um ser humano quis, ou ainda quer, ser “como Deus” (Gn 3,5) só acontecem desastres.

Parece que não aprendemos a lição. Continuamos orgulhosos e arrogantes numa briga sem sentido. Com Deus não adianta disputar o poder, não porque ele é o “Todo Poderoso”, mas porque a ele o “poder” não interessa. Ele já desistiu de se impor. Desde a cruz de Jesus, ele escolheu ser o último, o perdedor, o excluído, para nos ganhar pelo amor e nunca pela força, o medo ou o castigo. Com isso, ele respeita até o fim a nossa liberdade, não nos obriga a acreditar e a obedecer. Deus não quer súditos, mas amigos, colaboradores na construção do seu Reino, “filhos” amados que o sirvam com júbilo e alegria. Pela história e pela experiência, sabemos que os “reinos deste mundo” se baseiam na força das armas, das leis impostas, das intrigas de palácio, ou, como está acontecendo hoje, sobre o poder econômico de quem visa o lucro a qualquer custo, mesmo se milhões de seres humanos morrem de fome ou conduzem uma vida miserável. O curioso na resposta de Jesus é que ele usa uma moeda com a figura e a inscrição de César para explicar o seu entendimento. Mais moedas circulavam, mais negócios eram feitos, mais aquela “figura” se tornava famosa e temida. Hoje os poderosos têm muitas outras maneiras de espalhar os seus retratos, ou, talvez, nem se preocupem mais com isso. Certos nomes de marcas e grifes estão nas praças de todos os países e em todas as línguas. Alguns talvez queiram colocar por lá também o nome de algum “deus” ou de alguma “igreja”, mas o Deus verdadeiro não precisa dessa propaganda porque nos deixou um letreiro que até os analfabetos podem ler: é a natureza, dádiva generosa da sua bondade. Temos também a voz do coração que Deus colocou em nós e que, se soubéssemos escutá-la mais, nos diria sempre para escolher o caminho da bondade e da paz, nunca do ódio e da violência. Talvez sonhemos que os nossos nomes entrem nas listas dos famosos, dos ricos e poderosos. Para quê? Se continuamos sendo “burros”, de cabeça dura e coração fechado.

Círio 2020: com Maria, mãe da Vida, uma explosão de fé e alegria

O Círio de Nossa Senhora de Nazaré, neste ano de pandemia, será diferente. Todos se perguntam: ficando em casa, na janela ou no portão, vendo as imagens passar, será um Círio mais triste? Depende de nós. Todos temos muitas maneiras para manifestar os nossos sentimentos, sobretudo quando nos sentimos bem e, dentro das nossas possibilidades, felizes. Alguns precisam pular, outros abraçar alguém, outros baterem palmas. Alguns podem exagerar na exterioridade, outros ficarão mais contidos. Eu quero falar aqui daquela “alegria” que não pode faltar para ninguém, também se passamos por momentos difíceis e choramos a ausência de pessoas queridas no meio de nós. É a alegria de quem aprendeu a confiar no Senhor, a lembrar sempre do seu amor e a olhar além das circunstâncias imediatas.

 

Maria nos ensina isso com simplicidade e coragem. Conhecia “as promessas”, sabia que Deus não podia falhar com seu povo escolhido. Todos e todas aguardavam o “Cristo”, o escolhido, o enviado. No entanto, ela não podia saber como tudo isso iria acontecer. Só podemos imaginar, nas palavras da Anunciação, a surpresa daquela jovem mulher, prometida em casamento a José, e chamada, naquele momento, a ser a mãe do Salvador, por ação, humanamente inexplicável, do Divino Espírito Santo. Na sua humildade, ela se sente indigna. Nem sabe nada, ainda, das alegrias e das provações que virão, mas não desiste, não volta atrás, enfrenta o desconhecido porque confia naquele que a chamou. Para que seu Filho fosse verdadeiramente humano – e não só divino – o Pai precisou de uma mãe escolhida, a “bendita entre as mulh eres&rdq uo;. Maria aceitou o desafio e, nunca mais haverá algo semelhante. Por isso, Nossa Senhora canta a sua alegria, dela e de todo pobre e excluído que, apesar de tudo, acredita que é amado por Aquele que está acima de tudo e de todos, Aquele que poderá não só reverter a seu favor situações injustas, mas, muito mais, com a sua presença fiel, o fará colaborador de um mundo novo, sem opressores e oprimidos, sem tronos a serem derrubados porque tudo será comunhão de paz e fraternidade. Quando? Como?

 

O caminho é longo, passa pela cruz do próprio Jesus, por todas as vidas doadas pela causa do Reino, mas os sinais da vitória já são visíveis e possíveis a serem realizados. A alegria do cristão nasce da certeza de que a “esperança” não pode ser um aguardar paciente, mas é sempre participação na construção de algo novo e melhor, mais humano e solidário. Por isso podemos chamar Maria, também mãe da Esperança, mãe da Vida Nova que o Cristo iniciou com a sua ressurreição. É esta a Vida prometida, a Vida que não morre mais para aqueles que acreditarem e seguirem a Jesus.

 

Com Papa Francisco, chamamos Maria “mãe de todas as criaturas” (Querida Amazônia 111) porque estamos vendo a Vida do nosso planeta, a nossa Casa Comum, sendo ameaçada. Junto com a floresta queimada, desaparecem plantas e animais, biomas inteiros destruídos pelo fogo, pela poluição, pela ganância de poucos. Os gritos de desespero e de alerta dos nossos irmãos, dos povos nativos da Amazônia, não são ouvidos. Se acreditamos na Vida, se acreditamos que toda a Criação é uma dádiva de Deus a toda a humanidade, não podemos ficar indiferentes, pensar só em interesses e resultados imediatos. Não somos os donos da Vida, somo administradores e disso teremos que prestar conta, um dia. Ou, talvez, esta conta já chegou e logo pagaremos as consequências. Tudo isso nos deixa tristes, mas Maria é também a Mãe da Alegria, que b rota do coração sincero de quem confia mais em Deus do que nas suas próprias forças. Nele está a fonte inesgotável da nossa fé, da esperança, do amor e de toda a alegria. Sabemos em quem acreditamos (2 Tim 1,12).

Por que tantas imagens?

Está chegando o dia do Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Muitas das formas costumeiras de celebrar o Círio estão sendo mudadas, devido à situação ainda perigosa da pandemia que assola o mundo inteiro, sem poupar o Brasil, Amapá incluso. Não teremos a grande procissão. Nada de multidões. Em compensação, optamos por ter mais e mais “imagens” de Nossa Senhora de Nazaré ou de outras “Marias”, com diferentes nomes, expostas em repartições, lojas, comércios e casas de família. Muitos prepararam pequenos enfeites para que os devotos, em algum momento do dia, pudessem rezar juntos e manifestar assim a sua fé. Em lugar de ter uma multidão atrás da berlinda com uma única imagem da Santa, pensamos em ter quatro imagens dela visitando as paróquias dos Vicariatos de Macapá. Dissemos: “se o povo não pode ir à Santa, a Santa vai ao povo!”.

Com isso, pretendemos não só não deixar esfriar o nosso carinho com Maria, a mãe do nosso Salvador Jesus Cristo, mas permitir uma possível e adequada “descentralização” do Círio. Esperamos que o nosso povo católico entenda, não se envergonhe da sua fé e participe com entusiasmo e alegria dos momentos de oração que todas as paróquias, conforme as suas programações e possibilidades, irão lhe proporcionar.

Cabem, talvez, aqui, umas breves considerações sobre o uso das “imagens” pela nossa Igreja. Em matéria de “religião”, ninguém é obrigado a gostar e concordar com aquilo que outros fazem, na maioria das vezes porque, sobretudo, desconhecemos aquilo que os demais acreditam e praticam. Repetidamente escutamos dizer, às vezes com visível deboche, que os católicos adoram as imagens e vão atrás delas. Não adianta responder que não é verdade e nem procurar explicar o desfecho doutrinal dado pela Igreja católica a esta questão bem antiga. Direi simplesmente que, desde a encarnação do Filho de Deus, nós acreditamos que o próprio Deus se tornou visível e “palpável” em carne humana (1João 1,1-4). Portanto a primeira imagem que nós guardamos com respeito e devoção a do Crucificado. A maioria das cruzes das nossa Igrejas são “crucifixos”, apresentam o corpo martirizado de Jesus. “Fostes comprados por alto preço!” ensina São Paulo em 1 Cor 7,23. Não é bom separar a cruz daquele que nela foi “crucificado”. Com efeito, somente assim a cruz vergonhosa (Dt 21,23) se tornou instrumento de salvação (Jo 19,37: “Olharão para aquele a quem transpassaram”). Por consequência as imagens que a Igreja católica usa publicamente não são “bezerros de ouro” (Dt 27,15) para serem adorados. Nada disso. São a simples lembrança de pessoas, Santos, Santas e Mártires, que procuraram seguir Jesus mais de perto e que a Igreja propõe como modelos de vida cristã.

Evidentemente Nossa Senhora, Maria de tantos nomes, ocupa um lugar privilegiado na multidão dos Santos e Santas, conhecidos e desconhecidos, porque somente ela teve a missão de acolher e gerar o Verbo que se fez carne, quando se completou o tempo previsto (Gl 4,4).

Peço aos católicos de não ter receio ou vergonha para colocar uma singela e simples imagem de Maria em lugar de destaque nestes dias. Será um sinal de gratidão pelo seu sim generoso, pela sua pureza exemplar, pela sua silenciosa e humilde doação.

Nós também queremos ser uma das gerações que cantam a glória de Maria, “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque se cumprirá o que foi dito por parte do Senhor” (Lc 1,45). Não tenhamos medo de manifestar a nossa devoção à Maria. Não a uma imagem, mas àquela Santa mulher que aos pés da cruz recebeu o discípulo amado como filho (Jo 19,25-27), aquela que perseverou em oração com os apóstolos (At 1,14) na espera do dia de Pentecostes. Maria, que nestes dias chamamos de Nossa Senhora de Nazaré, intercede por nós, como só ela sabe com o seu coração de mãe. Todos temos muito para aprender com ela porque nunca podemos perder a confiança em Deus Pai, no seu Filho Jesus e no Divino Espírito Santo que “ora conosco” (Rm 8,26) quando o fazemos com fé, amor e…inteligência. Sem confusões. Sabemos em quem acreditamos (2 Tim 1,12). ■

A decisão

Um agricultor contratou um homem para uma diária de trabalho e lhe entregou um monte de tocos de madeira para cortar em pedaços e arrumar. Em poucas horas, os tocos estavam todos cortados e empilhados. No dia seguinte, o camponês disse ao homem para separar as batatas:
– Coloque as grandes num canto, as médias num outro e as pequenas também separadas.

Passou um bom tempo, e o trabalhador só ficava olhando as batatas e não iniciava o trabalho. O agricultor foi lá para pedir uma explicação. O homem, confuso, respondeu:

– É tomar a decisão que me faz perder a cabeça.

Para entender a curta parábola dos dois filhos, que encontramos no Evangelho deste domingo, precisamos lembrar o que está em jogo. Depois da entrada de Jesus em Jerusalém, o evangelista Mateus nos apresenta um gesto dele muito forte: a expulsão dos vendilhões do Templo (Mt 21,12-13). Com seus gestos e palavras, Jesus, polemiza com aquelas autoridades religiosas que se achavam donas da verdade. Chega a chamá-los de “hipócritas”! (Mt 23,13ss). Daí para frente, as discussões com os seus adversários se tornam mais acirradas.

Os sumos sacerdotes e os anciãos querem saber com qual autoridade Jesus fez o que fez. Para responder ele coloca uma condição: antes sejam eles a dizer se o batismo com o qual João batizava vinha de Deus ou dos homens. Eles dizem:

– Não sabemos. Assim também Jesus não responde à pergunta deles, mas não deixa cair o assunto, ao contrário, alimenta a polêmica. Conta um caso, como ele sabia magistralmente fazer. Os dois filhos da parábola são um exemplo claro daquelas pessoas que falam de um jeito, mas depois agem de outro. Ao pedido do pai para ir trabalhar na vinha o primeiro filho responde que não queria ir, mas depois muda de opinião e foi. O segundo filho parece tão obediente na resposta, mas depois não foi trabalhar. Jesus pergunta: “Qual dos dois fez a vontade do pai?” (Mt 21,31). Os ouvintes não podem negar: foi o primeiro, apesar da inicial resposta negativa. Após isso, Jesus faz uma afirmação extremamente escandalosa para os gostos daqueles questionadores: “Em verdade vos digo que os cobradores de impostos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus”.

A explicação é simples: os pecadores acreditaram em João e fizeram penitência, mas eles, as autoridades, os chefes, não. É evidente, também se indiretamente, que Jesus está falando dele mesmo, do jeito dele de agir. Com efeito, ele é continuamente acusado de dar atenção e acolher pessoas mal-afamadas. Não adiantou repetir, desde o início da sua pregação, que ele veio para aqueles que se consideram doentes e, portanto, precisam do médico (Mt 9,11-13). Aqueles que se achavam perfeitos continuavam a recusar qualquer convite à conversão. Assim não deram ouvido à pregação do Batista e, agora, criticam o perdão que Jesus oferece aos pecadores revelando a misericórdia do Pai. Para os que se consideram “justos” e só vê erros nos outros, o único remédio é a punição e a exclusão, nunca o perdão e a reconciliação. Jesus nos ensina o contrário.

Mais uma vez somos convidados a sermos coerentes com a nossa fé. “Trabalhar na vinha do Senhor” é testemunhar o seu Reino com a nossa vida. Discursos bonitos não adiantam, só enganam ou disfarçam a nossa hipocrisia. Podemos ser mestres nas palavras, mas, afinal, o que vale é a decisão de seguir o Senhor com alegria e perseverança. Todos podem fazer isso, também se depois de uma vida, talvez, errada ou sem rumo. Nunca é tarde para mudar. Jesus não veio para “julgar” e separar os bons dos maus, neste mundo (Jo 3,17), mas para “salvar”, ou seja, dar uma nova chance a quem se considera ou está sendo considerado perdido. Nenhum filho ou filha deve pensar desmerecer a misericórdia do Pai. Jesus pagou com a sua vida o seu choque com os intolerantes que usavam o nome de Deus para condenar e não para corrigir fraternalmente e perdoar.

A grande decisão, para cada um de nós que queira seguir o Mestre, é a de aprendermos a ser mais humildes, a nos considerarmos todos e sempre num caminho de conversão. O primeiro “trabalho” na vinha do Senhor para produzir bons frutos é conosco mesmo.