Dom Pedro Conti

Tu serás o ancião

Um monge idoso tinha um bom discípulo. Certo dia, ele estava irritado e expulsou de casa o jovem. Este se sentou fora da porta e ficou esperando. Quando o mestre abriu a porta e o encontrou ali sentado, arrependeu-se e lhe disse: “Tu és o meu pai, porque a tua humildade e paciência superaram a minha mesquinhez. Entra ! De agora em diante, tu serás o ancião e meu mestre e eu o jovem e teu discípulo. Porque o teu agir correto superou a maturidade dos meus anos”.

A partir deste Terceiro Domingo da Quaresma, encontramos o próprio da Liturgia da Palavra deste ano. Deixamos o Evangelho de Marcos para ler algumas páginas do Evangelho de João, o qual segue uma reflexão teológica e um esquema temporal próprios. Jesus é a Palavra – de Deus – que s e fez carne, é o Filho que o Pai enviou. Aqueles que o encontram devem reconhecê-lo através dos sinais e dos gestos que ele cumpre.

Depois do primeiro sinal nas bodas de Caná (Jo 2,11), Jesus sobe a Jerusalém e vai ao Templo. Cheio de zelo, com um chicote de cordas, expulsa os vendilhões acusando-os de terem transformado a casa do Pai num comércio. Os judeus pedem explicações e Jesus fala de um Templo “novo” que será o próprio corpo dele. Eles o destruirão, mas “em três dias”, Jesus ressuscitará. Segundo o evangelista João, de agora em diante, quem quiser adorar e servir a Deus, não precisa de um lugar específico mas, sim, de uma pessoa: o Filho que o Pai enviou. Com sua paixão, morte e ressurreição, Jesus é o “caminho” que nos conduz a Deus. Os sacrifícios rituais antigos não servem mais. Para o evangelista João, Jesus morre na cruz, como os cordeiros pascais aos quais não deviam quebrar nenhum osso (Jo 19,36). Agora é ele o Cordeiro imolado que salva definitivamente do pecado e da morte. Qualquer “comércio” é substituído pela gratuidade do amor, pela vida doada de Jesus. Esse amor é oferecido a todos, basta acolhê-lo.

A atitude forte de Jesus com os vendilhões do Templo pode nos surpreender. O que nos interessa, porém, é salientar a coragem e a decisão de Jesus, nem tanto a violência, se assim queremos considerar o seu gesto. Qualquer escolha é sempre a exclusão de outras possibilidades. Se não fosse assim, ficaríamos sempre na dúvida. Talvez acomodados na incerteza, protelando ao infinito qualquer decisão. Toda escolha, sabemos, tem um custo.

O tempo da Quaresma é tempo de conversão. Precisamos tomar a coragem de escolher a quem seguir e em quem, afinal, acreditamos e confiamos. Hoje vivemos um tempo de muitas propostas religiosas, algumas que nos parecem mais atrativas, cativantes e capazes de nos fazer sentir bem. Nesse caso, prevalece o nosso gosto, algo gratific ante, mais do que a busca arriscada de um Deus “Outro”, diferente, que desafia as nossas convicções. Outras vezes somos tentados de julgar os nossos irmãos que pensam diferente, achando-nos os únicos certos, melhores, imaginando uma Igreja de perfeitos e iguais, porque todos pensam exatamente como nós. Quando é assim, somos tentados de expulsar os diferentes, achamos de antemão que o diálogo com eles seja improdutivo e que “os outros” não tenham absolutamente nada para nos ensinar. Nem prestamos atenção a quem fala, pode ser até o Papa; se não pensa como nós, está fora. Educadamente, chamamos isso de “polarização”. Um pouco mais honestamente, talvez, deveríamos chamar isso de arrogância ou, infelizmente, de “divisão”, que, lembramos, é o contrário da comunhão. Em tempos em que q ualquer um julga e condena qualquer um, é urgente reconhecer quem estende a mão, quem busca escutar, quem está aberto ao diálogo. De outra forma, rapidamente, quem pensa e age diferente deixará de ser um irmão para ser um inimigo que devemos desprezar e do qual devemos fugir. A “comunhão” passa pela humildade, a correção fraterna e o respeito que sempre devemos ter até com quem consideramos errado. Melhor expulsar da nossa vida o orgulho e deixar entrar a humildade. Como fez o sábio monge ancião, que reconheceu a mansidão, a bondade e a paciência do discípulo. Afinal somos todos “discípulos” do único Mestre Jesus.

O peixinho vermelho

Uma criança de oito anos escreveu: “Meu pai fica sempre porre porque está desempregado. Minha mãe não tem dinheiro, por isso me colocaram num instituto. A única criatura que me quer bem é um peixinho vermelho que tenho numa vasilha perto de mim, também quando durmo. A diretora me d isse que não posso ficar com o peixinho e assim, de noite, durmo com a vasilha do peixinho amarrada na minha mão, porque estou com medo de acordar e não o encontrar mais. Se me tirarem o peixinho, não tenho mais ninguém que me queira bem”.

É muito difícil imaginar as marcas que ficam no coração e na mente de uma criança, quando chega a pensar não ter ninguém que a ame de verdade. Os pais devem amar os seus filhos, mas devem também dizer a eles que os amam. Isso porque o amor se manifesta de muitas formas que, nem sempre, podem ser agradáveis e condescendentes.

Pensei isso refletindo sobre o evangelho da Transfiguração deste Segundo Domingo da Quaresma. A voz do Divino Pai diz que aquele homem Jesus é o Filho “amado” e que devem escutar o que ele fala. Depois disso, tudo volta ao normal e recebem a ordem de não contar a ninguém o que tinham visto. Some nte depois da ressurreição de Jesus eles poderão falar porque, naquela hora, nem saberiam mesmo o que contar: não tinham a menor ideia do que queria dizer “ressuscitar dos mortos” (Mc 9,10).

Pouco antes, o evangelho de Marcos coloca o primeiro anúncio da paixão (8,31). Os discípulos podiam não compreender nada da ressurreição, mas sabiam muito bem o que representava a cruz. Era uma das mortes mais atrozes e vergonhosas daquele tempo. Na hora da paixão, os discípulos “abandonando-o, todos fugiram&rdq uo; (Mc 14,50). Mas o Pai? Como era possível que o Divino Pai dissesse que amava o Filho e, depois, o deixasse morrer na cruz? Onde estava o Pai na hora da paixão? Aquele era ou não era o Filho amado? Que amor de pai é esse? Parecem perguntas desrespeitosas ou curiosas demais, mas a nossa fé não pode se basear simplesmente em afirmações. Precisamos entender, ao menos um pouco, aquilo que está ao alcance da nossa inteligência. A questão do amor entre o Divino Pai e o Filho, incluindo nisso também o Espírito Santo, leva-nos ao mistério da Santíssima Trindade. Algo com certeza acima da nossa pobre compreensão humana. No entanto, bastaria lembrar as palavras do início do Evangelho de João: “E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós e nós contemplamos a sua glória como do Unigênito do Pai, cheio de graça e verdade” (Jo 1,14). Tudo foi feito por meio desta Palavra e “sem ela nada foi feito de tudo o que foi feito” (Jo 1,3). Portanto, o Filho “Unigênito do Pai”, desde sempre, participa do “fazer” de Deus que faz existir tudo o que existe. Igualmente, quando, no seu amor infinito, o Pai decide resgatar a humanidade do pecado e da morte, o Filho também está envolvido na obra da salvação. O Filho assume a nossa carne para reconciliar a humanidade, e toda a criação, com o Pai, e reconduzi-la definitivamente no caminho da Vida e da Luz. A cruz de Jesus não foi um preço a pagar ou uma cruel satisfação, foi a total e solidária participação do Filho, o Deus encarnado, com os demais “filhos” que o Divino Pai amoroso não queria perder. A cruz foi a entrega obediente d o Filho ao Pai, em plena comunhão com ele, para que aquele amor, que é a essência e a plenitude de Deus, chegasse a todos; e o desamor, com os seus frutos de morte, fosse derrotado uma vez por todas.

Jesus é de verdade o Filho muito amado e nele todos somos também amados. Por meio dele, o amor do Pai chega a todos os seus filhos e é oferecido novamente a todos. Por isso, João pode dizer: “De tal modo Deus amou o mundo, que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna&r dquo; (Jo 3,16). Sei que tudo isso é difícil para ser entendido. Mas não vamos dizer que ninguém nos ama. Nós participamos do amor do Pai ao Filho, amor este comprovado pela obediência da cruz. O “Filho amado” pelo Pai amou-nos “até o fim”. Quando nós também aprenderemos a nos amar como irmãos e nunca mais nenhuma criança diga que ninguém lhe quer bem? . ■

Os irmãos não precisam

Um nobre muito rico, que ninguém conhecia, chegou ao deserto de Sceti levando ouro consigo. Lá moravam alguns monges. Ele pediu ao responsável daquela comunidade para distribui-lo aos irmãos. Este respondeu:

– Os irmãos não precisam. Mas o nobre era muito insistente e não ficou satisfeito com a resposta do padre. Então, colocou o ouro numa cesta e a colocou na entrada da Igreja. O padre responsável disse:

– Qualquer um que precisar, pode pegar um pouco. Mas ninguém mexeu no ouro e nem o guardou. Então o sábio disse ao homem:

– Deus aceitou a sua oferta. Vá em paz e dê o ouro aos pobres! O rico foi embora cheio de satisfação.

No Primeiro Domingo da Quaresma, sempre encontramos o evangelho das tentações. Mateus e Lucas explicitam mais estas tentações, mas Marcos nos diz, simplesmente, que Jesus ficou no deserto durante quarenta dias “e aí foi tentado por Satanás” (1,13). Depois disso e da prisão de João Batista, ele inicia a sua itinerância na Galileia e o faz “pregando o Evangelho de Deus”. Mais uma vez precisamos buscar a mensagem particular e própria desse evangelista. A primeira impressão é que, afinal, estejamos na frente de uma única grande tentação: a de desistir e se desviar da missão que Jesus era chamado a cumprir. Ele precisava de coragem para vencer o medo de ser preso, como tinha acontecido a João Batista. Depois devia ser fiel ao “Evangelho de Deus” e, por fim, não podia deixar esse compromisso para outra vez, porque o tempo “se completou” (1,14), ou seja, aquele era o momento certo. Refletindo um pouco essas são as tentações de sempre e…de todos os cristãos.

A primeira, aquela de desistir da missão, pode ser motivada pelo medo de enfrentar dificuldades, críticas e oposições. Ou, pela simples razão de não sermos incomodados. Hoje, parece que o engajamento numa causa, mais ainda se religiosa ou pela justiça, sobretudo sem ganhar nada, seja um exagero. Em nome da moderação ou do comodismo somos tentados a ficar quietos, sendo mais espectadores que responsáveis. Espero que ninguém tenha dúvidas de que a primeira vitória do tentador acontece, justamente, quando ele entorpece e confunde a nossa consciência. Talvez consigamos expressar alguma ideia, mas assumir compromisso, estar na linha de frente, seria demais. No entanto, se aceitamos alguma responsabilidade, aparece a segunda tentação: aquela de pregar não “o Evangelho de Deus”, mas algo que seja uma boa notícia para nós, segundo as nossas ideias . Pode ser, sim, que estejamos na frente, mas não para anunciar o que deveríamos, sendo fiéis à Palavra do Senhor. Para isso, é necessário praticar a humildade de escutar sempre de novo o anúncio de Jesus e, mais difícil ainda, fazê-lo em comunidade, na fraternidade, na escuta dos irmãos de caminhada, para não perder ninguém ou, ao contrário, ficar isolados e “correr em vão”. Esse foi o medo de Paulo quando foi até Jerusalém para acertar a sua comunhão com Pedro (Gl 2,2). A terceira tentação é aquela de prometer fazer, planejar os detalhes, preparar as coisas, mas, depois, deixar tudo para outra vez. Ou seja: o tempo do compromisso verdadeiro, de arriscar, de sair em campo aberto, nunca chega. A imaginação nas desculpas é sempre extraordinária, muito menos criativa, é o nosso testemunho apagado. N&at ilde;o precisamos fazer grandes coisas erradas para cairmos nessas tentações, basta, não fazer nada. Basta desistir de anunciar o Evangelho de Deus com a nossa vida lá onde esta acontece, no dia a dia, nos encontros e desencontros com as pessoas.

A Quaresma é um tempo oportuno para avaliar a nossa caminhada, a solidez da nossa fé e do nosso compromisso com Jesus e com a nossa Comunidade-Igreja. A “conversão” é pessoal, mas é também de todos juntos. Divisões e oposições enfraquecem a nossa obra de evangelização. A luz do Evangelho fica escondida atrás dos nossos personalismos. Os irmãos verdadeiros não precisam do ouro, porque tem o tesouro da comunhão e da fraternidade. Unidos o brilho é bem maior. É o brilho de Jesus.

Apenas sete pessoas pararam

Em 2007, o violinista Joshua Bell deu um concerto no Teatro de Boston, lotado de apreciadores que pagaram, no mínimo, 100 dólares por ingresso. Dias depois, um jornal decidiu testar a cultura artística dos habitantes. Levaram o violinista para a estação central do metrô. Durante 45 minutos ele tocou Bach, Schubert, Ponce e Massenet. Eram 8 horas de uma manhã fria. Quatro minutos após iniciar o concerto subterrâneo, o músico viu cair a seus pés seu primeiro dólar, atirado por uma mulher que não parou. Durante todo o tempo do concerto, apenas sete pessoas pararam um instante para o escutar. No final, aos pés dele, estavam 32 dólares e 17 centavos. Quem mais lhe deu atenção foi um menino. Porém a mãe o arrastou embora. Quando Joshua parou de tocar, ninguém aplaudiu. Bell era considerado um dos melhores violinistas do mundo. No entanto, fora do Teatro, parecia mais um produto colocado na prateleira errada. Como se o fato de estar num lugar público tornasse a sua música de menor qualidade.

O que pensar do leproso do evangelho deste domingo? Quem dava atenção para ele? Melhor ficar longe. Jesus, porém, sente compaixão, supera as distâncias, estende a mão, toca nele e o cura. O evangelista Marcos continua a nos apresentar Jesus “pescando” os homens. Começou com os religiosos da sinagoga de Cafarnaum, depois encontrou o povo nas casas, nas ruas e agora está “fora da cidade” (Mc 1,45). Significa que o anúncio do Reino não tem limites de lugares, mas também não tem exclusão de pessoas.

A escolha do leproso é exemplar. Naquele tempo, a lepra não tinha cura. Mas, muito pior, por ser contagiosa e desfigurar os corpos, era considerada uma maldição, um castigo de Deus. Os doentes eram afastados não só da convivência humana, eram também desprezados, como se estivessem pagando por pecados inomináveis. Sabemos que Jesus ensina com o seu modo de sentir e os seus gestos. Ele, ao contrário de quem fugia dos leprosos, fica “cheio de compaixão” pelo sofrimento do homem que no desespero se joga aos seus pés e manifesta sua total confiança. O leproso clama: “Se queres tens o poder de curar-me”. Jesus atende o pedido do pobre, feito com tanta humildade e esperança. Só mais uma cura, como muitas outras? Não, mais um sinal do Reino que, com Jesus, está presente. Todas as curas são para a libertação: de “espír itos maus” que dominavam as pessoas, de males que tiravam da convivência humana, de doenças que impediam a comunicação, pela cegueira, a mudez e a surdez. A cura do leproso tem duas consequências, uma para o curado, outra para Jesus. O homem, agora sadio, desobedece a Jesus e divulga o fato. Dessa vez, porém, não é um espírito mau que está do lado oposto de Jesus. É um pobre homem que não consegue conter a sua alegria, alguém que apresenta a si mesmo como fruto da compaixão de Jesus. Ele, antes amaldiçoado, agora proclama o novo tempo das bençãos de Deus.

Para Jesus, as coisas são diferentes. Ele tocou no leproso, ficou contaminado – sabemos alguma coisa disso nestes tempos de coronavírus…- se tornou “perigoso”. Só pelo contágio? Não, é porque ele está nos “ensinando” a sermos próximo, está curando as pessoas da pior de todas as doenças: a indiferença, o não querer ver e reconhecer o sofrimento dos outros, o medo de ser incomodados e envolvidos. Jesus “quer” fazer o bem. Esse é um “poder” que todo mundo tem. Basta querer. Todos podemos nos solidarizar com alguém, tornar-nos próximos de alguém. O desinteresse e o descuido afastam, isolam, deixam morrer. A compaixão nos faz carregar o irmão. Hoje, talvez, sejamos nós a poder carregar, amanhã seremos carregados, numa corrente de amor. Infelizmente, nenhuma novidade, depois disso Jesus “ ficava fora, em lugares desertos” (Mc 1,45), como o leproso, antes. Ninguém ia visitá-lo? Se os da cidade, onde tinha curado muitos, não o querem mais…outros vêm “de toda parte”. Acontece: às vezes os cristãos, que deveriam saber “reconhecer” Jesus, não o fazem. Outros, surpreendentemente, sim. Poucos conseguem apreciar a música erudita. Mas de compaixão os cristãos deveriam ser mestre e doutores. Exemplos, enfim.

Elas também

Um pastor apascentava o seu rebanho. Um senhor passou por aí e o parabenizou pelo rebanho bonito. Começaram a conversar e o homem perguntou:
– Quanta estrada percorrem a cada dia as suas ovelhas? – O pastor respondeu: –
– Quais? As brancas ou as pretas? – As brancas – disse o outro.
– Cerca de seis quilômetros ao dia .
E as pretas? – quis saber o visitante.
– Elas também – disse o pastor.
De novo o homem perguntou:
– Quantas lã pensa que forneçam as ovelhas brancas?
– Cerca de três quilos ao ano – foi a resposta.
– E as pretas? – Insistiu o senhor.
– Elas também – respondeu o pastor. O tal ficou encabulado e perguntou:
– Posso saber por que o senhor sempre distingue as ovelhas em brancas e pretas?
– É simples – explicou o pastor – as brancas são minhas.
– Ah! Agora entendi, e as pretas? – perguntou o homem.
– Elas também – concluiu o pastor.

Continuamos com a leitura do evangelho de Marcos. Deixamos Jesus na sinagoga de Cafarnaum, em dia de sábado, onde “ensinava como quem tem autoridade” (Mc 1,22). O ensinamento dele – que o evangelista não relata em detalhes – é mais do que um discurso ou uma explicação. Com efeito, a “boa notícia” é a própria pessoa de Jesus. É com o seu jeito de agir que a “palavra” ensinada e escutada se torna “visível”, ou seja, vivida e praticada. Muito diferente de nós que falamos muito, cobramos dos outros, mas, depois, praticamos pouco ou até o contrário do que pregamos.

Agora o evangelista Marcos quer nos ajudar a descobrir a quem é oferecida esta palavra-ação de Jesus. É para todos e em todos os lugares. Faz-nos entender isso apresentando Jesus curando na casa da sogra de Pedro, depois na frente da casa, na rua, e, por fim, nas “aldeias da redondeza”. A mensagem do “Reino” não tem excluídos ou privilegiados. É para todos os que procuram Jesus. Por isso ele, agora, não está mais na sinagoga, “saiu”. Ele está onde as pessoas vivem, trabalham, amam e sofrem. A casa é o primeiro lugar onde a vida desabrocha. A nossa família nos acolhe, educa-nos, ensina-nos a conviver com os outros. Não estamos sozinhos no mundo. Depois vem os vizinhos, os da nossa rua, do nosso bairro, da nossa comunidade. Desde criança, todos fomos e ainda somos marcados pelas pessoas que encontramos todos os dias, a começar pelos velhos cole gas de brincadeiras, da escola, do time da pelada.

As primeiras amizades, os primeiros olhares e suspiros acontecem ali, perto da nossa casa, no quintal dos vizinhos, na alegria de uma festa de aniversário, na correria de uma doença ou na tristeza de uma morte. É ali, por perto da nossa casa, que aprendemos que a vida é feita de relações. Melhor se foram de amizade, acolhida, partilha e cuidado. Como Jesus que, ali, na rua, “curou diversas doenças e expulsou muitos demônios (Mc 1,34). Assim, algo novo acontece: ao redor dele, que faz o bem, “toda a cidade” se reúne. Com simplicidade, o evangelista Marcos nos diz que todos precisamos aprender com Jesus. As nossas cidades poderiam ser lugares de fraternidade, de encontros e não de conflitos; de colaboração e não de disputas.

O Reino do amor, da justiça e da paz deve acontecer na vida das nossas cidades, porque já “está próximo”. Todos precisamos ser “curados” das nossas indiferenças, egoísmos e insensibilidade. Jesus doa do seu tempo e do seu amor. No entanto não se deixa prender naquela rua e naquela cidade, ensina e mostra o caminho, o jeito novo do Reino, mas depois “se levantou e foi rezar num lugar deserto” (Mc 1,35). Com isso, Jesus nos ensina onde estava a fonte da sua força para cumprir a sua missão: no silêncio da intimidade com o Pai, na busca de compreender por onde devia ir e como. A resposta certa veio quando foi procurado e questionado por Simão e seus companheiros. Jesus diz claramente que deve ir e pregar nas demais “aldeias da redondeza…pois foi por isso que eu vim”. Todas elas também precisam escutar e ver “a palavra” agir. Jesus n&ati lde;o distingue ovelhas “brancas ou pretas”, obedientes ou desgarradas, cidades da Judeia, da Samaria ou da Galileia. Veio para todos e todas. Jesus não divide, une a todos no seu amor.

O crítico e as obras de arte

Um senhor tinha um grave problema de miopia, no entanto se gabava de ser um grande entendedor de obras de arte. Certa vez, foi visitar um museu com alguns amigos. Na entrada, tropeçou e quebrou os óculos. Ficou praticamente sem visão. Nem por isso quis desistir de explicar aos visitantes a beleza das obras de arte que estavam em exposição. Parou na frente daquilo que pensava ser o retrato de um corpo inteiro e começou a falar. Com o jeito de quem entende, disse que a moldura era absolutamente imprópria, que o homem estava vestido de forma ordinária e até vulgar. Segundo ele, o artista tinha escolhido um sujeito bem caipira, sem elegância alguma.
Aquele senhor não parava de apontar detalhes e mais detalhes, até que a mulher dele aproximou-se com discrição e disse ao ouvido dele: “Querido, você está na frente de um espelho!”

Neste Quarto Domingo do Tempo Comum, o evangelho de Marcos nos apresenta Jesus ensinando e curando na sinagoga de Cafarnaum. Nas sinagogas, não se faziam sacrifícios, como no Templo, só se proclamavam, pregavam e rezavam as Escrituras. É por lá, bem longe de Jerusalém, dos sacerdotes, escribas e doutores da Lei que Jesus inicia a sua missão. Ou seja, afastado daqueles que eram considerados as máximas autoridades no campo da religião. No entanto o povo escuta Jesus falar e fica admirado com o seu ensinamento. O evangelho não diz que Jesus ensinava “contra” alguém, simplesmente diz que ele falava “como quem tem autoridade e não como os mestres da Lei”. Com isso ficamos curiosos para saber onde estava a diferença. Mas Marcos vai ainda mais longe. Apresenta Jesus curando um homem possuído por um espírito mau que acaba de chamá-lo de “Santo de Deus& rdquo;. Jesus manda que se cale e que deixe de perturbar aquele pobre coitado. Mais uma vez, o povo fica admirado e além de reconhecer a autoridade de Jesus, que manda até nos espíritos maus, admite a novidade do ensinamento dele. Assim nós ficamos mais curiosos ainda: o que Jesus ensinava mesmo?

Talvez nós esperaríamos um resumo das palavras de Jesus, mas nada disso nos deixou o evangelista, somente fala de “autoridade” e de “novidade”. Não faz isso pelo gosto de sintetizar as coisas; ao contrário, o faz para nos ajudar a entender o essencial. A “novidade” não está nas palavras e na quantidade delas, mas no próprio Jesus: ele mesmo é a Palavra viva. Além do Novo Testamento dizer-nos isso de muitas formas, os Padres da Igreja ensinaram que tudo o que Deus tinha comunicado durante séculos de história ao seu povo ficou “concentrado” numa “palavra” só: a pessoa de Jesus. Isso corresponde a dizer que Deus comunicou à humanidade mais que uma doutrina, um conjunto de normas, uma Lei ou um Livro. Em Jesus, com a vida dele doada, Deus quis comunicar a si mesmo e o seu jeito de ser.

A “autoridade” e a “novidade” de Jesus continuam a nos convidar à conversão, a segui-lo com presteza e generosidade. Ele prometeu que o Espírito Santo nos lembraria tudo o que ele tem ensinado. O contrário é, evidentemente, o espírito mau que reconhece o Santo de Deus, mas não se deixa transformar pelo amor, não busca a Comunidade onde essa Palavra continua a ser proclamada. Esta é, sabemos, outra grande novidade. A Palavra viva deve ser oferecida a todos, porque todos, a começar pelos pobres, doentes e excluídos, são filhos muito amados pelo Pai que o Filho veio revelar.

Com certeza, Jesus ensinou também com palavras, alguns dos seus discursos ficaram, mas João diz que seria impossível contar tudo o que Jesus fez e ensinou, porque “nem o mundo inteiro poderia conter os livros a serem escritos” (Jo 21,25). Significa que o quanto foi escrito deve ser suficiente para encontrar, conhecer e acreditar em Jesus. Talvez sejamos nós que esquecemos onde devemos procurar o que é verdadeiramente sempre novo e fascinante. O Crucificado, que “não tinha aparência e nem beleza” (Is 53,2) é a maior “obra de arte”, o ser humano mais perfeito, porque nos amou até o fim. Amou de antemão também os inimigos e os ingratos. Só Deus pode amar assim. Quantos de nós continuamos a nos olhar no espelho. Falamos, falamos, mas… só de nós. Enxergamos muito mal.

As alças dos cestos

Uma comunidade de monges sobrevivia tecendo e vendendo cestos de vime. Certo dia, um monge que tinha acabado de preparar os seus cestos e colocado as respectivas alças, ouviu um seu irmão dizer:

– Como farei? Está chegando o comprador, mas eu não tenho ainda as alças para pôr nos meus cestos. Então o outro monge tirou as alças dos cestos dele e as deu ao irmão dizendo:

– Veja, sobraram alças para mim. Por que não as coloca nos seus cestos? Dessa maneira tornou completo o trabalho do irmão que estava precisando e deixou inacabado o seu.

No terceiro Domingo do Tempo Comum, voltamos a ler um trecho do evangelho de Marcos. Estamos ainda no primeiro capítulo desse evangelho e nos é apresentado Jesus chamando os primeiros discípulos a segui-lo. Por algum motivo, são duplas de irmãos. Simão e André, que já encontramos domingo passado e, agora, mais dois: Tiago e João, filhos de Zebedeu. O lugar é à beira do “mar” da Galileia, por onde Jesus passa, e os chamados são todos pescadores de profissão. É nesse momento que aparece a famosa promessa dele: “Eu farei de vós pescadores de homens”. Aqueles irmãos deixam tudo e começam uma vida itinerante com o “profeta” da Galileia. Entre altos e baixos, momentos de sucesso e decepções, eles e mais outros poucos, o seguirão até Jerusalém, até o desfecho final da cruz. Para Marcos, naquela hora, “abandonando-o, todos fugiram” (Mc 14,50). Só depois da ressurreição começarão a entender mais claramente a qual missão, absolutamente nova e desafiadora, o Senhor os tinha chamado.
É muito fácil pensar que ser “pescadores de homens” signifique juntar pessoas e, possivelmente, muitas, quem sabe, todas. Obviamente os pescadores ficam felizes quando a pescaria é farta ou o tamanho do peixe é invejável. No evangelho de Lucas encontramos, por exemplo, redes que quase se rompiam pela quantidade de peixes (Lc 5,1-11). Hoje, nós chamaríamos tudo isso de sucesso. Será que é isso mesmo que o evangelho deste domingo quer nos ensinar? A meta que Jesus propõe aos seus seguidores é bastante diferente, não se mede pelo número, mas pela mudança de vida. Com efeito, antes do chamado dos primeiros discípulos, o evangelista nos apresentou a pregação de Jesus que chama de “Evangelho de Deus” e que consiste no anúncio que “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo”. Por consequência, eis o convite: “Convertei-vos e crede no evangelho!” Ser “pescadores” de homens não quer dizer, portanto, arrebanhar gente de qualquer jeito, em alguma estrutura mais ou menos organizada, mas propor uma conversão, uma mudança de rumo na vida das pessoas, tudo por causa do “Reino de Deus”. Isso significa que a Igreja deve se preocupar e comprometer-se em favor de toda a humanidade, mas aumentar os números dos adeptos não deve ser a sua primeira preocupação. Esse anseio pode ser confundido com sede de poder, com desejos de grandeza. Nada disso importa porque os cristãos continuam seguidores de um “rei”, crucificado, derrotado e descartado, pelos poderes deste mundo. Em tempos de estatísticas podemos contar os batizados, o número de padres, de religiosos, religiosas, de paróquias, mas o mais sério é saber se testemunhamos o evangelho ou nã ;o, se amamos a nossa fé e as nossas comunidades ou não. Ou, mais ainda, se todos nós nos convertemos.

Nesse sentido, o trabalho pastoral da Igreja sempre será missionário, porque sempre terá que alcançar mais pessoas possíveis, nos lugares mais afastados e nas situações mais desumanas e excludentes. Mas será sempre algo humilde, talvez escondido, muitas vezes obstaculizado, desprezado e ridicularizado. A boa notícia do Reino incomoda, porque quem a acolhe de verdade muda de pensamento e de vida, olha o mundo de outra forma. E as alças dos cestos? O “pescador de homens” não se esforça para ele mesmo ganhar ou ter sucesso. Quer ver os outros felizes por encontrar o Senhor e entrar no caminho do Reino. Como o monge com as alças dos cestos, doa o que tem, fica sem e vai começar tudo de novo, mas sempre feliz.

Eu já teria morrido

Um católico muito praticante escreveu ao diretor de um jornal, manifestando o seu desinteresse para ir à igreja aos domingos. “Faz trinta anos que vou na missa. Escutei, ao menos, 3.000 homilias, mas não me lembro absolutamente nada delas. Estou gastando à toa o meu tempo e acredito que os padres fazem o mesmo quando pregam por aí”. O diretor publicou a carta e recebeu muitas respostas, algumas a favor, outras contra. Um leitor escreveu o seguinte: “Estou casado faz trinta anos. Durante todo esse tempo, a minha mulher preparou 32.000 almoços e, juro, não me lembro do cardápio de nenhum. Sei, porém, com certeza, que todos aqueles alimentos me deram a força que eu precisava para o meu trabalho. Se não tivesse consumido o que ela preparava, hoje estaria morto. Igualmente, se não tivesse ido à igreja durante todos esses anos, para me alimentar também, eu já teria morrido espiritualmente”.

Neste primeiro domingo, após o tempo do Natal, a liturgia nos apresenta um trecho do evangelho de João, ainda no seu primeiro capítulo. João Batista aponta a Jesus e o chama de “Cordeiro de Deus”, um título com profundas raízes bíblicas. André, que era discípulo de João, entende logo que algo importante está em jogo. Deixa o Batista, aproxima-se de Jesus e já o chama de “Mestre”. Quer saber onde ele mora. Jesus, não lhe dá o endereço de um local, mas o convida a passar um tempo com ele. “Vinde ver” é a resposta.

O evangelho diz que os dois foram e “permaneceram” com Jesus. A palavra cheia de sentido é, evidentemente, o verbo “permanecer”. Não sabemos a duração dessa “permanência”, mas, com certeza, não foi uma simples visita de cortesia ou uma troca de amabilidades. Foi muito mais, foi a descoberta de alguém por muito tempo esperado: o Cristo. É isto que André diz a Simão, seu irmão: “Encontramos o Messias”. Ou seja, a espera longamente preparada, anunciada pelos profetas e ansiosamente vivida, terminou. Os dois discípulos, que com Simão, logo se tornam três, já sabem o que fazer. Deixam o Batista, ainda no limiar do Antigo Testamento, para iniciar um caminho novo com Jesus.

Esta é a nossa reflexão: tem algo que passa e algo que permanece. O antigo povo “passou” por muitas experiências: foram os anos “passados” no deserto, os anos do exílio, os anos da história conturbada de poder e conflitos, feita de momentos de vitória e momentos de destruição. Tudo passa? Nem tudo. Permanece aquilo que nós guardamos como aprendizagem e experiência e que se transforma em sabedoria, em luz para continuar o caminho da vida. Ou seja: no meio dos acontecimentos ao nosso redor e da nossa própria vida que passa, o que mesmo vai permanecer? Vivemos tempos frenéticos, de notícias se atropelando, de problemas novos surgindo, de seguranças que desmoronam, de propostas fantasmagóricas, além da nossa honesta imaginação. Por isso, palavras como “para sempre” amedrontam, soam impossíveis, até no amor e na vo cação.

Em tempos de incertezas e dúvidas sobrando, tem sentido falar em algo – ou em Alguém – que permanece? Seria muito fácil responder “Deus” ou “Jesus”. Contudo para que “Deus” e “Jesus” não fiquem meras palavras, sem rosto e sem compromisso, mas sejam “pessoas” vivas nas quais podemos confiar, é necessário ter a coragem de “permanecer” com eles, ou seja, conhecê-los de perto, não por informações superficiais, costumeiras ou formais. Esse “encontro” é profundamente pessoal, mas também comunitário. Deus escolheu nos santificar e salvar, ensina-nos o Concílio Vaticano II, não separados uns dos outros, mas como “povo”, ou seja, numa comunhão de fraternidade e fé (LG 9). Com isso espero ter ajudado a entender por que devemos participar da vida eclesial. N ão é para aprender e lembrar algum conceito ou alguma doutrina. Certas coisas só se entendem praticando. O “permanecer” vai junto com o “participar”. São a Palavra praticada e a Eucaristia celebrada que nos alimentam e comprometem a nossa vida; somente assim seremos membros vivos de um corpo vivo. Sem alimento todo ser vivo, morre. Vale também para a nossa vida espiritual.

Feliz e abençoado 2021!

No meio de tantas mensagens que chegam pela internet, leio a seguinte: Alguns estudiosos especulam que a história bíblica da Estrela de Belém, que conduziu os Três Reis Magos do Oriente ao encontro do menino Jesus, está associada a uma conjunção Tripla de Júpiter e Saturno. Em intervalos de tempos irregulares, pode ocorrer, ao longo de meses, uma sequência de três conjunções Júpiter-Saturno. A última conjunção tripla foi em 1981, enquanto a próxima é esperada para 2238. No ano 7 a.C., ocorreram conjunções em 29 de maio, 30 de setembro e 5 de dezembro, tempo suficiente para os três viajarem de sua terra natal, no Oriente, até encontrar a criança na manjedoura. Os dois planetas brilhantes convergindo num ponto perto do horizonte, certamente indicariam uma direção a ser seguida. Por essa razão, a conjunção deste ano tem sido frequentemente chamada de ‘Estr ela de Natal’”.

 

Muito bem. Talvez alguns tenham realmente assistido ao fenômeno na noite de 21 de dezembro passado. Quem não assistiu terá novas chances em 2040 e 2060, mas, uma conjunção tão espetacular como a do ano passado só acontecerá em 2080. Assim explicam e calculam os astrônomos. No entanto, essa ligação com a página do evangelho de Mateus é pura “especulação”. Graças a Deus, faz tempo que aprendemos a ler os evangelhos com um entendimento diferente daquele de considerá-los como um relato mais ou menos pormenorizado de eventos. Nada impede que algo contado pelo povo tenha chegado até o autor do evangelho, contudo nunca poderemos averiguar as circunstâncias e isso, de fato, pouco lhes interessava. A “boa notícia” que queriam comunicar era bem outra: a criança que nasceu em Belém não será simplesmente o “rei dos judeus”, mas todos os povos virão adorá- lo. A festa da “Epifania”, palavra que significa manifestação, tem, portanto, um alcance universal.

 

Os famosos “magos”, sem nome e nem número, representam todos aqueles e aquelas que buscam com afinco dar um sentido sério às suas próprias vidas. Eles não são meros viajantes ou simples curiosos. Eles querem dobrar os joelhos na frente de alguém que mereça ser procurado e encontrado. Por isso, não tem receio de perguntar a quem deveria saber e, de fato, sabe, onde poderia estar o prometido chefe que será pastor de Israel. Escutam a resposta, mas não ficam por aí, parados como os demais, eles retomam o caminho. É neste momento que os magos voltam a enxergar a “estrela” e experimentam “uma grande alegria”.

 

O evangelista Mateus nos oferece uma mensagem extraordinária: quem arrisca continuar a sua busca encontra o que procura! Essa busca parte de longe; vem das promessas da antiga Aliança, dos Profetas, do que foi escrito, transmitido, contado e acreditado faz séculos, mas não termina por aí, tem sempre algo novo acontecendo. O novo “rei” é “o menino com Maria, sua mãe”, a ele os magos adoram e oferecem os seus dons. As “escrituras” e os sinais exteriores, como a “estrela”, servem para motivar e sustentar a busca, mas precisa ter um desejo interior que ajude a entender e motive a caminhada. Não basta ficar “perturbados” como Herodes e toda a cidade de Jerusalém.

 

O “desejo” do qual estou falando é algo muito mais s&e acute;rio, grande e bonito. Deve ser capaz de alimentar a nossa esperança, nos fazer sonhar e imaginar algo novo, justamente, como toda criança é “nova” por si mesma. Até os magos voltam para a sua terra “seguindo outro caminho”. Quem encontra Jesus e o reconhece como “Senhor” de sua vida, começa a abrir e a percorrer novos percursos. Quem faz isso também cansa, corre o perigo de errar, é verdade, mas pode voltar e recomeçar tudo de novo, até chegar a encontrar o procurado, Aquele que enche o coração de alegria. Muito melhor que ficar parado, desejando que nunca mais chegue algum aviso ou alguém para incomodar. Uma vida sem brilho, porque faltou um encontro imperdível, de verdade, muito mais que a conjunção de Júpiter e Saturno. Essa pode esperar séculos para acontecer de novo, o nosso encontro com Jesus não.

Maria, José e o menino Jesus

Aproveito o Domingo da Sagrada Família para falar um pouco do Ano de São José que Papa Francisco proclamou no dia 8 de dezembro passado. Esse Ano se encerrará, justamente, no mesmo dia em 2021. A motivação é a recorrência dos 150 anos da Declaração de São José como Padroeiro da Igreja Católica feita pelo b eato Pio IX no dia 8 de dezembro de 1870. Para nós da Diocese de Macapá é uma grande alegria, porque São José é também o “nosso” padroeiro. Vou começar, porém, pelo evangelho deste domingo. Maria, José e o menino Jesus nos são apresentados como uma família que cumpre “a Lei do Senhor” no que diz respeito aos primogênitos. Nada de especial ou algum privilégio. Somente as palavras dos dois idosos Simeão e Ana fazem a diferença. “O pai e a mãe” de Jesus ficam admirados com o que diziam a respeito dele, e Ana fala do menino “a todos que esperavam a libertação de Jerusalém”. Com isso temos, de um lado, a memória das promessas e a continuidade da fé num Deus comprometido com o seu povo, mas, ao mesmo tempo, a “salvação” será oferecida a todos e a crianç ;a é chamada não mais só “glória de Israel”, é proclamada também “luz das nações”. Essa é a grande novidade: o projeto de amor de Deus alcança, em Jesus Cristo, toda a humanidade.

A missão da Igreja nunca será cuidar somente do seu rebanho que não importa se é grande ou pequeno numericamente. O que vale é que um pouco da “luz” do Senhor chegue, de alguma forma, a todos. A Igreja não pode desistir de se interessar por toda a humanidade, não porque queira se meter em tudo ou ser a mais poderosa, mas porque acredi ta que Jesus Cristo tem uma proposta de Homem Novo, que pode mudar e dar sentido à existência de qualquer pessoa, além das raças, nacionalidades, tradições e crenças. A Igreja tem consciência de ter um “tesouro” de fé, de esperança e de amor que não pode segurar para si mesma, mas deve partilhá-lo, doá-lo, oferecê-lo sempre, mesmo quando essa Boa Notícia for desprezada, silenciada e os cristãos forem perseguidos e martirizados. “Ai de mim se não anunciar o Evangelho” diria São Paulo ( ), o apóstolo dos pagãos, dos estrangeiros, dos não judeus, dos diferentes.

A Igreja, porém, começou bem pequena. Logo pensamos nos Doze Apóstolos que Jesus escolheu e enviou pelo mundo, mas antes, algo menor que o número, muito grande no valor, já havia acontecido: a Sagrada Família. Os primeiros que acolheram Jesus foram Maria, sem dúvida alguma, e José, aquele que, misteriosamente, foi chamado a cuidar do Menin o que “crescia e tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele” (Lc 2,40). Por tudo isso, São José, o santo humilde e silencioso, o sonhador que vence o medo, acredita e confia, é proclamado padroeiro de toda a Igreja. Porque o Povo de Deus a caminho na história sempre encontra perigos, dúvidas, pensa em desistir, mas sabe que deve confiar sempre e em qualquer situação no único Deus da Vida, no Pai de todos que não poupou o seu próprio Filho. A Igreja, família dos cristãos, sabe que também é “cuidada” de maneira especial por São José e estas são as primeiras palavras da Carta Apostólica do Papa Francisco sobre o Ano dele: “Com coração de pai: assim José amou Jesus, designado nos quatro Evangelhos como “o filho de José”

Temos mais novidades. É costume que a Igreja, nos Anos especiais ou Santos, ofereça aos fiéis a possibilidade da chamada Indulgência Plenária. Simplificando demais, podemos comparar a Indulgência a um “super perdão” para os “superpecadores”, que somos todos nós. Desta vez, além das condições exigi das (confissão sacramental, comunhão eucarística e oração segundo as intenções do Santo Padre), são oferecidas diversas oportunidades. Será possível conseguir a Indulgência Plenária meditando por 30 minutos sobre a oração do Pai Nosso ou participando de um Retiro Espiritual que tenha uma meditação sobre São José. Outra possibilidade: o cumprimento de uma obra de misericórdia corporal ou espiritual. Será concedida também a quem rezar o Terço em família ou entre namorados que se preparem ao matrimônio. Igualmente, trabalhadores e desempregados poderão invocar cotidianamente São José, exercendo a própria profissão ou saindo em busca de trabalho. Também poderá ser rezada a Ladainha de São José, em comunhão com os enfermos, os migrantes, os refugiados e to dos os rejeitados e abandonados. Enfim, algumas datas serão mais apropriadas: o 19 de março e o 1º de maio; o Domingo da Sagrada Família; o 19 de cada mês e toda quarta-feira, dia da memória semanal de São José. A primeira ocasião, portanto, será neste domingo, ainda neste tempo de Natal.