Dom Pedro Conti

Início e conclusão

Certo dia, um jovem padre foi visitar o seu antigo diretor espiritual e lhe perguntou:

– Como devem ser as homilias?

– Uma boa homilia – respondeu o velho padre – deve ter um bom início e uma boa conclusão. Depois você terá que dar um jeito para que o início e a conclusão estejam o mais perto possível!

A página do evangelho de João, deste Sexto Domingo da Páscoa, é tirada da longa conversa que Jesus teve com os seus discípulos durante a última ceia. Ao evangelista interessa partilhar com os cristãos que virão um pouco depois daquela singular experiência de vida dos primeiros seguidores que caminharam com Jesus pelas estradas da Palestina. É possível para nós participar e continuar essa “experiência”? Acompanhando a página do evangelho, entendemos que a primeira condição para que isso aconteça é amar a Jesus e, portanto, guardar a sua palavra como algo muito precioso para nós. “Guardar”, aqui, não significa conservar a palavra em algum museu ou cofre inviolável, mas, ao contrário, fazer que continue sendo fonte e proposta de vida para quem se dispõe a acolhê-la. A palavra de Jesus é bem guardada, quando é praticada com perseverança e fidelidade. Mais ainda, quem “guarda” essa palavra se torna “morada” do Pai e do Filho, ou seja, familiar de Deus e, assim, participa da vida dele. Quem garante a possibilidade de guardar a palavra de Jesus é o Divino Espírito Santo, o Defensor, que o Pai enviará. Ele “ensinará” tudo e “recordará” tudo o que o Mestre falou.

Podemos dizer que tudo é “dom” de Deus. Por amor à humanidade, o Pai enviou o Filho não para condenar, mas para salvar (Jo 3,16-17). O Filho, Palavra que se fez carne conforme o evangelho de João, realizou o seu ensinamento “com ações e palavras” como acreditamos que Deus sempre se fez conhecer. Para nós cristãos, a “Palavra de Deus” é viva e eficaz (Hb 4,12), ela é muito mais do que um conjunto de livros escritos num período de mais de mil anos. É a partilha de um encontro entre Deus e o povo por ele escolhido. O humano e o divino estão entrelaçados. Encontramos fidelidades e traições, promessas e realizações, sofrimentos, esperanças, alianças, perdão e misericórdia. Como o Divino Espírito Santo “inspirou” os autores que colocaram por escrito a experiência da fé do Povo de Israel, assim o mesmo Espírito acompanha e ilumina o entendimento das Sagradas Escrituras para nós hoje. Esse é o sentido da promessa de Jesus a respeito do “Defensor” que o Pai enviará em nome do Filho. Com efeito, com a vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus e com as suas palavras chegou à plenitude a revelação de Deus e, portanto, todas as Escrituras podem ser entendidas somente à luz daquilo que o próprio Jesus fez e ensinou. Ele é a Palavra definitiva de Deus, mas para que essa palavra continuasse viva e capaz de transformar a vida dos crentes enviou o Divino Espírito Santo. Esse “dom” é dado a cada batizado, mas sobretudo a toda a Comunidade Igreja no seu conjunto. Por isso, as Sagradas Escrituras podem ser lidas individualmente e, sem dúvidas, produzem bons frutos, mas a compreensão mais segura e atual que podemos ter delas é aquelas leitura e explicação que Igreja faz em seu conjunto, de maneira especial quando celebramos a fé comum a todos na Sagrada Liturgia. Nesses momentos, quando a Palavra é proclamada deveríamos dizer o mesmo que, naquele tempo, o povo falava de Jesus: “Nunca alguém falou assim” (Jo 7,46).

Cada vez mais, compreendemos como um bom entendimento da Palavra de Deus seja decisivo para a nossa vida de cristãos, sobretudo se nos dispomos a deixar que a Palavra transforme a nossa vida para que sejamos verdadeiros seguidores de Jesus. No trabalho de comunicação, têm uma grande responsabilidade os pais com os seus filhos, os padres, pastores das nossas comunidades, as e os catequistas, todos os animadores de grupos, pastorais e movimentos. Não será a duração das nossas homilias ou as nossas muitas palavras a explicar melhor a Palavra de Deus, mas a busca da fidelidade à mensagem do Evangelho. Isso porque, afinal, a recepção alegre e renovadora da Boa Notícia será sempre obra do Divino Espírito Santo.

Me quer bem ou não?

Rabi Moisés Leib ensinava: “Como se deveria amar é algo que eu aprendi com um camponês. Ele estava sentado numa taberna com outros camponeses e estava bebendo. Ficou calado por muito tempo, mas, de repente, animado pelo vinho, perguntou a um dos homens sentados com ele:
– Me diga: você me quer bem ou não? O outro respondeu:
– Sim. Te quero muito bem. Mas o camponês replicou:
– Você diz que me quer bem, mas não sabe do que eu preciso. Se me amasse de verdade, deveria sabê-lo. O outro não tinha mais nada para dizer e todos caíram no silêncio como antes. No entanto, eu tinha entendido. Conhecer as necessidades dos outros e carregar o peso do seu sofrimento, este é o amor verdadeiro. Aquele homem não tinha aprendido aquilo na escola e sim na taberna, no calor do vinho, quando as emoções transbordam e as palavras saem sem controle”.

No evangelho de João, deste Quinto Domingo de Páscoa, encontramos o bem conhecido mandamento novo de Jesus: “amai-vos uns aos outros” e, em seguida, as palavras: “Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34). A novidade, portanto, não está tanto no amor em si, mas no jeito e na radicalidade do amor com o qual Jesus nos amou. Além disso, essa “nova” forma de nos amar uns aos outros será o sinal compreensível e inconfundível dos discípulos dele. Como cristãos seguidores do Senhor Jesus temos, assim, duas grandes responsabilidades: a primeira é obedecermos ao mandamento e, portanto, praticarmos o amor fraterno e a segunda é que, se falharmos com esse amor, será muito difícil reconhecer os verdadeiros discípulos dele. Não adianta fazer declarações maravilhosas de amor a Jesus ou de fé nele. O que vale mesmo e que deve distinguir os cristãos é o amor fraterno. Não que as palavras de fé, as explicações, escritas ou faladas, as rezas, curtas ou intermináveis, sejam inúteis, mas se às palavras bonitas de fé não corresponde o compromisso da vida, elas ficam somente palavras.

Nós cristãos, antes de sermos seguidores de um Mestre cheio de sabedoria, acompanhamos as pegadas de um Crucificado, de alguém que foi fiel até o fim à sua mensagem e a selou com o seu próprio sangue. Por sua vez, o Divino Pai confirmou a total entrega do Filho, feito homem por amor a toda a humanidade, ressuscitando-o dos mortos e dando-lhe “um nome que está acima de todo nome” (Fl 2,9). O modelo de amor que está à frente dos cristãos sempre será o do próprio Jesus e de todos aqueles que gastaram as suas vidas na busca do Reino de Deus e da sua justiça (Mt 6,33). De fato, a existência humana de Jesus foi aquela de uma vida totalmente doada a quem o procurava. Ele foi o primeiro que praticou o que havia anunciado na sinagoga de Nazaré no início da sua vida pública; sobretudo, entre outras coisas, o “anúncio da boa notícia aos pobres”. Um “evangelho” feito de palavras e ações, exortações e sinais, explicações e exemplos.

Tudo isso nos espanta? Será que o seguimento de Jesus é tão exigente? Nunca Jesus disse que caminhar com ele seria algo fácil ou banal. No entanto se é verdade que nos deixou a medida alta do amor – “como” ele nos amou – igualmente, porém, ensinou-nos que a grandeza e o valor do amor está no próprio compromisso de amar, com a condição que amemos para responder às necessidade do outro e não para a nossa satisfação ou gratificação. Todos somos carentes de amor, de atenção, de proximidade. Somente se reconhecemos o amor que já recebemos e praticamos nas nossas famílias, nas amizades, no companheirismo, na solidariedade e na generosidade, conseguiremos agradecer e compreenderemos as necessidades dos outros. Se não percebermos a nossa pobreza de amor, dificilmente saberemos doar desta nossa pobreza. As necessidades de cada ser humano são parecidas com as nossas. Todos gostamos de pessoas sorridentes, amáveis, capazes de escutar, prontas para ajudar. Faltam semeadores de paz, comunhão e confiança. Todos precisamos muito amar e ser amados. Por isso, Jesus nos amou tanto, sabia muito bem o que nos faltava.

Três coices

Num zoológico, uma girafa se preparava para dar à luz. Muitas pessoas queriam presenciar o evento. A girafa permaneceu em pé e, para surpresa de todos, o filhote nasceu caindo de uma altura de quase dois metros. No chão, a girafinha, debatia-se toda. Depois de alguns minutos de tentativa para erguer-se, a filhota conseguiu ficar em pé. O povo começou a aplaudir, mas a mãe deu-lhe um coice que a levou de volta para o chão. A filhota, com muito esforço, conseguiu se levantar mais uma vez. De novo, mamãe girafa colocou a girafinha no chão dando-lhe mais um coice. Os espectadores ficaram sem saber o que estava acontecendo e alguns chamaram a girafa de “mãe desnaturada”. Antes que acontecesse um tumulto, o diretor do zoológico apareceu para dar explicação. Ele disse: “O que a mãe girafa faz, parece um ato agressivo e de desamor, mas esta é a maneira que ela tem de fortalecer as pernas da sua cria. Somente assim ela poderá acompanhá-la e mesmo fugir se algum predador avançar. Normalmente ela dá três coices e quando a cria levanta pela terceira vez lambe-a com carinho. Os presentes olharam e era isso mesmo que a girafa mãe estava fazendo com a sua filhota”.
Uma historinha de mãe, para lembrar o dia dedicado a elas. Todas as mães são merecedoras da nossa gratidão e carinho. Ser mãe, gerar e doar vida, é um grande e sublime chamado. É muito mais que algo meramente natural ou para a simples continuidade da espécie. As mães são as primeiras educadoras dos seus filhos.
Falamos agora do evangelho deste Quarto Domingo de Páscoa. Todo ano, lemos um trecho do capítulo 10 do Evangelho de João. Jesus se apresenta como o “bom” pastor, sempre pronto a proteger e defender as ovelhas que o Pai lhe entregou. Também, neste dia, rezamos pelas vocações, para que não faltem ao Povo de Deus padres pastores, irmãos e irmãs consagrados e consagradas ao serviço da evangelização, da missão e da caridade.

Duas afirmações do evangelho chamam a nossa atenção. A primeira diz respeito à “voz” do pastor que as ovelhas escutam. Elas o seguem porque são “conhecidas” por ele. Para a Bíblia em geral, mas de maneira particular para o evangelista João, “conhecer” significa mais do que uma simples informação, indica familiaridade, intimidade. Neste caso é o próprio pastor que conhece as suas ovelhas. O encontro entre o ser humano e Deus, antes de ser uma atitude nossa, é iniciativa dele. Ou seja: é ele que nos procura, é ele que se interessa por nós, é ele que nos ama por primeiro. Nós não conseguiríamos conhecê-lo se antes não fôssemos já conhecidos e nem o amar se já não fôssemos amados por ele.

A segunda afirmação é uma defesa: ninguém vai arrancar as ovelhas da mão do Bom Pastor ou arrebatá-las da mão do Divino Pai. Em outros versículos do mesmo capítulo, fala-se de lobos e de mercenários que fogem em lugar de defender as ovelhas. Proponho que cada um de nós procure dar um rosto e, talvez, até um nome a esses lobos ferozes que querem nos afastar do amor de Deus. Não é tão difícil consegui-lo. Basta ensinar que Deus é coisa velha, assunto de outros tempos, um conjunto de normas e obrigações das quais é melhor nos livrar. Desse jeito, Deus não protege, oprime. Os piores lobos são os que nem parecem sê-los. Eles vêm travestidos de ovelhas, usam palavras mansas, cativantes, prometem pastagens mais fartas. Aos poucos, porém, dividem as ovelhas. Dizem que precisamos ser diferentes, autônomos, independentes, que devemos construir uma imagem de Deus mais vantajosa, que faça mais a nossa vontade e os nossos gostos, que possamos escolher aqueles que nós queremos amar, os que pensam como nós, somente os amigos. Quantas ovelhas descobrem, depois, que estão ficando sozinhas, perdidas, cheias de coisas materiais e vazias de alegria, que não sabem mais doar, socorrer, que desprezaram os laços mais simples da vida. O Bom Pastor nunca desiste das suas ovelhas. Vai sempre atrás delas até encontrá-las. Se permitiu que caíssem foi para que reconhecessem a falta dele e dos irmãos e levantassem com as pernas mais fortes para poder segui-lo com mais coragem e firmeza.

Barcos

“Conheço barcos que ficam no porto por medo e as fortes correntezas os levam embora.
Conheço barcos que enferrujam no porto por não ter nunca arriscado sair.
Conheço barcos que se esqueceram de partir e a sua viagem acabou antes de começar.
Conheço barcos que voltam para o porto estraçalhados, mas mais fortes do que nunca.
Conheço barcos que refletem o sol porque viveram anos maravilhosos.
Conheço barcos que sempre voltam depois de ter navegado.
Assim até o último dia, sempre prontos a abrir as suas velas
porque têm um coração do tamanho do oceano.” (Jaques Brel, tradução livre)

No evangelho deste Domingo, o Terceiro da Páscoa, encontramos a “terceira vez que Jesus ressuscitado dos mortos apareceu aos discípulos” (Jo 21,14). Aconteceu na beira do mar de Tiberíades, na região da Galileia. Ainda uns poucos versículos e chegamos no final do evangelho de João. A última página é uma sucessão de gestos e palavras e tem o sabor de despedida e, ao mesmo tempo, de envio. Tem somente discípulos e dois deles estão sem nome. Dez pessoas com Jesus. Os apóstolos, outrora pescadores, voltaram a pescar, mas as redes estão vazias. Por isso, não têm nada para comer. Um homem “misterioso” está na beira do lago. É Jesus. O evangelista o explica, mas os discípulos ainda não o sabem. No entanto, ele manda jogar a rede de novo. Eles obedecem e o resultado é extraordinário: 153 grandes peixes. “O discípulo que Jesus amava” declara: “É o Senhor! Ou seja, ele faz uma bela profissão de fé, como Tomé fez no evangelho do domingo passado. Logo Pedro se joga na água e, em seguida, os demais chegam em terra. Nova surpresa: Jesus estava preparando uma refeição: peixe assado na brasa e pão. Ele pede que tragam alguns dos peixes que apanharam. Depois, toma o pão e o distribui, como fez na última ceia.

O que nos dizem a situação, os gestos e as palavras? A missão de Jesus continua com os apóstolos (evangelho de domingo passado) e recomeça a partir da Galileia (Jo 1,43), onde os primeiros discípulos foram chamados. Fazendo o que Jesus manda (Jo 2,5) a pesca será abundante. Reunidas em terra, na beira do lago, estão agora dez pessoas. Os números têm um valor simbólico na linguagem bíblica. Dez pode representar algo que deve ser sempre lembrado – dá para contar com os dedos das mãos – como, por exemplo, os mandamentos da Lei, mas agora a “nova” Lei é a do amor, o mesmo amor de Jesus, que está presente junto com eles. A memória-presença do Senhor está agora no sinal da refeição: o pão repartido entre eles. – “Vinde comer” – é um chamado para todos. Após disso, inicia o diálogo entre ele e Simão Pedro. Somente um compromisso de amor poderá garantir o serviço do apóstolo como pastor do rebanho dos discípulos e discípulas do Crucificado Ressuscitado, grande ou pequeno que seja esse grupo, maioria ou minoria do povo de um determinado lugar.

A partir daqueles dias, até hoje, nunca mais a comunidade dos seguidores de Jesus deixou de jogar as redes, de anunciar o Evangelho do Reino e de celebrar o Memorial da Páscoa do Senhor. Fez isso, às vezes, com entusiasmo, achando fácil e promissora a missão. Outras vezes, precisou de muita coragem e paciência. Teve momentos de exaltação e poder, outros de silêncio, marginalização e martírio.

Lembrando a história das igrejas cristãs, sabemos que surgiram divisões, brigas entre as ovelhas que deviam formar “um só rebanho” (Jo 10, 16). Afinal os discípulos sabem que são seguidores de um crucificado, que o caminho do Reino sempre será difícil e a porta para entrar, estreita. A Ressurreição? Uma vitória a caro preço. Por isso, alguns desanimam, outros desistem. Outros, porém, aceitam a fadiga da pesca em mares tempestuosos sem perder a direção, obedientes à ordem de Jesus de sempre jogar as redes de novo. O número 153? Talvez, só um artifício numérico com as letras de palavras hebraicas. Difícil para nós entender. Não importa, melhor confiar, sem contar, mas sair, sair…Como o Papa Francisco ensina.

Esconde-esconde

O netinho brincava de esconde-esconde com um colega. Ele se escondeu muito bem e ficou esperando que o amigo fosse procurá-lo. Depois de ter aguardado por um bom tempo, o menino saiu do esconderijo e foi atrás do amigo. Este, de fato, nunca o tinha procurado. O menino ficou muito triste. Correu com o avô e reclamou do colega que tinha abandonado a brincadeira. O avô, homem sábio, quis ajudar o neto e disse:

– Meu filho, sabe que Deus diz o mesmo de nós seres humanos? Deus diz: eu me escondo, sim, mas ninguém vem me procurar!

Nos domingos do Tempo Pascal, deste ano, só encontraremos trechos do Evangelho de João. Neste Segundo Domingo, a leitura é sempre a das duas primeiras “aparições” do Senhor Ressuscitado. Uma “ao anoitecer do primeiro dia da semana” e a outra “oito dias depois” (Jo 20,19 e 26). O sentido é, evidentemente, o de nos ajudar a entender o ritmo semanal da comunidade cristã que fez do dia após o sábado, ou seja, o “domingo”, o novo “dia do Senhor”. Entre tantas coisas que deveriam distinguir os seguidores de Jesus, uma das principais é o compromisso de “santificar” o domingo.

Ainda em 1998, São João Paulo II escreveu uma Carta Apostólica sobre o Dia do Senhor (Dies Domini, em latim). O Santo Padre queria lembrar aos cristãos o sentido e o valor do Domingo. Vivemos numa sociedade cheia de afazeres, compromissos, correrias, mas, também, de lazer e diversões. Para muitos, cristãos e não, os finais de semana se tornaram o único tempo para descansar, fazer algo diferente da rotina cotidiana, ou resolver questões de arrumação e limpeza que não foram feitas ao longo da semana. O descanso é, igualmente, um direito e uma necessidade. Precisamos de um tempo para nós e as nossas famílias. É urgente conversar entre nós, até “jogar fora” umas horas para ficarmos juntos, apreciar a presença das pessoas que amamos ou consideramos amigas.

Honestamente, devemos nos perguntar se sobra tempo para Deus e para os irmãos e irmãs que partilham a nossa fé. Não é questão de cumprir uma obrigação, mas de procurar conhecer melhor o Senhor, deixar ecoar a sua Palavra em nossa vida, experimentar a sua presença viva no meio de nós. Após dois anos de pandemia, durante os quais as igrejas ficaram fechadas ou com número limitado de participantes, muitos cristãos se acostumaram a “assistir” à missa pela televisão, com farta opção de pregadores e super oferta de celebrações, orações e ladainhas a qualquer hora do dia. Outros, porém, sentiram falta das liturgias nas suas comunidades, com os amigos e os vizinhos. Com certeza, as nossas liturgias não são tão tocantes como certas transmissões televisivas e os sermões tão emocionantes como aqueles dos pregadores badalados na mídia. Não são e nem devem ser assim. O Dia do Senhor é para ser vivido na simplicidade e na pobreza da nossa condição humana, lá onde nós estamos, com os companheiros de viagem que encontramos no caminho e com os obstáculos que somos chamados a remover. Nas cidades, onde têm mais oferta de missas dominicais, não deveríamos escolher simplesmente pelo gosto ou a simpatia, mas pela aproximação com aquelas pessoas que depois encontraremos nas ruas e nas praças do bairro, no trabalho, no ônibus, no colégio, no supermercado.

O Domingo é o Dia do Senhor, mas também da comunidade, da solidariedade com os pobres que precisam de ajuda. Talvez aqueles pobres perto da nossa casa que não vêm na igreja por vergonha da sua roupa ou porque, também aos domingos, estão atrás de pôr algo na mesa para os seus filhos. Os sofredores são outra presença de Jesus entre nós, que nos incomoda e questiona, como a sua Palavra e a Eucaristia. O apóstolo Tomé faltou no primeiro domingo, mas no segundo estava lá, ainda incrédulo e desconfiado. No entanto, declarou o seu desejo de ver e tocar. Deus procura o ser humano desde o início, quando perguntou: “Adão onde estás?”. Ele nunca desiste. Somos nós os maus jogadores que abandonam a busca. Assim não encontramos a Deus e nem nos deixamos encontrar com ele.

A casa do pai

“Homem é preso após confessar que matou pai e mãe, em xx, diz a polícia. Corpos foram encontrados na sexta- feira xxx, e filho foi preso em flagrante. Conforme o delegado, o suspeito alegou que discutiu com os pais após o casal negar dinheiro para ele comprar drogas.”

Quando leio notícias como essa, vejo que infelizmente se repetem em vários lugares do mundo e pelos mais diversos motivos, então volta à minha memória a parábola de Jesus que encontramos no evangelho de Lucas e que a Liturgia nos oferece neste Quarto Domingo da Quaresma. É a parábola dos dois filhos e do pai misericordioso. Fico a imaginar como teria sido diferente a situação se o pai da parábola tivesse negado a parte da herança ao filho mais novo e, por isso, este o tivesse matado. O que teria acontecido depois? Como teria reagido o outro irmão? Talvez os dois podiam ter planejado juntos o assassinato, um para fugir e esbanjar o dinheiro e o outro para, finalmente, assar um cabrito e fazer festa com os seus amigos. Pura imaginação! Nada disso nos é apresentado na parábola de Jesus. No entanto chama atenção o descontentamento dos dois filhos: a casa do pai é uma prisão para ambos. O mais novo sonha com as aventuras da liberdade que o dinheiro do pai lhe permitiria, mas somente se for bem longe do controle paterno. O mais velho suporta a submissão ao pai na espera de ser, um dia, o dono de tudo. Nesse mal-estar, os dois irmãos se assemelham, por razões diferentes, mas o pai não é amado.

No desenvolver da parábola, sabemos que o filho mais novo perde tudo e passa fome. “Caiu em si” e, de cabeça baixa, decide voltar para a casa do pai, ao menos, para ser um entre os empregados dele. Mais uma vez, esse pai nos surpreende. Já havia dividido a herança e agora corre ao encontro do filho, o abraça e manda fazer festa cheio de alegria. Na frente do filho que se declara pecador, o pai manifesta toda a sua bondade: nada de cobranças e castigos, somente beijos. Começam as músicas e as danças. Falta, porém, o outro filho, o mais velho, o obediente. A raiva dele é mais do que compreensível. A volta do irmão mais novo atrapalha os seus planos de poder cultivar no coração, desde que o outro tinha ido embora e ele tinha ficado, o fato, de ser o único herdeiro. Agora, terá que dividir novamente os bens do pai? Não é justo. Para que serviu obedecer? Ele trabalhador, sim, mereceria uma festa com os seus amigos, não o outro que já se divertiu tanto. O pai sai ao encontro do filho mais velho e lhe explica o porquê da festa: o irmão perdido foi encontrado novamente. Falta ainda o abraço de perdão dele. Mas a parábola termina antes disso e cabe a nós refletir sobre o possível desfecho.

Voltamos ao pai não amado pelos dois filhos. Depois de tanta bondade e misericórdia, será que agora eles saberão agradecer ao pai, se tornarão mais irmãos e a família ficará unida para sempre? O filho mais novo sentiu saudade da casa paterna, viu que a liberdade que sonhava não era tudo o que imaginava. Voltou mais reflexivo e humilde e o pai o perdoou. Será que agora ele terá mais gratidão para este pai tão generoso e bondoso? Para o filho mais velho a lição do pai é diferente. Ele já provou, dividindo a herança, que não estava tão interessado nos bens materiais e, acolhendo o filho arrependido, manifestou claramente que lhe interessava, mesmo, era a presença do filho antes perdido no mundo. Talvez o filho mais velho, obediente e serviçal, cobrava um reconhecimento, um merecido prêmio de bens materiais. Não lhe interessavam a alegria da convivência familiar e, menos ainda, a disponibilidade a partilhar o perdão para o irmão rebelde. Afinal, era o pai que devia lhe agradecer por tanto trabalho e obediência e não o contrário.

Essa parábola tão extraordinária abre para nós muitos caminhos de reflexão, de arrependimento, de alegria ou até de revolta. Como é difícil compreender um Deus Pai tão misericordioso. Como é difícil desistir de julgar os outros. Como é difícil ser irmãos tão diferentes. Como é difícil deixar os motivos de divisão e abraçar as razões da fraternidade. As brigas continuam. Até quando?

É o que está dentro dele que o faz subir

Uma criança bem pretinha observava o homem dos balões num parque de diversões. O homem era um bom vendedor, pois soltou um balão vermelho e assim atraiu a atenção de uma multidão de crianças, possíveis compradores dos balões dele. Depois soltou um balão azul. Em seguida, um balão amarelo e, finalmente, um branco. Todos foram subindo ao céu até desaparecer. A criança pretinha ficou bastante tempo olhando o balão preto, aí perguntou ao homem:

 

– Moço, se o senhor soltasse o balão preto, ele subiria tanto quanto os outros? O vendedor de balões deu um sorriso compreensivo. Partiu o cordão que prendia o balão preto e, enquanto ele se elevava nos ares, disse:
– Não é a cor, filho. É o que está dentro dele que o faz subir.

 

O trecho do evangelho de Lucas deste 8º Domingo do Tempo Comum é um conjunto de palavras de Jesus que poderíamos chamar de “conselhos” para crescer no discipulado. Por que esses ensinamentos para corrigir os defeitos e não outros? A comunidade onde o evangelista elaborou a escrita do seu evangelho não era uma comunidade imaginária ou fictícia. Era feita de pessoas que buscavam melhorar no caminho da fé e do seguimento de Jesus, mas, evidentemente, carregavam juntas as suas limitações e os seus pecados. Cabe a nós acolher “hoje” essas palavras e reconhecer que também temos ainda muito a aprender.

 

Acredito que podemos chamar a primeira dificuldade de “empolgação”. Às vezes o discípulo – que afinal somos todos nós – se acha já na condição de ensinar até ao Mestre. Não precisa mais dele, porque se considera “maior” do que o próprio Mestre. O orgulho de alguns progressos na vida espiritual conduz a duas consequências desastrosas: pensar não precisar mais aprender e querer corrigir os defeitos dos irmãos, esquecendo os próprios pecados. Jesus chama esses “discípulos” de “hipócritas”, porque enxergam os pequenos deslizes dos outros e não querem reconhecer os próprios enormes defeitos. Está claro: pelo simples fato de sempre criticar os outros, esses cristãos se colocam como modelos dos demais e, assim, deixam de olhar para si mesmos. Veem só o que querem, os defeitos dos outros, mas são cegos para os próprios erros. Julgam os demais e não aceitam correções. Se nos reconhecemos, um pouco ou muito, nesses discípulos cheios de soberba, ainda podemos nos converter.

 

Os outros conselhos de Jesus nos ajudam a entender que o esforço para sermos cristãos melhores não têm como finalidade a nossa perfeição pessoal, justamente para não correr o perigo de nos tornarmos juízes dos demais, mas devemos crescer nas virtudes cristãs e no amor fraterno para “produzir frutos bons”. Desta vez, está em jogo nada menos que o anúncio da Boa Notícia de Jesus. Evidentemente, de uma árvore boa se espera frutos agradáveis e gostosos. Uma comunidade enviada em missão no mundo para anunciar o amor a Deus e ao próximo não pode ser dividida, briguenta e cheia de conflitos. “Espinhos” não atraem ninguém. É uma questão pessoal e comunitária, ao mesmo tempo, porque o nosso testemunho de vida cristã sempre tem consequências na família e na cidade onde vivemos. Podemos ser sinais de esperança e de alegria, podemos semear confiança e amizade ou espalhar o contrário: rixas, sofrimentos, indiferença e tristeza.

Prepara um caldo

Alguns irmãos foram ter com o ancião Antônio e lhe pediram uma palavra para poderem ser salvos. O ancião disse: – Escutaram as Escrituras? Lá tem o que lhes serve. Mas eles insistiram:

– Pai, também queremos ouvir do senhor uma palavra. Antônio respondeu:
– Diz o evangelho: “Se alguém lhe der uma bofetada numa face, ofereça também a outra”. Disseram:
– Isso não sabemos fazer. Continuou o ancião:
– Se não conseguem oferecer a outra face, suportem ao menos ser esbofeteados numa. Responderam:
– Nem isso somos capazes de fazer. Antônio disse:
– Se não conseguem fazer nem isso, ao menos, não devolvam o mal que receberam. Os irmãos replicaram:
– Isso também não damos conta de fazer. Então o ancião disse ao seu discípulo:
– Prepara um caldo, porque os nossos irmãos estão doentes. E a eles falou:
– Se para isso não têm capacidade, se aquilo outro não querem, o que posso dizer para vocês? O que precisam mesmo é rezar muito.

No 7º Domingo do Tempo Comum, encontramos mais uma página do evangelho de Lucas que desafia o nosso “bom senso”. Jesus faz uma comparação entre os seguidores dele e os pecadores. Nos apresenta atitudes que nos parecem impossíveis ou, pelo menos, nada espontâneas. Amar aqueles que nos amam é mais lógico e comum. Com certeza, mais fácil. Mas amar os inimigos, fazer o bem e até emprestar sem esperar nada em troca, quando se viu? A sociedade daquele tempo e também a nossa, hoje, não pensam assim. Os inimigos devem ser aniquilados, isolados ou desarmados. Se alguém nos deve? Vamos à Justiça, até as últimas instâncias. E assim por diante. O que aconteceria se ninguém mais pagasse as dívidas? Quem ganharia e quem perderia com isso? Evidentemente as palavras de Jesus continuam a nos surpreender, provavelmente como devem ter “chocado” os ouvintes daquele tempo. Certo, podemos dar um pouco de desconto, lembrando outros exemplos da linguagem “exagerada” de Jesus, que encontramos nos evangelhos. No entanto, os seguidores do Mestre de Nazaré devem praticar algo diferente dos demais.

Jesus não veio para revelar uma imagem de Deus que confirmasse a ordem constituída. O “Pai” dele é amor e gratuidade total, ao ponto que “é bondoso também com os ingratos e os maus” (Lc 6,35). Os verdadeiro “filhos” dele, não podem agir de outra forma. Foi Deus que criou os seus filhos à imagem e semelhança dele (Gn 1,27) e os filhos não podem mudar as feições do Pai. As Escrituras nos mostram claramente que o povo eleito, ao longo do tempo, corrigiu a “imagem” de Deus que ele tinha. O Deus da conquista da terra, do tempo dos reis e das suas guerras é diferente do Deus dos profetas que quer “a misericórdia e não os sacrifícios” (Os 6,6). Também Jesus, na sinagoga de Nazaré, quando leu o trecho de Isaías, parou no “ano de graça do Senhor” e não leu “o dia da vingança para o nosso Deus” (Is 61,1-3). O “hoje” que ele anunciava era o da “gratuidade, não da vingança! A exortação de Jesus é sempre aquela que repetimos inúmeras vezes no Ano Santo da Misericórdia: “Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36).

Quando teremos uma convivência humana sem inimizades, sem dívidas, sem condenações? Não sabemos, mas, como cristãos, não podemos deixar de desejar e trabalhar para que a nossa sociedade se torne, cada vez mais, humana e fraterna. Ainda estamos no tempo das contraposições, das feras que brigam com outras feras, da corrida às armas, das dívidas de países inteiros espoliados de suas riquezas naturais, da corrupção que distorce a verdade, o direito e a justiça. Por isso, achamos tão difíceis as palavras de Jesus. Façamos a experiência do perdão, mesmo que os outros pensem qualquer coisa de nós. Aprendamos a desejar o bem e a paz para todos, incluindo os desafetos. Talvez, consigamos entender melhor a bondade do Deus no qual dizemos acreditar. Para sarar dos sentimentos de ódio e vingança só o “caldo” da misericórdia e da oração. Um santo remédio! .

Só com os pedaços descartados

DDurante a construção de uma catedral, o mestre de obra e os melhores artesãos trabalhavam em oficinas instaladas no interno do canteiro. Certo dia, apresentou-se ao mestre um jovem desconhecido que também se dizia artesão. Pediu para trabalhar, mas o chefe lhe disse que não precisava, porque já havia pessoal suficiente e todo especializado. O jovem insistiu:

 

– Não quero trabalhar as pedras, somente gostaria de fazer um vitral, usando as peças descartadas pelos outros. Basta-me um cantinho, não lhe darei nenhuma despesa. O mestre lhe permitiu que usasse uma barraca velha e abandonada, perto do local onde descarregavam todos os materiais inúteis. Os meses passaram e o pessoal quase se esqueceu do jovem que trabalhava tranquilo em silêncio. Chegou, porém, o dia em que ele colocou para fora a sua obra secreta. Era um vitral de incrível esplendor. Ninguém antes tinha visto cores tão luminosas. Era o vitral mais encantador de todos os demais da nova catedral. Todos queriam saber onde ele tinha encontrado pedaços de vidro tão brilhantes. O jovem estrangeiro respondia:

– Encontrei os fragmentos espalhados por aí, onde trabalhavam os operários. Esse vitral é feito com os pedaços que foram descartados como inúteis.

Neste 4º Domingo do Tempo Comum, continuamos a leitura do capítulo 4 do evangelho de Lucas. Estamos ainda na sinagoga de Nazaré e Jesus acabou de ler o trecho do profeta Isaías. Quem fazia a leitura podia também fazer um breve comentário. As palavras de Jesus foram: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. (Lc 4,21). Muita coragem e ousadia por parte dele, sem dúvida. Grande surpresa dos presentes, fascinados com as palavras que estavam ouvindo. O encanto, porém, durou pouco. Logo vieram os questionamentos e as pretensões. Reconheceram naquele homem o mesmo Jesus que ali, em Nazaré, tinha se criado. Na vila, viviam familiares e colegas dele. “Quem você acha que ele é?”. Com certeza, essa foi a pergunta que se espalhou rapidamente. Jesus respondeu assumindo a missão de “profeta”, ou seja, de alguém que fala em nome de Deus e, portanto, como todos os profetas do passado, o anúncio que trazia ecoava em Israel, mas também além das suas fronteiras históricas e geográficas. Não importa se esta mensagem será acolhida ou não. A “missão” do profeta é “falar” com a palavra e a vida.

A fama de Jesus, que havia se estabelecido em Cafarnaum, já se espalhara e, com certeza, despertava o ciúme e a inveja dos habitantes de Nazaré. Com mais propriedade, podemos dizer que a atividade de Jesus e a sua pregação “aos pobres” não correspondiam à imagem de “ungido” que circulava naquele momento. Esperavam um messias poderoso e triunfador, mas Jesus se apresentava como pobre, amigo dos pequenos e sofredores. Além de tudo, ele era fraco, porque iniciava a sua missão das periferias, bem longe dos centros do verdadeiro poder. Em lugar de se questionar, de procurar entender mais e melhor o que estava acontecendo, os conterrâneos de Jesus, que afinal representam muitos outros que virão depois, decidiram expulsá-lo da cidade. Assim acontecerá ao longo de toda a vida de Jesus e, pelo jeito, acontecerá sempre. Como tinha dito Simeão na apresentação dele ao templo: “Este é destinado a ser… sinal de contradição” (Lc 2,34).

Não adianta esconder. Nos nossos dias, também, muitos consideram Jesus e a sua mensagem uma questão do passado, perdida há muito tempo. Talvez um discurso bonito, sentimental, ao qual recorrer numa hora difícil, mas que pouco ou nada traz de real e concreto. Fraternidade, compaixão, misericórdia, não enchem o bolso de ninguém. Todos nós, cristãos de ontem, de hoje e de amanhã, continuamos a ser desafiados a confiar ou não na Boa-Nova de Jesus. A tentação de jogar tudo fora é sempre muito grande. No entanto, os pobres e os pequenos, os descartados da sociedade, que, aqui e acolá, juntam as palavras de Jesus, constroem algo novo, brilhante, de cores nunca vistas. Agem no silêncio. Não divulgam, porque não disputam fama e sucesso com ninguém. Basta-lhes a luz do amor. A mesma luz de Jesus.

Surpresa nos sapatos

Um jovem caminhava com um dos seus amigos. Enquanto caminhavam, encontraram um par de sapatos velhos ao lado da trilha. Vendo um trabalhador próximo, entenderam que os sapatos pertenciam a ele. O homem estava acabando seu trabalho daquele dia. Voltando-se para o amigo, o jovem sugeriu:

– Vamos pregar uma peça no velho. Vamos esconder os sapatos dele, depois ficamos atrás destes arbustos e observar a reação dele.

– Você acha mesmo que devemos fazer isso?Perguntou o amigo. Por que não surpreendemos o idoso colocando algum dinheiro em cada sapato e depois observamos sua reação quando o encontrar? O outro jovem não ficou entusiasmado, mas acabou concordando com a ideia. Quando o pobre homem concluiu o seu trabalho e calçou os sapatos, sentiu alguma coisa diferente por dentro. Surpreso, viu o dinheiro e se ajoelhou para a gradecer a Deus por ter provido ajuda para sua família tão necessitada.

-Você não se sente mais feliz, por ter ajudado um velho trabalhador, em vez de ter-lhe pregado uma peça? Cochichou o amigo. O jovem concordou.
Neste Segundo Domingo do Tempo Comum, encontramos uma página tradicional de começo deste tempo litúrgico: as chamadas “bodas de Caná”. Nela aparece o primeiro dos “sinais” que servem, do jeito próprio do evangelista João, para fazer conhecer quem é Jesus. Uma página, aparentemente narrativa, mas tão cheia de símbolos e referências ao Antigo Testamento que, se não forem levadas em conta, podem esvaziar a beleza do texto e reduzi-lo ao “milagre” da água transformada em vinho.

O primeiro “símbolo”, ou figura, é o próprio casamento por ser uma “aliança” entre duas pessoas que se acolhem entre si, porque se amam. Essa é uma comparação antiga, cara aos profetas, do amor preferencial que Deus tem com o povo eleito. Agora, porém, algo “velho” acabou (“não tem mais vinho”) e algo “novo” está começando. Com a imagem do casamento, o evangelista João anuncia a “nova” aliança entre Deus e o seu povo, concluída entre o Filho que o Pai enviou e um povo novo, representado, neste caso, pelos diversos convidados. Entre ele, estão os primeiros discípulos que, por enquanto, assistem à passagem do velho (a água nas talhas de pedra) ao novo (o vinho melhor). Começa, para eles e para nós, se decidimos acompanhar Jesus, o difícil caminho da fé, até chegar a “hora” que será aquela da cruz. Esse será o supremo “sinal” do inaudito. Jesus entregará a própria vida. Até esse ponto, chegam a fidelidade, o compromisso e o amor de Deus com o seu povo. Será o “vinho-sangue” da nova aliança.

O segundo sinal que envolve Maria, a mulher-mãe, é a “festa” que o vinho melhor, servido depois, não deixa acabar. Esse sinal ilumina o sentido da transformação da água em vinho. A vida de Jesus não será algo fácil, enfrentará provações, infidelidades e a derrota final. Contudo quem crer nele experimentará alegria (Jo 16,22), paz (Jo 16,33) e vida em seu nome (Jo 20,31). A página das bodas de Caná é rica demais. Está posta no início do evangelho como um pedido. O mesmo que Maria falou “aos que estavam servindo”: “Fazei o que ele vos disser” (Jo 2,5). Fazemos – ou deixamos de fazer – tantas coisas por sugestão, convite, imposição dos outros. Às vezes para agradar, outras por obrigação, outras, simplesmente, porque achamos que “todos fazem assim”. Nem sempre pensamos se vale a pena, se é justo, se é bom o que decidimos, ou não, fazer. De maneira especial, me refiro-me ao consumismo, mas poderíamos falar da oração. Deixamos de rezar porque temos coisas mais importantes para fazer ou optamos por ler ou escutar no celular o que outros pensaram e refletiram. Repetimos rezas que outros fazem para nós. É mais fácil que ficar em silêncio, fazer o nosso exame de consciência pessoal e a nossa oração espontânea. O evangelho deste domingo, oferece-nos uma luz interessante: a alegria da festa. Os amigos da historinha, na dúvida entre pregar uma peça ao velho ou fazê-lo feliz, escolheram a segunda opção e ficaram alegres também. O “vinho” do amor e do bem é sempre novo e melhor.