Pe. Claudio Pighin

A alma do ser humano (2ª parte)

Semana passada, vimos os fundamentos bíblicos sobre a alma. Agora quero fazer algumas considerações sobre a concepção da alma na teologia cristã dos primeiros séculos. No início da era cristã, dava-se muito mais atenção à religião e à ética do que hoje. A teologia cristã sustentou a unidade entre o corpo e a alma. Quem mais se destacou nessa unidade do ser humano? Com certeza, temos os doutores da Escola de Antioquia. Entre eles, temos Justino, do segundo século depois de Cristo. Ele afirmava, de maneira categórica, que o ser humano é racional e composto tanto de alma e como de corpo, fazendo uma só coisa. Sempre do segundo século, temos Atenágoras que defende a imortalidade da alma e diz que o corpo humano é adaptado a ela no momento da criação. Deus, segundo esse autor, criou a alma e o corpo unidos. Também o testemunho de Ireneu de Lião (130-202) confirma que o ser humano completo é feito de corpo e alma.

Outro autor, Gregório de Nice (335-395), diz o seguinte: “Nem é alma antes do corpo, nem é o corpo antes da alma, mas um só é o princípio de ambos, segundo uma lógica fundada na vontade de Deus” (Hominis opificio). Santo Ambrósio (354-430) falou que o ser humano acha na sua alma a totalidade completa da essência humana. Santo Agostinho também mantem unidos corpo e alma. Intelecto e corpo fazem uma só coisa do ser humano, sem diferença nenhuma. Porém, a alma é uma substância racional que ‘governa’ o corpo, ou também o ser humano é uma alma racional que usa um corpo mortal.

A experiência sensível, no final, não é própria do corpo, mas da alma através do corpo. Assim sendo, Santo Agostinho mostra a capital importância da alma na vida humana. No período patrístico, o Magistério da Igreja confirmou a comum origem divina do corpo e alma, fazendo parte do plano divino sobre a criação. Ficou claro que a alma é criada por Deus de maneira direta. A unidade do corpo e da alma, segundo o Magistério da Igreja, faz parte da unicidade do ato criativo de Deus, “criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis”. Na idade média, Boaventura (1217-1274) diz que a imagem e a semelhança de Deus, assim como a imortalidade humana, pertencem em primeiro lugar à alma: o corpo, que pertence por sua natureza ao mundo animal, participa da imortalidade da alma.

No grande Tomás de Aquino (1225-1274), ‘a alma, como o corpo, pertence à ordem da substância, mas qual substância incompleta’. A plenitude, a integralidade pertence ao ser vivente inteiro, como união e síntese dos dois princípios constitutivos de alma e corpo. Encontramos na Suma Teológica, parte primeira, onde São Tomás demonstra a incorporeidade da alma e a sua união com o corpo: “O princípio intelectual que se chama mente ou intelecto tem uma atividade pela qual o corpo não participa. Agora não pode operar por si senão aquilo que subsiste por si (…). Portanto, a alma humana, que se chama também intelecto ou mente, é algo de incorpóreo e de subsistente”.

Com Tomás de Aquino, temos uma ‘unificação da essência da atividade humana’. Para o teólogo, a alma é, sim, uma substância, mas é composta não de forma e matéria, mas de uma essência, isto é, aquela de ser uma forma espiritual, e de um ato de ser que lhe provem diretamente do ato criativo de Deus. Além do mais, visto que a alma não tem nenhuma materialidade na própria estrutura, ela é simples e incorruptível. Enfim, o Concilio Lateranense V do ano 1513 diz que não existe uma só alma universal, comum a todos os seres humanos e unida acidentalmente e temporaneamente a cada um deles, mas é confirmada a tese de Tomás de Aquino que a alma tem a forma de corpo e que é imortal. Concluindo, nesta segunda parte do artigo, podemos reconhecer a importância da alma como plenitude do ser vivente. No próximo artigo darei continuidade sobre a alma humana na filosofia moderna.

A alma do ser humano

Vamos falar sobre a alma. Meu ponto de partida é a Sagrada Escritura. A língua hebraica do Antigo Testamento exprime que o ser humano não é um composto, mas uma única realidade, isto é, uma unidade indissolúvel. Assim se expressaram os teólogos M. Fuck e Z. Alzeghy: “Uma criatura concreta, uma em si […]. A sua unidade não se afirma em oposição a concepções dicotômicas ou tricotômicas, mas vem da percepção espontânea do homem concreto, anterior a reflexão sobre a tensão que possa existir em sua estrutura metafísica… Na Sagrada Escritura esta unidade concreta é designada com diversas palavras, que nas suas diferenças focalizam vários pontos de vistas do sujeito.”

Com isso, fica bem claro que o ser humano constitui uma unidade. No Antigo Testamento fica bem evidente que não se podem contrapor os conceitos de substância espiritual e material. A alma no Antigo Testamento, portanto, é o ser humano na sua plenitude. E, assim sendo, não pode subsistir uma concepção dualística, conforme a concepção platônica. A alma é a mesma pessoa segundo o pensamento hebraico do antigo testamento. No Novo Testamento, o termo alma ou espírito é usado em diferentes sentidos. No evangelho de Mateus, Jesus fala de maneira bem evidente da possibilidade de “matar a alma” (Mt 10,28). Temos também a passagem em Marcos que diz: “Minha alma está triste até a morte” (Mc 14,34). Aparece também o espírito em Mateus 5,3; At 17,16 e 1 e 2 Coríntios; e na maioria dos casos indica o espírito humano em referência ao Espírito Divino.

Na cruz, na ocasião da morte, Jesus “entrega o seu espírito”. Os termos bíblicos mais importantes a respeito revelam a capacidade de identificar as relações entre o ser humano e Deus. A partir dessas considerações, podemos tentar compreender a alma da sua individualidade e imortalidade. Jesus, através da sua pregação e testemunho, confirma o pensamento do Antigo Testamento em relação à identidade do ser humano, rejeitando uma concepção dualística da filosofia grega. E o evangelista Mateus nos mostra que a vida eterna em Deus certamente é superior a nossa vida terrestre e nos convida a considerar o ser humano na sua totalidade. De fato, ele nos diz: “Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode destruir a alma e o corpo na geena”. Essa aparente distinção entre corpo e alma, na verdade, é para reforçar mais ainda o valor da vida em toda a sua plenitude, aquilo que demais precioso possuímos.

Por isso, Mateus continua dizendo: “Pois, quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perde a sua vida por causa de mim e do Evangelho a salvará. Com efeito, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a própria alma? O que pode um homem dar em troca da própria alma?” (Mt 16,25-26). Também os outros evangelistas sinalizam esse fato, naturalmente, com toques diferentes. Cristo quis dizer com a palavra alma a vida transcendente e plena. A suprema desgraça é perder a comunhão vital com Deus. Portanto, a Bíblia releva a importância da alma como essência e totalidade do ser humano, excluindo desse jeito uma concepção dualística, isto é, a separação entre corpo e alma. Ela é pessoal. É a mesma pessoa. Assim sendo, vimos que a Bíblia nos mostra a importância da alma na vida. Ela faz parte da criação e dá sentido à mesma vida. Faz uma só coisa.

Comunicação é o fundamento existencial da relação humana

A comunicação, o grande desafio do nosso tempo, é o fundamento existencial da relação humana, que tem o poder de fazer passar tal relação da essencial à existência, do intemporal (sem tempo) ao histórico. O destinatário assim procede em direção à meta de se tornar, não somente o que recebe comunicação, mas também que comunica. É um sujeito que procura e cria, determinado aprender a ser. É um laboratório de cor, sentimento, fantasia, razão, que o faz sujeito receptor e transmissor.

Como destinatário da comunicação audiovisual e telemática, vive hoje imergido numa realidade flutuante, composta e heterogenia, experimentado o assim chamado conhecimento empírico. No entanto, não pode se tornar um recipiente, mas um filtro. Este é possível, se sabe se tornar no mesmo tempo comunicador e receptor. Este é o desafio que se apresenta hoje. Porém, não podemos negar a grande importância que têm os instrumentos da comunicação social em promover a unidade e o progresso da família humana.

A Igreja é consciente de tudo isso, como confirma o decreto conciliar Inter Mirífica (entre as maravilhas) e o constante magistério pontifício.

Não obstante, o progresso da tecnologia precisa reconhecer que o nosso tempo, e também a mídia, é marcado por um difuso sentido de insegurança. É a insegurança que gera os seus medos. Em cada época, o ser humano teve os seus medos. Por exemplo, a época da civilização agrícola. Neste sentido, foi justamente relevado que o medo foi induzido pelo mundo externo: medo do cosmo com a sua imprevisibilidade gera insegurança. Isso levava a uma tensão fortemente mirada na busca das leis da natureza para dominar. Nesta perspectiva, a abertura ao religioso era reconhecida e gerava na boa e na má sorte aquela solidariedade que, infelizmente, hoje falta na era midiática.

Passando do medo cosmológico àquele que hoje podemos chamar de medo antropológico, o beneficiado pelas comunicações sociais se acha angustiado por um sentido de desorientação. O tempo da telemática é, portanto, contraposto por um sentido geral de mal estar existencial, que constitui aquilo que chamamos de medo do ser humano contemporâneo. Ocorre, portanto, sermos preparados mentalmente para enfrentar esta situação de poder que seduz e, ao mesmo tempo, faz medo. Nunca como nos nossos dias precisamos nos questionar sobre o futuro da humanidade e operar em primeiro lugar na mídia um mundo livre da irracionalidade e do arbítrio do poder. A partir dos últimos tempos, podemos constatar que temos cada vez mais liberdade para as nossas necessidades. Ao mesmo tempo, somos dependentes do progresso e dos seus custos.

Deus nos fala

Evangelho de Mateus 16, 13-19

Reconhecer Jesus, Filho de Deus, é a plenitude da nossa vida. Nesse sentido, Mateus nos fala sobre o diálogo do Mestre com os seus discipulos, a fim de revela-Lo. Os discípulos, interpelados por Jesus sobre a sua identidade, tiveram dificuldades em reconhecê-lo. Somente Simão acertou a resposta. Uma resposta totalmente dele.

Perante essa constatação, o Mestre não teve dúvidas em reconhecer como Simão tinha achado graça em Deus. Somente Deus pode ter iluminado o discípulo. E o seguidor de Jesus, portanto, fez essa profissão de fé não pelas suas capacidades, mas pelo dom de Deus. Constatando isso, o Mestre Nazareno lhe confere os poderes da primazia em confirmar os outros na fé, edificando a sua Igreja. Chama-o de Pedro, porque conservar a fé tem que ter firmeza e segurança, enquanto é um dom muito valioso; e eu digo tão precioso que não tem no mundo outro igual.

Simão, agora Pedro, foi escolhido não porque foi o melhor que os outros; aliás, se tivesse sido esse critério, certamente teria sido João. Por que, então, não escolhe o melhor, aquele que é mais próximo à perfeição? Eu creio que quis dizer que a opção da perfeição por aquele que vai guiar a sua Igreja não significa ser uma perfeição como as pessoas entendem para entrar no Reino de Deus, mas é necessário, simplesmente, se deixar guiar pelo Espirito e se deixar amar por Deus.

Sabemos como Pedro nega Jesus e, por isso, ele chora amargamente. Porém, não é o choro que o resgata, mas por se deixar amar por Deus. E Pedro, experimentando a derrota pessoal, repõe toda a confiança na salvação doada pelo Pai no amor. Por isso foi escolhido, porque soube fazer a vontade de Deus. Também nós somos convidados a vivermos a vontade do Pai para vivermos a perfeição, não obstante as nossas pobrezas, limitações. Assim sendo, o amor de Deus Pai venceu sobre as nossas fraquezas e nos deu a possiblidade de viver plenamente a nossa fé, sem medo de “não” sermos perfeitos.

E essa perfeição não é aquela humana que devemos ambicionar, mas à perfeição do Amor; do amor que por amor pode até errar; do amor que por amor dá tudo; do amor que por amor não tem medo de se expor; do amor que por amor dá a vida; do amor que por amor se deixa crucificar. E hoje o papa Francisco, sucessor de Pedro, nos quer confirmar esse Amor. Um Amor para conservar a fé. E eu te pergunto: perante os fracassos, as fraquezas da vida, qual é a tua reação? Dá mais importância em aparecer ou se questionar? E como se deixa interpelar por Deus? A perfeição que persegue é a do mundo ou de imitar como Deus nos amou e nos ama? Tem medo de viver a Cruz como ato supremo de Amor? Concluindo, podemos afirmar a claras letras que essa experiência de fé é para todos, e todos podemos viver o desafio do Amor, não obstante os nossos pecados.

Deus nos fala

Evangelho de Marcos 4,35-41

O milagre é uma potência que nos deixa até assustados. Ele revela que Jesus é o Messias, porém não tem a capacidade de revelar completamente a sua identidade, isto é, a sua grande doação por nós até à cruz. De fato, é a cruz que nos mostra, sem dúvida nenhuma, quem Ele é. Às vezes, preocupo-me vendo certos comportamentos de cristãos que identificam a própria fé, exclusivamente, centrada na busca de milagres. Dito isso, vamos tentar entender o que significa ‘passemos para o outro lado’.

Em primeiro lugar, é ir à terra pagã, isto quer dizer que o Reino de Deus, pregado por Jesus, é pra todos. Nesse sentido, contraria também os discípulos, verdadeiros israelitas porque eram apostadores do reino de Israel que deveria dominar os povos. No entanto, Jesus veio para pregar o Reino de Deus que não se limita a Israel. Um Deus de todos. Frente a essa resistência dos discípulos em fazer de Jesus exclusividade deles, de Israel, surgiu de repente uma grande tempestade. Interessante notar que tudo isso afetou somente os discípulos e Jesus dormia tranquilamente. Imaginem com uma maresia daquele tamanho não tinha acordado o Mestre.

É evidente que tudo isso é uma interpretação de que Ele estava tranquilo na sua fiel missão e os discípulos duvidaram por essa abertura de Jesus aos pagãos. Assim sendo, é a incredulidade deles que provoca tudo isso. E diante de uma ameaça como essa eles acordam logo o Mestre, pedindo ajuda. O desespero leva-os a invocar o Mestre, se abrir pra Ele, reconhecer que estavam perdidos. Pronto, Jesus se impõe às aguas agitadas que ameaçam. É Ele que domina até a natureza, porque lhe pertence. Ele é o verdadeiro Deus que os discípulos ainda não entenderam enquanto cochichavam entre si ‘quem é este’.

Com essa intervenção de Deus, Jesus revela que ir ao encontro dos pagãos é a vontade de Deus Pai. É manifestar que o amor de Deus é para todos e não somente para um povo ou poucas pessoas escolhidas. O Mestre os repreende porque não têm fé. Aquele mínimo de fé para levar a testemunhar o quanto Deus ama todo mundo. Desse jeito, mostram que ainda não conhecem o Mestre, embora reconheçam que é diferente das outras lideranças. É caminhando com Ele até o fim que conseguirão conhece-Lo melhor. Essa trajetória dos discípulos é também a nossa trajetória: não podemos ser cristãos de um dia para outro, necessitamos de um percurso para construirmos a nossa vivência cristã. Não podemos pensar que podemos viver a nossa fé cristã somente com aqueles que compartilham a nossa comunidade. Precisamos ir ao encontro de todo mundo e sobretudo dos mais esquecidos e afastados das nossas igrejas.

O papa Francisco nos alerta sobre isso: “Existem cristãos que vivem uma relação fechada e egoísta com Jesus e não ouvem o grito dos outros. Vivem numa atitude mundana ou rigorista que afasta as pessoas de Jesus.” E mais: “São cristãos de nome, cristãos de salão, cristãos das recepções, mas a sua vida interior não é cristã, é mundana. Uma pessoa que se diz cristã e vive como um mundano, afasta aqueles que pedem ajuda a Jesus.” Ainda diz o santo padre: “Depois, há os rigoristas, aqueles que Jesus repreende, que colocam tantos fardos nas costas das pessoas. Em vez de responderem ao grito que pede salvação afastam as pessoas.”

Deus tem compaixão e nós devemos imitá-lo

As Sagradas Escrituras nos ensinam a viver, a saber se relacionar com os outros, a ter sabedoria, a ter justiça, a sermos transparentes, entre outros. Gostei de ver como o papa Francisco, de maneira bem objetiva, nos revela uma dimensão importante da vida que pode ser assumida por todos nós. O próprio Deus nos ensina tudo isso. Veja essas palavras que o santo padre pronunciou em 17/09/2019 durante uma missa celebrada na capela Santa Marta, no Vaticano: “A compaixão faz ver as realidades como são; a compaixão é como a lente do coração: nos faz entender realmente as dimensões. E no Evangelho, Jesus sente muitas vezes compaixão. A compaixão também é a linguagem de Deus. Não começa, na Bíblia, a aparecer com Jesus: foi Deus quem disse a Moisés “vi a dor do meu povo” (Ex 3,7); é a compaixão de Deus, que envia Moisés a salvar o povo. O nosso Deus é um Deus de compaixão, e a compaixão é – podemos dizer – a fraqueza de Deus, mas também a sua força. Aquilo que de melhor dá a nós: porque foi a compaixão que o levou a enviar o Filho a nós. É uma linguagem de Deus, a compaixão.”

Isso mostra que a compaixão leva a pessoa a ir ao encontro do outro, socorrer aquele que precisa. Não é, portanto, um simples sentimento, mas um partilhar a vida, sair do próprio ‘eu’ para exaltar o próximo. Assim sendo, a compaixão não é, como popularmente se fala, uma pena, mas muito mais que isso. Compaixão leva a se comprometer com o outro, a promovê-lo. Para melhor compreender isto, é bom relembrar algumas palavras do Evangelho: “O Senhor sentiu compaixão”. E, por isso, Deus age e vai ao encontro da pessoa, dar uma solução para ela, seja qual for. E continua o papa Francisco dizendo: “E se a compaixão é a linguagem de Deus, muitas vezes a indiferença é a linguagem humana. Cuidar até certo ponto e não pensar além. A indiferença. Um dos nossos fotógrafos, do l’Osservatore Romano, tirou uma foto que agora está na Esmolaria, que se chama ‘Indiferença’. Já falei outras vezes disto. Uma noite de inverno, diante de um restaurante de luxo, uma senhora que vive na rua estende a mão a outra senhora que sai, bem coberta, do restaurante, e esta senhora olha para o outro lado. Esta é a indiferença. Vejam aquela foto: esta é a indiferença. A nossa indiferença. Quantas vezes olhamos para o outro lado… E assim fechamos a porta para a compaixão. Podemos fazer um exame de consciência: eu habitualmente olho para o outro lado? Ou deixo que o Espírito Santo me leve para o caminho da compaixão? Que é uma virtude de Deus…”.

Seguindo a compaixão, ela também nos leva a fazer justiça, isto é, recompor no outro a dignidade de filho ou filha de Deus. Vivendo, portanto, a dimensão da compaixão, nos afastamos da indiferença, do egoísmo e de procurar somente e exclusivamente os próprios interesses. Talvez seja o mal dos nossos tempos: falta de compaixão! É bom sempre recordar que se Deus tem compaixão por nós, quem somos nós para não termos compaixão dos outros?.

Não façamos da nossa oração algo mágico

“A oração não é uma varinha de condão, mas um diálogo com Deus”, disse o papa Francisco, na audiência geral do dia 26 de maio de 2021, no Vaticano. Em sua catequese, o Santo Padre reafirmou que Deus nos ouve com certeza, se nós pedirmos algo pra Ele. O Pai Celestial não faz ouvidos de mercante, como se diz popularmente, mas se inteira conosco. É bom ouvirmos essas palavras que nos dão coragem para termos sempre mais confiança no nosso Deus. Assim sendo, a oração não é o resumo de tantas palavras, de tantos discursos, mas de fazermos essa experiência de um Deus conosco.

Porém, atenção, alerta sempre o papa Francisco: “É fácil escrever sobre um estandarte ‘Deus está conosco’; muitos se apressam em garantir que Deus está com eles, mas poucos se preocupam de verificar se eles estão efetivamente com Deus.” Esta é a grande verdade: tentar fazer de Deus o nosso monopólio nos afasta Dele. O nosso Deus é soberano, é Ele que toma a iniciativa porque nos ama infinitamente. Alguns podem pensar que quanto mais se fala mais se reza e, ao contrário, aquele que não consegue dizer grandes coisas reza pouco. Na verdade, às vezes, a pessoa que não exprime palavras rebuscadas e fala pouco, pode rezar muito e mais que o falador. Por quê?

Vejam o que disse Jesus em Lc 18, 9-14: “Subiram dois homens ao templo para orar. Um era fariseu; o outro, publicano. O fariseu, em pé, orava no seu interior desta forma: ‘Graças te dou, ó Deus, que não sou como os demais homens: ladrões, injustos e adúlteros; nem como o publicano que está ali. Jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de todos os meus lucros’. O publicano, porém, mantendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: ‘Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!’ Digo-vos: este voltou para casa justificado, e não o outro. Pois todo o que se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado”.

Com essas palavras, fica mais evidente que a oração é um ato de humildade que quer tentar acolher Deus na sua vida e não fazer de Deus um instrumento. Quantas orações que se demonstram mágicas, isto é, quando impomos uma relação com Deus em que queremos nos colocar no lugar dele. A verdadeira oração é uma experiência de profunda fé e, por isso, o Santo Padre disse: “A oração não é uma varinha de condão, mas um diálogo com Deus.” Não pode passar na nossa cabeça que o Senhor Deus deva realizar aquilo que desejamos, que projetamos, porque Deus que vê tudo e sabe tudo conhece realmente o que nós precisamos. ‘O tempo de Deus não é o nosso tempo’.

Por isso, uma verdadeira experiência de fé, de verdadeira oração, é fazer a vontade de Deus-Pai. Assim sendo, precisamos de muita oração e muita intimidade com Deus. Acrescentou o papa Francisco: “Aprendamos esta paciência humilde de esperar a graça do Senhor, esperar o último dia. Muitas vezes, o penúltimo é terrível, porque os sofrimentos humanos são terríveis. Mas o Senhor está ali. E no último dia Ele resolve tudo.”

A superficialidade comunicativa destrói o diálogo

Em meu cotidiano, tenho observado atentamente o modo como as pessoas se expressam, o jeito de falar, o uso das palavras e, semanticamente, chego a conclusão de que existe muita superficialidade ou impropriedade nos discursos. Percebo que tal maneira de comunicar, por vezes leviana, torna-se um grande obstáculo para o diálogo e recepção de conteúdos. Isso é preocupante porque uma linguagem imprópria distorce a realidade e, ao mesmo tempo, cria no próprio imaginário inverdades como se fossem verdades.

Inúmeras vezes, pessoas me relatam falas escandalosas de figuras públicas. Eu procuro saber, imediatamente, a fonte das declarações. Certa ocasião, com toda firmeza, um informante puxou as ditas declarações na internet e me disse: “Está aqui, padre, aquilo que lhe falei”. Então, eu lhe respondi: “Vamos escutar atentamente a fala”. E eu acrescentei: “cadê aquilo que você me disse? Aqui não encontro isso”. Mas ele me respondeu: “Padre, a palavra em si não tá, mas eu interpreto desse jeito e, portanto, é um que não presta.”

Conforme aqui dito, é evidente que a realidade das coisas somos nós que a interpretamos e criamos, portanto, é subjetiva. Neste caso, o emissor falou daquele jeito e, segundo quem ouviu, não respeitou a fidelidade da mensagem e, assim, a distorceu. Assim sendo, revela-se que não existe uma sintonia entre quem fala e quem escuta. Desta forma, podemos criar os amigos, os opositores, aqueles que prestam e não prestam. Só para se ter uma ideia, numa frase, pode-se isolar umas palavras e manipulá-las para os próprios fins, não respeitando o verdadeiro conteúdo da frase. A história está cheia disso.

A esse respeito, também as Sagradas Escrituras nos podem ajudar a enfrentar as distorções de interpretações que não respeitam a fidelidade das mensagens produzidas. Por exemplo, em Provérbios (12,22), diz-se o seguinte: “O Senhor odeia os lábios mentirosos, mas se deleita com os que falam a verdade.” Para podermos nos sintonizar uns com os outros, devemos buscar, da melhor maneira possível, a objetividade; e isto não é fácil, mas pelo menos podemos ser transparentes nas nossas manifestações, tanto como comunicadores quanto como receptores.

O livro dos Provérbios (6, 16-19) também nos alerta: “Há seis coisas que o Senhor odeia, sete coisas que ele detesta: olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, coração que traça planos perversos, pés que se apressam para fazer o mal, a testemunha falsa que espalha mentiras e aquele que provoca discórdia entre irmãos.” Tudo isso nos convida a termos uma linguagem que construa e ajude a fortalecer a nossa solidariedade e fraternidade.

Quando usamos uma linguagem subjetiva, isto é, que não vai além do próprio ‘eu’, poderemos alimentar o egoísmo, o fundamentalismo e fazer da realidade uma mera ilusão. Que perigo! Será difícil assim construir a paz. Ainda nos Provérbios (21, 6), uma declaração bem forte e expressiva: “A fortuna obtida com língua mentirosa é ilusão fugidia e armadilha mortal.” Como melhorar essa conduta da fala e recepção de mensagens para não criar danos ao nosso redor? Creio que seja importante a prudência, refletir antes de falar, deixar um momento de silêncio para ponderarmos melhor a confecção das mensagens, tanto como comunicador quanto como receptor. A superficialidade mata!

O maniqueísmo se opõe ao cristianismo

Constantemente, eu assisto comportamentos e declarações maniqueístas na sociedade e, inclusive, em ambientes religiosos. Mas, afinal, o que vem a ser maniqueísmo? Segundo a enciclopédia Wikipédia, “é uma filosofia religiosa sincrética e dualística fundada e propagada por Manes ou Maniqueu, filósofo heresiarca do século III, que divide o mundo simplesmente entre Bom, ou Deus, e Mau, ou o Diabo. A matéria é intrinsecamente má, e o espírito, intrinsecamente bom.”

Quem vive o testemunho, o ensinamento de Jesus, não pode seguir esse modo de pensar. Como pode uma pessoa declarar que ‘aquele um não é do bem’ ou que ‘é do mal’ e se dizer cristão? O Mestre Jesus Cristo nos testemunhou que não se pode ter preconceitos com as pessoas e não se pode condenar. Jesus não nos ensinou a julgar, mas a amar: “Eis que vos ordeno: amais-vos uns aos outros como eu vos amei”.

Portanto, não temos o direito de excluir ou marginalizar ninguém porque o nosso modo de pensar classifica-o como ‘mau’. Você se lembra de quando Jesus disse que um só é bom, no caso, Deus? Você se lembra também de quando Jesus entrou em Jericó e como quis acolher Zaqueu, embora fosse um pecador desonesto que enriqueceu com o dinheiro extorquido com os impostos? E disse-lhe:

“Hoje entrou a salvação nesta casa, porquanto também este é filho de Abraão. Pois o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido”.
O publicano-pecador era considerado perdido para sempre, mas o evangelho revela que também para ele chegou a salvação. E assim o nosso Mestre proclama a salvação para este filho já, agora. Com Jesus, tudo muda, isto é, acolher Jesus é o que torna as pessoas puras. Portanto, todos os cristãos devem seguir o testemunho do Divino Mestre. Certamente, não é fácil. Ser cristão é um grande desafio. Um desafio de enfrentar toda a maneira de ser e agir que o mundo se opõe a essa conduta de fraternidade e de unidade.

Por isso, o maniqueísmo é mais um desafio para os seguidores de Jesus Cristo em não separar, dividir as pessoas, mas unir com o amor do Mestre. É mais fácil julgar que amar como Jesus nos ensinou. E parece-me que essa onda maniqueísta está tomando conta da nossa sociedade. Assim sendo, creio que uma sociedade maniqueísta não contribui para a promoção da solidariedade, da irmandade, mas favorece o subjetivismo que pode alimentar a violência e a desigualdade. De fato, ao longo da história, o maniqueísmo foi rejeitado como heresia pelos cristãos. A concepção dualista entre o bem e o mal pode somente dividir e não unir.

Então, nesta visão, como se pode compreender a salvação que nos testemunha Jesus Cristo? Visto que o maniqueísmo segue o gnosticismo, vejamos o que nos diz a Exortação Apostólica ‘Evangelii gaudium’ no número 94: “gnosticismo, uma fé fechada no subjetivismo, onde apenas interessa uma determinada experiência ou uma série de raciocínios e conhecimentos que supostamente confortam e iluminam, mas, em última instância, a pessoa fica enclausurada na imanência da sua própria razão ou dos seus sentimentos”. Que o ensinamento de Jesus Cristo seja a fonte da nossa libertação de qualquer escravidão.

Uma comunicação renovada

Neste mundo feito de relações, vemos como as pessoas são favorecidas em nível técnico pelos meios de comunicação. Mas em um nível mais profundo, notamos como a redução da pessoa acontece por meio de atitudes cada vez mais narcisistas e despersonalizantes, porque os processos dos meios de comunicação ignoram a profunda dimensão interior do ser humano: uma ética da comunicação é, portanto, necessária para recuperar o direito da própria comunicação, na sua totalidade.
É importante ter uma comunicação renovada, para prevenir e evitar não só as famosas notícias falsas, mas também uma hiper-comunicação que satura a escuta e uma hiper-informação que rebaixa o próprio significado da notícia; que nos permite ser plenamente humanos, referindo-se a uma atitude de maior profundidade e discernimento. Em tudo isto, a ausência de controle neste domínio não é uma garantia de liberdade, pelo contrário: mais uma razão para sentir a urgência de uma moralidade correta para garantir o respeito e a verdadeira liberdade.

A este respeito, o apelo da Igreja toma forma concreta no dever dos pastores sagrados de instruir e guiar os fiéis, porque o objetivo da salvação também pode ser perseguido através dos meios de comunicação. Mas o que se entende por instruir? A informação atempada sobre a moralidade do que está escrito e do autor. É necessário formar pessoas em nível técnico, cultural e moral, quer sejam leigos, sacerdotes ou profissionais; além disso, também se poderia dar uma dica no catecismo.

“Uma fé que não se torna cultura não é uma fé plenamente aceite”, disse São João Paulo II; e Paulo VI já notou como o drama do nosso tempo foi a ruptura entre a cultura e o Evangelho. Como pode então a fé e a cultura dialogar através e no mundo da comunicação? Rádio, programas, publicações, web e filmes: estes são os instrumentos que nos foram confiados, com os quais interagimos no universo dos meios de comunicação social. Estes recursos são claramente instrumentos que podem facilitar e melhorar o nosso trabalho, o que, no entanto, requer uma conversão do nosso coração e da nossa forma de pensar.
Poder-se-ia objetar que, sendo apenas ferramentas, o seu único objetivo é ser utilizado por cada um de nós, evitando assim o caminho da conversão. Em vez disso, creio que este caminho é uma necessidade, porque neste momento histórico particular somos chamados a uma conversão do coração, a ver realmente a cultura contemporânea com os olhos de Cristo e da Santa Mãe Igreja, e a uma conversão da forma de pensar, porque precisamos pôr em prática uma escolha básica que conduza à abertura e utilização destes instrumentos, tendo a coragem de nos aventurarmos em território desconhecido para nós, mas muito atual para aqueles que nos rodeiam.

Então, como podemos alcançar uma evangelização da cultura hoje? Renovando vigorosamente a nossa pertença a Cristo e à Igreja, amando-a e conhecendo-a, portanto, na medida em que ela própria é a portadora de uma cultura mundial e bimilenar. Afirmando uma pertença crítica ao mundo, capaz de diálogo aberto, consciente da nossa própria identidade cristã. Como se afirma no Evangelho de João, “no mundo, mas não do mundo”. Por sermos nós próprios pessoas de cultura, de uma cultura capaz de humildade e serviço a Deus e ao próximo, e por nos formarmos neste sentido, investindo na nossa bagagem cultural. E, finalmente, conscientes de que esta terra é hoje uma terra de missão, escolhendo tornar-se verdadeiros missionários, evangelizadores da Boa Nova na nossa vida cotidiana.