José Sarney

A Briga das Canetas

O poder e a caneta têm uma relação íntima, às vezes libertina. Mas ultimamente ela tem sido explícita.

A primeira vez que ouvi uma definição precisa sobre essa relação foi, nos longínquos anos de 1968, de Plácido Castelo, ele governador do Ceará, eu do Maranhão. Disse-me, mostrando uma caneta: “Sarney, nós, governadores, com esta bichinha poderosa, podemos fazer a felicidade e a infelicidade, nomear, demitir e ameaçar. Mas ela tem um defeito. Quanto acaba a tinta, não serve para mais nada.” A tinta acabava com a eleição do sucessor.

A caneta e a tinta fizeram estórias da História. Prudente de Moraes foi eleito contra a vontade de Floriano Peixoto. O marechal resolveu não lhe passar a faixa. Prudente tomou posse no Congresso e foi para o Itamaraty, sede do Executivo. Estava inteiramente vazio. O Presidente mandou comprar papel, caneta e tinta para nomear o Ministro da Justiça, Antônio Gonçalves Ferreira, e fazer os atos iniciais. Eu fui mais feliz, porque o Figueiredo apenas não quis me passar a faixa.

O nosso presidente atual, que tem sangue quente, quando demitiu o Ministro Mandetta, advertiu: “Deu algo nos integrantes do governo, mas a sua hora vai chegar.” E chegou na cabeça do Moro. Quando quiseram fazer uma intriga entre o parlamento e o Chefe do Executivo, este avaliou o poder da caneta e disse ao Presidente Maia: “Com a minha caneta eu tenho mais poder que você.”

Mas o Supremo entrou no jogo das canetas e disse que tinha onze canetas em vez de uma — haja canetada.

Certa vez o Senado ouvia o Ministro da Fazenda do Governo Fernando Henrique e o Senador Mercadante foi interpelá-lo. Antes disse ao Ministro: “Tome nota da minha pergunta com sua caneta Mont Blanc.” Malan respondeu: “Senador, vou anotar com a minha caneta Bic.” — e mostrou sua esferográfica popular. Foi uma risada geral.

É que as canetas também têm status. No meu tempo era a Parker, com um tinteiro de borracha embutido, colocada no bolso externo do paletó, para mostrar que se era uma pessoa de poder.

Agora é a popular caneta esferográfica azul, que abalou a internet nestes meses foi na música Caneta Azul, que tornou célebre Manuel Gomes, meu conterrâneo de Balsas.

Assim, temos um tempo de brigas de caneta. Mas a caneta do Brasil foi outorgada pela Constituição para expressar o governo democrático, tão bem definido por Lincoln “como do povo, pelo povo, para o povo”, o poder civil, síntese de todos os poderes, como bem define a doutrina da Escola Superior de Guerra.

A Presidência tem que ser exercida com grandeza, humildade, prudência e inabalável sentimento moral. Bic ou Mont Blanc, Parker ou qualquer outra, a única marca que engrandece, por assegurar direitos humanos, bem-estar social, harmonia e independência entre os poderes é a marca Democrática.

Primeira Idade

Norberto Bobbio, o grande cientista político italiano, já perto de completar cem anos, perguntado sobre a velhice, respondeu: “A velhice é muito boa, só tem um defeito, dura pouco.”

Agora, muita gente me tem feito a mesma pergunta. Eu digo que não sei, porque não sou velho; sou às vezes um adolescente, outras vezes um adulto curioso. Continuo estudando muito, lendo e trabalhando.

Magalhães Pinto me dizia que “velho é quem tem um ano mais do que eu”. Quase o que repetia o meu avô Assuéro, pai de minha mãe Kyola: quando o chamavam de velho ele prontamente respondia que “velhas são as estradas”.

Já o grande Picasso, ao chegar aos noventa anos, foi rápido no gatilho: “Estou com saudade dos meus oitenta anos.”
Eu tenho uma ojeriza a certos termos que passaram a usar para a velhice: terceira idade, melhor idade e outras mais. Eu tenho horror a essas expressões. Melhor chamar velho, ancião, velhote. Quando eu era menino me chamavam de Zequinha, agora só algumas primas da minha idade ainda me chamam assim. Tenho um primo, filho da minha tia Martinhana, Isaac Lobato, que mora em Santa Catarina, para onde foi logo depois de formado em medicina e onde fez grande nome, hoje um dos mais respeitados médicos daquele estado. É um pouco mais velho do que eu — uns três anos. Sempre falamos ao telefone. Ele vai logo dizendo “Como vai, Zequinha?”, e eu respondo “Vou bem, Isaquinho”, como o tratava em nossa juventude. Não é nada artificial, é apenas um tratamento terno, desses que na vida a gente não esquece nunca.

O velho Alexandre Raposo, vizinho do meu outro avô, José Adriano da Costa, pai do meu pai, era um tipo sanguíneo e pegava corda com tudo. Disse a meu avô que, quando um vaqueiro seu o chamou de velho: “Velho?!” — respondeu — “Vá lá em casa à noite que eu mostro a velhice”. Meu avô contou a história e comentou: “Velho debochado e mentiroso.”

Manuel Bandeira, o grande poeta, colocado na minha lista dos maiores, foi meu amigo — com ele sempre estava na casa de Odylo Costa, filho, outro grande poeta e meu eterno amigo. Bandeira era solteirão, mas, até o fim da vida, louvador do sexo feminino. Ainda moço, mas sempre com o sentimento de fragilidade diante da vida com que a tuberculose o marcara, escreveu: “Que mais queres / Além de versos e mulheres?… / — Vinhos!… o vinho que é o meu fraco!… / Évoé Baco.”

Todos os dias agradeço a Deus a graça da vida que me deu, através de meu pai e de minha mãe. Pôs a mão na minha cabeça e fez tudo por mim. Estou chegando aos noventa. Escrevi 122 livros, em 172 edições, com alguns traduzidos em doze línguas. Deus me fez Presidente da República, Governador do Maranhão e deu-me a felicidade de trabalhar pelo povo brasileiro, pelo Maranhão, pelo Brasil.

Fez-me membro da Academia Brasileira de Letras, hoje o decano, com quarenta anos de eleito. Não tenho ódio de ninguém, nunca cravei, por meu desejo, espinho algum no peito de ninguém.

Qual o período em que fui mais feliz? A infância, sinônimo de felicidade.

Deu-me uma família, que constitui com Marly e três filhos — Roseana, Fernando e Sarney Filho — que só me deram alegria e orgulho. Quem me ajudou? Deus. A ele, meu Pai Eterno, graças pela graça da vida, aleluia. Estou na Primeira Idade.

Primeira Idade

Norberto Bobbio, o grande cientista político italiano, já perto de completar cem anos, perguntado sobre a velhice, respondeu: “A velhice é muito boa, só tem um defeito, dura pouco.”

Agora, muita gente me tem feito a mesma pergunta. Eu digo que não sei, porque não sou velho; sou às vezes um adolescente, outras vezes um adulto curioso. Continuo estudando muito, lendo e trabalhando.

Magalhães Pinto me dizia que “velho é quem tem um ano mais do que eu”. Quase o que repetia o meu avô Assuéro, pai de minha mãe Kyola: quando o chamavam de velho ele prontamente respondia que “velhas são as estradas”.

Já o grande Picasso, ao chegar aos noventa anos, foi rápido no gatilho: “Estou com saudade dos meus oitenta anos.”

Eu tenho uma ojeriza a certos termos que passaram a usar para a velhice: terceira idade, melhor idade e outras mais. Eu tenho horror a essas expressões. Melhor chamar velho, ancião, velhote. Quando eu era menino me chamavam de Zequinha, agora só algumas primas da minha idade ainda me chamam assim. Tenho um primo, filho da minha tia Martinhana, Isaac Lobato, que mora em Santa Catarina, para onde foi logo depois de formado em medicina e onde fez grande nome, hoje um dos mais respeitados médicos daquele estado. É um pouco mais velho do que eu — uns três anos. Sempre falamos ao telefone. Ele vai logo dizendo “Como vai, Zequinha?”, e eu respondo “Vou bem, Isaquinho”, como o tratava em nossa juventude. Não é nada artificial, é apenas um tratamento terno, desses que na vida a gente não esquece nunca.

O velho Alexandre Raposo, vizinho do meu outro avô, José Adriano da Costa, pai do meu pai, era um tipo sanguíneo e pegava corda com tudo. Disse a meu avô que, quando um vaqueiro seu o chamou de velho: “Velho?!” — respondeu — “Vá lá em casa à noite que eu mostro a velhice”. Meu avô contou a história e comentou: “Velho debochado e mentiroso.”

Manuel Bandeira, o grande poeta, colocado na minha lista dos maiores, foi meu amigo — com ele sempre estava na casa de Odylo Costa, filho, outro grande poeta e meu eterno amigo. Bandeira era solteirão, mas, até o fim da vida, louvador do sexo feminino. Ainda moço, mas sempre com o sentimento de fragilidade diante da vida com que a tuberculose o marcara, escreveu: “Que mais queres / Além de versos e mulheres?… / — Vinhos!… o vinho que é o meu fraco!… / Évoé Baco.”

Todos os dias agradeço a Deus a graça da vida que me deu, através de meu pai e de minha mãe. Pôs a mão na minha cabeça e fez tudo por mim. Estou chegando aos noventa. Escrevi 122 livros, em 172 edições, com alguns traduzidos em doze línguas. Deus me fez Presidente da República, Governador do Maranhão e deu-me a felicidade de trabalhar pelo povo brasileiro, pelo Maranhão, pelo Brasil.

Fez-me membro da Academia Brasileira de Letras, hoje o decano, com quarenta anos de eleito. Não tenho ódio de ninguém, nunca cravei, por meu desejo, espinho algum no peito de ninguém.

Qual o período em que fui mais feliz? A infância, sinônimo de felicidade.

Deu-me uma família, que constitui com Marly e três filhos — Roseana, Fernando e Sarney Filho — que só me deram alegria e orgulho. Quem me ajudou? Deus. A ele, meu Pai Eterno, graças pela graça da vida, aleluia. Estou na Primeira Idade.

Política x Ciência

Há agora uma novidade na discussão política brasileira. Sumiu a controvérsia e discussão sobre os ismos (comunismo, fascismo, populismo etc.) para, diante da catástrofe do Coronavírus, surgir o grupo dos adeptos dos cientifistas e dos guedistas, ou seja, dos que querem seguir o que determina a OMS (Organização Mundial de Saúde) com o isolamento e daqueles que querem ver o libera geral: todos comprando porque a economia está acima da ciência, isto é, da vida.

O que se discute não é racional. O que está ameaçado não é a economia, é a espécie humana, é a vida, repito. Já disse que quem não vive não compra nem vende.

Este vírus é um inimigo inédito. Tem dois aspectos que intrigam os cientistas, que, no mundo inteiro, estão unidos e cooperando entre si, apoiados em centros de pesquisa com todos os instrumentos disponíveis do saber humano: 1) por que a família dos Coronavírus (que inclui a do resfriado comum) é tão eficaz?; e 2) por que sua doença demora duas semanas incubada e continua se espalhando?

A verdade é que não existe nada confiável que possa enfrentá-lo. A única solução é evitar o contágio, com o isolamento e, fora dele, com o uso de máscara por todas as pessoas. Nenhum remédio, nenhuma vacina apareceu como eficaz. Existem cerca de cinquenta centros de pesquisa, os melhores do mundo, trabalhando dia e noite, e avançaram bastante, mas precisam de algo que não há como superar: TEMPO. Pelo menos um ano para o que chamam fase 1, muito mais para a fase 2, a partir da qual a vacina poderá ser adotada. Os mais avançados são o chinês CanSino, de Tianjin, e os americanos Moderna e Janssen — o governo americano destinou três bilhões de dólares para pesquisa e desenvolvimento da vacina.

A OMS está fazendo o ensaio clínico Solidarity, por um pool de instituições de pesquisa de dezenas de países, para estudar inicialmente quatro tratamentos com remédios já existentes, que podem atacar o vírus: cloroquina e hidroxicloroquina, usados contra malária; combinação de ritonavir com lopinavir, contra HIV; estes dois mais interferon-beta; e remdesivir, um antiviral.

O grande economista Raghuram Rajan, que foi presidente do Banco Central da Índia, fez uma frase que define nosso momento: “Esta crise não perdoa a incompetência.”

Nós, políticos, precisamos refletir sobre o fato de que nenhum dos sistemas e teorias políticas praticados na História foi capaz de fazer, pela Humanidade, o que fez a ciência. Nenhum político pode ser igualado a Fleming, que descobriu a penicilina e possibilitou o desenvolvimento dos antibióticos, que curam as infecções e aumentaram a perspectiva de vida do homem. O que não dizer de Sabin, que descobriu a vacina contra a paralisia infantil, de Pasteur, de Madame Curie, de Koch e de tantos e tantos outros!

A solução é a vacina. Até lá ficarmos em casa e lamentar não termos aprendido a fazer crochê

Nostradamus e o Corona

Acho que todos nós a quem Deus deu a graça da vida já passamos muitas vezes pelo anúncio de que o mundo ia acabar. Algumas vezes marcavam data, outras vezes invocavam as profecias de Nostradamus ou de outros profetas menos votados. Nostradamus desde 1555, quando escreveu seu livro Profecias, assusta a humanidade.

Dizem que previu a Revolução Francesa, Hitler, a tragédia das Torres Gêmeas de Nova Iorque e, agora para 2020, como todos os anos, furações, tempestades, enchentes, a deposição de Kim Jong Il (Deus queira que se realize), um concurso de cabelos congelados no Canadá, que está fazendo furor, mas foi incapaz de profetizar a mais fácil, que seria o terremoto de Lisboa de l755, que ocorreria 200 anos depois de publicação do seu livro e que destruiu a bela capital portuguesa, mas possibilitou a ascensão do Marquês de Pombal.

Estou como no mosteiro de um ermitão em minha casa de Brasília, minha mulher feliz porque eu não saio há 20 dias. A TV é só catástrofe e o medo é o sentimento que circula em todos os corações. Principalmente no meu, a 20 dias de completar 90 anos de idade.

Já passei também por outro anúncio do fim do mundo, na minha querida cidade de São Bento, este com data marcada, as casas com cruzes riscadas em carvão atrás das portas para espantar o diabo. Felizmente a data passou e ainda assisti a muitos anos passarem. Impossível chegar a 3.979, ano final das profecias de Nostradamus.

Mas, bom humor à parte, estou profundamente apreensivo. Porque do mundo acabar sempre temos notícia, mas a humanidade acabar é a primeira vez que presencio. E este momento não é profecia, tem lógica, porque muitos livros já o aventaram com a ameaça das doenças desconhecidas, que podem chegar e cortar a história do homem na face da Terra.

Quem não acredita em Deus pode aceitar isso. Nós, cristãos, não, porque então seria, como dizia S. Paulo, “vazia a nossa fé”.

Mas acredito que o mundo será diferente depois da crise do Coronavírus. O Homem terá que pensar em modificar esse tipo de sociedade consumista e de sublimação dos prazeres, para pensar num mundo mais fraterno, mais humano e com maior justiça social. Foi essa a mensagem do Papa, na bênção Urbi et Orbi, na semana passada. Quando o vi atravessando a Praça de São Pedro, só e frágil debaixo de chuva, senti que a solidão a que estamos forçados, afastados inclusive das missas e da comunhão, é uma travessia para um mundo com o mandamento que Jesus nos deu: o do amor. Como dizia São Paulo: “O que fica agora é fé, esperança, amor — estas três coisas. Mas destas a maior é o amor.” (1Co, 13, 13)

A sociedade de comunicação, virtual e destruidora de valores morais, dará lugar a uma utopia realizada de caridade, justiça e igualdade.

Hora de união

Ler demais nos leva a encontrar em turnos otimismo ou pessimismo. Nesta crise do Coronavírus que enfrentamos agora, penso no que li sobre o futuro da Humanidade. Escrevi semana passada sobre isso. No livro So Human An Animal(Um Animal Tão Humano), René Dubos — microbiologista e humanista franco-americano que desenvolveu os primeiros antibióticos naturais e ganhou o famoso Prêmio Pulitzer de 1969 — faz uma reflexão sobre a nossa condição animal e, dentro da teoria da evolução, uma advertência de que sem dúvida haverá uma resposta biológica para o nosso destino como espécie.

Estamos agredindo a ecologia e destruindo uma sociedade justa e humana. Assim “de uma forma previsível e em um momento desconhecido, a natureza vai nos atingir de volta”. Isto nos dá um calafrio. De tempos em tempos a natureza nos tem dado sustos.

Os infectologistas dizem que a nossa mexida na ecologia e a civilização urbana nos conduzem a riscos de saúde ameaçadores.

O Coronavírus SARS-CoV-2 (síndrome respiratória aguda grave 2) tem um tempo diferente. Enquanto no passado os vírus levavam anos para chegar ao mundo todo, viajando em caravelas e com poucos contatos, hoje eles viajam a jato, e a circulação de milhões de pessoas, num mundo tornado pequeno pela globalização dos transportes, faz com que rapidamente sejam disseminados.

Estamos parando a vida social que construímos, e a maior parte da população mundial urbanizada, cercada pelo medo, altera a própria convivência, sem ver amigos e parentes.

Que importam as bombas nucleares, a guerra química, o crime organizado, as drogas, a disputa pela hegemonia de poder, em qualquer nível, se estamos ameaçados de desaparecer?

São reflexões que nos levam a despertar o sentimento de solidariedade, de caridade, de grandeza, e exigem dos governantes pensar mais alto.

Partidos, líderes, magnatas, sábios, celebridades e dignitários de todos os poderes comungam dos mesmos temores e sofrem as mesmas angústias.

É hora de pensar que somos irmãos, que tivemos a sorte de receber a graça da vida e não podemos destruí-la em inútil luta por poder ou dinheiro, entre raças ou religiões.

As nações devem seguir outro rumo. Em vez da lei do mais forte, de mais armas, de mais violência, devemos tornar a Humanidade mais justa, os pobres menos pobres e seguir os ensinamentos cristãos de amar ao próximo e perdoar.

Nesta hora difícil de uma pandemia que não sabemos quando e como vai acabar, estejamos todos solidários, pondo de lado qualquer divergência para superar, com a graça de Deus, essa desgraça.

Triste interlúdio: o Coronavírus

Vou hoje interromper a minha série de reminiscências sobre o meu governo para falar sobre o pânico que invade o mundo todo: o Coronavírus, que fez o mundo entrar em choque.

Mas vou também no rumo das reminiscências. Em 1994 eu estava em Xangai numa reunião do InterAction Council, uma Fundação de ex-Chefes de Estado e de Governo do mundo, de que faço parte — naquele tempo tendo a companhia na representação da América Latina de meus saudosos amigos De La Madrid (México) e Alfonsín (Argentina) —, reunidos para discutir os problemas da humanidade. Entre os convidados, como experts globais, estavam McNamara, Kissinger, Lee Kuan Yew, o fundador de Singapura, grande político e intelectual. O tema era os problemas que ameaçam o futuro da Humanidade.

O assunto fascinante já vinha de reuniões anteriores. A lista era longa: armas e vetores nucleares, guerras globais, crime organizado, drogas e muitos e muitos outros.

Presidia a reunião Takeo Fukuda, ex-Primeiro Ministro do Japão, grande e famoso estadista. Era copresidente Helmut Schmidt, da Alemanha, o maior orador que conheci. Ele colocou no debate as doenças desconhecidas e as migrações massivas. Dizia ele que a espécie Homo Sapiens Sapiens era fruto de um acaso da evolução, na mutação genética, e que nada nos garantia que no futuro não tivéssemos mutações que implicassem em doenças desconhecidas que ameaçassem a nossa espécie. Quanto às migrações massivas, estas seriam causadas pela quebra do balanço alimentar e hídrico de populações, que, desesperadas, se deslocariam em busca de sobrevivência. Todos nós ficamos inquietos com a pauta das discussões, uma vez que julgávamos vir o perigo dos conflitos globais, a China potência naval, a disputa pela hegemonia mundial e as armas de destruição em massa.

Com o Coronavírus atual lembro a genialidade de Helmuth Schmidt, que nos dizia que, nessa busca do poder e do dinheiro com que vivemos, nos esquecemos de que nos milhões de anos que virão poderemos acabar com nossa espécie pela própria evolução, como desapareceram tantas ao longo dos milhões de anos que percorremos até chegarmos ao que somos hoje: uma espécie nova, de apenas cem mil anos!

O Professor Hermann G. Schatzmayr, convidado por mim, quando Presidente do Senado, para participar do livro Profecias para o Século XXI, que editei — uma obra notável, em que reuni os melhores cérebros do Brasil para fazerem suas previsões —, disse que era necessária uma ação coordenada mundial para vigilância e pesquisa, porque todo dia surge uma doença nova.

No passado existiram muitas doenças novas que foram letais. Mas o mundo era pequeno, e hoje vírus e bactérias viajam de avião e se transportam para toda parte.

Talvez seja hora de todos pensarmos numa Terra mais solidária, que se preocupe com a vida que a graça de Deus nos possibilitou e não com a ambição e sublimação dos prazeres. Enfim, um mundo melhor que não nos conduza ao Juízo Final.

O ano vai começar

O Brasil tem calendários diferentes dos resto do mundo, a começar pelas estações do ano.

Aqui só temos inverno e verão, inverno quando chove, verão, quando as chuvas não aparecem, e se surgem são atribuídas às frutas: do caju, da manga e assim por diante.

Estas são sempre seguidas de muito trovão e raio e passam rápido.

Depois, as nossas divisões do ano são marcadas pelas festas, santas ou pagãs. O Carnaval marca os dois primeiros meses. Depois vem a Quaresma, que dura quarenta dias, até o Domingo de Ramos. A Semana Santa culmina com a celebração da Eucaristia na Quinta-Feira, do Sacrifício na Sexta-Feira, a Aleluia e a Páscoa; a Paixão de Cristo sempre encenada e movimentando a população, como as procissões do Bom Jesus da Cana Verde, do Encontro e, para misturar tudo, a malhação do Judas — um Carnaval fora de época, com os bailes das aleluias, uma “páscoa” regada às toneladas de chocolate, referência especial de Gramado, e que os baianos não deixam passar em branco. Depois vem o São João com as quadrilhas, os forrós e as danças de São Gonçalo das Moças.

Se tem Copa do Mundo aí é que a coisa pega fogo, porque o país para de vez e é Carnaval todo dia, com ruas enfeitadas, bandeirinhas e bandeirolas, cerveja em toda porta de casa com amigos e aderentes, todos na torcida e improvisando botequins nas calçadas e em todos os andares dos edifícios.

Vem o 7 de setembro e o patriotismo por uns dias toma conta, sobretudo da meninada, e vai ao máximo se tem Esquadrilha da Fumaça.

Em anos de eleição este mês é o auge de trabalho de moças e moços, que, de bandeiras nas mãos, espalhados por todos os congestionamentos de trânsito, gritam o nome de candidatos de que nunca ouviram falar, nem sabem de quem se trata, tudo por cinquenta reais por tarde!

Chega outubro com as grandes concentrações religiosas do Círio de Nazaré, de Aparecida, do Juazeiro do Padre Cicero. Quando começa novembro começamos a ouvir longe os primeiros sinais dos sinos do Natal.

Afinal, depois de falarmos do ano inteiro, o essencial é dizer que o ano realmente começa depois do Carnaval. Essa é a festa das festas, aquela de que até hoje se discute quando começou. Os mais fanáticos dizem que vem das famosas bacanais romanas, importadas da Grécia, em que se homenageava o deus Baco, regadas a vinhos e orgias, e que de tal modo se excederam que o Senado Romano as suspendeu no ano 186 antes de Cristo. Outros o ligam às Saturnálias, também livres e pândegas, festas do deus Saturno, que também eram célebres na antiguidade.

Não vamos dizer que o nosso Carnaval seja tanto …assim… como aquelas festas do passado, porque a nossa só faz com que as mulheres de todas as idades mostrem seu corpo e as novas, queimadas de sol, aproveitem para também mostrar os seios, guardando o essencial, tudo para se preparar para as abstinências da Quaresma…

Outros povos comemoram também outros calendários, como o chinês, o judaico, o ortodoxo Juliano e um do meu avô, que dizia que ano novo era o do seu aniversário, nada do começado em janeiro.

É assim que o ano passa, e vai começar agora, neste ano que tem Carnaval, São João, Copa e eleição. Haja paciência para tanta monotonia!

Ai se eu te pego!

O inverno, como aqui chamamos o tempo das chuvas, sempre fez parte da cultura do Maranhão – e o Amapá – como uma época em que muda o ânimo das pessoas, dos bichos e da terra. As primeiras chuvas trazem nos pingos d´água um gosto da alegria. Reclama-se dos transtornos que elas causam, mas são recebidas com satisfação.

Mais do que na capital, elas representam uma cultura do interior ligada à fertilidade, à dimensão da safra, à chegada das primeiras espigas, às festas do milho verde, das canjicas, das pamonhas e dos bolos de milho.

Lembro-me como ficaram indeléveis na memória da minha infância em São Bento as expressões de todos “os campos estão enchendo”, perigo das cobras fugindo das águas e invadindo as casas; os pássaros de arribação que chegavam, como os jaçanãs, as marrecas, os mergulhões, os socós e os peixes: jejus, acarás, bagrinhos.

Lembro-me bem quando aqueles véus opacos de rajadas de chuva começavam a cair no campo aberto e ficando verde, com os brotos que nasciam da canarana, do arroz brabo, do andrequicé. O coro dos sapos, na sua linguagem das contas, os pequenos gritando “dois mais dois”, os maiores respondendo “quatro” e os outros “quatro mais quatro”, “oito” e então a saparia geral a gritar ” oito mais oito “, e todos em zoada geral: “dezoito, dezoito, dezoito……”. Então, entrava o sapo velho com todas as forças de sua garganta de sapo, proclamava: “Tá errado, tá errado…” E nós meninos, brincando de sapo na cantoria que eles entoavam. As muriçocas chegando, os besouros, o ritual da queima de estrume de boi para afastá-los. Tudo isso eu falo não com um sentimento de saudade, mas de nostalgia. Nada mais definitivo em todos nós, do que o tempo de menino e menino da Baixada tem o inverno, o campo, os bichos e os capins como lembranças indeléveis. Quando o inverno era dessas chuvas de pingo grosso que doía na costa quando tomávamos os eternos “banhos de chuva”, dizíamos que era “inverno tradicional”, forte e de todos os dias e aqueles de tempo cinzento, de chuvinha rala, essas que duravam o dia todo, era a voz do meu avô que dizia: “Este é o inverno criador, bom para o gado, pois não alaga tudo de uma vez só”.
O homem mexeu com tudo e fez cidades nas beiras do rio e nas grandes, com asfalto e calçamento, não deu mais condições da água infiltrar-se para formar o lençol freático, e então vêm as enchentes que param tudo, invadem as pobres residências e se vê repetir a cena diária das televisões, das ruas serem rios e dos desastres das barreiras com dramas e tragédias familiares.

Há o velho provérbio nosso de “abril chuvas mil, maio trova e raio”.

Todos os dias quando falo com São Luís é minha primeira pergunta: já chovendo muito? E a resposta “às vezes sim, às vezes não”, com as justificativas de que tudo está mudando.

E o tráfego da cidade cada vez mais caótico. Já sem água é difícil, “que dirá com as ruas alagadas e os buracos que a Prefeitura não tapa”.

Pergunto por Roseana e me dizem que está no interior no governo itinerante. Respondo: “Com essa chuva toda”. Mas ela me liga e diz: “Temos de inaugurar os hospitais, quase todos prontos e meu governo tem de funcionar até debaixo d´água”.
Ah! Inverno da minha infância: “Ai se eu te pego!”.

Esquecer e lembrar

Os psicanalistas apresentam como certeza que a gente não esquece as coisas pelas quais guarda interesse e esquece as que não nos interessam. A memória se encarrega dessa diabólica lei seletiva.

Isso para a política é trágico, porque o bem que se faz é logo esquecido, e os inimigos ficam inventando sempre o mal que não se fez. O Senador Vitorino Freire, que marcou sua chefia política com mão de ferro, dizia adotar em relação aos adversários a seguinte conduta: “Quando meus inimigos não têm rabo, eu ponho rabo neles.”

Estas considerações me ocorreram com a leitura de uma pesquisa feita na Inglaterra sobre a notável figura de Winston Churchill, considerado por seus biógrafos como o maior estadista dos tempos modernos. Churchill salvou a humanidade da tragédia da Segunda Guerra Mundial, resistindo ao nazismo. Pois essa pesquisa procurou saber o que o povo pensava sobre seu grande líder e herói.

Os historiadores modernos consideram que a Segunda Guerra Mundial foi vencida pelo sangue dos russos (que perderam mais de vinte milhões de vidas!) e pelo dinheiro dos americanos, que contribuíram com armas, aviões, tanques e todo equipamento bélico necessário, esquecendo o grande vencedor, Churchill.

Pois bem, qual a surpresa quanto ao resultado da pesquisa? Ela revela que a maioria do povo, sobretudo os mais jovens, esqueceu o grande líder. Ao inquirirem sobre quem era Churchill, os pesquisadores foram surpreendidos com a resposta da maioria de que “era o cachorro que figurava no anúncio do charuto Churchill”, massificado pela mídia — a publicidade do cigar que homenageava o estadista misturara dois símbolos seus: o charuto, de que não se separava, e a característica do buldogue de não largar sua presa.

Quando li isto, resolvi que já era tempo de lembrar um pouco aos mais jovens, que não conhecem a história do Maranhão, qual foi a minha contribuição para retirar o Estado do atraso e, ao mesmo tempo, planejar uma infraestrutura capaz de trazer desenvolvimento para ele. Se aquilo acontecia com o maior estadista inglês, o que não aconteceria com este modesto maranhense de Pinheiro, que foi Governador e Presidente, tão atacado, injustiçado, combatido e vilipendiado político, que dedicou toda sua vida a trabalhar pelo Maranhão?

Por isso, vou utilizar esta coluna dedicada aos leitores para dizer das coisas de que hoje ninguém lembra, nem os jovens podem lembrar, pois não viveram naquele tempo, não viram e não sabem o que era o Maranhão em 1966, quando assumi o Governo do Estado.
Assim, na próxima semana vou tratar da organização administrativa e poderei afirmar, com orgulho, que nada que existe no Maranhão atual deixou de passar pela contribuição de minhas mãos.

ERRAMOS: Também quero fazer uma reparação com o Deputado Hildo Rocha, um dos melhores parlamentares de nossa Bancada, pela omissão injustificável que cometi em meu artigo sobre a Base de Alcântara, quando deixei de citá-lo, pois foi ele quem, na Câmara dos Deputados, foi o Relator do Acordo e a peça chave para esse ser aprovado.