Dom Pedro Conti

O cantar do galo

Um ganso pertencia a um dono pobre e despreocupado. Sofria muita fome, porque se esqueciam de lhe dar de comer. Um dia, o dono comprou um galo e o fechou no mesmo galinheiro. O ganso ficou assustado ao ver o novo companheiro e, todo triste, disse-lhe:

– É agora que vou morrer de fome! Seremos dois a repartir a minha pobre ração.

– Não chore não – respondeu o galo – quando tenho fome eu sei cantar para lembrar ao dono a hora da ração. Assim, ambos comeremos!

O evangelho deste domingo nos traz a parábola do patrão que chamou operários para trabalhar na sua vinha. Até cinco horas da tarde, ainda convidou homens para o trabalho. Quando chegou o momento de pagar os trabalhadores, o dono deu a todos a mesma moeda de prata, a recompensa estabelecida por uma diária de serviço. Os primeiros operários, contratados de madrugada, reclamaram pelo o que eles achavam ser uma injustiça. Quem trabalhou menos, devia receber menos. Que justiça era aquela do patrão? A resposta do senhor da vinha não foi uma justificativa. Foi uma declaração de liberdade. Os primeiros não podiam reclamar, tinham sido contratados por uma moeda e estavam recebendo o certo, se, depois, o dono queria dar o mesmo aos demais trabalhadores, que haviam chegado depois, não estava ele livre de fazer o que queria com o seu dinheiro? A sua generosidade não deveria ser motivo de inveja, mas de surpresa e admiração.

Já disse que as parábolas de Jesus nunca são a simples apresentação de uma experiência ou de um costume daquele tempo. Sempre tem algo de novo que devemos descobrir e que torna as parábolas sempre atuais e desafiadoras. Nesse caso, a contraposição está entre um tipo de justiça, que nós chamamos de retributiva, e o jeito do dono da vinha agir. O que parece injusto, no critério do mérito, serve para tornar ainda mais surpreendente a bondade daquele patrão tão diferente e por nada aprisionado em medidas legalistas. Isso não quer dizer que as leis do trabalho não devam ser respeitadas e que o esforço de quem fadigou mais não mereça mais recompensa. A questão é outra , porque a vinha, os trabalhadores, os horários e o pagamento são todas comparações para entendermos a novidade do reino dos céus. Jesus quer nos dizer que os critérios do Pai, o dono da vinha, são diferentes das leis comuns e daquilo que, normalmente, esperamos. No “reino”, todos são filhos do Pai e ele gostaria muito que todos entrassem na sua vinha, nem que fosse na última hora. Na “vinha” estão a vida e a paz, o encontro entre todos os diferentes, primeiros e últimos. Pouco importa. O que vale é o estar juntos ao coração amoroso, misericordioso e compassivo do Pai. Não tem melhor recompensa e a comunhão com Deus será a única alegria igual para todos, superando todas as nossas mesquinhas divisões, separações e discriminações. Todos “filhos” amados pelo Filho e no Filho que o Pai enviou a chamar, a convocar, a servir e a dar a vida pela causa do “reino”.

Atualizando a Palavra. Por que a inveja dos primeiros operários? Por que acharam que mereciam mais? É porque cada um queria desfrutar sozinho o pagamento, o prêmio. O dono viu a divisão entre eles e não lhe restou que dizer a cada um: “Toma o que é teu e volta para casa!”. Mas não era isso o que ele queria. O Pai teria gostado muito que, ao final daquela jornada fadigosa, todos se abraçassem e pudessem celebrar juntos o fruto do seu trabalho, sem mais últimos ou primeiros. Só irmãos, na difícil missão de construir o reino dos céus, o reino do amor. Continuamos egoístas e gananciosos. Continuamos a pensar que a festa da vida será mais bonita se festejarmos sozinhos. Temos medo de ficar sem comida, s em conforto, sem privilégios. Continuamos invejosos uns dos outros. Deus nos entregou um jardim que daria para todos o necessário e algo mais. Bastaria partilhar mais as riquezas do planeta, da tecnologia e das conquistas da ciência. Usamos tudo isso para construir armas, para matar, não para festejar! A ração cotidiana não é tão fraca e o dono não é tão esquecido. Quem o galo deve acordar não é o dono, somos nós.

A esposa obediente

Certa vez, um sábio e bom mestre voltava para a sua casa, acompanhado por alguns dos seus discípulos. Eles conversavam, descontraídos, sobre os acontecimentos daqueles dias. Ao dobrar uma esquina, uma mulher saiu ao seu encontro e despejou na cabeça do mestre um balde de água suja. A agressora foi logo reconhecida como a esposa daquele que todos sabiam ser o maior inimigo do sábio, o mais rancoroso e vingativo. Os discípulos ficaram revoltados e sugeriram ao mestre punir exemplarmente a atrevida. O mestre, porém, não deixou e lhes disse: “Não castigueis essa mulher. Com certeza ela agiu assim contra mim por ordem do marido; logo, reconheçamos que ela é uma esposa obe diente. Apesar de tudo, devemos admirá-la!”.

Com o evangelho deste domingo continuamos a refletir sobre o ensinamento de Jesus a respeito do perdão. Ele responde à pergunta de Pedro: “Senhor, quantas vezes devo perdoar se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” (Mt 18,21). Antes de contar a parábola do servo cruel, Jesus responde a Pedro propondo o estranho número de “setenta vezes sete”. Para entender essa quantia, precisamos voltar atrás na Bíblia. Encontramos algo semelhante em Gênesis 4,23-24. Lamec diz aos seus familiares: “Matei um homem por uma ferida, um jovem por causa de um arranhão. Se Caim for vingado sete vezes, Lamec o será setenta e sete vezes”. A matemática b&ia cute;blica pode não bater com a nossa, mas o sentido é o mesmo, com a diferença que, no caso de Lamec, o assunto é o castigo e a vingança, ao passo que Jesus está falando de perdão. Aquela punição tão desproporcional deve ser substituída por uma misericórdia igualmente sem cálculos.

Sabemos, também, que a “justiça” que Jesus propõe no discurso do monte vai além do “olho por olho, dente por dente” (Mt 5,33-37). A “justiça” de Deus se chama misericórdia e o seu perdão é grande, sem limites. Essa é a novidade do evangelho. Não é uma justiça “sem lei”, onde tudo parece ficar impune. O pecado continua algo de errado, nunca vai se tornar um bem! É a justiça que é nova. O remédio para o erro e o pecado não será mais a punição, mas será o perdão. É um caminho longo e difícil, mas não tem outro se acreditamos na possi bilidade real da nova humanidade dos filhos do Pai Misericordioso. Esse Pai está pronto a perdoar todas as “dívidas” – os nossos pecados – também quando são de tamanho e gravidade diferente. No entanto, Ele nos pede para aprender, também, a perdoar aos nossos devedores. Só implorar o perdão dele para os nossos pecados e não saber exercer a compaixão e a misericórdia com os irmãos é oração interesseira e dureza de coração. Todos devemos perdoar, porque já fomos muito perdoados. Esse é o sentido da parábola dos dois servos endividados. Ao primeiro é perdoada uma dívida inimaginável e, portanto, impagável: algo como trezentas toneladas de ouro ou de prata. Um absurdo! A dívida do companheiro era somente de alguns meses de trabalho, valendo a diária de uma moeda de prata. A irrita&cc edil;ão do rei é compreensível, porque o primeiro empregado não soube, por sua vez, perdoar a dívida bem pequena do colega. Infelizmente, não aprendeu nada com a bondade desfrutada.

Acredito que, a cada dia, descobrimos como a justiça humana é difícil de ser praticada e administrada. É costume dizer que a “justiça de Deus tarda, mas não falha”, mas o que pensar da justiça humana que, além de demorar, ainda nos parece tão falha, cheia de meandros, entraves e justificativas? Como cristãos, porém, não podemos desistir. Buscaremos leis mais justas e equânimes, procuraremos educar a consciência dos cidadãos ao respeito dessas leis, contribuiremos para a recuperação dos encarcerados, através de um sistema penitenciário capaz de redimi-los e reintegrá-los nas suas famílias e na sociedad e. No entanto nunca deixaremos de acreditar na possibilidade do ser humano de retomar o bom caminho. O perdão sempre será o início de uma nova etapa de vida, fruto do infinito amor de Deus e do nosso, ainda tão limitado e vagaroso. Em todos devemos reconhecer algo de bom, também se obedeceram a algo de errado? Quem sabe?

Jogando xadrez

O velho padre da paróquia tentou ajudar um pecador a emendar-se. Convidou-o para uma partida de xadrez, um jogo do qual sabia que ambos gostavam. Durante a partida fez um movimento errado. O homem ia aproveitar-se do engano, mas o padre pediu para desculpá-lo, dizendo que prestaria mais atenção na próxima vez. Pouco depois, porém, errou de novo. Desta vez o adversário se negou a relevar a falha. Disse-lhe então o padre, com a maior simplicidade: – Amigo, ficas tão irritado com o teu parceiro que cometeu dois erros numa partida de xadrez. No entanto, não faz nada para mudar a tua conduta e merecer que Deus perdoe os teus grandes pecados -. O homem entendeu, ficou cheio de remorso e prometeu corrigir-se.

O assunto dos evangelhos deste e do próximo domingo será o perdão dos pecados. Jesus inicia ensinando aquela que nós chamamos de “correção fraterna”. Em geral, quando entendemos que alguém quis, deliberadamente, nos ofender, agredir ou prejudicar, a nossa resposta instintiva é nos defender e revidar. Exigimos respeito para nós e os nossos direitos. Já sabemos, porém, que com a nossa resposta, mais ou menos agressiva, poderemos dar início a uma grave espiral de violência ou, no melhor dos casos, a uma troca de acusações e calúnias recíprocas.

Qualquer briga se espalha facilmente nas redes sociais. É difícil controlar a impaciência, manter a voz baixa e não nos deixar tomar pela cólera. Quando os ânimos são exaltados, parece cada vez mais impensável sair da disputa. Muitas grandes confusões começaram por pequenas e irrelevantes ofensas. “Amigos” e familiares entraram no confronto e tudo virou uma questão de honra a ser lavada, às vezes, com o sangue dos contendentes. Quem apoia é amigo, quem não concorda, ou tenta apaziguar os ânimos, é taxado de inimigo. O mundo fica só preto ou branco. Desaparecem as cores das outras opções possíveis e mais sensatas.

Conhecedor do coração humano, Jesus nos diz logo de procurar o irmão que pecou contra nós. “A sós”, em particular; para esclarecer a situação e chegar a um acordo. Se isso acontecer, tudo irá acabar em paz, com um abraço fraterno, na amizade e na gratidão pelo perdão e a reconciliação. Pode ser, porém, que seja necessária alguma testemunha; não para humilhar quem errou e que não consegue reconhecer a sua culpa, mas para aconselhar, esclarecer os maus entendidos, ajuda-lo a assumir o compromisso de mudar. Se tiver boa vontade e valor a palavra dada, ainda daria tempo para uma solução pacífica. No entanto a questão pode ir mais longe A terceira tentativa de paz &eac ute; aquela de denunciar o culpado à Igreja-comunidade para que todos roguem a Deus por ele.

Se ainda o irmão não reconhecer a sua culpa e insistir no erro, o último passo será, infelizmente, o afastamento dele da própria comunidade. Um “desligamento” forçado, na espera que a pessoa chegue a pedir de ser “ligada” de novo na terra, para ser acolhida em paz também com o perdão do Pai do céu. A porta do perdão e da misericórdia deverá ficar sempre aberta. A comunidade rezará pelo irmão afastado, pedindo a Deus que ele sinta saudade dos demais, entenda o mal causado pela sua conduta e volte à casa paterna.

Para que tudo isso aconteça são necessárias duas condições. A primeira é aquela que existam comunidades que prezem pelos seus membros, que não queiram perder ninguém e que saibam acolher de volta quem se afastou. A segunda é que tenhamos a clara percepção da gravidade do pecado como algo que fere e machuca não somente uma ou outra pessoa, mas toda a Igreja-comunidade. Esta é o “Corpo de Cristo” visível na história, onde podemos reconhecer e encontrar Jesus vivo. Qualquer conflito e divisão desfigura o seu rosto.

Quem se preocupa com isso? A nossa consciência de fraternidade e de pertença à comunidade é fraca. Qualquer pequeno atrito é motivo para o afastamento. Se ninguém vai procurar a pessoa para pedir-lhe desculpa ou saber o que aconteceu, a separação está feita. Sem volta e sem remorsos. Fé jogada fora. Talvez bastaria uma partida de xadrez para reconhecer que todos podemos errar, na Igreja também.

O corte perfeito

Certo homem foi nomeado mandarim na China, uma espécie de conselheiro. Envaidecido, pensou em mandar confeccionar roupas novas. Para isso, um amigo lhe recomendou um alfaiate que sabia dar o corte perfeito à roupa de cada cliente. Depois de tomar nota de todas as medidas necessárias para o serviço, o homem perguntou:

– Há quanto tempo o senhor é mandarim?

– Ora, o que tem a ver isso com a medida da minha roupa? – respondeu o mandarim.

– A informação é importante – continuou o alfaiate – porque quando o mandarim é um recém-nomeado, ele fica tão deslumbrado com o cargo que anda com o nariz empinado. Nesse caso, eu preciso fazer a parte de frente maior do que a de trás. Depois de alguns anos, ele ocupa-se cada vez mais com seu trabalho. Torna-se sensato e olha para frente para ver o que vem na sua direção. Para esse eu costuro um manto de maneira que fiquem iguais a parte de frente e a de trás. Mais tarde, o corpo dele fica encurvado pela idade e pelos trabalhos cansativos. Sem falar da humildade que adquiriu ao longo da vida. Esse é o momento de fazer a parte de trás mais longa.

O mandarim saiu da loja pensando muito nas palavras daquele sábio alfaiate.

No evangelho de domingo passado, Jesus declarava Simão Pedro “feliz”, porque o Pai o tinha ajudado na resposta à pergunta sobre a sua identidade. Em seguida, no evangelho deste domingo, Jesus diz ao mesmo apóstolo para ficar longe dele e o chama de “satanás”. O que foi que aconteceu para ele usar palavras tão pesadas? Foi só Jesus falar de sofrimento e de morte que todas as ideias, que circulavam anteriormente entre os discípulos, de um “messias” poderoso e triunfador, desmoronaram. Ainda pensavam que o “reino” do “messias” vindouro era mais ou menos semelhante aos reinos deste mundo. Com isso, Mateus quer nos dizer que não bastou proclamar Jesus Senhor, Cristo, Salvador e tudo o mais. O que importava mai s era entender como ele realizaria aquela “salvação”.

O evangelista – que escreveu anos depois dos acontecimentos – não esconde a dificuldade dos discípulos de todos os tempos de entender as provações que estavam aguardando Jesus no seu caminho rumo a Jerusalém. Tudo, palavras, gestos e sinais davam a entender que ele era o grande esperado. Então, por que demorava tanto a instaurar o novo “reino”? Por que os anciãos, os sumos sacerdotes e os mestres da Lei o matariam em lugar de aclamá-lo rei? Justamente agora, que começavam a sonhar com poder e grandeza, Jesus foi falar de sofrimento, morte e de uma ressurreição tão inacreditável e incerta. O que tinha de errado em desejar uma vida mais cômoda e confortável? Será que tinham deixado t udo em troca de nada? Esta era e sempre será a maior e mais difícil questão que, pessoalmente e como Igreja também, qualquer um que queira ser discípulo de Jesus deve resolver.

O “tesouro” da parábola ou “a vida” da qual fala o evangelho deste domingo, não são coisas materiais e vantajosas do ponto de vista “mundano”. Jesus aponta para outras riquezas e outras alegrias. Segundo ele, esses “outros” bens valem mais do que a própria vida temporal. Essa, iremos perder com a nossa morte. Mas o “sopro” de vida divina, que está em nós, continuará junto de Deus Pai, aquele que é a Vida, mas também é o Amor, a Paz, o Bem único e mais precioso que a posse do mundo inteiro.

Quem aprendeu a não desejar alegria somente para si, mas a doar amor e vida mais digna aos irmãos desprezados, pobres, sofredores e esquecidos, experimentará, já neste mundo, um pouco da própria “vida” de Deus. Todos, sempre, teremos a tentação de estar do lado de Jesus para ter alguma vantagem imediata. Numa sociedade que exalta os ricos e os poderosos, quem se dispõe a seguir um “mestre” pobre que morreu crucificado? Ele foi um perdedor ou o único que pode nos salvar das loucuras do poder e da ganância humana, sempre causa de injustiça, exploração, escravidão, corrupção e morte? Nem para Pedro foi fácil aprender a lição. Acreditar que a vitória d o amor de Deus passa pela derrota da cruz sempre será um dom que devemos pedir ao próprio Jesus.

A mercadoria mais preciosa

Certa vez, um homem sábio viajava num navio com vários comerciantes. Um deles, bisbilhoteiro, perguntou-lhe:
– São muitas as mercadorias que o senhor leva?

– São muitas, sim, preciosas, e… não tenho nenhum medo do mar! – respondeu imediatamente o sábio.
Na realidade, ele não tinha nenhuma caixa no porão do navio e o indiscreto mercador sabia disso. Achou aquele sábio ingênuo e riu dele, espalhando a conversa com os demais passageiros. Aconteceu, porém, que o navio naufragou. Todos eles, a muito custo, salvaram suas próprias vidas. Todas as mercadorias se perderam. Foram para o fundo do mar. Os sobreviventes, arruinados, foram pedir esmola pelas ruas da cidade portuária. Cada um contava a sua história. Assim, alguém convidou o sábio a prof erir uma palestra sobre um assunto muito discutido, naquele momento, na cidade e ele mostrou tanto conhecimento da questão e de tantas outras ciências, que logo lhe ofereceram a vaga de diretor da escola principal com direito a um excelente salário. Os comerciantes, na miséria, foram implorar a ajuda dele para a viagem de volta e ele, prontamente, os socorreu. No fim, o comentário deles foi unânime: “De verdade este homem carregava uma mercadoria muito mais preciosa do que a nossa. Ele a levava consigo e nada perdeu da sua sabedoria!”.

No domingo no qual escutamos, novamente, o evangelho da chamada “confissão” de Pedro, lembramos também o serviço dos e das catequistas nas nossas paróquias e comunidades. Jesus diz a Pedro que aquela clara profissão de fé não lhe veio da sua inteligência. Foi Deus Pai que o ajudou a reconhecer naquela pessoa tão humana quanto ele, o Messias, o Filho de Deus vivo. Quando falamos das coisas da fé, usamos também da nossa inteligência, porque precisamos de palavras con hecidas por nós que nos permitam formular o nosso pensamento. No entanto, o assunto do qual falamos vai além de todas as nossas palavras e definições. Nós cristãos não acreditamos simplesmente em declarações sobre Deus, por mais bonitas e bem elaboradas que sejam. Essas servem para tentar dizer algo que, porém, sempre ficará muito além do nosso palavreado e até da mais fina teologia. Se o nosso Deus fosse somente um conceito filosófico, caberiam n’Ele as nossas palavras. Seríamos nós a ajustar o seu tamanho e a dizer como Ele é ou pensamos que seja. O Deus da Revelação, o Deus Libertador da Antiga Aliança, o Deus Pai de Jesus Cristo não é um conceito, é um Ser vivo, amoroso e misericordioso. Podemos encontrá-lo e conhecê-lo porque Ele mesmo se deu a conhecer. Contudo Ele sempre estará al&eac ute;m das nossas limitações humanas. A fé nunca será o óbvio resultado da explicação de uma bela doutrina. A fé é um longo percurso de descoberta, de experiência, de oração e, sobretudo, de pedido ao Pai para que Ele mesmo se doe a nós, abra sempre e de novo o nosso coração e a nossa inteligência à confiança, ao desejo de mergulhar no seu amor infinito.

A missão insubstituível dos e das catequistas, é a missão da própria Igreja-Comunidade: ensinar os caminhos da fé, mas, sobretudo, viver e testemunhar essa fé na comunhão, na memória viva das maravilhas do Senhor, no compromisso generoso na construção do Reino. A fé é um “dom” que precisamos desejar e pedir. A Catequese prepara a criança, o jovem e o adulto ao grande encontro pessoal com o Senhor, a fazer a própria profissão de f&eacut e;. O “Nós cremos” contribui, mas não substitui o “Eu creio”. Também não é simplesmente o conjunto de todas as profissões de fé pessoais. O “Nós cremos” é o resultado da alegria de nos encontrarmos todos no Nome do Único Senhor Jesus, constituindo, como a primeira comunidade ideal “um só coração e uma só alma” (At 4,32). O dom da fé não deveria ser uma mercadoria que podemos perder ou deixar para trás em alguma etapa da vida. Deveria ser um verdadeiro e grande bem que levamos sempre conosco. O único bem que não se perde nas tempestades da vida e que, olha lá, podemos levar conosco até ao encontro com o Senhor.

A glória de Maria

Tomo emprestada a história milagrosa do escravo Zacarias, que encontrei numa cartilha de Novena do Tricentenário de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil. “O escravo Zacarias estava sendo reconduzido à fazenda de onde fugira, em Curitiba, Paraná. Preso por grossas correntes, ao passar perto do Santuário, Zacarias pediu ao seu feitor que o deixasse rezar na porta da Capela da Santa Aparecida. Recebendo a autorização, o escravo ajoelhou-se e rezou uma prece sentida. O que teria pedido? De seus pedidos não sabemos, mas sabemos a resposta que a Virgem Negra lhe deu: as correntes milagrosamente se soltaram, deixando-o livre e feliz.”

Neste domingo de agosto, celebramos a solenidade da Assunção de Maria ao céu. O “dogma” da Assunção foi definido no ano de 1950, durante o pontificado de Pio XII. Somos convidados, pela Igreja, a acreditar que Maria, pela singular e única condição de ter sido a mãe de Jesus, participe antecipadamente da glória e da alegria da ressurreição. Essa participação foi, também, prometida para todos aqueles que acreditarem no Senhor, mas somente no “último dia” (Jo 6,54). Um privilégio , então, de Maria. Sem dúvida, mas somente na antecipação de algo que todo crente aguarda com esperança e fé. Neste Ano Mariano Nacional, queremos mais ainda aclamar a glória de Maria. São cerca de 13 milhões os peregrinos que, a cada ano, visitam o Santuário Nacional de Aparecida. Não é só aquela “imagem” pequena e escura que atrai tantas pessoas: é a fé, a confiança, a simplicidade de poder chamar Maria de “mãe”, depois daquelas palavras de Jesus na cruz: “Mulher, eis o teu filho” (Jo 19,26).

Ser mãe significa gerar e defender a vida. É um compromisso, mas, sobretudo, uma missão. Cada dia mais, entendemos que não basta colocar um ser humano no mundo. A gestação é somente a primeira parte de um longo processo de aprendizagem. Todos fomos conduzidos pela mão de alguém na descoberta das coisas, das pessoas, da comunicação. Aprendemos a conviver, a respeitar, a dizer a verdade olhando nos olhos das nossas mães. Fomos carregados, quando ainda não sabíamos caminhar; fomos consolados, quando as lágrimas das quedas, da s derrotas e das decepções escorriam pelo nosso rosto. Ouvimos palavras de encorajamento, quando começaram os primeiros embates da vida e tivemos que aprender a nos virar sozinhos. Aprendemos mesmo ou, crescidos, fizemos questão de esquecer os conselhos de quem nos conhecia desde pequenos? A resposta é pessoal.

O mês de agosto é, também, o mês vocacional. Talvez ser “mãe” seja uma vocação que precisa relançar. Entre abortos e barrigas de aluguel, não podemos ficar na dúvida. Porque todos, homens e mulheres, somos chamados a cuidar da vida de tudo e de todos. Tem mães e pais biológicos, mas também de criação, mães e pais espirituais, educadores, bons exemplos de vida! O sonho de todo adulto deveria ser ver algo de melhor nas novas gerações. Não pela tecnologia ou a conta no banco mais gorda, m as pela riqueza de humanidade, pela maior capacidade de diálogo e de convivência social. Talvez o maior sofrimento para um pai e uma mãe seja aquele de ver que os seus filhos, crescidos, se tornaram mais desumanos, egoístas, violentos, agressivos, desonestos, arrogantes e interesseiros. Se parecem, ainda, com crianças briguentas em eterna competição. Onde os pais e as mães erraram? Quantos deles hoje experimentam esta angústia? A questão é que um ser humano não se improvisa, é o resultado de muitos fatores, informações, ambientes, pressões ou descuidos. Somos filhos, também, da época em que vivemos. Nem tudo depende dos pais. Mas criação e educação à vida e à fé ainda são uma vocação e uma missão grandes e abençoadas por Deus. Tem “índices” para tudo. Está faltando o do “amor” fraterno, paterno e materno. O PIB pode esperar para crescer, o “amor” não mais.

Maria foi virgem e mãe. Gerou vida e foi toda de Deus. Nada é impossível ao amor. Ainda hoje ela ajuda a quebrar correntes, liberta, promove a vida plena, verdadeira. Como uma boa mãe incansável sempre nos repete: “Fazei o que ele – Jesus – vos disser!”

Os vasos mais fortes

Um rico senhor foi à oficina de um oleiro famoso para comprar alguns vasos bonitos para a sua mansão. O artesão convidou o homem a admirar os seus produtos expostos no armazém. O oleiro conhecia bem as suas obras e batia levemente nos vasos, mas não experimentava todos. Alguns vasos ele já descartava e deixava de lado. O comprador ficou curioso com essa atitude e perguntou por que não batia em todos os vasos.

– Nesses ali é inútil bater – respondeu o artesão – são vasos trincados. A qualquer pancada, cairiam em pedaços. Eu só experimento os bons, os fortes. Eles, sim, são preciosos e podem ter grande utilidade. Assim é Deus, ensinavam os antigos. Ele não experimenta os maus, deixa-os; toca no justo para que possa resistir e salvar-se.

“Depois da multiplicação dos pães”, com essas palavras inicia-se o evangelho deste domingo. Jesus satisfez à fome do povo. Agora quer ficar a sós com o Pai, em oração. Cada vez mais, a sua missão se torna exigente. O evangelista Mateus nos prepara para a grande revelação de quem é Jesus de verdade e o seu caminho rumo à cruz. Assim, após subir na barca e o vento se acalmar, os discípulos antecipam a profissão de fé de Pedro que encontraremos nos próximos domingos: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!”.

Jesus manda os discípulos ir à sua frente na barca, sozinhos. Os abandonou? Não, ele vem atrás caminhando sobre as águas, no meio das ondas e do vento. Eles devem aprender a tomar conta da travessia, a acertar o caminho. Jesus nunca vai abandonar os seus amigos. Esta será a sua promessa ao final do evangelho de Mateus. No entanto, desde já, eles devem confiar, superar o medo, nunca mais duvidar da presença amorosa daquele que, pela sua vida doada, vencerá a morte.

A missão que Jesus entregará aos seus amigos é a mesma missão sua. O combate, do bem contra o mal, será o mesmo até o fim dos tempos. Cruzes, perseguições e tempestades sempre acompanharão a pequena comunidade de Jesus. Ele não é um “fantasma”, uma lembrança do passado, uma ilusão. Ele continua a repetir: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!”. Pedro ainda terá que sofrer muito; passará pela vergonha da traição, para aprender a segurar a mão do Crucificado. No fim, porém, a sua fé “fraca”, fortalecida pelo amor ao Mestre, o tornará pastor do rebanho do Senhor.

Esta página do evangelho pode parecer “simbólica” e, em parte, sem dúvida, o é. Contudo, a dinâmica do relacionamento entre os discípulos e Jesus, o desafio de vencer o medo pela coragem e o risco da fé são de uma extrema atualidade. A cada provação, a cada “crise” e cansaço da caminhada da Igreja e da nossa fé pessoal, somos tentados a desanimar, a gritar pelo desespero. Para os cristãos, a serenidade, a esperança viva e a firmeza no testemunho da própria fé, não virão através de novos métodos, meios poderosos de evangelização, novas revelações ou milagres assustadores. Será sempre a perseverança nas provações, nas críticas, misturadas com a indiferença e o desprezo, a confirmar o valor e o sentido da fé verdadeira. Com efeito, todo sofrimento por causa do nome do Senhor Jesus é, sim, uma dificuldade, algo que não devemos pedir ou desejar, mas, se vier a acontecer, não será para castigar ou punir os seus amigos. A “tempestade” será somente para ajudá-los a segurar mais firmemente a mão dele sempre estendida.

A nossa experiência pessoal também nos ajuda a entender. Se queremos ser cristãos sinceros e honestos, qualquer crítica ou acusação nos obriga a fazer um sério exame de consciência e a reconhecer o quanto podíamos ter feito diferente ou melhor. Se depois admitimos que erramos, melhor ainda: vamos mudar. Quem disse que aqueles que apontam os nossos defeitos são forçosamente inimigos? Talvez o sejam, mas podem nos ajudar a sermos melhores. Enfim, somos uma Igreja toda e sempre pecadora, porque feita de pecadores, mas cada vez também mais pura e mais santa, quando os cristãos pecadores se convertem. Com Jesus, buscamos ser “vasos” bons e fortes, para não rachar com a primeira pancada.

Joias para se distinguir

Lemos, mais uma vez, no Talmude, o livro que comenta e exemplifica a Lei Judaica, que um jovem príncipe, desejando partir e viajar pelo mundo, pediu ao pai que lhe fornecesse dinheiro, vestimentas adequadas e joias preciosas. Dessa maneira, ele se distinguiria dos demais. Respondeu-lhe o pai: “Veste o meu manto de púrpura; coloca no dedo o anel de rubis e a minha coroa de ouro na cabeça. Todos te reconhecerão como meu filho”. Diferente foi o que Deus disse a Israel: “Acolhe a Lei; pratica os meus mandamentos e serás reconhecido como o povo de Deus!”.

O primeiro domingo de agosto deste ano cai no dia 6. Nesse caso, a festa da Transfiguração do Senhor prevalece sobre a liturgia do 18º Domingo do Tempo Comum. Por estarmos no ano litúrgico do Evangelho de Mateus, já encontramos o mesmo trecho no segundo Domingo de Quaresma. Temos a possibilidade de refletir novamente sobre esse texto, mas de maneira diferente. Salientamos, por exemplo, o momento da Transfiguração em si e as palavras do Pai: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o !”.

Nos dias de hoje, nós confiamos muito naquilo que podemos ver, ouvir e tocar. Chegamos a pensar que o que não vemos talvez nem exista. O que não é propagandeado, ou ao menos comunicado, fica desconhecido aos demais. É como se não existisse para uma grande maioria das pessoas. Contudo basta um pouco de reflexão para perceber que muitas coisas “reais” não são absolutamente visíveis e não são passíveis de algum tipo de medição. Elas pertencem a outro tipo d e conhecimento. É muita presunção por parte das pessoas decidir que aquilo que não cai de baixo dos seus sentidos, afinal, não exista. De muitas coisas, por exemplo, podemos perceber, digamos, os rastos, mas nunca vamos vê-las inteiramente. Pensamos nos nossos sentimentos. Os percebemos pelas atitudes exteriores, sempre admitindo que, nós e os outros, não estejamos fingindo. O interior do ser humano é mais escondido e complexo que o mundo material que percebemos e experimentamos através dos nossos sentidos.

A Transfiguração é uma apresentação dos evangelistas para nos ajudar a entender um pouco mais o “mistério” da pessoa de Jesus e de todo ser humano. Na sua existência corporal, o homem Jesus foi a mais perfeita imagem de Deus que podia existir neste mundo. “Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação” diz São Paulo em Cl 1,15. E o próprio Jesus responde a Filipe, que tinha pedido de lhes mostrar o Pai: “Quem me viu, tem vist o o Pai” (Jo 14,9). Não só. Em cada ser humano também tem algo de divino. É esta “divindade” que precisamos reconhecer e resgatar em cada pessoa, por mais escondida e desfigurada que ela seja. A afirmação que o ser humano foi criado a “imagem e semelhança de Deus” se refere muito mais ao interior da pessoa e à sua capacidade de amar do que a beleza física ou aos dotes intelectuais e a complexidade extraordinária do corpo humano. A indescritível luminosidade de Jesus, expressa através da candura de suas vestes, revela a sua perfeita comunhão divina. Deus Pai colocou nele todo o seu agrado! Se escutamos e praticamos o que ele ensinou, nós também podemos nos tornar resplandecentes na escuridão da história humana. Tudo o que reflete a bondade, a misericórdia, o amor de Deus torna a vida mais bela, alegre, feliz, luminosa.

Para o cristão que acredita, Jesus é a Palavra de Deus feita carne. Ele falou com suas palavras e sua vida, doada a todo instante, até a cruz. Este foi o seu trono e a sua coroa foi de espinhos. Um condenado que ainda ilumina o mundo. A luz do amor sem limites de Deus, que dele promana, não diminui e nem se apaga. Nós, que queremos ser seus amigos, não seremos reconhecidos por joias, enfeites, coroas de ouro e nem por uniformes, cor de pele, raça ou qualquer outra das infinitas diferenças do gênero humano. N os distinguiremos somente por viver o mandamento do amor. Também se muitos não o reconhecerão e nem o saberão. Mas Deus Pai conhece bem os seus filhos.

O diamante do mendigo

Certa vez, um mendigo chegou a uma pequena cidade. Estava com fome e não sabia como e onde passaria a noite. Mostrando segurança, bateu na porta da casa do usurário mais famoso da região.
– Não venho pedir esmola – falou decidido – o meu assunto é negócio, um grande negócio.

Apesar da roupa toda esfarrapada do pobre, o usurário, sempre interesseiro, o convidou a entrar. O mendigo fechou, cautelosamente, a porta atrás de si e, com ar misterioso, disse em voz baixa ao ouvido do rico:

– Quanto daríeis por um diamante límpido e perfeito, do tamanho de uma noz?

A cobiça flamejou no coração do avarento. Estava muito interessado na compra da pedra, mas, como sempre, buscava disfarçar as suas intenções para pechinchar sobre o preço. Por isso mudou de assunto:

– Vejo que estás cansado – falou ao mendigo – fique hospedado na minha casa; amanhã poderemos conversar melhor

O pobre aproveitou da acolhida e foi dormir, de barriga bem cheia, numa cama macia. No dia seguinte, o usurário, morrendo de curiosidade, quis ver a pedra. Mas o mendigo encolheu os ombros e, com a maior cara de pau, falou:

– Acaso eu vos disse que tinha a pedra? Só perguntei quanto me pagaríeis por um diamante límpido e perfeito do tamanho de uma noz. Quero estar bem informado porque, se por acaso encontrar uma gema com tais qualidades, seria feliz em vendê-la a um preço justo.

Com o evangelho deste domingo, chegamos ao final do capítulo 13 de Mateus. Entre as últimas parábolas, duas chamam a nossa atenção pela semelhança, mas, sobretudo, pela novidade da mensagem. Jesus quer nos ensinar que o reino dos céus é algo muito precioso. É comparado com um tesouro e uma pérola tão valiosa, que quem os encontra vende tudo para poder comprar o terreno onde está escondido o tesouro ou a própria pérola. Surgem, assim, as primeiras questões para a nossa vida de cristãos: conhecemos e damos à nossa fé o valor que, realmente, ela merece? O que estamos dispostos a deixar para mergulh ar mais nos mistérios do reino que, afinal, é o próprio Deus que se oferece? As respostas estão interligadas.

Se a misericórdia do Pai nos interessa pouco é evidente que gastaremos pouco tempo e pouca vontade para ter mais intimidade com Ele. Vice-versa, quanto mais descobrimos a grandeza do seu amor e a alegria que nos dá conhecê-lo, mais muitas outras coisas ficarão para trás. Sem querer julgar as pessoas, cristãs ou não, é visível que todos nós temos os nossos critérios para avaliar as coisas de Deus. Alguns nem chegam a conhecê-las. Outros as conhecem, mas de tal forma que decidem descartá-las. Outros, enfim, gastam toda a sua vida para servir ao reino dos céus ou, ao menos, o têm em grande apreço: interessam -se, preocupam-se, nunca param de buscá-lo. Mais uma vez podemos dizer que tudo é dom de Deus. É ele, sem dúvida, que nos faz encontrar o tesouro e a pérola preciosa. Mas, sobretudo, é ele que nos convence do seu valor. Não basta encontrar o tesouro ou a pérola, precisa reconhecer o seu grande valor.

Muitos cristãos perambulam pelas igrejas, participam das missas. Muitos receberam os sacramentos da Iniciação Cristã, mas não descobriram o que significam para as suas vidas. Não mostram nenhuma alegria, nenhum entusiasmo, nenhuma gratidão a respeito da própria fé. A Palavra de Deus fala bem pouco aos seus corações. A caridade é mais esmola do que fraternidade, mais descarrego de consciência que partilha e solidariedade. Precisamos aprender a pedir ao Pai bondoso que nos dê mais discernimento sobre o seu reino. De outra forma, podemos jogar fora o ouro e ficar com a bijuteria. Podemos gastar toda a nossa a vida atrás de bens passageiros e perder os bens eternos. Talvez aprendamos algo com o mendigo experto. Só que nós já temos o diamante perfeito e não devemos perguntar o valor dele aos gananciosos deste mundo – que nem o conhecem – mas ao próprio Deus. Ele nos acolherá, abrirá os nossos olhos e nos fará felizes, como somente ele pode nos fazer.

O diamante do mendigo

Certa vez, um mendigo chegou a uma pequena cidade. Estava com fome e não sabia como e onde passaria a noite. Mostrando segurança, bateu na porta da casa do usurário mais famoso da região.
– Não venho pedir esmola – falou decidido – o meu assunto é negócio, um grande negócio.

Apesar da roupa toda esfarrapada do pobre, o usurário, sempre interesseiro, o convidou a entrar. O mendigo fechou, cautelosamente, a porta atrás de si e, com ar misterioso, disse em voz baixa ao ouvido do rico:

– Quanto daríeis por um diamante límpido e perfeito, do tamanho de uma noz?

A cobiça flamejou no coração do avarento. Estava muito interessado na compra da pedra, mas, como sempre, buscava disfarçar as suas intenções para pechinchar sobre o preço. Por isso mudou de assunto:

– Vejo que estás cansado – falou ao mendigo – fique hospedado na minha casa; amanhã poderemos conversar melhor

O pobre aproveitou da acolhida e foi dormir, de barriga bem cheia, numa cama macia. No dia seguinte, o usurário, morrendo de curiosidade, quis ver a pedra. Mas o mendigo encolheu os ombros e, com a maior cara de pau, falou:

– Acaso eu vos disse que tinha a pedra? Só perguntei quanto me pagaríeis por um diamante límpido e perfeito do tamanho de uma noz. Quero estar bem informado porque, se por acaso encontrar uma gema com tais qualidades, seria feliz em vendê-la a um preço justo.

Com o evangelho deste domingo, chegamos ao final do capítulo 13 de Mateus. Entre as últimas parábolas, duas chamam a nossa atenção pela semelhança, mas, sobretudo, pela novidade da mensagem. Jesus quer nos ensinar que o reino dos céus é algo muito precioso. É comparado com um tesouro e uma pérola tão valiosa, que quem os encontra vende tudo para poder comprar o terreno onde está escondido o tesouro ou a própria pérola. Surgem, assim, as primeiras questões para a nossa vida de cristãos: conhecemos e damos à nossa fé o valor que, realmente, ela merece? O que estamos dispostos a deixar para mergulh ar mais nos mistérios do reino que, afinal, é o próprio Deus que se oferece? As respostas estão interligadas.

Se a misericórdia do Pai nos interessa pouco é evidente que gastaremos pouco tempo e pouca vontade para ter mais intimidade com Ele. Vice-versa, quanto mais descobrimos a grandeza do seu amor e a alegria que nos dá conhecê-lo, mais muitas outras coisas ficarão para trás. Sem querer julgar as pessoas, cristãs ou não, é visível que todos nós temos os nossos critérios para avaliar as coisas de Deus. Alguns nem chegam a conhecê-las. Outros as conhecem, mas de tal forma que decidem descartá-las. Outros, enfim, gastam toda a sua vida para servir ao reino dos céus ou, ao menos, o têm em grande apreço: interessam -se, preocupam-se, nunca param de buscá-lo. Mais uma vez podemos dizer que tudo é dom de Deus. É ele, sem dúvida, que nos faz encontrar o tesouro e a pérola preciosa. Mas, sobretudo, é ele que nos convence do seu valor. Não basta encontrar o tesouro ou a pérola, precisa reconhecer o seu grande valor.

Muitos cristãos perambulam pelas igrejas, participam das missas. Muitos receberam os sacramentos da Iniciação Cristã, mas não descobriram o que significam para as suas vidas. Não mostram nenhuma alegria, nenhum entusiasmo, nenhuma gratidão a respeito da própria fé. A Palavra de Deus fala bem pouco aos seus corações. A caridade é mais esmola do que fraternidade, mais descarrego de consciência que partilha e solidariedade. Precisamos aprender a pedir ao Pai bondoso que nos dê mais discernimento sobre o seu reino. De outra forma, podemos jogar fora o ouro e ficar com a bijuteria. Podemos gastar toda a nossa a vida atrás de bens passageiros e perder os bens eternos. Talvez aprendamos algo com o mendigo experto. Só que nós já temos o diamante perfeito e não devemos perguntar o valor dele aos gananciosos deste mundo – que nem o conhecem – mas ao próprio Deus. Ele nos acolherá, abrirá os nossos olhos e nos fará felizes, como somente ele pode nos fazer.