Dom Pedro Conti

O petróleo é nosso

Na minha adolescência, um grito incendiava nossos pensamentos de patriotismo: “O petróleo é nosso!” Repudiávamos nossa dependência econômica dos países do “primeiro mundo”, principalmente dos Estados Unidos. Os jovens denunciavam a CIA, o entreguismo, o imperialismo americano como os grandes empecilhos ao progresso do País.

Naquele tempo de grande ebulição estudantil, depois da Segunda-Guerra, discutiam-se muito os “ismos”. Eu não me deixei contaminar por nenhum “ismo”, fugi aos aliciamentos ideológicos, para ser aquilo que sempre fui, um liberal, tolerante e humano, seduzido pelos grandes nomes nacionais do antigetulismo e por seu partido, a UDN – União Democrática Nacional. Bem moço, no Liceu, fui da Juventude Brigadeirista.

O petróleo escapava às posições políticas, pois era uma causa nacional. Isto me fez defender a bandeira “o petróleo é nosso”. Pressionado pela onda nacionalista, que envolvia inclusive grande parte das Forças Armadas, Getúlio Vargas mandou ao Congresso o projeto de lei que criava a Petrobrás (Lei nº 2.004). A UDN, contrária a Vargas, apoiou a criação da Petrobrás e fez mais: apresentou a Emenda Bilac Pinto, que estabeleceu o monopólio estatal do petróleo.

A Petrobrás mandou buscar um grande especialista americano em petróleo, Walter Link, da Standard Oil, para mostrar como descobrir os hidrocarbonetos (petróleo). Qual a nossa grande decepção quando Mr. Link, com toda a sua sabedoria, anunciou que o Brasil não tinha petróleo! Foi uma verdadeira revolta. Ele era um traidor, agente da interferência americana em nossos problemas. Mr. Link foi o grande saco de pancadas.

No meu governo, aumentamos nossas reservas de petróleo de 2,3 para 8 bilhões de barris. Mandei mapear todas as bacias sedimentares do Brasil, onde o petróleo se esconde, e descobrimos os maiores campos antes do pré-sal.

O futuro nos mostrou que o petróleo promove o aquecimento global e ameaça o mundo de extinção caso continuemos a poluir. O caminho é a energia limpa: eólica, solar e hídrica.

No desenrolar da novela do petróleo, acabamos de ver a decepção de o grande leilão de petróleo, tão esperado, não ter atraído o investidor internacional. O Ministro de Minas e Energia disse que perdemos o timing: não vendemos o petróleo quando ele valia cem dólares o barril, e hoje ele está em sessenta. Isso nos traz dúvidas se o pré-sal será competitivo.

O mundo está inundado de dinheiro, mas o capital é medroso, prefere a segurança ao lucro.

E o Brasil, com instabilidade, populismo, problemas institucionais, não oferece a segurança que ele deseja.

Assim, “o petróleo é nosso”, que defendemos com tanto ardor, está ameaçado de ser mesmo nosso, mas ficar escondido no fundo do mar.

A 23ª Assembleia da Diocese de Macapá

Neste final de semana, acontecerá, no Centro Diocesano, a 23ª Assembleia do Povo de Deus da Diocese de Macapá. Parece-me correto explicar um pouco o que faremos e o que esperamos aconteça. Todos sabem, mais ou menos, o que é uma assembleia. No nosso caso, como em tantos outros, não será com participação livre, porque seria impossível, mas por delegados das paróquias, comunidades, grupos e movimentos que atuam em nossa Igreja local. O importante é que todos os componentes do Povo de Deus sejam representados: o clero, os religiosos e religiosas e, sobretudo, os leigos. Esses, em número, são a grande maioria dos católicos. Os outros, bem poucos em proporção, estão a serviço deles. No entanto, é bom lembrar, somos Igreja e, portanto, não funcionamos como outras assembleias com maioria, minoria, partidos ou correntes. Trabalhamos com a luz da fé no Divino Pai Eterno, a fidelidade ao Evangelho de Jesus Cristo, o Filho, e o entusiasmo do Espírito Santo. Esperamos que a comunhão fraterna prevaleça sobre as legítimas opiniões diferentes, pessoais ou de grupo.

A palavra-chave, para começar, é “sinodalidade”, muito cara a Papa Francisco. Significa “caminhar juntos” porque assim devemos fazer para mostrar, exemplarmente, que se pode avançar unidos acolhendo as diversidades como dons e não como obstáculos. A comunhão, no entanto, é sempre algo em construção, por ser, em si mesma, o fruto do compromisso e da boa vontade de todos. A tentação de fazer diferente e se afastar dos demais é real. Quem quer correr, reclama da lentidão dos avanços. Quem desconfia das novidades, acha que repetir o que “sempre” foi feito seja a única solução. Difícil para todos é escutar os outros e vencer o desejo de aparecer ou de impor as próprias ideias.

A finalidade da Assembleia Diocesana é avaliar a situação da Igreja local e apontar caminhos e metas para os próximos quatro anos. Nesse sentido, seremos ajudados pelas novas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE 2019-2023) aprovadas pela Conferência Nacional dos Bispos em maio deste ano. Na prática temos: uma realidade que merece atenção especial, uma imagem e um compromisso. A realidade é que o Brasil está se tornado, cada vez, mais urbano. Na própria Amazônia, entre o 70 e 80% da população mora nas grandes ou pequenas cidades. O “novo” desafio, portanto, é evangelizar esse povo sabendo que a mentalidade e o jeito da cidade já chegaram também no interior. A resposta ao consumismo, individualismo, indiferença e isolamento urbano deve ser encontrada na participação numa comunidade qu e saiba oferecer laços de amizade, senso de pertença e solidariedade.

Nesse sentido, ajuda-nos a imagem da Comunidade-Casa. Com efeito, toda casa-família deveria ser espaço de encontro e de ternura. Os pilares para o sustento da casa são os de sempre e de nenhum deles podemos abrir mão: a Palavra de Deus, o Pão da Eucaristia, a Caridade e a Ação Missionária. A Comunidade-Casa deve ser aberta para cativar as pessoas e saber acolhê-las quando se aproximam da Igreja. No entanto, como na casa, as portas e as janelas não servem só para a entrada das pessoas e do ar puro e renovador. Elas servem, também, para sair e mergulhar na realidade complexa e conflituosa da sociedade. Este é o desafio ao qual o Papa Francisco conclama todo batizado hoje: ser missionário, testemunha confiável do Evangelho de Jesus Cristo. Cada cristão, criança, jovem, adulto ou idoso encontra muitas outras pessoas ao longo de cada dia de sua vida. Vive na fam ília, no trabalho, na escola, no lazer. Como todo ser humano, experimenta horas da alegria e horas do sofrimento, horas serenas da vida que passa e hora difíceis de escuridão, dúvidas e morte.

Ser missionário, não significa ser “pregador de esquina”, fazer discursos ou ter sempre respostas prontas. Significa estar no meio dos demais irmãos e irmãs, nas lutas da vida, sempre pronto a dar razão da própria fé, com humildade e paciência. Na Assembleia, teremos também o documento final do Sínodo Especial da Amazônia. Mais um compromisso com a Ecologia integral neste rincão bonito e único do planeta Terra.

Eu vou contigo

Um casal de jovens tinha-se casado havia poucos meses, mas o matrimônio deles era um verdadeiro fracasso. Ele não suportava o gosto horrível da comida que ela preparava e ela se perguntava como tinha pensado que as brincadeiras dele fossem divertidas. Resmungavam, mas nenhum dos dois falava abertamente o que pensava. Porém, certa tarde de domingo, quando discutiam de qual cor pintar a sala, a raiva, guardada fazia tempo, explodiu. Foram gritos e berros; cada um jogou acusações e defeitos na cara do outro. Alguns dos pratos ganhos no dia do casamento se espatifaram. O marido pegou as chaves do carro, saiu de casa e as últimas palavras dele foram:

– Basta! Vou te deixar! No entanto, antes que o motor do velho carro pegasse, a porta lateral do passageiro se abriu e a mulher caiu de peso no assento. Tinha o rosto marcado de lágrimas, mas estava cheia de determinação.

– Onde pensas que vai? – perguntou o marido. A esposa hesitou um instante antes de responder. Aquelas palavras iam decidir qual direção tomariam as suas vidas nos quarenta e sete anos sucessivos.

– Se tu me deixas – respondeu a mulher – Eu vou contigo.

Contei um caso real de amor conjugal que…não acabou. Curiosamente, no evangelho deste domingo encontramos o caso fictício de uma mulher com sete maridos-irmãos. Segundo as normas de Moisés, se um homem casado morresse sem ter filhos, um dos irmãos do falecido devia casar-se com a viúva para dar descendência ao irmão defunto. Nesse caso imaginário, todos os sete irmãos morreram antes da mulher. Aqueles que não acreditavam na ressurreição queriam saber de Jesus com qual dos sete maridos ela ficaria, depois que morresse também, já que todos tinham-se casado com ela. Um caso inventado, só para ridiculizar a fé na ressurreição. Na sua resposta, Jesus simplesmente nos diz que a situação dos ressuscitados será de vida, mas não com as mesmas relações, matrimoniais por exemplo, como neste mundo. Na ressurreição haverá somente o amor de Deus que unirá a todos e a todas numa comunhão perfeita, muito além dos laços humanos anteriores. Nada se perderá dos amores terrenos; também aqueles que foram santos e bonitos serão transformados no amor de Deus e serão mais santos e mais bonitos ainda.

Os ressuscitados participarão da vida amorosa plena e perfeita de Deus. Detalhes? Não temos, mas o que Jesus disse alimenta a nossa fé e a nossa esperança, porque, como São Paulo ensina, quando essas virtudes não servirão mais, ficará somente o amor e será o amor grande, sem fim, o amor de Deus (1Cor 13,13).

A resposta de Jesus aos saduceus é muito mais que uma informação sobre a vida futura. Saber que todo amor humano é caminho para a vida plena e tem consequências na eternidade nos ajuda a viver profundamente esse amor. Seria muito ousado dizer que todo amor neste mundo, o conjugal, o dos irmãos, dos pais com os filhos e dos filhos com os pais, o amor sincero de amigos, é sinal e memória, ao mesmo tempo, do amor eterno de Deus? Através do amor do pai terreno, os filhos amados conseguem, ao menos um pouco, acreditar e desejar o grande amor do Pai Deus. Quem está disposto a dar a vida pelo amigo, quem se compromete por causa da amizade, torna visível novamente o amor divino daquele que “não poupou seu Filho” (Jo 3,16). Os cônjuges fazem o mesmo quando se doam um ao outro com liberdade, só por amor, “todos os dias das nossas vidas” como eles dizem no dia do casamento (Ritual do Matrimônio). Também os que não se casam, quando abraçam as grandes causas da justiça e da paz, são sinais de uma esperança na vida e no amor que vai além dos cálculos e dos projetos humanos destinados a acabar. O celibato ou a virgindade consagrada por causa do Reino de Deus, para servir os pobres e abandonados, falam por si mesmos da ressurreição, também quando são mal compreendidos ou parecem fora de moda. Todo amor que brilha pela gratuidade e a doação, que não se prende a prazos, interesses, trocas ou algo semelhante, é um sinal do amor gratuito e sem fim de Deus. 47 anos? Nada mal para os dois que iam se largar.

A auréola perdida

Aqueles que chegavam ao Paraíso entravam num salão onde, depois das felicitações de São Pedro, passavam na frente de um balcão para receber a auréola, a qual todos os santos têm direito. As auréolas estavam todas bem arrumadas em cima do balcão e se posicionavam na cabeça dos santos automaticamente. Eram feitas de luz e calor, e sempre na medida certa. De repente, um anjo distraído derrubou a pilha das auréolas no chão. Todas foram recolhidas, menos uma. De nuvem em nuvem, ela foi caindo e chegou à terra. Não podia ficar sem dono. Começou a procurar algum santo ou alguma santa. Iniciou pela grande catedral. Mas entre os turistas e os participantes absortos, não encontrou ninguém. Viu uma grande passeata, mas nenhum santo. Encontrou ruas, lojas, comércios, escolas, bancos, quarteis, todos com nome de santo ou de santa, mas santo, em carne e osso, nenhum. Voou sobre algumas casinhas. Sentado na frente de uma delas, um velhinho chorava com a foto da esposa falecida. Passou um rapazinho que ia para a escola e parou.

– Ela se foi, agora estou sozinho – disse o velhinho levantando os olhos. O rapaz sentou-se ao lado dele e apoio a sua cabeça no ombro do homem.
– Viva! – gritou a auréola e aterrissou na cabeça do menino.

Quase todo ano celebramos, uma perto da outra, a solenidade de Todos os Santos e Santas e a comemoração dos fiéis defuntos. Em ambos os dias, somos convidados a olhar para o alto. Entregamos os nossos irmãos falecidos à terra, mas os pensamos na paz do Senhor, de algum modo, com ele, “no céu”. Os Santos e as Santas, também, pelos seus merecimentos e virtudes, devem estar por lá. No entanto este “céu” não é um lugar, é uma nova condição de vida, um encontro com Alguém único e extraordinário. Pensamos ao alto por costume e por entender que Deus deve estar mesmo além de tudo e de todos, mas também este “além” não é um lugar que se possa localizar e medir. É algo tão novo e diferente que não sabemos como expressar com as palavras aquilo que nunca vimos antes.

Para não errar demais, podemos desistir de imaginar como será, mas é difícil desejar e amar profundamente algo – ou Alguém – que nem podemos descrever. Quando, porém, não conseguimos dizer como é uma certa realidade, para entendê-la, serve ao menos dizer como, com certeza, ela não é. Por exemplo, ninguém pensa que o Paraíso seja algo triste. Deve ser muito alegre e feliz. Por lá todas as lágrimas serão enxugadas (Ap 21,4) e todos serão consolados para sempre. Igualmente não pode ser algo escuro e sombrio. Na IV Oração Eucarística dizemos que Deus habita “em luz inacessível”. Luz significa vida, atividade, clareza em conhecer o sentido dos acontecimentos e das coisas. Para Deus nada fica escondido, nem o menor gesto de amor. O bem sempre resplandece e ilumina ao seu redor. Por fim, o Céu não pode ser algo espantoso e feio que entristeça e amedronte o coração. Deus só pode ser a beleza infinita que encanta, atrai e anima.

Pensar nas coisas “do alto” não significa fugir da realidade, mas, ao contrário, ter um modelo para ser imitado e uma meta para ser alcançada. Esperar o “céu” de Deus Pai nos liberta das amarras das coisas materiais, da inveja e da cobiça das coisas que não tivemos neste mundo. A fé nele nos faz aguardar muito mais. Alegria, luz e beleza são desejos que motivam a nossa vida, estão dentro de nós; só falta buscá-los. A plenitude de tudo isso somente está em Deus, mas Jesus sempre falou de “vida plena” e abundante (Jo 6,58). Uma vida nova não mais passageira, imperfeita e mortal. Por isso, a Igreja nos aponta Santos e Santas que, de mil maneira diferentes, foram sinais desta vida verdadeira. Eles e elas souberam abrir caminhos de amor, de paz e justiça, muitas vezes através do sofrimento pessoal e oferecendo até a própria vida. A santidade não é algo impossível. Está ao alcance de todos porque a ela fomos chamados desde o dia do nosso batismo. É feita de pequenos gestos, basta que tenham o gosto e a luz do céu já aqui na terra: um abraço, um carinho, uma lágrima, um silêncio. O que vale é o amor e o Amor já é a Vida de Deus. Também se a auréola não pode ser vista.

O padre sabe sempre tudo

Era o aniversário do pároco. As crianças estavam na fila para entregar os pacotes dos presentes e parabenizar o padre, em nome também das suas famílias. A pequena Maria entregou o seu embrulho e o padre disse:
– Obrigado, vejo que me trouxe um livro. O pai de Maria tinha uma livraria.
– Sim – disse a criança – Como o senhor adivinhou?
– O padre sabe sempre tudo – respondeu o pároco. – E você, Joãozinho, me trouxe um agasalho.
– Isso mesmo – disse João. A mãe dele tricotava a lã maravilhosamente. Chegou a vez de Marquinho, que entregou ao padre uma pequena caixa com o papel de embrulho todo molhado. O pai de Marcos vendia vinhos.
– Você me trouxe uma garrafa de vinho – disse o padre.
– Errado – respondeu Marquinho.
– Ah, sim. É uma garrafa de whisky e saiu um pouco.
– Errado de novo. O padre tinha os dedos da mão molhados, levou um à boca, mas não descobriu nada.
– É rum? Perguntou.
– Errado – exclamou Marquinho – Padre, eu lhe trouxe um cachorrinho!
Achar que já sabemos tudo ou que somos superiores aos nossos semelhantes, é, no mínimo, sinal de burrice, além da soberba inútil que nos cega. Também nas questões e na vivência da fé não é diferente. No evangelho de Lucas, deste domingo, Jesus continua a sua catequese sobre a oração. Depois de ter nos convidado à insistência, sinal de confiança total na bondade do Pai, convida-nos, desta vez, a rezar com humildade. O fariseu da parábola se considera simplesmente “perfeito”, porque cumpre rigorosamente os preceitos da Lei. É tão orgulhoso que despreza o cobrador de impostos, atrás dele, que reza de cabeça baixa. Este, conhecido pela profissão lucrativa, porque corrupta e desonesta, admite a sua situação de pecador e pede perdão. Como sempre, as parábolas de Jesus não satisfazem todas as nossas curiosidades. Não sabemos se o cobrador de imposto desistiu de roubar. O que interessa da parábola é a atitude – o coração, afinal – com a qual os dois rezam. O primeiro olha mais para os seus próprios méritos que para Deus; o outro sem coragem de levantar os olhos, reconhece assim a superioridade do Senhor e implora “piedade” pelos seus pecados. Este último, conclui a parábola, foi para casa perdoado, o outro não. Também porque, tão cheio de orgulho como era, nem tinha implorado a misericórdia divina. Não precisava, não tinha nenhuma falta…
A parábola nos leva mais longe, porém, de um ensinamento sobre a oração. O que está em jogo é uma maneira de entender as coisas de Deus e as coisas do mundo, a que, ou a quem, devemos a prioridade e, por isso, o nosso próprio jeito de viver a fé. É um claro alerta para todos nós e nos mostra o caminho certo para mudar conforme o evangelho de Jesus. Podemos dizer que o fariseu é um homem super-religioso, cumpre todas as normas e formalidades da sua religião, mas, no fundo, pensa com a mentalidade do mundo. Ele gosta de aparecer – está de pé -, gosta de se autorreconhecer merecedor, porque cumpre todas as ordens. Não faz isso por amor a Deus, por elevação espiritual ou porque quer vencer alguma tentação. O que ele quer mesmo é ser superior aos demais e, para isso, escolheu o caminho daquela que ele considera a “perfeiç ão” nas obrigações religiosas. Apesar das palavras de gratidão, ele não tem nenhum sentimento amoroso de um filho com o Pai. Está cheio de si. Esta é a mentalidade do mundo, onde tem lugar para muitas práticas religiosas, basta que não sejam criticados os falsos valores do sistema e posta em discussão a injustiça social. O cobrador de imposto, ao contrário, é um homem do mundo, mexe com dinheiro, faz negócios escusos, no entanto, não se sente bem. Entende que algo está errado. Reconhece que devia e poderia ser diferente. Descobriu que o dinheiro ganho injustamente dá status, mas não dá a alegria e a paz do coração. Por enquanto, está só de cabeça baixa. Talvez, ainda, não sabe o que irá fazer, mas – e é o que vale – admite ser um pecador, pede misericórdia a Deus, porque o vê como o único capaz de perdoá-lo e dar-lhe uma nova vida. Se reconhece “pobre”, não sabe tudo. É humilde e insatisfeito. Não chama de whisky outra coisa. Merece o perdão.

O Sínodo para a Amazônia

Neste domingo, inicia-se em Roma o Sínodo “Especial” convocado pelo Papa Francisco sobre a Amazônia. Participam desta assembleia, os bispos ordinários da Pan-Amazônia que abrange, além da Amazônia brasileira – a mais extensa territorialmente – áreas que pertencem a outros oito países da América Latina. A Guiana Francesa, nossa vizinha, por exemplo, é “Amazônia”. Eu também, como bispo de Macapá, estarei lá, levando, espero, um pouco da vivência eclesial da nossa Diocese-Estado junto aos anseios e esperanças dos diversos grupos sociais e étnicos que constituem a população amapaense. Também participarão outros bispos convidados pelo Santo Padre e diversos assessores e estudiosos da realidade amazônica. Devido ao fato de que este Sínodo já deu muitas polêmicas e que o assunto “Amazônia” está na pauta da agenda mundial, parece-me correto explicar um pouco o que tentaremos fazer por três semanas de escutas, reflexões, oração e trabalho.

Em primeiro lugar, devo lembrar que o Sínodo será um evento de Igreja. Basta entender bem o tema da convocação: “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. No entanto, todas as vezes que pessoas da Igreja, incluindo Papa Francisco, colocam ou denunciam alguma grave situação social, uma questão humanitária e agora também a crise ecológica, são acusadas de se meter em política. Os futuros candidatos não se preocupem. A Igreja faz “política” do seu jeito. Não será a política partidária das disputas do poder, mas a “política” no sentido do bem comum, dos interesses dos mais pobres, dos grupos humanos excluídos e esquecidos. Se não o fizesse, a Igreja, trairia o evangelho de Jesus Cristo, que veio neste mundo para nos mostrar que aqui devem começar a nova jus tiça e a nova paz do Reino do Deus. A Igreja não tem receitas ou soluções sociais e econômicas prontas e infalíveis, sabe que a humanidade avança por contrastes e ajustes, por disputas e acordos, por avanços e recuos. Ela tem, porém, um rumo certo, aquele do respeito pela vida de todos os seres humanos e de todas as criaturas. Sabe que deve ser reconhecida a dignidade de toda pessoa humana, porque todos têm direitos e deveres, têm necessidades materiais e espirituais, vivem melhor se alimentam a paz e a fraternidade com os outros e com a natureza.

Por causa do Evangelho, a Igreja não pode se omitir perante situações relevantes para a humanidade. Fez isso no século passado para alertar sobre o perigo de uma guerra nuclear. Nos nossos dias, Papa Francisco nos alerta sobre a crise ambiental. É o nosso planeta, a nossa única Casa Comum, que está em perigo, e com ele o futuro de todos os seus habitantes. A Amazônia pela sua extensão florestal, pela sua biodiversidade e pela quantidade de água doce que ainda guarda, contribui muito com o equilíbrio climático e a preservação de muitas espécie animais e vegetais. Esta região é uma grande reserva de tudo isso, e muito mais se juntamos os minérios, mas, se mal administradas essas “riquezas”, ou dádivas de Deus para quem acredita, podem acabar com prejuízos gravíssimos para toda a humanidade. Além da questão ecológica, cara ao Papa Francisco, aqui existem muitos grupos étnicos diferentes e nos mais diversos ambientes. Temos os povos originários que vivem em harmonia com as florestas e os milhões de pessoas que moram nas grandes cidades. Encontrar soluções de convivência e respeito, com tantos interesses opostos, não é nada fácil. Contudo, como cristãos, acreditamos nas luzes do Espírito Santo e na sabedoria milenar dos povos originários. As respostas a tantos desafios não podem vir de fora ou só da tecnologia e das ciências. Devem vir das próprias pessoas daqui – a começar por nós mesmos – envolvidas nas diversas situações e, por isso, conhecedoras dos ritmos da natureza, e sempre confiantes em todo seu semelhante que, mesmo sem saber, ainda guarda em si a imagem de Deus Criador.

O Sínodo da Amazônia quer ser uma convocação para a esperança. Levantará a voz, denunciará desequilíbrios, mas, sobretudo, desafiará os povos da Amazônia a dizer aos demais irmãos e irmãs do mundo inteiro, se ainda é possível, ou não, viver em paz entre culturas e crenças diferentes, em harmonia com a natureza e as suas diversidades. Os povos da Amazônia não podem desistir de acreditar e esperar em si mesmos e na bondade de Deus que os chamou a esta responsabilidade planetária abrindo novos caminhos para ir além de todos os mitos de progresso e consumo que desumanizam e escravizam o homem “moderno”.

Depende em quais mãos se encontra

Uma bola de basquete, nas minhas mãos, vale R$ 100, nas mãos de Michel Jordan, vale cerca de 100 milhões de reais. Um pincel, nas minhas mãos vale R$ 20, nas mãos de Picasso vale 70 milhões de reais. Uma raquete de tênis, nas minhas mãos vale R$ 300, nas mãos de Roger Federer vale o prêmio milionário num torneio internacional.

Tudo depende em quais mãos estão as coisas. Um bastão, nas minhas mão, serve para me sustentar. Nas mão de Moisés, abriu o Mar Vermelho. Uma baladeira, nas minhas mãos é brinquedo. Nas mãos de Davi, derrubou o gigante Golias. Cinco pães e dois peixes, nas minhas mãos, são um almoço; nas mãos de Jesus foram alimento para cinco mil pessoas. Pregos nas minhas mão são objetos de trabalho, nas mãos de Jesus foram a salvação para o mundo inteiro. O valor das coisas depende nas mãos de quem elas estão.

No evangelho de Lucas deste domingo encontramos uma parábola que sempre chama a nossa atenção. Jesus nos fala de um administrador que roubava do seu patrão.

Quando descoberto, foi, justamente, demitido. – Chega! – disse o patrão – não pode mais administrar os meus bens. Pensando no seu futuro, o administrador quis ganhar amigos às custas do dono. Chamou os devedores do patrão e perdoou parte da dívida deles. Surpreendentemente, em lugar de ficar aborrecido, “o senhor elogiou o administrador desonesto porque agiu com esperteza” (Lc 16,8). Por isso, vem a pergunta: será que Jesus quis ensinar a mentira e o roubo? Com certeza não. Basta continuar a ler o evangelho. Jesus quis nos ensinar que as coisas deste mundo devem ser administradas para fazer amigos, ou seja para o bem, sobretudo dos pobres que, esperamos, um dia nos “receberão nas moradas eternas” (Lc 16,9).
O que move a sociedade hoje é o dinheiro, os grandes capitais que migram de um empreendimento ao outro para obter mais lucro. Para “o bem”, sim, mas dos investidores, obviamente. Não para melhorar a vida dos pobres, dos pequenos, dos desempregados, dos carimbados de improdutivos para a sociedade. Mais ou menos sempre foi assim, mas hoje as coisas são evidentes. Todos falam da “financeirização” da sociedade, porque quem manda e decide é o poder econômico. O bem e o mal são avaliados sobre o quanto se ganha. O respeito à vida das pessoas, o bem-estar de todos, o futuro do planeta não são valores éticos, ou morais, levados em séria consideração.

Apesar de saber disso, dos alertas dos pobres, do grito de milhões de migrantes e famintos, estamos numa situação que parece irreversível. Como discípulos de Jesus, é urgente pensar com critérios diferentes e buscar ações alternativas, também se isso nos parece muito difícil e, talvez, impossível. Devemos usar da esperteza do Espírito.

Começar a tomar a sério o fato que não podemos servir a dois senhores, a Deus e ao dinheiro, ao mesmo tempo. Ou seja, não basta rezar muito e cumprir obrigações religiosas para, depois, deixar que a nossa maior preocupação seja enriquecer ou, simplesmente, multiplicar bens materiais e passageiros. Devemos nos convencer que a solução está em nossas mãos, mas também em nossa inteligência e em nosso coração. Porque Jesus já nos entregou outros “bens”, diferentes, os mais valiosos de todos.

Podemos chamá-los de “amor de Deus”, mas também de amor fraterno, comunhão, capacidade de carregar juntos sofrimentos e alegrias. Hoje, luxo, aparências e formalidades, valem mais que a sinceridade dos relacionamentos. Instrumentos tecnológicos, que poderiam nos aproximar e nos tornar mais solidários, nos oferecem “amigos virtuais” aos quais dedicamos mais tempo que aos nossos legítimos e próximos familiares. Trocamos mensagens e figurinhas já prontas, para brincar e ganhar tempo, mas, talvez, para não nos comprometer a dizer com as nossas palavras e a nossa voz quanto amamos e queremos o b em daquelas pessoas. Temos nas mãos o maior tesouro e não sabemos como usá-lo. Temos no coração o único e infalível instrumento que pode mudar tudo neste mundo e não sabemos aproveitar. Não é o amor que perdeu o valor, são as nossas mãos que não sabem administrá-lo bem. Falta esperteza.

Pais e filhos jovens

No evangelho de Lucas, deste domingo, encontraremos a maravilhosa parábola do pai misericordioso e dos dois filhos. O mais novo é um rebelde arrependido, o outro um obediente insatisfeito; ambos são muito amados pelo pai. Por coincidência, neste final de semana, acontecerá, em Macapá, um “simpósio” da Pastoral Familiar que terá como assunto a família com especial atenção aos filhos jovens. Pelas informações, parece que já houve só outro simpósio 30 anos atrás. Mas já aconteceram vários congressos e seminários. Família e juventude é um assunto que nos interessa. Sem dúvida a família, no sentido comum da palavra, começa com o casal. Um homem e uma mulher, por amor, doam-se um ao outro e criam algo que não existia antes: uma família nova. Os filhos são frutos do amor do ca sal, mas também são dom de Deus. Cada filho, ou filha, é uma novidade, porque ninguém é cópia de ninguém. Para cada filho, o casal e, eventualmente, os irmãos que vieram antes, são desafiado a encontrar os caminhos da acolhida, da convivência e, sobretudo, da educação.
No meio de tantas criaturas, o ser humano é aquele que mais demora para crescer e aprender, mas, ao final, cada um de nós é uma obra única, com sua personalidade, potencialidade e criatividade. Também quando os anos passam e parece que já tenhamos experimentado de tudo na vida, nunca paramos de crescer e aprender. Todos somos sempre seres em construção, capazes de nos surpreender a nós mesmos. No bem e também no mal, infelizmente. Contudo uma idade particularmente marcante da vida de toda pessoa é o tempo da juventude. Nesses anos, a maioria de nós, toma as maiores e mais importantes decisões da vida: a profissão, o matrimônio, o grupo de amigos, a prática da fé. Assim, os casais que criaram os seus filhos, os veem sair de casa, às vezes, com tristezas. Em geral, espera-se, com orgulho. Agora irão caminhar sozinhos, adultos, livres, autô nomos. Cada um com seus erros e acertos.
Por ser um tempo de grandes decisões, a relação entre pais e filhos, especialmente no tempo da juventude, não é um assunto fácil. Muitos pais são tentados a desistir, a se “desligar” dos filhos jovens, quando ainda eles não se afastaram da família. Parece que hoje a distância entre as gerações cresça cada vez mais: na linguagem, na tecnologia, nos sonhos e projetos. Até na fé. Na esteira do Sínodo sobre a Juventude, acontecido em outubro de 2018, o Simpósio que iremos realizar, quis enfrentar essas questões. Porque, apesar de tudo, do distanciamento geracional e dos conflitos, a família ainda é uma referência para os jovens. Não dá para generalizar, mas os jovens nunca deixam de reparar o que os adultos dizem e fazem. Às vezes para criticar, outras, para ou admirar ou agradar. Sempre, acredito, conscientemente ou não, para se confrontar. Muitos outros “modelos” são apresentados aos jovens pela sociedade consumista e competitiva. Os pais podem lhes parecer pobres demais, humildes, atrasados, ou autoritários, carrascos, carcereiros e assim por adiante, mas sempre serão os pais deles. Pais que não se pode trocar e dos quais herdamos não somente bens materiais, se tiverem, mas também muito da nossa personalidade. No Simpósio refletiremos sobre tudo isso, apontando desafios e esperanças. A parábola do Pai misericordioso será uma grande luz. Primeiro porque muitas famílias convivem com filhos e filhas que parecem estranhos, diferentes, desligados. No entanto eles cobram e aproveitam de tudo o que os pais podem lhes oferecer.
Os adultos acham que estão mais fora da família do que dentro. Em outros casos, têm filhos e filhas que continuam agarrados, obedientes, serviçais. Nunca brigam, mas talvez estejam bem acomodados, mais preocupados em agradar que em buscar os seus próprios caminhos. Filhos perfeitos talvez não existam, assim como não existem pais perfeitos. A todos o Pai misericordioso da parábola lembra que o amor, quando é sincero, faz acontecer milagres. Filhos desgarrados voltam, irmãos brigados se perdoam, casais e famílias desunidas experimentam a alegria do perdão e da paz. Rezemos para que nunca falte a festa do amor nas nossas famílias!

Um grão de arroz

Os plantadores de arroz sabem. A cada grão semeado na terra nascem 24 plantinhas. Por sua vez elas se tornarão 24 espigas. 24 espigas de arroz vão produzir cerca de 300 grãos. Na hora da colheita serão 7200 grãos. Se plantados, na colheita seguinte serão 58.140.000 grãos de arroz. E assim por adiante. Quantos quilos? Quantas toneladas de arroz serão produzidas? Quando nos interessa, sabemos fazer bem todos os cálculos. Conhecendo o investimento, já imaginamos o lucro. Qualquer administrador entende muito bem destas coisas. Errar significa prejuízo certo.

No evangelho de Lucas deste domingo, Jesus fala de muitas coisas. Fala de administradores honestos e prudentes e outros… aproveitadores. Lembra empregados atentos e zelosos como também de funcionários dorminhocos e preguiçosos. Neste caso o ladrão arromba facilmente a casa. Têm portas que se abrem imediatamente e outras não. Tem uma mesa o nde os empregados sentarão e o dono os servirá. O trecho inicia com o conselho de juntar tesouros no céu e encerra com a cobrança de mais frutos por parte de quem muito recebeu. Uma página evangélica cheia de atividades e alertas. Com certeza, um convite a agir com presteza e atenção obedecendo de maneira inteligente e generosa à vontade do senhor da casa.

Parece de ver a sociedade de hoje com suas visíveis contradições. Tem pessoas muito atarefadas que quase não dormem, executivos atrás de negócios dia e noite. Para alguns não bastam as 24 horas de cada dia. Se parar, perdem dinheiro e prestígio. Alguns são honestos, outros não sabem mais o que inventar para enga nar gente. Será que são felizes assim? Do lado oposto, têm muitos irmãos e irmãs que também perambulam o tempo todo, mas atrás de serviço para sobreviver. Cansam de encontrar portas fechadas e corações indiferentes; vivem decepcionados pelas promessas vazias. Esperam um amanhã que nunca chega. Milhões de seres humanos migram para outros países, mas só têm muros, campos de refugiados e prisões para acolhê-los. Não falarei dos ladrões. Os piores nem precisam mais arrombar a porta porque já tem as chaves da casa. Infelizmente, mandam e desmandam. Fazemos parte de uma humanidade sempre em movimento, um vaivém que nunca acaba. Quando alguns saem de cena, outros logo vêm atrás, no mesmo trilho. Fica a pergunta: para onde vai esta nossa sociedade?

Apesar de tudo contínuo otimista, não só porque acredito em Deus, mas também porque confio no ser humano criado a imagem dele. Por que não seguimos o conselho de Jesus? O importante é ficar alerta, manter o foco, e não nos deixar encantar ou entorpecer pelas mil distrações que nos são oferecidas. O projeto do Reino de Deus, que Jesus veio iniciar, é de longo prazo. Precisamos aprender a agir corretamente e a esperar vigilantes. Queremos ver resultados imediatos, grandes coisas, talvez algo mais fácil e cômodo. No entanto, mudar o coração e os pensamentos nossos e dos nossos irmãos não é nada fácil. O alerta não vale só para aqueles que correm atrás do lucro e do sucesso. Vale também para as atividades da Igreja.

Muitas vezes trabalhamos mais para a afirmação pessoal ou do nosso grupo que, de fato, para o Reino de Deus, para os pobres, em prol da justiça e da fraternidade. Todo dia rezamos: “venha a nós o vosso Reino”, mas parece que acreditamos pouco nos pequenos passos ou nos “processos” que só acontecem com o tempo na vida das pessoas e não simplesmente num lugar limitado. Isso exige paciência e confiança. Estamos sempre “ligados”, atrás de informações, novidades e emoções. Talvez cochilemos na hora do sermão ou da oração pessoal. Dificilmente o fazemos ouvindo música ou vidrados nas telas do smartphone, do computador ou da TV. Pode servir a lição do grão de arroz. Todos recebemos ao menos um para plantar no chão da nossa vida. Ele cresce e se multiplica também quando descansamos. Tem força própria. Como a nossa esperança. O mais importante é ficar atentos para que não sejamos roubados dela.

As três tintas

O velho monge era o responsável do grupo de frades que copiavam, à mão, os escritos antigos. Era um trabalho cansativo, mas, no final, cada folha era uma verdadeira obra de arte. Certa vez, um jornalista quis conhecer mais segredos sobre esta arte secular. O monge explicou:

– Veja, na vida têm três cores de tintas para escrever. Uma é preta, outra vermelha e a outra é branca. Tudo aquilo que é escrito com a tinta preta, com o passar do tempo, desaparece, como a fumaça. Talvez fique alguns séculos no fundo de alguma biblioteca, mas está destinado a acabar. Aquilo que é escrito com a tinta vermelha – que é a cor dos nossos sacrifícios, dos nossos sofrimentos ou das provações do nosso amor – este está destinado a ficar até o dia do julgamento final. Será a prova decisiva da nossa fé, a passagem para a nossa salvação. Tudo aquilo que é escrito com a tinta branca…
– Tinta branca? – o interrompeu o jornalista – mas a tinta branca é invisível!

– Justamente! – retomou tranquilamente o velho – é a tinta da humildade, da pobreza, da infância espiritual, da pureza, da graça…O que for escrito com a tinta branca, somente pode ser lido no Reino dos Céus. Este dura para toda a eternidade.

Lembramos a lição do “Pai nosso” de domingo passado. Assim devemos rezar: “Dacute;-nos a cada dia o pão de que precisamos”. Jesus nos convida a confiar na bondade de Deus que quer sempre o bem dos seus filhos. Não significa esperar que o necessário caia do céu, mas acreditar que Deus é um Pai muito bom que quer que os seus filhos aprendam a praticar a solidariedade e a partilha como irmãos. O contrário, evidentemente, é a ganância, o acúmulo de bens. Isso revela a falta de fé em Deus Pai, mas, sobretudo, a incapacidade de pensar nos outros. O “meu” sem limites acaba de vez com o “nosso”.
A parábola de Jesus do homem rico, feliz porque tinha juntado uma grande colheita e nem mais sabia onde co locá-la, é bem conhecida. O final também. Ele pensou e agiu como um louco, achando-se dono até da própria vida, só porque tinha muitos bens. Grande equívoco, no qual, se não prestarmos atenção, todos nós podemos cair. Estamos sempre ocupados em afastar o pensamento da morte. De fato, a consciência realista do fim, igual para todos, nos ajudaria a administrar de maneira diferente o que temos, seja os bens materiais, seja o tempo desconhecido da nossa vida. Todos sabemos o que nos aguarda, mas continuamos a juntar coisas como se pudéssemos levá-las conosco um dia.

Se, no mundo, tivesse só um ou outro “louco”, paciência, mas o pior é que todos, e de muitas maneiras, somos conduzidos num círculo vicioso de ganho e de consumo. Pensamos: o que adianta ganhar, se depois não gastamos? O dinheiro deve circular. Sem o consumo vai faltar o trabalho, sem trabalho vão faltar os salários, sem os salários ninguém compra mais nada. Não tem saída. No entanto vozes de alerta vem de todo lado. Precisamos pensar numa “sobriedade feliz”, ou seja, buscar, antes de tudo, o necessário e uma vida digna para todos e não o consumo desenfreado de alguns que exclui milhões de seres humanos do “pão de cada dia”. O planeta terra não tem reservas infinitas. O paradoxo é que nós também precisamos construir novos armazéns, mas não para oferecer comida a quem não tem, servirão para esconder o lixo e as toneladas de materiais que descartamos. Não é o número de habit antes que ameaça o planeta é a mal distribuição dos bens que a natureza oferece de graça para todos. Se milhões de pessoas, incluindo muitas crianças, estão saindo dos seus países atrás do sonho de uma vida melhor, é sinal que muitas coisas não estão funcionando bem na nossa sociedade. Se os poucos que têm um alto padrão de vida têm medo dos pobres que passam mal e trancam portas e corações, o futuro da humanidade é sombrio. Muitos dizem que uma nova página de história deve ser escrita. Com a tinta de qual cor? Tenho medo que os grandes avanços tecnológicos, tão badalados, estejam sendo escrito só com a tinta preta. Não mudarão muita coisa. Precisamos escrever mais páginas com o vermelho do amor e da solidariedade. Muito mais devemos aprender a escrever com o branco da humildade e da paz.