Dom Pedro Conti

Um simples “obrigado”

Para refletir: “Se Deus tivesse uma geladeira, penduraria a tua foto. Se estivesse no Facebook, com certeza a tua foto estaria lá. É ele que te envia as flores a cada primavera e um alvorecer a cada manhã. Cada vez que queres falar, ele te escuta. Ele pode habitar em cada parte do universo, mas preferiu o teu coração. Procura-o. Deus está apaixonado por ti. Ele não te prometeu dias sem sofrimentos, sorrisos sem tristezas, o sol sem a chuva. Deus te prometeu força em cada situação, consolação quando estiveres chorando e luz para acertar o caminho. E ele fica satisfeito com um teu simples: obrigado!”

No evangelho de Marcos, deste domingo, encontramos uma página bem conhecida. Jesus quer saber o que as pessoas, que estão ao seu redor, pensam dele. Acredito que não seja tanto uma questão de identidade, mas de honestidade. Ele não quer que todas aquelas pessoas o sigam – talvez com muitas expectativas – e depois digam que foram enganadas. Não seria justo. Não quer espalhar ilusões. Melhor esclarecer logo por onde o levarão as decisões que está tomando, os amigos que está frequentando, as infrações da Lei das quais está sendo continuamente acusado pelos escribas e fariseus. Tudo isso o levará à cruz. Jesus aceita que Pedro declare que ele é o Messias, mas deixa bem claro que o será de maneira muito diferente daquela que muitos interesseiros estão esperando. Será um “messias sofredor”. O caminho da vitória sobre o mal e a morte passará pelo escárnio e o fim vergonhoso na cruz.

Aquelas palavras: “que o Filho do Homem devia sofrer muito” (Mc 8,31) espantaram a Pedro e ainda espantam a todos nós. Parece um destino cruel, inevitável, incompreensível. Este é o pensamento humano, diz Jesus. Deus pensa diferente. Os discípulos demoraram, e nós também demoramos a entender que o amor poder levar até o desfecho de doar a própria vida. O pensamento humano é de conservação, lucro, egoísmo, interesse e vantagem. Ter prejuízo, “perder” algo (perder a própria vida?) é sinal de cálculos errados, de falhas no planejamento, de falta de esperteza ou, mesmo, de burrice. Um homem sabido nunca perde; sempre dá um jeito de se safar das circunstâncias adversas e sair vitorioso ou com o mínimo de danos.

Jesus pensava mesmo de maneira diferente. Pensava como Deus, não como os homens. Ele lança ainda um desafio para a nossa fé. As suas palavras soam como uma evidente contradição: como se pode “ganhar a vida” quando a estamos perdendo? Jesus não está falando de duas vidas diferentes, uma aqui na terra, que estaríamos perdendo, e uma no céu, que estaríamos ganhando. Não. Todos nós, mais ou menos conscientemente, passamos a vida gastando energias e correndo atrás de algum sonho, projeto ou ambição. Chamamos isso de felicidade, mas, quase sempre, buscamos bens materiais, posição social, a melhor acomodação possível para não ser incomodados pelos problemas dos outros. Jesus quer nos poupar da decepção final, porque nada, de tudo isso, durará para sempre. Ele nos propõe abraçar a causa do Evangelho como motivação e sentido da nossa existência humana, em tudo: no uso dos bens, nos afetos, na busca da justiça, da verdade e da paz.

Já sabemos que o tempo da nossa vida não será suficiente para ver a realização plena do seu Reino de amor, mas teremos a alegria de ter semeado bondade e alegria, misericórdia e fraternidade. Talvez tenhamos que reconhecer que não fizemos todo o possível para que este mundo novo acontecesse, mas ao menos não teremos o arrependimento de ter perdido tantas oportunidades de fazer o bem aos pobres, aos pequenos, aos sofredores que, com certeza, teremos encontrado nos caminhos da vida. Talvez experimentemos o remorso de ter promovido indiferença, exclusão, banalidade ou superficialidade. Assim a vida escorreu pelos dedos das nossas mãos, não ficou nada, a perdemos. Jesus não enganou ninguém, não mentiu, não escondeu nada e nem guardou para si a parte mais fácil e cômoda. Deu tudo de si, de graça, como somente Deus sabe fazer. Sempre. Ao menos um simples “obrigado” poderíamos dizer-lhe mais vezes.

Os oradores profissionais

Um rei indígena das Ilhas do Oceano Pacífico do Sul estava oferecendo um banquete em honra a um ilustre hóspede vindo da Europa. Quando chegou o momento de despedir-se do hóspede, sua Majestade ficou tranquilamente sentado no chão e um orador profissional, contratado para aquela ocasião, esmerou-se nos elogios. Depois daquele eloquente discurso, o hóspede se levantou para dizer, também, algumas palavras de agradecimento ao rei. Esse, porém, o segurou e lhe disse: “Por favor, não se levante. Contratei um orador para o senhor também. Na nossa Ilha, não acreditamos que amadores possam ter condição de fazer discursos públicos”.
Iniciamos o mês de setembro. Tradicionalmente, aqui no Brasil, esse é o mês da Bíblia. Por coincidência, a página do evangelho da Liturgia deste primeiro domingo nos apresenta a cura, por parte de Jesus, de “um homem surdo que falava com dificuldade” (Mc 7,32). Jesus cumpre alguns gestos, talvez rituais ou, ao menos, simbólicos, como, por exemplo, colocar os dedos nos ouvidos do homem surdo. Depois, ele “suspira” e pronuncia a famosa palavra que o evangelista transmitiu, provavelmente, na língua original: “efatá”, “Abre-te”. Ao pronunciar essa palavra, diz o evangelho, “imediatamente” os ouvidos do homem se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade (Mc 7,35). Jesus pede aos presentes para não espalhar o acontecido, mas o povo não se contém. “Muito impressionados”, eles louvam a Deus e divulgam a notícia repetindo as palavras da profecia messiânica de Isaías: “Aos surdos faz ouvir e aos mudos falar” (Is 35,5). Se refletirmos sobre o que acreditamos, ou seja, que Jesus é a Palavra de Deus feita carne, a mensagem do evangelho deste domingo fica clara: não adianta que nos seja oferecida a Palavra “viva” se depois deixamos de escutá-la e divulgá-la. Jesus não quer discípulos de ouvidos tapados e boca fechada. Com efeito, no final da sua missão terrena ele enviará os apóstolos pelo mundo inteiro para que proclamem o Evangelho a toda criatura (Mc 16,15).

Todos os batizados são chamados, portanto, a serem discípulos-missionários. Todos precisamos ser, incansavelmente, ouvintes da palavra, para aprendermos com Jesus, o “mestre”, e, ao mesmo tempo, sermos testemunhas corajosas da fé luminosa e da alegre esperança que recebemos em dom.

Conhecemos bem as motivações que levantamos para desistir dos nossos compromissos de batizados. A primeira desculpa é que a Bíblia é difícil e que não temos condição de entender palavras que vieram de tão longe no tempo e nas situações. Sem dúvida, precisamos conhecer melhor aqueles momentos, os saberes e as crenças que aquelas pessoas tinham. Por isso, ter mais familiaridade com a Bíblia significa, também, saber situar os textos nas devidas circunstâncias, mas devemos reconhecer que as grandes perguntas da vida humana continuam as mesmas: de onde viemos e para onde vamos? Como distinguir o bem do mal? Por que é melhor amar que odiar, doar vida e não causar morte? O ser humano pode ser feliz? E assim por diante. Somente quem desiste de pensar, refletir e se questionar, pode achar a surpreendente sabedoria da mensagem bíblica algo arcaico e superado. A Palavra de Deus continua de uma atualidade extraordinária, porque Deus, afinal, nos conhece mais do que a nós mesmos e sempre sabe se comunicar com quem nele confia amorosamente. Algo semelhante vale para a transmissão da Palavra. É a segunda desculpa, aquela de não saber falar. Precisa de humildade suficiente para reconhecer que aprendemos com o Senhor e que não fomos nós a inventar aquela mensagem de vida plena, de misericórdia e consolação. Não precisamos, porém, fazer discursos sofisticados. Hoje, como sempre foi, falam mais alto o testemunho e o exemplo das nossas vidas. Valem a nossa fidelidade, a coerência e a participação na comunidade. Deixemos a retórica aos profissionais pagos para defender, ou confundir, qualquer ideia, para fazer aparecer novo o que já é velho. A Palavra de Deus não é uma opinião qualquer, é “luz” para o nosso caminhar (Sl119,105). Confiemos!.

O belo vaso quebrado

Um casal de namorados estava passeando. A moça, olhando a vitrine de uma loja, ficou encantada com um lindo vaso chinês. Seu namorado foi indagar o preço. Era caro demais para ele. Andando pela loja, porém, viu um vaso igual, mas quebrado. Teve uma ideia. Uns dias depois, comprou, quase de graça, o belo vaso quebrado e pediu ao dono que o embrulhasse como se fosse um presente. O seu plano era chegar na casa da namorada e simular um tombo. Assim, poderia dizer que o vaso tinha se quebrado naquele momento. Deu tudo certo, e a namorada acreditou nele até desembrulhar o vaso. Então constatou a mentira. O dono da loja havia embrulhado cada pedaço do vaso quebrado separadamente! A moça ficou muito decepcionada com o namorado que queria enganá-la.

Neste 22º Domingo do Tempo Comum, voltamos a ler o evangelho de Marcos. Jesus é questionado pelos mestres da Lei sobre o fato de alguns dos discípulos dele não lavarem as mãos antes das refeições. Era um simples costume de higiene, mas tinha-se transformado numa regra rigorosa. Com base nela, as pessoas eram julgadas “observantes” ou não da “lei” e, portanto, nada menos, se eram obedientes ou não a Deus. Ao voltar do mercado, onde circulava todo tipo de gente, animais e mercadorias era necessário tomar banho, porque o contato com pessoas ou coisas “impuras” podia ter contaminado os bons judeus. Uma questão de simples e prudente “limpeza” tinha se transformado numa questão de “pureza” religiosa. Jesus chama de “hipocrisia” essa excessiva preocupação dos mestres da Lei, porque eles ficavam olhando a limpeza exterior e se descuidavam do que era mais importante: a pureza do coração. O que interessa mesmo a Jesus é o que se passa no “interior” das pessoas. O que fazemos pode parecer limpo e até chamar atenção exteriormente. Podemos enganar os homens, mas não conseguimos mentir para Deus, porque ele “vê o que está em segredo” (Mt 6,4). Com efeito, a grande verdade é esta: as boas ou as más intenções do nosso agir vêm, antes de outras motivações, do profundo do nosso coração (Mc 7,21-23).

Nestes tempos de pandemia, estamos vivendo a experiência de ter que passar álcool e lavar as mãos inúmeras vezes, sempre que suspeitamos o perigo do vírus. Não é que antes fôssemos tão “sujos” assim e que nunca lavássemos as mãos, mas agora tudo isso virou obrigação, preocupação e até frenesi. Com tanta “água e sabão” ficamos mais limpos? Com certeza “por fora”, mas, “por dentro”, continuamos os mesmos.

Talvez as palavras de Jesus nos ajudem a encontrar o melhor “detergente” para limpar o nosso coração. O contrário da “hipocrisia” é, sem dúvida, a sinceridade.
Quando damos lugar a segundas intenções, quando praticamos certa duplicidade no nosso agir, quando falamos de um jeito e praticamos de outro, é sinal de que algo está errado conosco. Afinal, quantas pessoas somos? Por que aquela que aparece por fora é diferente daquela que somos por dentro? Não falo de doenças psicológicas ou algo semelhante. Falo mesmo do nosso ser cristãos. Tem uma bem-aventurança de Jesus sobre isso. É aquela dos “puros no coração, pois eles verão a Deus” (Mt 6, 8). Esses “puros” não são os ingênuos que não enxergam as coisas erradas. São aqueles que encontraram o “colírio” para ungir os olhos (Ap 3,18) e ver as possibilidades do bem e do amor apesar das dificuldades e das incertezas da vida. São aqueles que estão vendo Jesus presente nos pobres, nos pequenos, nos sofredores. Eles veem muito claramente as injustiças. Não fingem não as ver, não as escondem, não aproveitam delas, não as transformam em destino ou, pior, em “vontade de Deus”.

Deveríamos zelar pela nossa sinceridade, sobretudo para não enganar a nós mesmos. Antes de apontar as “sujeiras” dos outros, seria bom “purificar” o nosso coração e o nosso agir. O nosso amigo do vaso chinês não conseguiu enganar a namorada. E nós? Será que vamos poder mentir para Deus e para a nossa consciência? Talvez, mas, vale a pena?.

As palavras no chão

Um bom paroquiano acabava de participar da Missa e estava chegando perto da sua casa. De repente, um amigo aproximou-se dele e lhe disse: “Eu preciso lhe falar”. O bom homem viu naquele encontro um sinal do céu. Ficou tão entusiasmado que começou a falar de tudo aquilo que achava importante. Falou das bênçãos de Deus, da eficácia da oração, do compromisso, da satisfação em fazer o bem e explicou ao amigo que ele era um sinal enviado pelo seu anjo da guarda porque antes estava se sentindo só, mas agora não mais. Falou, falou com palavras inspiradas. O amigo o escutava em silêncio. Agradeceu e foi embora. O bom paroquiano perdeu um pouco da sua euforia. Também porque percebeu que, por conta da sua empolgação, não tinha prestado atenção ao pedido do amigo. Baixou os olhos e viu todas as suas palavras no chão, espalhadas na rua.

O trecho do Evangelho deste 21º Domingo do Tempo Comum é a conclusão do capítulo 6 do evangelho de João. Deixamos Jesus, dois domingos atrás, afirmando: “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo” (Jo 6,51). Os judeus questionam: “Como é que ele pode dar a sua carne a comer?” (v.52). Mas Jesus insiste: “Porque a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida” (v.55) e ainda repete o que já disse no v.51: “Aquele que come este pão viverá para sempre” (v.58).

Apesar de estarmos, talvez, familiarizados com a linguagem simbólico-teológica do evangelho de João, sobretudo neste capítulo onde nos fala da Eucaristia, não podemos deixar de nos maravilhar das conexões que surgem entre elementos tão diferentes. Comemos é pão e bebemos é vinho. Só que o pão é a carne de Jesus e o vinho é o sangue dele. Sem fazer a ligação com a vida doada de Jesus e o seu sangue derramado na cruz esta linguagem fica incompreensível. No entanto, parece-me que o mais difícil seja entender o que representa para os seguidores de Jesus comer o seu corpo e beber o seu sangue. Significa escolher participar do seu amor, doando também a própria vida a serviço dos irmãos. O amor é a essência de Deus. Amar é participar da vida divina, vida esta que é plena, porque vai além do tempo limitado da nossa passagem neste mundo humano. A “palavra dura” do evangelho deste domingo não é, portanto, a promessa da vida plena, mas o jeito de alcançá-la. Esse é o paradoxo exigente de Jesus: é possível encontrar a “vida plena” somente perdendo-a, ou seja, gastando-a por amor a Deus e ao próximo. Se o egoísmo ou a indiferença falam mais alto, dá vontade mesmo de desistir.

É isso mesmo que Jesus pergunta aos discípulos: “Vós também vos quereis ir embora?” (Jo 6,67). A resposta de Pedro é uma verdadeira profissão de fé: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,68-69). Para o evangelista João, Jesus é a Palavra de Deus feito carne (Jo 1,14), agora ele vai dar essa “carne” – o seu corpo, a sua vida – por meio do sinal do pão, como alimento àqueles que acreditarem nele. No memorial da Páscoa de Jesus, acontece uma comunhão extraordinária entre o ser humano e as Pessoas divinas. A Palavra sem Eucaristia pode resultar num discurso bonito, mas vazio; a Eucaristia sem a Palavra pode ser só um cerimonial bem-organizado. Palavra e Eucaristia são “alimentos” que se completam, um explicando o outro, um plenificando o outro. Na missa nos são apresentadas a mesa da Palavra e a mesa da Eucaristia para podermos nos alimentar de ambas. Acreditamos que Jesus é o Pão Vivo descido do céu, mas ele é, também, a Palavra viva. Essa Palavra não é um livro para ser simplesmente lido, mas é alguém que continua a ensinar, a corrigir, a perdoar e a enviar. A Palavra transforma a nossa vida quando se torna a nossa mesma maneira de pensar, de falar e de agir. Para conseguirmos isso, precisamos antes ser, nós mesmos, bons ouvintes da Palavra de Deus. Somente assim aprenderemos a escutar os irmãos para entender seus anseios, esperanças e necessidades. Sem escutar primeiro, falaremos à toa.

Juntos!

Li num jornal que o Comitê Olímpico Internacional tinha decidido, por ocasião desta última Olimpíada, acrescentar mais uma palavra ao antigo e conhecido lema olímpico. Vou escrevê-lo aqui em latim – como, mais ou menos, deve ter surgido -: “Citius, Altius, Fortius” que significa “mais veloz, mais alto, mais forte!” A palavra agora acrescentada, em latim, soa assim: “Communiter” que significa, praticamente, “juntos”. Essas palavras apareceram também na cerimônia de abertura dos últimos jogos. Eu vi nas fotografias daquele evento em inglês: “Faster, Higher, Stronger, Together”. Ali estava, de verdade, a “nova” palavra, a quarta: juntos.

O que significa isso numa competição cheia de disputas acirradas para ganhar algumas medalhas? Eu vejo nessa decisão uma grande mensagem de esperança e achei importante lembrar esta “novidade” por ocasião da Solenidade da Assunção de Maria. Nós, católicos, contemplamos nela a vitória da humildade sobre o orgulho, da confiança sobre a indecisão e da fé sobre a desobediência. Se tivesse disputa entre os santos e as santas, Maria, com o seu “sim” a Deus, ganharia todas as medalhas em todas as especialidades. Mas na corrida da santidade não tem contendas; somente pode ter a superação dos nossos defeitos e a alegria de corresponder ao amor de Deus “com todo o coração, com toda a alma, com toda a força, com todo o entendimento” (Lc 10,27). Cada um, dando o melhor de si, justamente por amor a Deus e ao próximo.

A analogia entre a santidade e o esporte é interessante. Praticar atividade esportiva não é tarefa para preguiçosos e acomodados. Para concorrer precisam, sem dúvidas, dotes naturais, mas também muito treinamento, muita perseverança, muito sacrifício. Tudo, para superar os próprios limites e os dos adversários. O esporte não serve somente para a saúde física e mental, ajuda a moldar o caráter, educa a ser humildes, a saber ganhar e perder, a reconhecer o valor dos outros, indo além da inveja, da vingança e dos ressentimentos. Até aqui, o esporte ainda pode ter alguma afinidade com a santidade, mas prefiro parar. No mundo do esporte já entraram a ganância e a corrupção, quase tudo virou negócio, com os “ídolos” pagos a peso de ouro. Estamos, por assim dizer, num outro planeta, anos luzes distante da santidade. Quando Jesus dizia que “os últimos serão os primeiros” (Mt 20,16) não falava de competições, falava dos pequenos, dos pobres, dos operários da última hora, recompensados por Deus. Aos apóstolos que discutiam quem entre eles era o maior, Jesus disse: “Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos, o servo de todos!” (Mc 9,35) e nos deu o exemplo lavando os pés aos discípulos. Maria, feliz, disse de si mesma: “Eis aqui a serva do Senhor” (Lc 1,38). Os “campeões”, os santos e as santas, não são aqueles que mais recebem, mas, ao contrário, os que mais se doam, dando até a própria vida, como Jesus.

Vejo, contudo, na “nova” palavra olímpica “juntos” um sinal promissor. Talvez a humanidade tenha aprendido algo neste tempo de pandemia e com o agravamento das preocupações com as mudanças climáticas. Deveríamos ter entendido que para superar certas situações é preciso esforço e boa vontade de todos. Vimos isso com a corrida às vacinas, mas podíamos ter feito melhor, podíamos ter sido mais solidários e menos gananciosos. Precisamos, urgentemente, acertar os níveis da poluição e do consumo, porque a morte e o desequilíbrio da natureza custam vidas, doenças, migrações desesperadas, infâncias perdidas, fome de milhões de seres humanos. Numa competição, podemos até ser adversários, mas quando as questões são planetárias somente “juntos” podemos encontrar a resposta. Jesus deixou aos seus discípulos o mandamento do amor e o pedido dele ao Pai foi: “que todos sejam um” “consumados na unidade” (Jo 17,21.23). Maria nos repete: “Fazei tudo o que ele vos disser!” (Jo 2,5). Somente “juntos” com Maria e com toda a humanidade poderemos cantar as maravilhas do Senhor. Não sozinhos, não divididos, não inimigos. Juntos!.

A velhinha mal-arrumada

Em tempo de férias, uma família de cinco pessoas estava na praia aproveitando do sol e do mar. As crianças tomavam banho e brincavam com a areia. De longe, apareceu uma velhinha. Tinha os cabelos brancos esvoaçando ao vento e a roupa era visivelmente surrada e suja. Ela falava consigo mesma e, vez por outra, tirava alguma coisa da areia e a colocava num saco. Os pais chamaram as crianças mais perto e lhes disseram para ficarem longe da idosa desconhecida. Quando ela passou perto da família, sempre catando algo aqui e acolá, lançou um sorriso para eles, mas ninguém o retribuiu. Algumas semanas depois, souberam que aquela velhinha maltrapilha, há muitos anos, tinha escolhido para si uma tarefa: recolher os pedaços de vidro que ficavam na praia para que não ferissem os pés das crianças.

No 19º Domingo do Tempo Comum, continuamos a leitura do capítulo 6 do evangelho de João. O assunto é ainda o do “pão da vida”, “o pão que desceu do céu”, mas com algo novo e muito importante. Jesus fala sobre o Pai que o enviou e diz que ninguém vai ao encontro dele se o próprio Pai não o atrair. Também, quem estiver com Jesus participará da ressurreição no último dia. Ele fala assim porque o povo murmurava a seu respeito. Pensavam conhecê-lo, porque sabiam algo sobre a sua família e a sua cidade. Esse foi o engano deles. Um equívoco sempre atual, porque é muito fácil julgar Jesus pelas informações recebidas nos anos da nossa infância e adolescência. Nós nos tornamos adultos, mas a nossa formação cristã não cresceu junto. Muitas vezes, desistimos de continuar a ser “discípulos de Deus” (Jo 6,45), de escutar o Pai, de nos deixar “instruir” por ele e assim nos aproximarmos mais de Jesus, o Filho.

Para o evangelista João o ser atraído, o conhecer, o ver e o crer são todas ações que o discípulo experimenta como dons de Deus – Pai, Filho e Espírito Santo – com a única condição de deixar-se conduzir docilmente por ele. A não ser que o sufoquemos com a nossa desconfiança e o nosso materialismo, existe em nosso coração, um grande desejo de conhecer e encontrar a origem e a fonte da nossa existência. Podemos chamar isso de sede e fome de Deus. Mas Deus também está à nossa procura (Adão “onde estás?” Gn 3,9) e por isso enviou o seu próprio Filho, encarnado no homem Jesus. Com efeito, “a Deus, ninguém jamais viu” (Jo 1,18; Jo 6,46), porém, agora, se de verdade quisermos conhecê-lo e encontrá-lo, o caminho certo é acolher aquele que “vem de junto de Deus” porque este “viu o Pai”. Para que esse “caminho” de busca não seja mera especulação intelectual ou autossugestão, mas se torne vida vivida, experiência real, é necessário vivenciar bem a Eucaristia que celebramos e comemos. Quem se alimenta com “o pão que desce do céu”, reconhece a gratuidade do dom da vida de Jesus e, por isso, aprende também a fazer da própria vida um dom. Quem sustenta a sua vida aprendendo a amar com e como Jesus, participa da realidade amorosa de Deus com laços tão fortes que nem a morte pode destruí-los.

Estamos navegando na mais alta “teologia” do evangelho de João. O discurso parece confuso e misturado, mas a realidade é uma só: quem se alimenta de Jesus Eucaristia-Pão da Vida- Pão do Céu, assume o mesmo estilo de vida e, por sua vez, deixa-se consumir, dia após dia, por aqueles aos quais decide doar-se generosamente. Sem essa vida doada, a participação da Eucaristia se resolve em intimismo e devocionismo. Pode ser gratificante para a pessoa, mas não produz todos os frutos de amor que Jesus espera vir de quem se alimenta com ele, “pão vivo descido do céu”, “carne dada para a vida do mundo”. É difícil. Consola-nos, porém, saber que tantos irmãos e tantas irmãs, jovens e velhos, bem ou malvestidos, doam muito ou, ao menos um pouco, das suas vidas para que outros vivam mais felizes e sofram menos pelas feridas do desamor e da injustiça. Talvez nós não o saibamos, mas Deus os conhece, são seus amigos, já vivem da vida dele.

Alimentos desperdiçados

Notícias da internet: “O Brasil ocupa a 10ª posição no ranking que acompanha os países que mais desperdiçam comida em todo o mundo. A posição mais do que negativa contrasta com os aproximadamente 14,7 milhões de brasileiros (7% da população) que passaram fome em 2020, segundo o Banco Mundial. Ainda segundo a última atualização global da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e da Agricultura (FAO), de 2013, são 26,3 milhões de toneladas de alimentos desperdiçados por ano. Um outro número surpreendente surge: os milhões de alimentos jogados fora representam 10% de todo o alimento disponível no país. Segundo a EMBRAPA (2018), cada família média brasileira desperdiça cerca de 130 Kg de comida por ano, o que equivale a 41,6 Kg por pessoa.”

No 18º Domingo do Tempo Comum, continuamos a leitura do cap. 6 do evangelho de João. Deixamos Jesus se retirando sozinho após o “sinal” dos pães e dos peixes oferecidos à multidão. Ele se esconde porque não lhe interessa ser proclamado rei. Ele quer ajudar o povo a procurar algo mais do “alimento que se perde”, ele convida a encontrar o “alimento que permanece até a vida eterna” (Jo 6,27). Entendemos que Jesus, aos poucos, quer conduzir aquele povo – e nós juntos – a reconhecer nele mesmo o “novo alimento”, bem diferente do maná do deserto e de qualquer outro alimento perecível. Será o Filho do Homem a dar este alimento e será ele mesmo como diz claramente: “Eu sou o pão da vida” (Jo 6,35). Quem alimentar a sua vida com Jesus “não terá mais fome” e quem crer nele “não terá mais sede”. Temos a impressão de que o povo fique entusiasmado com isso ao ponto de exclamar: “Senhor, dá-nos sempre deste pão”, mas, como veremos, logo começam as discussões e a incredulidade.

Óbvio, não é nada fácil passar de um alimento concreto e visível como o maná e o pão, para um “alimento” que tem, sim, algo concreto e visível, o pão-Eucaristia, mas que, ao mesmo tempo, é o próprio Jesus que sempre nos oferece o seu amor doando-nos a sua própria vida. Para entender, um pouco mais, do “mistério” da Eucaristia, devemos entrar na dinâmica dos sinais e, sobretudo, do “memorial”. Nós, cristãos, acreditamos que a Páscoa de Jesus foi algo que aconteceu historicamente uma vez por todas, mas os frutos daquele evento permanecem para sempre e têm valor para a humanidade e a criação toda. Todos que acreditam e decidem seguir a Jesus podem participar de uma maneira especial daquele evento através do “memorial” que é lembrança daquele momento, mas também é um conjunto de gestos e orações, que chamamos de “liturgia”. Para simplificar, podemos dizer que a narração da vida doada de Jesus, todos os dias e até o fim na cruz, explica o que estamos celebrando. Os gestos, no caso o comer do pão e o beber do vinho que envolvem toda a nossa pessoa, fazem-nos reconhecer a sua presença viva e real (Lc 24,35) e, ao mesmo tempo, nos fortalecem para continuar a mesma missão dele. Entre tantas coisas que Jesus fez e das quais nos deu o exemplo está o fato de ter saciado a fome daquela multidão.

Ainda hoje, são milhões de seres humanos que passam fome, para alguns tão grande que os levam à morte ou a alguma enfermidade, consequência da sua desnutrição endêmica. A nossa civilização tão desenvolvida e orgulhosa de si mesma, ainda não resolveu o escândalo da fome no mundo. É vergonhoso e desumano que nós desperdicemos alimentos quando tantos outros sobreviveriam com o nosso “lixo”. Enchemos as nossas barrigas de indiferença e egoísmo. Faltam-nos, evidentemente, alguns “alimentos” diferentes que se chamam solidariedade, fraternidade e partilha. O “alimento” que nos carece, afinal, é o amor ao próximo. Por isso Jesus – e sua vida doada – se propõe a nós como “alimento” para que, ao conhecê-lo e ao amá-lo, encontremos o sentido pleno da nossa vida fazendo o bem, amando e servindo aos irmãos. Mais um desafio para nós cristãos que participamos de tantas missas e recebemos tantas comunhões.

Um pedaço de pão

Quando o velho pai morreu, os filhos encontraram algumas preciosidades que ele guardava num armário. Havia um colar de pérolas da mãe, uma plantinha de prata que o médico havia ganhado na universidade, um objeto de marfim da África e, por fim, um pedaço de pão duro e seco. Então chamaram a antiga cozinheira e esta contou o seguinte: “Depois da Segunda Guerra Mundial, havia pouca comida na Alemanha. Estando o médico doente, um velho veio visitá-lo e lhe deu aquele pedaço de pão. Porém o médico recusou-se a comê-lo e o mandou para a vizinha, cuja criança também estava doente. A vizinha agradeceu o pão, mas achou que seria mais justo enviá-lo a um idoso pobre. Este também não ficou com o pão. O mandou para a filha que morava com duas crianças num porão ali por perto. Ela, porém, com a intenção de ajudar o bom médico, levou o pedaço de pão até ele. Ao chegar novamente em suas mãos, o médico percebeu que se tratava do mesmo pão. Emocionado disse: “Enquanto permanecer vivo entre nós o amor que reparte seu último pão, não temo pelo nosso futuro. Este pão saciou a fome de muitas pessoas, sem que ninguém tivesse comido dele um pedaço sequer. Vamos guardá-lo bem e, quando o desânimo se abater sobre nós, olhemos para ele!”

A partir deste domingo, 17º do tempo Comum, teremos uma pausa na leitura do Evangelho de Marcos. Deixamos Jesus “ensinando” e tendo compaixão da multidão. Em Marcos, também, teríamos aquela que estamos acostumados a chamar de “multiplicação dos pães e dos peixes”. É justamente aqui que a Liturgia Dominical encaixa o capítulo 6 do Evangelho de João que nos acompanhará por alguns domingos. Podemos chamar esta página do evangelho de “milagre do pão”, mas o texto de João prefere usar a palavra “sinal” (Jo 6,14). É um convite para ir além do fato em si e procurar entender o recado.

É fácil perceber que o grande assunto desse capítulo é a Eucaristia. Veremos que existem muitas outras fomes na existência humana e não somente a necessidade do alimento material para sobreviver e trabalhar. Tudo começa, porém, com Jesus que sacia a fome do povo. Os detalhes são importantes. O número de pessoas é muito grande, absolutamente desproporcional com os cinco pães e dois peixes oferecidos por um menino. O lugar é bonito e agradável. Todos são convidados a sentar-se na relva e a comer até ficar saciados. É um verdadeiro banquete sem confusão ou disputas. Os gestos de Jesus são os mesmos dos relatos da Última Ceia. Ele toma os pães em suas mãos, os abençoa e os distribui. Os pedaços que sobraram são recolhidas e enchem doze cestos. É um número simbólico que lembra a alegria e a plenitude das promessas de Deus, como o “sete”, soma dos cinco pães e dois peixes.

Antes de apresentar a Eucaristia como “alimento”, o evangelista João nos ensina que Jesus se preocupa com a fome do povo, ou seja, com a primeira necessidade de qualquer ser vivo. É a maneira mais simples e evangélica de lembrar a todos os cristãos de todos os tempos que satisfazer as urgências materiais das pessoas, como a fome, por exemplo, talvez seja algo absolutamente prioritário para que possa existir uma humanidade feliz e fraterna. Jesus ensina que Deus Pai não quer que nenhum dos seus filhos sofram a fome e deixem assim de reconhecê-lo como bondoso e providente, louvando-o e agradecendo-o por sua bondade. Até quando seres humanos padecem ou morrem de fome, devemos nos questionar sobre uma religiosidade separada da vida, um conjunto de ritos, obrigações e rezas que não transformam em “comunhão e partilha” os bens que Deus colocou a serviço de todos. As escandalosas desigualdades sociais, a fome, o desemprego e as migrações de milhões de pessoas devem incomodar as nossas “Eucaristias”. Se nada muda do nosso egoísmo, ao ponto de anestesiar as nossas consciências e, assim, desistirmos de construir uma sociedade mais justa e solidária, corremos o perigo de fazer das nossas Liturgias meras representações e não mais os “memoriais” do amor de Jesus. Até “um pedaço de pão duro e seco” pode lembrar muito amor e fortalecer a esperança. E as nossas Missas?.

O homem sistemático

Havia um homem que se gabava de ser o mais organizado do mundo. Nunca deixava algo ao acaso. Por exemplo, de manhã, na hora de levantar-se, precisava procurar a roupa que havia espalhado de noite, antes de dormir. Isso o incomodava muito. Uma noite, tomou caneta e papel e anotou onde tinha deixado todas as peças da sua roupa. Ao amanhecer, todo alegre, tomou a folha e leu: a calça está ali, a camisa está no cabide, o paletó está na cadeira… Conseguiu recuperar tudo rapidamente. No entanto, de repente, um pensamento o paralisou: – Tudo bem, mas eu mesmo onde estou? Começou a procurar a si mesmo, mas isso não estava anotado na folha. Assim, o homem não se encontrou.

Continuando a leitura do evangelho de Marcos, a Liturgia da Palavra deste 16º Domingo do Tempo Comum, apresenta-nos a volta dos discípulos que Jesus tinha enviado em missão. Como era de se esperar, a primeira coisa que eles fazem é contar “tudo o que tinham feito e ensinado” (Mc 6,30). A partilha da experiência faz parte da caminhada. É necessária para acertar os passos, corrigir exageros, consolar os que foram rejeitados, mas, sobretudo, não perder o foco e o jeito da própria missão. Nesse momento, Jesus enxerga outros perigos para os doze: o excesso de trabalho e a identificação da Boa Notícia com eles. Para evitar essa confusão, Jesus os chama para uma pausa de descanso, afastados das multidões que os procuram sem trégua. A missão continuará depois e Jesus não se omitirá de atender ao povo para o qual sente grande compaixão. Esse povo se parece com um rebanho espalhado sem rumo, sem uma meta, sem um pastor para mostrar-lhe o caminho certo. Por isso, Jesus começa “a ensinar-lhes muitas coisas”. É o primeiro “alimento” que o Mestre oferece às multidões, depois virá outro, novo e diferente, como veremos nos evangelhos dos próximos domingos.

Por que ir num lugar deserto para descansar “um pouco”? A missão não devia ser prioridade absoluta? “Descansar” não é um luxo para poucos ou um perder tempo quando têm coisas mais importantes para fazer? Cada um pode procurar as respostas, eu, simplesmente, levanto algumas questões. Do ponto de vista do nosso corpo, nós todos temos limitações. Não somos máquinas com peças de reposição. Em geral, quem trabalha demais corre o perigo de se esgotar, de ser obrigado a parar vez por outra, para não findar uma vez por todas. No entanto, o outro perigo – perder o foco da missão – é muito mais grave. A empolgação e a responsabilidade com o anúncio do Evangelho não devem ser confundidas com o fato de chegar a pensar que somos indispensáveis para a missão, ou seja, que sem nós, nada mais vai para frente. No fundo, a questão é trocar a própria Boa Notícia, que depois é Jesus e o seu exemplo, com as nossas pessoas e o cargo que, temporariamente, ocupamos. Significa nos identificar tanto com o trabalho missionário de pensar que o Reino (de Deus) dependa de nós. Esquecer que somos “servidores da Palavra” e não donos. Pode acontecer a qualquer um: aos bispos, aos padres, a algum animador e animadora. Quantas vezes escutamos pessoas dizer: “Se eu sair da frente, desmorona tudo, a Comunidade desaparece…”. Pensar e dizer isso é, no mínimo, falta de fé. O fato de nos considerarmos indispensáveis nos enche de orgulho e, muito provavelmente, impede a outros irmãos e irmãs de participar e colaborar.

Estar cheios de entusiasmo com a missão é um grande dom, mas saber dar espaço e oportunidade para os outros é, mais ainda, sinal de maturidade, de humildade e de confiança nos projetos de Deus, porque é ele o Bom Pastor que conduz o seu povo. “Descansar” não é, portanto, simples folga ou preguiça, é algo necessário para saber quem somos, para onde vamos e, sobretudo, para conhecer cada vez mais e melhor aquele Jesus que devemos anunciar. Para isso, servem a oração pessoal, a meditação da Palavra, momentos e dias de Retiro. Ficar a sós com Jesus, e olhar dentro de nós com sinceridade, é indispensável para sermos verdadeiros missionários do Evangelho de Jesus. Antes de fazer a lista das tarefas a serem cumpridas – a roupa espalhada – precisamos saber quem somos e porque fazemos aquilo.

O galo

O galo acordava bem cedo todas as manhãs e dizia para a bicharada do galinheiro: “Vou cantar para fazer o sol nascer…”. Ato contínuo subia até o alto do telhado, estufava o peito, olhava o horizonte e cantava. Em poucos minutos, a bola vermelha começava a aparecer e se mostrava toda acima das montanhas, iluminando a paisagem. Todos ficavam boquiabertos e respeitosos ante o poder extraordinário conferido ao galo. Aconteceu, entretanto, que o galo, certo dia, perdeu a hora e, quando acordou, o sol já estava lá, brilhando no meio do céu, sem necessidade do seu canto. O galo ficou triste e caiu em depressão, mas os bichos ficaram alegres por saberem que não precisavam da ordem do galo para o sol nascer.

 

A leitura do evangelho de Marcos continua neste 15º Domingo do Tempo Comum. Jesus deu exemplo de coragem indo para “a outra margem” e mostrou como encontrar as pessoas em suas situações de exclusão e sofrimento. Ele fez também a experiência das críticas e da recusa, primeiro longe, na região de Gerasa e, depois, em Nazaré, a sua terra. É neste momento, de acolhida e de repúdio, que ele envolve os doze e os envia em missão “dois a dois”. Eles devem pregar a todos a conversão, expulsar os demônios e curar os doentes, ou seja, na prática, fazer o mesmo que Jesus estava fazendo. As portas de algumas casas se abrirão, mas outras permanecerão fechadas. Alguns ficarão escutando, outros não. Sempre será assim, nem todos acolherão o anúncio do Reino. Nem por isso a missão deve parar ou se limitar a amigos e simpatizantes. Para os do “contra” ficará a poeira dos pés como testemunho de um dom desprezado.

 

Nesta página do evangelho de Marcos aparecem também algumas condições para que a missão avance com a chegada dos discípulos. Eles são enviados “dois a dois”. O primeiro fruto da alegria do Evangelho é a comunidade, porque o fato de ser “dois” é o início de qualquer fraternidade. Desse jeito Jesus, numericamente falando, diminui as possibilidades, mas aumenta a força do exemplo. A Boa Notícia deve ser anunciada junto à vivência da amizade, da solidariedade, da comunhão e da partilha. Sem o exemplo de tudo isso, a pregação deles ficaria um discurso de palavras belas, talvez, mas vazias. “Dois” significa também aprendizagem, diálogo, correção fraterna. O contrário do individualismo e das disputas para ser, ou aparecer, um melhor do que o outro.

 

Outras condições da missão, sem dúvida alguma, são: a pobreza e a escassez de recursos. Os “dois” devem confiar na providência de Deus e na acolhida nas casas. A falta de certos bens, a princípio necessários, não somente tornará os viajantes mais ágeis e leves, porque não terão muita coisa para carregar, mas também não serão vítimas da inveja ou da cobiça de interesseiros e assaltantes. Sendo pobres, darão testemunho de desprendimento e liberdade, mas, muito mais, provarão ter encontrado na Boa Notícia do Reino o verdadeiro tesouro, para o qual vale a pena vender tudo para comprá-lo (Mt 13,44-45). Mais uma vez, Jesus nos ensina a não confundir o Evangelho com os meios úteis e necessários para anunciá-lo. Planos e projetos ajudam a não trabalhar à toa ou sem rumo, mas podem transformar os discípulos em funcionários que cumprem metas de produção. A preocupação do dinheiro pode nos tornar eternos pedintes, sempre insatisfeitos, ou administradores superatarefados em gerir fundos verdadeiros ou imaginários. Os discípulos, agora também missionários, não anunciam a si mesmos, mas a novidade do Reino que está começando, visivelmente, com Jesus. Devem dizer a todos que Deus é Pai, que tem misericórdia e quer ser amigo dos homens. Não anunciam novas normas para serem obedecidas, mas o único mandamento do amor. Com suas vidas doadas, eles devem despertar os distraídos e anunciar-lhes que o Reino é dom de Deus, oferecido a todos. Essa é a nova luz que desponta e resplandece. Que alegria serem alcançados por ela e poder comunicá-la a outros! Afinal o galo era, e ainda é, somente “o mensageiro” do sol, nunca o seu dono.